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Fundamentos Psicológicos da Educação Prof. Dr. – Francisco J. Lima1 Apresentação O conhecimento humano é resultado da produção de cada um e de todos na humanidade. Compreender os aspectos psicológicos que envolvem a pessoa humana é crucial para uma interação social esteada na cooperação, no respeito e na participação social de cada indivíduo, independentemente de quaisquer características que venha ter. No presente texto, indicaremos, de maneira breve, um pouco do percurso que o homem faz para aprender, considerando os constructos da Psicologia da Educação como matéria a ser estudada por discentes, não necessariamente do curso de Psicologia. Assim, antes de ser um texto que esgota esta área do conhecimento, é um texto que deixa possibilidades a serem construídas pela interação indispensável de professor/tutor/aluno, por intermédio do recurso educativo, que é o texto materializado no papel e na interação virtual. As várias questões, que deverão ser suscitadas a partir da leitura do presente material, serão (por intermédio de recursos tais como chats virtuais) debatidas, refletidas e ampliadas pelos agentes mediadores da disciplina. Exatamente, por este material ter sido produzido para uma educação a distância, é que construímos um texto que requer dos agentes de ensino e 1 Professor adjunto do Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, tradutor e intérprete, psicólogo, coordenador do Centro de Estudos Inclusivos. E-mail: cei@ce.ufpe.br aprendizagem uma interação, pois como veremos com os estudos de Vygotsky e Piaget, estarão na interação social e na atividade do indivíduo, a aquisição do conhecimento. Logo, não poderíamos construir um material de sustentação para esta disciplina, que na sua própria forma, não presumisse a participação do professor mediador. O ensino a distância não é a distância do aluno em relação ao professor, não é seu afastamento físico dos demais colegas e nem mesmo é a comodidade de cursar uma disciplina longe do espaço físico da universidade. A educação a distância é a oportunidade de levar a mais pessoas a educação, ampliar a essas pessoas o universo de relações sociais, mesmo quando um colega de curso está a quilômetros de distância ou mesmo na mesa ao lado. Contribuirmos, pois, com a educação a distância pelo ensino da Psicologia Educacional é propiciarmos com que a reflexão e a cooperação entre as pessoas se dêem, ainda que uma não esteja fisicamente ao lado da outra. A construção lógica do presente material fará, pois, pleno sentido, quando a participação do professor e dos demais colegas for materializada por intermédio desta via que hoje encurta distâncias, inclui pessoas, desenvolve o pensamento crítico, a cooperação e integra recurso tecnológico com a pessoa humana, sem tirar desta a prioridade. O texto que aqui é sucinto será significativamente ampliado pela provocação/estimulação do docente. Entretanto, na forma em que se encontra, permitirá ao aluno caminhar por si só e/ou com seus colegas na investigação de seu conteúdo, buscando aprofundamento dos conceitos apresentados, bibliografia complementar, relatos de aplicabilidade, ideias que discordam e ideias acordes com o que aqui apresentamos. Esperamos que o presente material seja um ponto de partida, pois certamente, não construímos, nem tivemos a intenção de fazê-lo, um ponto de chegada. De fato, ao apresentar a Psicologia da Educação, visamos trazer dela contribuições para a prática cotidiana do docente. Acreditamos que os alunos desta disciplina possam, a partir deste material, responder a uma necessidade social, presente em nosso país, qual seja, a de ter recebido uma educação de qualidade, crítica, ética, respeitosa e cidadã. O professor está pronto para aprender e espera que o aluno lhe mostre o quê, como e o ritmo de ensinar, conforme a necessidade de cada estudante. Ao ter se deparado com este texto, esperamos que o estudante possa extrair, das teorias psicológicas, as orientações que lhe sirvam ao melhor ensino de seus futuros alunos. Esperamos que tenha desenvolvido um pensamento reflexivo a respeito da prática docente, por intermédio do despertar crítico, quanto aos modos tradicionais de ensino, sempre que desrespeitam o aluno, sua individualidade, potencialidade e necessidade de estudante e pessoa humana. Por fim, almejamos que o aluno possa ter tido a oportunidade de conhecer, não só pela leitura retilínea deste texto, mas pela reflexão sobre ele, um pouco dos elementos que envolvem o processo de ensino-aprendizagem e a prática docente, consciente de que esse processo não pode excluir o estudante como agente ativo, interativo e cognoscitivo. Assim, convidamos a cada estudante a ajudarmos a construir o conhecimento. 1- Introdução Todo estudo de uma área implica no reconhecimento, entendimento e aplicação de conceitos específicos do campo estudado. As terminologias/conceitos que esteiam o corpus científico/teórico de estudo, portanto, devem ser entendidos sob a perspectiva da área específica, muito embora possam ser utilizados, com nuances diversas, em áreas afins e, por vezes, antagônicas. A esse respeito Laface (1997) diz que: Vocabulários terminológicos determinam-se como objetos históricos e institucionalizados. Apresentam-se sob a forma de um repertório de termos definidos em áreas diversas de conhecimento e descrevem um certo objeto de valor. Estruturam-se, cognitivamente, fora da língua, mas instrumentalizam-se dela e, com ela, dinamizam o sistema de representação do universo humano. Manifestam-se no discurso e, como parte dele, significam coisas. (Laface, 1997: 35) A seu turno Barbosa apud Laface op.cit ensina que: (...) o universo de discurso metalingüístico de uma ciência - representação e síntese das suas descobertas e do saber construído -, quando bem elaborado e dotado da desejável precisão, conduz ao aprimoramento da atividade investigadora e da prática profissional correlata, em sua abrangência, de tal forma que esse discurso vem a ser enriquecido com novos ―fatos‖ e correspondentes unidades lingüísticas, reafirmando- se o processo dialético de alimentação e realimentação entre ciência básica e ciência aplicada. (BARBOSA, In LAFACE, 1997:13) Ao estudarmos, então, os Fundamentos Psicológicos da Educação, é importante construirmos as bases sobre as quais esta disciplina será erguida. Por fundamentos entenderemos tudo que for pertinente e/ou inerente aos princípios que regem, sustentam e orientam o campo de estudo da psicologia da educação. Por psicologia abarcaremos, no sentido mais amplo, a ciência que estuda o comportamento humano, a partir de processos subjetivos e inter- relacionais. Como alertam diversos estudiosos, entre eles Bock, Furtado & Teixeira (2002), a Psicologia possui diversos objetos de estudos, cada um dos quais entendidos em teorizações específicas. Assim, se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: ‗O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano‘. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: ‗O objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente‘. Outros dirão que é a consciência humana, e outros, a personalidade‖ (Bock, Furtado & Teixeira, 2002: 21). Os autores citados entendem que a complexidade na definição do objeto de estudo da Psicologia dá-se também pelo fato de que o pesquisador se confunde com o objeto estudado. Significa dizer que é o homem o objeto de estudo da Psicologia e, neste caso, o pesquisadorse inclui na mesma categoria ―homem‖, ou seja, ―estudar o homem é estudar sobre si mesmo‖ (Bock, Furtado & Teixeira, 2002: 20). É diferente, por exemplo, quando se pensa no objeto de estudo das ciências naturais, da biologia, da matemática, da química, da física. É o que diferencia, portanto, o campo de estudo das ciências humanas, no qual se inclui a Psicologia, a Educação. Já por educação estenderemos o conceito à amplitude de todo o processo que envolve a aquisição, transmissão e construção do conhecimento, não só nos espaços escolares, tipicamente conhecidos como espaços educacionais, mas também em todo e qualquer ambiente físico e social, inclusive internet, em que haja a interação humana com vistas, ou como resultado de ensino, à aprendizagem e transmissão/troca de conhecimento. Em consonância com o que ensinam Barros e Barros (1999), os fundamentos psicológicos da educação, portanto, consideram o indivíduo, desde zero ano, à vida adulta, na extensão da longevidade humana. Educação, em sentido lato, é um processo contínuo e complexo que vai desde o nascimento até à morte, abrangendo todos os espaços. O homem é um ser educando e educável, sempre e em toda a parte. Porém, em sentido mais restrito, a educação pode limitar-se topográfica e cronologicamente. O primeiro espaço educativo é a família, logo seguido da escola. Ambas as instituições devem visar a educação global da criança, cabendo à escola uma incidência particular na área cognitiva ou instrucional. Por seu lado, o tempo educativo por excelência abrange a infância e a adolescência. A Psicologia da Educação limita-se essencialmente ao espaço e ao tempo escolar, sem