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Crônicas da resistência

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ORGANIZAÇÃO:
ABRASME
APOIO: 
UNISOL Brasil
Em tempos de 
desconfiguração da 
Política Nacional de 
Saúde Mental, Álcool 
e outras Drogas
Boletim da Saúde Mental 01
CRÔNICAS DA RESISTÊNCIA
Em tempos de desconfiguração da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool 
e outras Drogas
Boletim da Saúde Mental 01
Realização: Associação Brasileira de Saúde Mental - ABRASME
Presidente: Walter Ferreira de Oliveira
Coordenação da publicação: Leonardo Penafiel Pinho
Revisão: Isadora Candian dos Santos
Apoio: Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – 
UNISOL Brasil
Diagramação e projeto gráfico: Luciano Schinke 
Créditos das fotos: Ascom/Conselho Federal de Psicologia
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE MENTAL - ABRASME 
Rua Brigadeiro Silva Paes, 60, Sala 107 
CEP: 88101-250, São José, SC, Brasil
 +55 48 99922-9026
presidenteabrasme@gmail.com 
http://www.abrasme.org.br/ 
São Paulo, janeiro de 2018
1. APRESENTAÇÃO .....................................................................................................05
2. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................07
3. FOMOS A BAURU .....................................................................................................09 
Paulo Amarante
4. ENFIM, A IDADE MÉDIA ..............................................................................11 
Walter Ferreira de Oliveira 
5. VITÓRIA DA VERGONHA ...................................................................... 13 
Leonardo Pinho
6. CANETA NÃO É TUDO ..................................................................................14 
Leonardo Pinho
7. ALEGRIA PARA RESISTIR .......................................................................15 
Leonardo Pinho
8. GUERRA DAS NARRATIVAS 
NA SAÚDE MENTAL ...........................................................................................17 
Leonardo Pinho
9. SAÚDE MENTAL: UMA CANETADA 
NÃO APAGA 30 ANOS DE LUTA ................................................. 19 
Leonardo Pinho e Mônica C. Ribeiro
10. ANEXOS ....................................................................................................................................22
ÍNDICE
- 5 -
APRE
SENT
AÇÃO
“O poder des-historificante, destruidor, 
institucionalizante em todos os níveis da organização 
manicomial, aplica-se unicamente àgueles que não 
têm outra alternativa que não o hospital psiquiátrico” 
(Franco Basaglia1).
As cinco crônicas surgiram logo após o “Encontro de 30 Anos da Carta de Bauru”, realizado entre 08 e 09 de dezembro de 2017 em Bauru - SP, onde a mobilização de mais de 2000 usuários, familiares, tra-
balhadores e trabalhadoras da saúde mental e ativistas de direitos humanos, 
celebraram a construção de uma política pública que em todo território na-
cional criou serviços substitutivos de base comunitária, superando o modelo 
manicomial fundado no isolamento social.
Ironicamente, foi após esse Encontro que o Ministério da Saúde, em aliança 
com a Associação Brasileira de Psiquiatria e a Federação Nacional das Co-
munidades Terapêuticas, deferiu seus ataques a Política Nacional de Saúde 
Mental, Álcool e outras Drogas. No dia 14 de dezembro de 2017, na reunião da 
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) foi aprovada a desconfiguração da 
Política Nacional de Saúde Mental, colocando novamente a centralidade nos 
Hospitais Psiquiátricos (manicômios) e na ampliação do financiamento e na 
legitimação das Comunidades Terapêuticas.
No dia 22 de dezembro de 2017, última sexta antes do Natal, no encerramento 
do ano e no meio do recesso legislativo e do judiciário, o Ministério da Saúde 
publicou a Resolução 32 e a Portaria no. 3.588 que oficializa as medidas que 
desconfiguram a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), e, em conjunto com 
o Ministério do Trabalho, Ministério do Desenvolvimento Social e Ministério 
da Justiça, publicaram a Portaria Interministerial no. 2, que em 45 dias vai 
apresentar um Plano de Trabalho para as políticas de drogas.
A publicação Crônicas da Resistência é um relato vivo, no calor dos aconte-
cimentos do final do ano de 2017, onde a Política Nacional de Saúde Mental, 
Álcool e outras Drogas foi colocada numa encruzilhada histórica e seus ru-
mos estão em plena disputa. 
Dois caminhos se anunciam: 1. A continuidade e fortalecimento da reforma 
psiquiátrica, fundada no cuidado em liberdade e na promoção de uma cidada-
nia ativa dos usuários da rede de saúde mental; ou, 2. A ruptura desse modelo 1 BASAGLIA, Franco. A instituição negada: relato de um hospital psiquiátrico. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
- 6 -
fazendo retornar a centralidade do “tratamento” em espaços asilares e de iso-
lamento social.