contudo menosprezar outras instâncias educativas, designadamente a família, dada a sua importância decisiva, colaborando a escola com os pais na causa comum que é a promoção do educando, a todos os níveis, em ordem à sua perfeição e felicidade. Quanto ao tempo, investe particularmente na primavera da vida, quando o educando é mais moldável e susceptível de ser ajudado a desenvolver-se em todas as dimensões, mas na consciência de que a pessoa, em qualquer etapa ou estação da vida, deve progredir até à maturidade plena. A Psicologia Educacional tem como núcleo central o processo dinâmico ensino/aprendizagem ou os diversos sistemas instrucionais, para que a aquisição e administração de conhecimentos se tornem mais científicas (Barros e Barros, 1999:5) Segundo os autores, a compreensão do que vem a ser psicologia da educação passa pelo entendimento das áreas que compõem esta ciência que, a propósito, não constitui a ―psicologização‖ da educação, mas a psicologia atuando em aspectos educacionais junto à educação. Nas palavras dos autores (op. cit: 12): Para compreender e definir melhor a Psicologia da Educação, é conveniente definir os termos de que é composta esta designação Psicologia e Educação - e ainda Pedagogia. Muitos autores preferem a denominação de Psicologia Pedagógica ou de Psicopedagogia à de Psicologia da Educação. Outros chamam-lhe ainda Psicologia da Aprendizagem ou Psicologia Escolar, mas estas não esgotam nem se identificam totalmente com a Psicologia da Educação. Em suma, definem os autores que a psicologia da educação é ciência que organiza cientificamente os conhecimentos pertinentes à educação, colaborando na escola, porém de modo diverso à da psicologia da educação, muito embora a diferenciação terminológica não seja muito clara e encontre unanimidade entre os autores. De qualquer modo, os autores chamam a atenção para o fato de isso não ser o que mais importa, sendo, de fato necessário considerar que: (...) Na realidade, a Psicologia da Educação deve ter em conta todos os componentes do complexo processo educativo e dos dois pólos ou agentes educativos (educador e educando), bem como a relação entre ambos. Podemos afirmar que o seu objecto é a análise, promoção e avaliação do comportamento do educador e do educando em situação educativa, através de métodos científicos, com objectivos mais ou menos a curto ou a longo prazo, mais ou menos próximos (operacionais) ou finais, específicos ou gerais. A Psicologia da Educação estuda as condições psicológicas que rodeiam o acto educativo ou as implicações (mais do que aplicações) da Psicologia do Desenvolvimento e de outros ramos da psicologia no processo instrucional e educativo. Ela tenta fazer com que o ensino revista um carácter mais científico, para além do amadorismo e da simples boa vontade, através da elaboração de desenhos de planificação do processo instrucional que o psicólogo da educação deve ser capaz de programar, ajudando os professores no tratamento científico do acto educativo para que ele seja mais rigoroso e eficaz e se processe através das etapas estabelecidas (cf. Mayor (Dir.), 1985, pp. 557-561). A Psicologia da Educação tenta dar ao professor princípios e técnicas que lhe permitam compreender e intervir eficazmente no processo ensino- aprendizagem e capacidade para avaliar o produto, levando a um funcionamento mais eficaz da dinâmica escolar. Sprinthali e Sprinthall (1993, p. 8) falam de quatro pontos da agenda do processo de ensino-aprendizagem a ter em conta pelo psicólogo educacional: características dos alunos, atitudes dos professores, estratégias de ensino, matéria ou conteúdos. Esquematicamente devem definir-se as diversas circunstâncias: quem educa e a quem (agente e ‘paciente‘), o quê (conteúdos), como (métodos), porquê (objectivos) e o que resulta (avaliação). Em linguagem mediática ou telemática poderíamos falar de emissor (educador), mensagem (conteúdos), canal (métodos, estratégias), receptor (educando), em constante interacção e ‘feedback‘. (Barros e Barros ,1999:17-18) Pelo que podemos notar, pois, a psicologia da educação tem amplitude de ação, sem, contudo, dever ingerir no ato educacional, por assim dizer, substituindo ou assumindo o papel do pedagogo, do professor regente de uma dada escola, independentemente do nível de estudo, do espaço educativo ou do sujeito que aprende. 2- Introdução ao estudo das relações entre Psicologia e Educação 2.1- Possibilidades e limites da interação Segundo Larocca (1999:13), ―as raízes da difícil, porém necessária, relação entre Psicologia e Educação podem ser encontradas na própria história da ciência psicológica‖, quando a autora relembra a conquista do estatuto científico da Psicologia no final do século XIX. Fortemente marcada pelas descobertas da Biologia e influenciada pelo ideário burguês, a Psicologia preocupou-se mais com o estudo da natureza individual do homem, deixando de lado, neste primeiro momento, as questões sociais que afetam o individual (LAROCCA, 1999:14). Segundo a autora, o contexto histórico permitiu perceber que a relação da Psicologia com a Educação, desde seu início, se baseou na tentativa de adequar o homem à vida em sociedade. Caberia, assim, à Educação, com o auxílio da Psicologia, ―promover este ajustamento ao mesmo tempo em que os conflitos sociais e a origem das diferenças de classe permaneciam ocultos‖ (p. 14). A autora versa que a principal influência da Psicologia na Educação deu-se no Movimento da Escola Nova que, ―surgido no seio do liberalismo burguês, tomou-a como ciência fundamental da Pedagogia segundo o princípio de que os homens diferem entre si em potencialidades e aptidões e que é preciso favorecer, pela educação, o seu pleno desenvolvimento‖ (Urt, 1989, apud Larocca, 1999: 14). A partir desta contribuição, ―a Psicologia passou a ser a base de sustentação das propostas que se geraram no meio educacional, como é o caso do Escolanovismo e do Tecnicismo‖ (opcit, p.14) . Pode-se, assim, compreender que os limites de interação entre a Psicologia e a Educação estão no campo dos chamados psicologismos, quando se prioriza perspectivas a-históricas que excluem os indivíduos da relação com a sociedade. Para Urt (1989), a psicologia da educação está em constante evolução, contudo se limita ao que lhe é inerente como ciência. A atuação do psicólogo educacional, assim, não pode ultrapassar as fronteiras da psicologia educacional, promovendo na escola ou nos estudantes, o setting clínico ou a clinicalização do sujeito aprendiz. Se, de um lado, é possível que um estudante ou professor venha precisar de um psicólogo para atendimento clínico, de outro, esse atendimento não deve ser do mister do psicólogo da educação, o qual estará na escola como um profissional na escola, não um profissional da escola. Este último é claramente, o professor, enquanto o primeiro é o psicólogo, cujo conhecimento colaborará com a relação professor/aluno/família na composição escolar, na interação desses membros da comunidade educacional. Em suma, um psicólogo da educação, psicólogo educacional, não é a resposta para eventos psicológicos, distúrbios psíquicos ou mesmo psiquiátricos de operadores educacionais ou dos alunos destes, mas é profissional, cuja atuação, certamente poderá colaborar ou pelo menos, minimizar a necessidade desses sujeitos em procurar os serviços psicológicos de ordem clínica. A delimitação da atuação do psicólogo educacional, portanto, é importante e requer estreita atenção, visto que se pode, equivocadamente, ver nesse profissional a figura daquele que resolverá ―problemas‖ que são do ofício do professor resolver, ainda que com a colaboração profissional de um psicólogo formado e bem preparado para trabalhar com a escola, nela sendo um profissional na educação, não da educação. 2.2- Papel da Psicologia na formação de professores A educação, termo que vem do latim educare ou educere2, não pode ser entendida como uma ciência cujo o fim em si mesma dá conta de todas as vicissitudes do ensinar, do aprender e do fazer pedagógico. São várias as áreas de conhecimento que sustentam e, ao mesmo tempo, se nutrem da educação. Tais áreas são, de fato, adjetivadas pela educação, sendo modificadas 2 sf - 1 Ato ou efeito de educar. 2 Aperfeiçoamento das faculdades físicas intelectuais e morais do ser humano; disciplinamento, instrução, ensino. 3 Processo pelo qual uma função se desenvolve e se aperfeiçoa pelo próprio exercício: Educação musical, profissional etc. 4 Formação consciente das novas gerações segundo os ideais de cultura de cada povo. 5 Civilidade.(In Michaelis on line, http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues) por ela e a ela modificando. É assim que falamos que há uma filosofia na educação, entendida pela filosofia da educação; há uma história na educação, a qual exprime a história da educação e há, também, entre outras, a psicologia da educação em que se encerra uma psicologia educacional. Logo, a psicologia escolar, a psicologia da aprendizagem, a psicopedagogia são, por assim dizer, um amalgamo de psicologia e educação, não mais sendo apenas psicologia e nem educação. De fato, como vimos, psicologia da educação é uma ciência de objeto e método próprios e distintos, seja da educação, seja de outras ―psicologias‖. No entanto, será da psicologia que os princípios fundadores da psicologia da educação serão oriundos, sistematizados e orientados para contribuir com a educação e vários dos processos a ela pertinentes, a exemplo da organização metodológica de ensino e aprendizagem, da avaliação, da interação professor-aluno, dentre outros. E isso será possível, porque desde seu surgimento no século XIX, a psicologia interessa-se pelo comportamento humano, o processo cognitivo do homem, sua interação social, seu desenvolvimento e demais relações afetivas, além de constructos relativos à linguagem humana, a expressão do pensamento das pessoas, os modos de aquisição do conhecimento etc. Logo, a psicologia como ciência do ―SER HOMEM‖, mais do que defini-lo, é definida por ele, pelas características humano-psicológicas (consciente ou inconsciente) desse sujeito que, em última instância, se confunde com a própria psicologia, diferentemente do que ocorre em áreas como a da biologia, da astronomia e outras. Ao discorrer sobre a natureza científica da psicologia BOCK et al (2002), exprime: No caso da Astronomia, o cientista-observador está, por exemplo, num observatório, e o astro observado, a anos-luz de distância de seu telescópio. Esse cientista não corre o mínimo risco de confundir-se com o fenômeno que está estudando. O mesmo não ocorre com a Psicologia, que, como a Antropologia, a Economia, a Sociologia e todas as ciências humanas, estuda o homem. Certamente, esta divisão é ampla demais e apenas coloca a Psicologia entre as ciências humanas. Qual é, então, o objeto específico de estudo da Psicologia? Se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: ―O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano‖. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: ―O objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente‖. Outros dirão que é a consciência humana, e outros, ainda, a personalidade. (Bock et al, 2002: 20-21) É percebido, pois, que ao tratarmos de psicologia estamos, de fato, tratando de psicologias, mesmo porque, esta é uma área estritamente ligada à pessoa humana, cuja diversidade é expressa pelo número exato de seus membros, isto é, de cada uma das pessoas que compõe a humanidade. Logo, a psicologia, embora aglutinando algumas das áreas em que se inserem os estudos da natureza humana, não é única. Sob esse entendimento, BOCK et al (op. cit.) explica: A diversidade de objetos da Psicologia é explicada pelo fato de este campo do conhecimento ter-se constituído como área do conhecimento científico só muito recentemente (final do século 19), a despeito de existir há muito tempo na Filosofia enquanto preocupação humana. Esse fato é importante, já que a ciência se caracteriza pela exatidão de sua construção teórica, e, quando uma ciência é muito nova, ela não teve tempo ainda de apresentar teorias acabadas e definitivas, que permitam determinar com maior precisão seu objeto de estudo. Um outro motivo que contribui para dificultar uma clara definição de objeto da Psicologia é o fato de o cientista — o pesquisador — confundir-se com o objeto a ser pesquisado. No sentido mais amplo, o objeto de estudo da Psicologia é o homem, e neste caso o pesquisador está inserido na categoria a ser estudada. Assim, a concepção de homem que o pesquisador traz consigo ―contamina‖ inevitavelmente a sua pesquisa em Psicologia. Isso ocorre porque há diferentes concepções de homem entre os cientistas (na medida em que estudos filosóficos e teológicos e mesmo doutrinas políticas acabam definindo o homem à sua maneira, e o cientista acaba necessariamente se vinculando a uma destas crenças). (p. 20) Por isso, dizemos que não há neutralidade em ciência, porém um afastamento relativo do pesquisador do seu objeto de estudo. Isso quer dizer que cada pesquisador deve evitar deixar-se levar por crenças pré-estabelecidas, historicamente construídas e de senso comum e colocar à prova aquilo que investiga e os achados que encontra. Portanto, ele deve distinguir-se do que estuda, sem se deixar ficar, ao mesmo tempo, alheio aos fatos que a ele se apresenta como resultado de sua investigação. Desse emaranhado do ser pesquisador e do ser pesquisado surge a formaçãode quem pesquisa, de quem a investigação científica teve acesso, dos que transmitem o conhecimento advindo do acesso que tiveram aos estudos científicos, historicamente construídos, e dos que aplicam esse conhecimento, por essa transmissão alcançada, no dia-a-dia da humanidade. Posta de maneira mais plana, a Psicologia contribuirá para o entendimento de que cada um é historicamente construído, tanto por sua história pregressa (do momento de sua concepção, não necessariamente do momento de seu nascimento, mas do momento que começa a constituir-se como possibilidade na família), quanto de sua história como membro social, pertencente à humanidade. O que somos, pois, é aquilo que fizemos de nós, dentro do que fomos ―permitidos a nos fazer‖. Na construção do Eu, em suma, há um Nós social, de hoje, mas que foi construído histórica, social, cultural, política, religiosa e psicologicamente. Destarte, aquele que ensina, ensina o que aprendeu dos conhecimentos construídos pela humanidade, filtrado por sua história pregressa, consoante suas crenças, de acordo com seus valores morais, fundado em seus ideais, conforme o momento histórico, lugar geográfico, posição social e condição psicológica em que se encontra etc., o que não permite a neutralidade do pesquisador, do juiz, do médico, do professor ou do aluno, mas que, também, não significa que todos estes não devam buscar/primar-se pela imparcialidade/isenção no seu fazer profissional. Então, aquele que educa ensina e, ao ensinar, aprende, reeducando-se na construção de um conhecimento que o permitirá descobrir como ensinar, através do como o outro aprende. Nesse processo, ou movimento, o professor afeta e é afetado pelo estudante, pessoa humana como ele próprio, com toda a construção histórica pregressa de si e da humanidade, tal qual ele, o professor, foi afetado. E a respeito do afeto, Rocha e Kastrup (2009) escrevem: A palavra latina affectio originou os vocábulos afeto, afecção, afetividade. Refere-se ao plano da facticidade, ou seja, o que me chega, o que se impõe a mim, aquilo que me faz, me constitui. O vocábulo exmovere origina os termos emoção, mover, colocar-se para fora de si. Enquanto o afeto está relacionado a um plano de constituição, a emoção (e-moção) está estreitamente relacionada com o campo do movimento (motus), sendo definida por ela como um ―movimento im-pulsionado por outra coisa que eu mesmo e que me transporta para fora de mim, sem que esse movimento contenha, entretanto, implicado nele, qualquer direção ou finalidade‖ (s/p). Pode-se dizer, a partir daí, que aquilo que nos afeta produz algum tipo de movimento ou emoção e que essa emoção não se separa do afeto que a produziu. Em outras palavras, ao ensinar, o professor interage com os alunos, ―interferindo‖, afetando-os. Nesse momento há uma transformação nos e pelos estudantes, daquilo que o professor ministrou. Sendo, pois, afetados, os alunos repercutem, construindo o conhecimento, e, na devolução ao professor, afetam-no, num círculo de desequilíbrio e acomodação construtor do conhecimento. Então, se na cadeia de eventos algo não funcionar, ou funcionar inadequadamente, a construção do conhecimento, seja quando da oferta deste, seja quando de sua recepção, ficará prejudicada, podendo mesmo haver uma falha no processo de ensino e/ou no da aprendizagem. Neste caso, o vínculo entre professor e aluno estará, por conseguinte, quebrado, o que poderá levar, entre outros fatores, à desmotivação para o aprender e mesmo para o ensinar. A Psicologia da Educação, ao dedicar-se sobre os aspectos afetivos na interação professor/aluno, pode contribuir para o estabelecimento e/ou re- estabelecimento do vínculo afetivo na escola, e isso será melhor alcançado, e às vezes só será alcançado, se houver a participação efetiva da família no processo educacional da criança, o que implica dizer a participação da família na escola. Em termos mais gerais, a psicologia, preocupada com o desenvolvimento humano, com a interação entre as pessoas, com os processos cognitivos da aquisição, transmissão e construção do conhecimento vem, então, por meio da psicologia da educação, da psicologia da aprendizagem, da psicologia cognitiva, da psicologia do desenvolvimento, entre outras ―psicologias‖ de seus campos de abrangência, auxiliar a educação e, portanto, os educadores e educandos, no bem decorrer do ofício que envolve professores e alunos, em todas as estações da vida humana, sejam elas as vividas nos espaços escolares, sejam as decorrentes de interações sociais e de aprendizagem experimentadas nos mais diversos ambientes físicos ou virtuais. Logo, pode-se afirmar que a Psicologia pode contribuir com todos os momentos da vida escolar, desmistificando perspectivas que priorizam apenas o ensino infantil. Neste sentido, ela pode contemplar diferentes necessidades dos alunos, da mais tenra idade à idade adulta, no educação infantil, no alfabetização de adultos, na universidade. Tal compreensão pode evidenciar outras práticas em Psicologia Educacional que atendam diferentes atores, crianças, jovens, adultos e um campo de estudo não privilegiado ou pouco privilegiado. Dessa forma, a Psicologia estará presente na escola em todos os momentos, contemplando as necessidades dos alunos de mais tenra idade (no ensino infantil, por exemplo), até os estudantes adultos na Universidade, acompanhando todo o desenvolvimento do indivíduo. 3- Desenvolvimento na infância, na adolescência e na vida adulta A Psicologia da Educação se atentará primordialmente para questões cognitivas/de aprendizagem comportamentais/de interação social e do desenvolvimento, nas duas primeiras décadas do desenvolvimento humano. A esse respeito, Mota (2005) diz: O desenvolvimento humano envolve o estudo de variáveis afetivas, cognitivas, sociais e biológicas em todo ciclo da vida. Desta forma faz interface com diversas áreas do conhecimento como: a biologia, antropologia, sociologia, educação, medicina entre outras. Tradicionalmente o estudo do desenvolvimento humano focou o estudo da criança e do adolescente, ainda hoje muitos dos manuais de psicologia do desenvolvimento abordam apenas esta etapa da vida dos indivíduos (Bee, 1984; Cole & Cole, 2004). O interesse pelos anos iniciais de vida dos indivíduos tem origem na história do estudo científico do desenvolvimento humano, que se inicia com a preocupação com os cuidados e com a educação das crianças, e com o próprio conceito de infância como um período particular do desenvolvimento (Cairns, 1983; Cole & Cole, 2004; Mahoney, 1998). No entanto, este enfoque vem mudando nas últimas décadas, e hoje há um consenso de que a psicologia do desenvolvimento humano deve focar o desenvolvimento dos indivíduos ao longo de todo o ciclo vital. Ao ampliar o escopo de estudo do desenvolvimento humano, para além da infância e adolescência, a psicologia do desenvolvimento acaba por fazer interface também com outras áreas da psicologia. Só para citar algumas áreas temos: a psicologia social, personalidade, educacional, cognitiva. (Mota, 2005:105 – 111) Destas psicologias, como temos destacado neste texto, a psicologia da educação tem papel preponderante na formação docente, bem como no fazer pedagógico do professor, visto que abrange, de uma maneira ou de outra, os conhecimentos da psicologia do desenvolvimento, cognitiva e outras. Agora que já vimos como a psicologia educacional pode contribuir com e na educação, dediquemo-nos a tratar de quando ela apóia os professores em seu ofício de ensinar, perguntando: a partir de que momento a psicologia da educaçãopode auxiliar na educação? Conforme reza a Lei de Diretrizes e Bases (LEI n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996), a educação começa ao zero ano, estendendo aos níveis mais superiores técnicos e científicos, o que significa a vida adulta em toda sua extensão educacional, na universidade, por exemplo. Logo, a psicologia da educação está com a educação desde o momento em que a criança é abrigada pela referida lei, até o momento em que a Lei deixa de ter efeito sobre os cidadãos: TÍTULO III Do Direito à Educação e do Dever de Educar Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; Tal abrangência da educação implica em que se deva pensar essa área do conhecimento, não só sob a égide da educação propriamente dita, mas também sob os constructos do desenvolvimento biológico e afetivo da criança, do adolescente e do adulto, como já mencionamos. 3.1- Aspectos biológicos do desenvolvimento Do ponto de vista da criança, a primeira grande fase que podemos mencionar engloba do zero aos 36 meses, época em que a criança passa pela aquisição da linguagem; aprende a andar e tem interações sociais que vão do amamentar-se (interação com a mãe) até os primeiros contatos escolares (interação com coleguinhas, cuidadores e professores, na creche ou na escola infantil). Podemos dizer que um segundo momento importante no desenvolvimento humano é aquele compreendido entre 3 e 6 anos, fase em que muitas das crianças estarão na escola ou prestes a nela entrarem. Em particular, por essa época, as crianças manifestam comportamentos, por vezes vistos como comportamentos sexuais, indesejados pelos professores. E isso se deve, principalmente, ao fato de os professores nem sempre terem informações científicas e corretas a respeito do desenvolvimento humano. Esse desconhecimento leva pais, professores e até mesmo médicos a, equivocadamente, interpretarem/lidarem inadequadamente com comportamentos de seus filhos, ou alunos, que podem incluir manifestações de sexualidade entre as crianças, ou delas em relação a adultos, como por exemplo, quando uma criança levanta a saia da professora, da tia ou mesmo da avó. Dos seis anos até por volta de 11 ou 12 anos, a criança evolui, agora consoante seu gênero, para momento de significativa transformação, seja sob o aspecto psicológico, biológico e cognitivo, seja sob o aspecto social. Novamente, o professor deve estar alerta para as manifestações sócio-afetivas e comportamentais de seu aluno, para o que a Psicologia da Educação constitui importante fonte de conhecimento. Considerando que a fase da adolescência também será vivenciada na escola, em toda a sua extensão, será de responsabilidade do professor, para além de ensinar conteúdos didáticos, contribuir, também aqui, com a formação humano-crítica e cultural do estudante, responsabilidade esta que não deve fugir aos professores universitários que recebem, muitas vezes, adolescentes de 17, 18 ou 19 anos, e que os acompanham até o início da vida adulta, quando a identidade, a moral e a ética desse aluno estarão melhor solidificadas, depois de tantos anos sob os ensinamentos de seus professores, em ambientes escolares. Em última instância, pois, será crucial para o docente conhecer as fases biológicas do desenvolvimento humano e, com igual cuidado, conhecer as fases psico-afetivas porque passam seus alunos, não achando que tais fases são fatores determinísticos, mas tendo a certeza de que são componentes de significativa importância para a interação de ambos, com o consequente desenvolvimento no processo de aprendizagem pelo aluno e pelo desenvolvimento do processo de ensino pelo professor. Para além de uma linha mestre do desenvolvimento biológico, com fases mais ou menos determinadas, verifica-se que o desenvolvimento é bem mais complexo e tem como mola propulsora um conjunto de fatores, dentre os quais o da emoção, da inteligência, o do afeto e de tudo mais que enriquece o homem em suas relações e inter-relações humanas. A esse respeito, Dessen e Guedea (2005) dizem: (...) para compreender a complexidade do desenvolvimento humano é necessário adotar uma perspectiva sistêmica que seja capaz de integrar os múltiplos subsistemas do indivíduo. Isto requer a contribuição de diferentes disciplinas, tais como, a biologia e a psicologia do desenvolvimento, a fisiologia, a neuropsicologia, a psicologia social, a sociologia e a antropologia. (op. cit., 2005, s/p) Entretanto, não são as disciplinas em si que ajudarão o professor no exercício de ensinar, serão os conteúdos por ela trazidos, o olhar e a postura do docente, para com esses conteúdos, e a quantidade de afeto que dispuser para o ensinar, que farão a diferença para o aluno. Como temos visto até aqui, se de um lado há os fatores biológicos e sociais, influenciando o desenvolvimento do estudante, de outro esse desenvolvimento influencia psicossocial e afetivamente o indivíduo, conforme veremos a seguir. 3.2- Desenvolvimento sócio-afetivo e construção da identidade do sujeito Como já delineamos anteriormente, o homem se constrói pela construção do outro, na interação do outro com o eu de cada um, numa teia social em que o afeto deve ser visto como sendo inerente ao indivíduo. Cada um, ao estar em sociedade é afetado pela composição sócio- histórica de seu grupo social, sendo, ainda responsável pela construção e/ou reconstrução e reformulação desse grupo. Somado a fatores biológicos como os que ocorrem na adolescência e, antes disso, na infância, há questões cruciais que o homem tem de enfrentar no decorrer de sua vida. O que ser, no que se transformar e que ―cara‖ ter, são perguntas feitas, por vezes na inconsciência do indivíduo e que ditarão sua vida. Responder a essas questões tem sido um desafio para a psicologia, tanto quanto para outras áreas da ciência. No entanto, a educação tem dado conta de oportunizar ao sujeito uma reflexão que possibilita perceber que, na interação humana, se constrói possibilidades de estar com o outro, mais ainda, de estar junto de outro. Logo, se de um lado a escola é o segundo ambiente social do indivíduo, com maior possibilidade de interação social, de outro, ela pode ser responsável pelo ―isolamento‖ (pela exclusão) desse mesmo indivíduo, cuja identidade pode estar prejudicada pelo grau de não sentimento de pertença à sociedade. Em outras palavras, uma escola plural, que oportuniza o contato com a diversidade humana, ajuda o estudante na elaboração de constructos que lhe permitirão viver em sociedade, sendo feliz e causando felicidade. Consoante Barros e Barros (1999), Durante todo o desenvolvimento, a criança teve uma longa sériede identificações e, assim, foi adquirindo algumas características dos pais, professores e de muitas outras pessoas. Na adolescência, o indivíduo abandonará alguns aspectos de suas identificações anteriores, fortalecerá outros e, finalmente, deverá encontrar- se, descobrir quem é e ser capaz, enfim, de responder à pergunta central. Ao conseguir definir sua identidade, o adolescente começa a considerar-se uma pessoa coerente, integrada, única. Se não puder ―se encontrar‖, se não tiver um objetivo na vida, diremos que ele sofreu difusão de identidade‖ (op. cit., 1999:94) Nos tópicos a seguir veremos de que maneira os constructos da Psicologia da Educação refletem ou são refletidos na educação, para a qual oferece conceituação, explicação e sustentação, principalmente advindas da psicanálise freudiana, do behaviorismo skinneriano, do construtivismo e sócio- interacionismo de Piaget e Vygotsky, respectivamente. 4 - Perspectivas psicológicas sobre os processos de ensino e aprendizagem e suas implicações para a educação 4.1 - Construtivismo Um dos mais influentes autores na educação moderna, no Brasil, é o suíço Jean Piaget3 (1896-1980), cuja teoria inspirou escolas a adotarem um método construtivista de ensino e que artigos, dissertações, teses e livros têm sido escritos, discutindo, refletindo ou repercutindo a teoria piagetiana. Esse autor, oriundo da biologia, formulou, sustentou e defendeu uma teoria do conhecimento, esteada na gênese de como o homem aprende, desde sua mais tenra idade à vida adulta. Quadro 1- Biografia de Piaget 1896 Jean Piaget nasce em Neuchâtel, na Suíça, em 09 de agosto. Desde criança, interessa-se por história natural, mecânica, fósseis e 3 A ilustração de Piaget, ao lado, assim como todas as outras ilustrações deste texto, foram extraídas do Wikimedia Commons, “um acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation”. zoologia. 1907 Aos 11 anos, publica seu primeiro trabalho sobre a observação de um pardal albino. 1915 Licencia-se em Biologia. 1918 Conclui o doutorado em biologia, aos 22 anos de idade. Após formar-se, Piaget vai para Zurich, onde trabalha como psicólogo experimental. Tem aulas com Jung e trabalha como psiquiatra em uma clínica. 1919 Piaget muda-se para a França; Trabalha no laboratório de Alfred Binet, um famoso psicólogo infantil; 1921 Piaget retorna à Suíça e torna-se diretor de estudos do Instituto J. J. Rousseau da Universidade de Genebra. 1923 Casa-se com Valentine Châtenay, com quem tem 3 filhos: Jacqueline(1925), Lucienne(1927) e Laurent (1931). Teria sido pela observação do desenvolvimento dos seus filhos, que, em grande parte, Piaget desenvolveu sua epistemologia genética. 1947 Piaget publica seu primeiro livro de síntese da teoria, ―A psicologia da Inteligência‖. 1949 Recebe o título de doutor honoris causa da Universidade do Brasil (hoje UFRJ). 1950 Publica o livro ―Introdução e Epistemologia Genética‖, em que explica o pensamento matemático, o pensamento físico, o biológico, psicológico e sociológico. 1980 Piaget falece em 16 de setembro, aos 84 anos, deixando aproximadamente 70 livros e mais de 700 artigos. Muito embora a teoria genética de Piaget não seja um método de ensino (e não pode ser entendida como tal), a clareza e a solidez dos argumentos piagetianos de como a criança constrói ativamente o conhecimento, isto é, a robustez de sua teoria epistemológica, levou, e ainda tem levado, a muitos confundirem a psicologia genética como método ―construtivista de ensino‖. Entretanto, a epistemologia genética de Piaget, não é senão uma explicação de como adquirimos conhecimento, estruturamos este conhecimento em nossas mentes e o manifestamos em nossas ações. De fato, para Piaget, o ser cognoscente atua sobre o objeto cognoscitivo de acordo com fases mais ou menos estabelecidas do desenvolvimento biológico do indivíduo. Na epistemologia genética, o indivíduo constrói o conhecimento na medida em que atua sobre esse conhecimento interage com ele, porém se e quando estiver biologicamente preparado. Piaget não ignora a interação social na construção do conhecimento, no entanto, dedica maior importância às fases bio- desenvolvimentais da criança, para explicar como ela aprende. Assim, é que para Piaget uma criança não é uma taboa rasa ao chegar à escola, nem tão pouco se lhe pode impor conhecer aquilo que o professor deseja ensinar. Sob a égide da teoria construtivista piagetiana, a criança ao chegar á escola traz consigo conhecimentos a partir dos quais poderá construir outros, de alguma forma estimulados pelo professor, mas não unilateralmente ensinado por este. Com efeito, no processo de ensino/aprendizagem construtivista, a criança ao construir conhecimento não erra, mas demonstra, por intermédio daquilo que tradicionalmente se entendia como erro, uma formulação cognitiva do aprender. Em outras palavras, o ―erro‖ é uma manifestação do conhecimento que caberá ao professor identificar para, a partir daí, contribuir com o estudante na aquisição do conhecimento, isto é, do aprimoramento de sua construção. Como Piaget considera a existência de uma gênese, ou seja, de uma origem genética do conhecimento, ele não concebe uma influência determinante das relações sociais sobre a construção do conhecimento, embora considere os efeitos do ambiente físico sobre o processo de aquisição do conhecimento. Isso não quer dizer que o conhecimento é ingênito, porém, significa que já ao nascer estamos estruturados bio-psiquicamente para construirmos conhecimento, a partir de nossa interação ativa sobre o meio e os objetos cognoscitivos. Segundo a epistemologia genética de Jean Piaget, essa capacidade vai-se especializando à medida que nos desenvolvemos em diferentes fases ou estágios do desenvolvimento. A exemplo disso, notemos o quadro a seguir: Quadro 2- Estágios do Desenvolvimento Idade Estágios de desenvolvimento Principais características 0 a 2 anos Estágio sensório-motor desenvolvimento inicial das coordenações e relações de ordem entre as ações; início de diferenciação entre os objetos e entre o próprio corpo e os objetos; com aproximadamente 1 ano e meio a criança tem capacidade de representar um significado a partir de um significante; No estágio sensório-motor o campo da inteligência aplica-se a situações e ações concretas. 2 a 6 anos Estágio pré- operatório reprodução de imagens mentais; uso do pensamento intuitivo; linguagem comunicativa e egocêntrica; atividade simbólica pré-conceitual; pensamento incapaz de descentração. 7 a 11 anos Estágio operatório capacidade de classificação, agrupamento, reversibilidade; concreto linguagem socializada; atividades realizadas concretamente sem maior capacidade de abstração; 11/12 anos em diante Estágios das operações formais transição para o modo adulto de pensar; capacidade de pensar sobre hipóteses e idéias abstratas; linguagem como suporte do pensamento conceitual. Conforme se pode observar do quadro acima, cada estágio tem características próprias mais ou menos determinadas cronologicamente. Isso não exclui a possibilidade de que na passagem de uma fase etária para outra, não se possa observar um misto das características oscilando ora para aquelas da fase anterior, ora com ênfase nas características pertinentesà atual fase. De fato, ao passarmos pelos diferentes estágios, adquirimos todas essas capacidades as quais lançaremos mão, conforme elas melhor se adequarem à natureza do que estivermos conhecendo. Assim, enquanto adultos, teremos ao dispor todas as ferramentas cognitivas necessárias e relevantes à aquisição de novos conhecimentos, tanto quanto adequadas ao entendimento do conhecimento outrora adquiridos e que na fase adulta poderão ser melhor elaborados. Durante todas essas fases do desenvolvimento, algo terá particular importância na manifestação do conhecimento. Esse algo será a linguagem. Muito embora será Vygotsky que se deterá com maior profundidade à linguagem, também Piaget reconhece que será por meio desta que o ser humano adquirirá e expressará conhecimento e interagirá socialmente. Na interação sujeito-objeto, a criança manifestará, por meio da linguagem, as construções que está formulando, permitindo com que possamos, indiretamente, identificar os processos cognitivos dos quais ela se está valendo para conhecer. Tais processos envolvem conceitos como o da assimilação, da acomodação, adaptação, organização, equilibração, autonomia, preconceito e esquema. Segundo a teoria piagetiana um esquema é um conjunto de processos dentro do sistema nervoso. Disso entendemos que um esquema não pode ser observado diretamente, logo só pode ser inferido e, portanto, são estruturas cognitivas hipotéticas. Tais estruturas não são fixas, pelo contrário estão em constante transformação, á medida que interagimos intelectualmente com novos objetos no meio físico e social (Wadsworth, 1996 e Pulaski, 1986). No quadro abaixo, verifiquemos algumas características dos principais conceitos piagetianos: Quadro 3- Processos cognitivos Processos cognitivos Conceituação Organização constitui a habilidade de integrar as estruturas físicas e psicológicas em sistemas coerentes; a organização, junto com a adaptação, constituem processos indissolúveis do pensamento humano; Adaptação Adaptação é o equilíbrio entre os processos de assimilação e acomodação; é a essência do funcionamento intelectual, assim como a essência do funcionamento biológico; é uma das tendências básicas inerentes a todas as espécies; é um processo dinâmico e contínuo, em que a estrutura hereditária do organismo interage com o meio externo, de modo a se reconstituir. Esquema estruturas mentais ou cognitivas pelas quais os indivíduos organizam o meio; estruturas que se modificam á medida que nos desenvolvemos, psico-biológica e socialmente; no adulto os esquemas são derivados dos esquemas sensório-motores da criança e, os processos responsáveis por esses mudanças nas estruturas cognitivas são assimilação e acomodação. Assimilação integração de novos elementos à estrutura já existente ou construída, seja ela inata, como no caso dos reflexos no recém-nascido, ou adquirida a partir das modificações do conteúdo da estrutura inata inicial; não é um processo suficiente para, sozinho, garantir o desenvolvimento de novas estruturas cognitivas; esse processo é contínuo durante toda a vida do ser humano ; possibilita ampliação dos esquemas. A assimilação explica o crescimento da inteligência (uma mudança quantitativa na vida mental). Acomodação é o aspecto da atividade cognitiva que envolve a modificação dos esquemas para corresponderem aos objetos da realidade. Na acomodação, temos que mudar nossos esquemas ou criar novos para acomodar os novos estímulos; uma vez ocorrida a acomodação, abre-se espaço para encaixar o estímulo no esquema, ocorrendo, daí, a assimilação; a acomodação não é determinada pelo objeto, porém pela atividade intelectual do indivíduo sobre o objeto cognoscitivo. Equilibração trata-se de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação; é considerada como um mecanismo auto- regulador, necessário para assegurar à criança uma interação eficiente dela com o meio-ambiente; é um processo ativo pelo qual uma pessoa responde a distúrbios ocorridos em sua maneira comum de pensar, através de um sistema de compreensão; isto resulta em nova compreensão e satisfação, ou seja, em equilíbrio; na equilibração, o organismo está constantemente buscando um estado de equilíbrio, de satisfação. Egocentrismo Incapacidade de se colocar no ponto de vista de outra pessoa; A criança consegue perceber apenas um dos aspectos de um objeto ou acontecimento; Não relaciona entre si os diferentes aspectos ou dimensões de uma situação; A criança, antes dos 7 anos, focaliza apenas uma única dimensão do estímulo, centralizando em si própria, sendo incapaz de levar em conta mais de uma dimensão ao mesmo tempo. Preconceito o preconceito em Piaget é uma construção cognitiva prévia a um dado conceito e que tem limites em relação a este; o preconceito foi uma construção anterior a respeito de um dado objeto, a qual sob nova atividade interacionista do sujeito precisará ser elaborada para que um novo conceito seja construído; assim, o preconceito, na epistemologia genética, não pode ser classificado como: ―Julgamento, opinião formada, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões‖. Autonomia a essência da autonomia é que nos tornamos capazes de tomar decisões sozinhos; autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa; significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação. O estudo do quadro acima nos permite um olhar relâmpago sobre a psicologia genética de Piaget a partir da compreensão de como Piaget compreendia os conceitos que explicitam sua epistemologia genética. Nem de longe este quadro esgota conceitualmente os termos apresentados. Contudo, oferece um ponto de partida para a compreensão de uma teoria do conhecimento, tão intimamente ligada com as etapas do desenvolvimento humano. Essas etapas constituem, são constituídas e constituintes do conhecimento, da estrutura cognitiva de e para a aquisição do conhecimento, e não esgotam as possibilidades individuais e da coletividade humana para a apreensão do meio social e físico, em que cada indivíduo está inserido, mas não isolado. E é por não estarmos isolados numa sociedade que o conhecimento que construímos está mediado pelo outro e não exclusivamente por nossa atividade. Isto é, nossa interação com o objeto cognoscitivo é ativa e opera nesse objeto em função de como e quando se está numa interação social com o outro regulador. Logo, nossa construção de mundo é uma construção mediada por fatores biológicos (desenvolvimentais), físicos (influenciados pelo meio), e sociais (influenciados pelas relações com o outro). Em função desses fatores, é importante notar que a construção do conhecimento envolve a própria construção de uma moral, individual e coletiva. Por isso, a psicologia genética de Jean Piaget também se dedica a oferecer subsídios para que entendamos a moral sob a égide de uma construção epistêmica do conhecimento. Nessa linha, para Piaget (1977), o desenvolvimento da moral ocorre por etapas, de acordo com o desenvolvimento humano. Consoante Piaget, ―toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras‖. São três as fases do desenvolvimento moral na teoria piagetiana: anomia, heteronomia e autonomia. Na anomia (crianças de até 5anos), não é identificada a moral, pois a criança ainda não está mobilizada pelas relações bem x mal, e sim pelo sentido de hábito, de dever. Na fase da heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade), a lei vem do exterior, do outro. As regras e deveres são vistos como externos, impostos coercitivamente e não elaborados pela consciência interna no indivíduo. Na fase da autonomia, o último estágio do desenvolvimento da moral, os deveres são cumpridos com consciência de sua necessidade e significação. Embora dividida em fases, a moral piagetiana não tem um começo e fim estanques, aprioristicamente definidos e hierarquicamente determinados em função do desenvolvimento biológico. A moral é uma construção contínua, que se funda no desenvolvimento da pessoa humana, e que se esteia nas estruturas cognitivas, capazes de, na interação com o outro em sociedade, perceber esse outro, respeitá-lo e entendê-lo como co-regulador de uma sociedade em que o eu não está isolado de um nós e que, para uma sociedade desenvolver-se intelectual, inteligente e socialmente, cada um deverá contribuir para a construção coletiva. Com efeito, a moral em Piaget é um ato inteligente, visto que as relações entre moral e inteligência são processos de construção intelectual. Em outras palavras, inteligência é uma condição necessária para a construção de uma moral, porém não suficiente para o desenvolvimento desta. Piaget - Implicações na Educação* Princípios da teoria de Piaget – Aprendizagem por descoberta – Prontidão para a aprendizagem – Diferenças individuais • Piaget acreditava que as crianças só aprendiam através da sua ação sobre o ambiente; • Abordagem construtivista; • Facilitar em vez de direcionar a aprendizagem; • Considerar os conhecimentos da criança e o seu nível de pensamento; • Avaliação contínua; • Promoção da saúde intelectual dos estudantes; •Tornar a sala de aula num espaço de exploração e descoberta. *adaptado de Ana Almada, 2006. Livros de Piaget, recomendados para leitura: Para onde vai a educação? RJ, José Olympio, 1973. O desenvolvimento do raciocínio na criança. RJ, Record, 1977. Epistemologia Genética. SP, Martins Fontes, 1990 A formação do símbolo na criança. RJ, Sahar, 1973. Psicologia e Pedagogia. RJ, Forense, 1969. A linguagem e o pensamento. SP, Martins Fontes, 1986. 4.2- Sócio-construtivismo Ao longo do desenvolvimento humano, o homem vem aprimorando suas capacidades mentais sobre suas habilidades físicas. Num passado mais distante, a força física era imprescindível à segurança do homem. Por essa época, a via de comunicação relacionava-se, intrinsecamente, à caça e ao desenvolvimento de ferramentas que permitissem a defesa, e para a própria caça. A necessidade de transmitir ao outro o conhecimento colaborou com o próprio desenvolvimento daquilo que hoje chamamos pensamento, e do que, na sua concretização, chamamos linguagem. Ontogeneticamente, o cérebro humano foi talhado para pensar e produzir a linguagem, a qual é entendida como uma via de expressão e registro do saber humano. Há várias formas de linguagem, dentre as quais a mais elaborada é, sem dúvida, a língua, seja oral, seja de sinais (Libras, por exemplo). A língua, por seu caráter indispensável à comunicação humana, tem sido motivo de reflexão pelo homem, desde o Séc III A.C., quando se fizeram os primeiros estudos sobre a Língua Sânscrita. Ao longo de nossa história, filósofos, religiosos, gramáticos, antropólogos, linguistas, psicólogos e muitos outros cientistas, de diversas áreas, têm-se dedicado ao estudo da língua e sua influência na sociedade humana, e na própria condição de saúde e socialização do ser humano. Assim, psicólogos, como Freud (1856-1939), e linguistas, como Saussure (1857-1913), são exemplos de investigadores da língua, enquanto sua manifestação e produção. É através da língua que manifestamos, pois, aquilo que pensamos conscientemente e mesmo aquilo que, inconscientemente, desejamos omitir. Na Psicologia da Educação, certamente, o mais importante estudioso da linguagem foi Lev Semynovitch Vygotsky (1896 – 1934). Assim como Piaget, Vygotsky criou seu próprio entendimento de como conhecemos e de como esse conhecimento é favorecido quando estamos em sociedade e a nós é disponibilizado um mediador. A teoria do conhecimento proposta por Vygotsky não restringe o indivíduo a uma fase do desenvolvimento biológico, embora compreenda que há conhecimentos que podem ser desenvolvidos em dado momento da vida humana, e outros que só poderão ser alcançados em momento posterior, quando já houver sido aprendido conhecimentos prévios e necessários. Um grande ganho da teoria do conhecimento de Vygotsky é a ênfase dada ao papel da interação com o outro, compreendendo que o conhecimento manifesto não é a única expressão do conhecimento do indivíduo. De fato, a manifestação de um conhecimento é indicativa do conhecimento real, não exclui, de modo algum, o conhecimento potencial. Isso significa que uma criança, por exemplo, pode manifestar um conhecimento X e ter o potencial Y. Na interação dessa criança com outra, a primeira não só poderá ampliar o conhecimento X, mas, e principalmente, manifestar o conhecimento Y. Esse processo resultará, portanto, em novo conhecimento real X e novo conhecimento potencial Y. A mediação, possibilitada pela interação da primeira criança com a segunda, facultou o desenvolvimento da primeira, mesmo antes que ela passasse de um estágio biológico para outro posterior. Para Vygotsky há uma zona de desenvolvimento em que se pode mediar o conhecimento pela interação com o outro que já tem construído tal conhecimento. A aprendizagem é, portanto, não só ativa, mas significativamente interativa. Essa interação será mediada pela linguagem sempre entendida como manifestação do pensamento. Sob a teoria interacionista de Vygotsky, uma criança que ainda não aprendeu poderá fazê-lo dada as condições e mediação necessárias, dentro da zona de desenvolvimento proximal, comumente conhecida pela sigla ZDP. A epistemologia de Vygotsky não é, certamente, uma metodologia em si, porém uma teoria do conhecimento. Essa teoria, uma vez colocada em prática, propicia ao educador descobrir conhecimento na criança, onde ele anteriormente só via uma manifestação de ―baixo conhecimento‖ ou de nenhum conhecimento. Foi estudando e colocando seu conhecimento em prática, com crianças com deficiência, que Vygotsky descobriu que estas crianças aprendem muito mais com mediadores, e conseguem demonstrar o conhecimento quando a interação social, as condições para a aprendizagem e os recursos necessários para suprir a necessidade (ocasionada pela deficiência) são supridos. Vygotsky, apesar de seus poucos anos de vida (viveu apenas 37 anos, ver quadro abaixo), deixou contribuições que apenas agora estamos melhor entendendo e que psicólogos e educadores têm aplicado. Quadro 4- Biografia de Vygotsky 1896 Lev Semynovitch Vygotsky, nasce na cidade de Orsha, na Bielo-Rússia, em 5 de novembro. De família judaica, sua mãe era educadora e seu pai trabalhava num banco e numa companhia de seguros. 1917 a 1923 Funda uma editora, cria uma revista literária, estrutura um laboratório de psicologia, dirige a seção de teatro do departamento de educação e ainda profere várias palestras a respeito de ciência, literatura e psicologia. 1918 Forma-se em Direito pela Universidade de Moscou. 1924 Casa-se com Roza Smekhova, com quem tem duasfilhas. 1924 Aos 28 anos, é descoberto pela comunidade científica russa, após apresentação de trabalho no II Congresso de Psicologia em Leningrado. Devido à competência e à firmeza do conhecimento que apresentou, abriram-se-lhe as portas do Instituto Moscovita de Psicologia. 1925 Publica: Os princípios da educação social das crianças surdas-mudas; O consciente como problema da psicologia do comportamento. Defende tese de Doutorado sobre Psicologia da Arte. 1928 Publica: A pedologia de crianças em idade escolar. 1930 Publica o livro Estudos sobre a história do comportamento. 1932 Publica : Lições de psicologia 1934 No ano em que publica Pensamento e Linguagem, morre de tuberculose, deixando cerca de 200 trabalhos sobre Psicologia e 100 sobre arte e literatura. Destarte, trabalhos, como o do Projeto Roma, têm alcançado sucesso na educação de pessoas com deficiência intelectual (principalmente pessoas com Síndrome de Down), em que o mediador é parte crucial e indispensável no processo de ensino de crianças jovens e adultos com essa deficiência. Como apontamos anteriormente, este texto busca oferecer uma compreensão do que vem a ser a Psicologia Educacional como uma ferramenta na educação e não uma prática de uma Psicologia Clínica da educação. Assim, a teoria sócio-interacionista de Vygotsky é de rica contribuição pra educadores, norteando o trabalho deles com subsídios que vão da postura para com seus alunos à metodologia de como os ensinar. Perante uma criança, cujo conhecimento real se apresenta aquém do esperado, o professor não presumirá uma incapacidade para o aprender, pelo contrário, buscará ele próprio, o professor, ou por intermédio de um outro aluno que já alcançou o conhecimento, interagir com o primeiro aluno, de modo que cooperativamente este venha desenvolver seu potencial, alcançando o conhecimento que aparentemente não seria construído pela atividade individual do estudante. Colocando em prática a teoria sócio-interacionista de Vygotsky, o professor poderia, ainda, propor atividades educativas, em que a parceria na construção do conhecimento superasse o individualismo na construção do conhecimento. Por outro lado, o educador, sob a égide da teoria vygotskiana, não tomará o conhecimento ainda não manifesto como uma construção inatingível, ele entenderá que, por meio de uma ação sócio-interativa, o potencial para a aprendizagem aflorará mesmo que de maneira diversa, em diferente tempo, e sob forma tradicionalmente inesperada. A teoria do conhecimento de Vygotsky não é simples, acabada e nem mesmo antiga ou ultrapassada. É uma teoria profunda, que está esteada na crença de um potencial humano e no entendimento de que o conhecer e o conhecimento não podem ser atrelados a fatores biológicos (de uma fase específica do desenvolvimento, ou razão de deficiência sensorial, física, mental/intelectual e múltipla), fatores sociais, culturais, linguísticos e étnicos. Alguns dos principais conceitos vygotskianos são resumidos no quadro abaixo. Quadro 5- Conceitos básicos Processos cognitivos Características Mediação - O ser cognoscente não tem acesso direto aos objetos cognoscitivos. O acesso é mediado, através de recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe; - Vygotsky defende a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações; - O mediador, o outro social, não é apenas e tão somente o indivíduo, pode aparecer na forma de objetos, organização, ambiente, mundo cultural que rodeia o indivíduo. Linguagem - Sistema simbólico dos grupos humanos; - Representa um salto qualitativo na evolução da espécie humana, na medida em que fornece conceitos, formas de organização do real, mediação entre sujeito e objeto do conhecimento; - É por meio dela que as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas, portanto, sociedades e culturas diferentes produzem estruturas linguísticas diversas. Cultura - Fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real; - Ela dá o local de negociações no qual seus membros estão em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações. Processo de internalização - A internalização envolve uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna; - É interpessoal na interação social, e se torna intrapessoal, no potencial humano; - É Fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano. Função mental - processos de pensamento, memória, percepção e atenção; - o pensamento tem origem na motivação, interesse, necessidade, impulso, afeto e emoção. Pode ter origem interna e/ou externa, desenvolve na interação interpessoal e se transforma intrapessoal. Zona de Desenvolvimento Potencial Atividade ou conhecimento que a criança ainda não domina, em um dado momento, porém que lhe é esperado saber e/ou realizar, independentemente de características genéticas, fenotípicas, sociais, culturais e outras, a exemplo de existência de deficiência, de origem cultural, social ou linguística, de origem racial ou étnica, ou de qualquer outra forma. Zona de Desenvolvimento Real Tudo aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha, manifestando conhecimento do aprendido. Zona de Desenvolvimento Proximal - Distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que ela é capaz de desenvolver com o auxílio ou mediação de alguém; - É a zona cooperativa do conhecimento; - O mediador ajuda a criança a transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. Em relação geométrica, oposto ao curto tempo de vida de Vygotsky, sua contribuição pra a psicologia e para a educação é de dimensão ainda incalculável. Devido ao pouco acesso que se pôde ter aos seus escritos originais (em russo), em função da censura que ele próprio sofreu na Rússia e que seu trabalho sofreu no mundo ocidental (mormente por questões políticas do pós- guerra), muito pouco ainda conhecemos e entendemos, de fato, da proposta epistemológica de Lev Vygotsky. No entanto, é irrefutável que os preceitos de sua ciência têm efeito direto na educação, apesar de, como dissemos, não ser um método de ensino. Sem sombra de dúvida, podemos dizer que um educador ou um psicólogo, que entra em contato com a teoria psicológica sócio-interacionista de Vygotsky, jamais verá no estudante, no indivíduo cognoscente, o que poderia ver antes. O ensinamento de Vygotsky a respeito do potencial humano, o modo de transformar o conhecimento manifesto pela interação com o outro social é de tal forma relevante nos dias de hoje, que é impossível pensar numa educação que não seja socialmente participativa, cooperativa e interativa com o ser aprendiz e seu mediador, seja professor, colega de sala de aula, amigo, os pais, tudo e todos que pertençam ao mundo social do indivíduo cognoscente, criança, adolescente ou adulto. IMPLICAÇÕES DE VYGOTSKY NA EDUCAÇÃO* Participação ativa do sujeito e aceitação das diferenças individuais; Descoberta assistida vs. Descoberta independente (Piaget); Jogo do faz de conta é o contexto ideal para promover o desenvolvimento cognitivo; Promove aprendizagem cooperativa; Acompanhamento e utilização da ZDP da criança; Monitorização e encorajamento da linguagem/discursointerior; instrução em contextos significativos; Transformação da sala de aula. *adaptado de Ana Almada, 2006. Livros de Vygotsky recomendados para leitura A Formação Social da Mente. SP, Martins Fontes, 1999. Psicologia da Arte. SP, Martins Fontes, 2001 Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1987 Psicologia Pedagógica. Porto Alegre, ARTMED, 2003 4.3- Behaviorismo Não é por mera coincidência que, em mesma época, distintos pensadores, oriundos de locais diversos, muitas vezes sem uma interação direta, acabam por chegarem a conclusões semelhantes, ou mesmo diversas, a respeito de uma dada matéria por eles investigada. Por exemplo, os irmãos Wright nos Estados Unidos, e Santos Dumont, no Brasil, investigaram a invenção de uma máquina, mais pesada que o ar, que pudesse voar. Na educação, tal ocorrência também não é incomum. Como vimos, Piaget e Vygotsky foram contemporâneos, embora apenas durante os 37 anos de vida de Vygotsky. No entanto, à época da postulação da teoria piagetiana, Vygotsky não tinha conhecimento da teoria do conhecimento, área que ele próprio se dedicava a construir. De um modo também contemporâneo a Vygotsky, e a Piaget, Burrhus Frederic Skinner (1904- 1990), pensava o processo da aprendizagem não como uma teoria do conhecimento, porém na vertente de sua transmissão e aquisição. Assim, se de um lado o construtivismo e o sócio-interacionismo são teorias do conhecimento, tendo reflexo no método de ensino, de outro a teoria comportamental de Skinner nos remete a refletir a respeito de como o homem conhece o mundo e de como as informações por ele processadas interferem nas relações humanas, na própria aquisição do conhecimento, na manipulação, transmissão e manifestação do conhecimento. Como a história do conhecimento nos mostra, muitos estudiosos, em suas respectivas épocas, em seus grupos sociais de origem, em seus países, etc., não são de pronto compreendidos (por vezes são mal interpretados), são muitas vezes execrados, e frequentemente ignorados. Exemplo disso, na área da educação no Brasil, temos com clareza Paulo Freire (1921-1997) que de certa forma passou, senão por todas, pela maioria dessas condições. Skinner, embora advindo da área das Letras, formara-se em Inglês (Vide quadro abaixo), ao ingressar no campo da Psicologia, acaba por contribuir significativamente para a área da aprendizagem. Por conta de sua teoria, ele certamente foi execrado por alguns, ignorado por outros, e mal compreendido por muitos. Quadro 5 - Biografia de Skinner4 1904 Em 20 de março de 1904, nasce Burrhus Frederic Skinner, na Pensilvânia, EUA. 1928 Entra para a Faculdade de Harvard, para estudar 4 Adaptado de Mendoza, 2008 Psicologia. 1931 Recebe o título de Doutor 1936 Casa-se com Yvonne Blue. Começa a trabalhar como professor na Universidade de Minnesota. 1938 Nasce sua primeira filha, Julie; publica o livro ―The Behavior of organsms‖. 1943 Nasce sua segunda filha, Deborah. 1948 Skinner escreve uma novela que trata sobre uma sociedade baseada no reforço positivo para controlar a conduta humana. Aceita o convite para ser professor em Harvard. 1953 Escreve ―Science and Human Behavior‖ 1968 Escreve ―The Technology of Teaching‖ 1974 Publica ―About Behaviorism‖, como uma resposta às interpretações equivocadas sobre seu trabalho. 1990 Morre aos 86 anos, vítima de Leucemia. Não obstante, como viria a ser percebido, porém não necessariamente admitido, os princípios da teoria skinneriana teriam grande influência na educação, com especial influência na educação a distância. Skinner reconhecia que o processo de ensino-aprendizagem necessita respeitar o ritmo individual do aluno, tendo o professor de ser conhecedor do método que usa, para a transmissão do conhecimento. Na teoria comportamental de Skinner, não há lugar para uma docência que não prime pelo conhecimento do que vai ser ensinado e, sobretudo, de como e com que se vai ensinar. Sob a égide do comportamentalismo, o professor deve reconhecer no aluno as respostas que este dá aos estímulos educacionais que os materiais educativos fornecem e que os próprios professores oferecem. Assim sob a condição de uma resposta indicativa da aprendizagem, o professor deve reforçar o aluno, recompensando-o pelo êxito alcançado. Se o aluno, ao contrário, não demonstrar a aquisição do conhecimento esperado, o professor deve manipular o material de que dispõe, estimulando o aluno a produzir nova resposta, agora positiva, isto é, correta, conforme se espera que seja. Conforme a teoria skinneriana, o estudo do comportamento deve centrar-se naquilo que é percebido, mensurável, identificável. Isto porque, o que se pretende na teoria comportamental é transformar os comportamentos inadequados, impróprios, incorretos, naqueles que sejam condizentes com a aquisição do conhecimento. Nesse sentido, o material didático, assim como a própria atuação docente precisa ser agradável, deve ser estimulante, inovadora e considerar o modo individual que cada aluno aprende, a partir do material a ele oferecido. Aulas que ofereçam audiovisual, que propiciem experiências diretas com o objeto estudado, que usem materiais interativos/dinâmicos, enfim que sejam ricas em estímulos sensoriais, são aulas previstas pela teoria comportamental de Skinner. Precursor daquilo que hoje conhecemos como educação a distância, Skinner, como o computador ainda não era popular e acessível como hoje, criou o que se veio chamar de máquina de ensinar. Valeu-se do processo de múltipla escolha para a avaliação e levou o professor a um status de técnico do ensino. A ênfase da teoria skinneriana residia em levar o estudante a aprender e a aplicar seu conhecimento no trabalho. Certamente, isso se deu, em grande parte, devido a Skinner ter vivido no período que englobou as duas grandes guerras, e a Guerra do Vietnã (esta tendo enorme impacto no povo americano). Ao propiciar uma teoria esteada no estímulo e resposta, assim como no condicionamento para a manutenção ou remoção de uma dada resposta, Skinner contribuiu, e muito, para a educação, em particular depois que sua obra passou a ser melhor compreendida. No entanto, os opositores de Skinner alegavam que ele desconsiderava a emoção e o afeto, assim como a interação social, no processo educacional. De fato, Skinner não negava esses componentes, apenas não se dedicava a investigá-los, por acreditar que eram construções internas, as quais não poderiam ser mensuradas. Hoje, muito do que aplicamos na educação tem, de alguma forma, que ver com os princípios comportamentalistas de Skinner, mas este autor não tem mais o impacto que Piaget e Vygotsky ainda demonstram ter em nosso país. Alguns dos principais conceitos da teoria comportamentalista de Skinner, também conhecida como behaviorismo (do inglês behaviorism), podem ser conhecidos no quadro abaixo. Quadro 6- Conceitos da Teoria de Skinner5 Princípios comportamentais Conceitos Estímulo • evento que afeta os sentidos do aprendiz. Resposta • Reação a um determinado estímulo • Tipos de Respostas: • Respondentes- são as respostas involuntárias (por exemplo reflexos); são controladas por um estímulo precedente; • Operantes- são repostas que damos, e que operam em tudo o que fazemos e que tem um efeito sobre o ambiente ou outra pessoa. Condicionamento • a cada tipo de resposta
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