Esta publicação está dividida em:
1. Introdução: aponta que os retrocessos na Política Nacional de Saúde Men-
tal, Álcool e outras Drogas estão inseridos num cenário mais geral de retro-
cessos nos direitos econômicos, sociais e culturais vividos em nosso país;
2. Fomos a Bauru: escrito por Paulo Amarante, contando os sentimentos, 
lembranças e vivências que o atravessaram no Encontro Nacional 30 
Anos de Bauru;
3. Enfim, a Idade Média: escrito por Walter Ferreira de Oliveira, que faz um 
paralelo da atualidade que estamos vivendo com os tempos medievais, 
uma “medievalidade moderna”;
4. Vitória da Vergonha: escrito por Leonardo Pinho, logo após a reunião da 
CIT que aprovou a proposta de retrocessos na Política Nacional de Saúde 
Mental, Álcool e outras Drogas;
5. Caneta Não é Tudo: escrito por Leonardo Pinho, como resposta ao texto 
“ACABOU” que rodou em redes sociais, escrito pelo Coordenador de Saú-
de Mental do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro Júnior, e Antônio 
Geraldo, da Associação Brasileira de Psiquiatria;
6. Alegria para Resistir: escrito por Leonardo Pinho, logo após o Ato na 
Câmara dos Deputados pelos 30 Anos da Luta Antimanicomial e da 
Reunião com a Procuradoria Federal do Direito do Cidadão e a Defen-
soria Pública da União, que, juntamente a uma diversidade de organiza-
ções e movimentos do campo da saúde mental e das políticas de drogas 
apresentou os retrocessos na Política Nacional de Saúde Mental, Álcool 
e outras Drogas;
7. Guerra das Narrativas na Saúde Mental: escrito por Leonardo Pinho nos 
últimos dias de 2017, explicando como a narrativa apresentada pela Coor-
denação Nacional do Ministério da Saúde de “fortalecimento da RAPS” e 
o artigo de Ronaldo Laranjeiras na Folha de São Paulo “Segunda Reforma 
Psiquiátrica” são na verdade narrativas ideológicas com o objetivo de es-
conder a falta de legitimidade das portarias e resoluções aprovadas;
8. Saúde mental: uma canetada não apaga 30 anos de luta: escrito por Leo-
nardo Pinho e Mônica C. Ribeiro para o jornal Le Monde Diplomatique, 
avaliando o processo, os impactos e a desconfiguração da Política Nacio-
nal de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas em dezembro de 2017.
No anexo da publicação temos o texto “ACABOU” de Quirino e Antonio Geral-
do e o artigo de Ronaldo Laranjeiras sobre a “Segunda Reforma Psiquiátrica”.
As Crônicas da Resistência são um convite para um 2018 de muitas lutas e re-
sistência, mas feito com muita alegria e, principalmente, tenacidade daqueles 
que sabem que estão do lado dos direitos humanos na história.
Boa Leitura!!!
- 7 -
INTRODUÇÃO
O Brasil, a partir da constituição de 1988 e a construção da “Nova Re-pública”, tem como sentido geral a progressividade dos Direitos Eco-nômicos e Sociais.
O ritmo dos avanços sociais e econômicos foi diferente de acordo com os go-
vernos de plantão. Mesmo, após o impeachment de Collor, o caminho geral 
foi da progressividade, a construção de sistemas universais de Direitos, como 
SUS e SUAS, a consolidação dos direitos humanos e a institucionalização das 
políticaspúblicas (tornando-se políticas de Estado).
A democracia no Brasil foi se consolidando com forte protagonismo da so-
ciedade civil brasileira, muitos movimentos e organizações já existentes se 
fortaleceram e milhares de novas associações, coletivos, organizações e mo-
vimentos sociais surgiram como parte da luta pelo aprofundamento dos di-
reitos econômicos, sociais e culturais do povo brasileiro. Nossa democracia 
foi ganhando mais intensidade e principalmente mais participação social e a 
qualidade da cidadania de nosso povo foi se ampliando.
A Reforma Psiquiátrica brasileira se consolidou em meio a esse processo, e 
não foi apenas uma mudança administrativa, restrita a mudanças legislati-
vas, de procedimentos e de políticas de cuidado e tratamento. Mas foi, essen-
cialmente, um processo complexo e combinado, onde novos protagonismos 
sociais surgiram, centenas e centenas de associações, frentes, movimentos, 
coletivos, redes, empreendimentos econômicos solidários e organizações de 
usuários, familiares, trabalhadores e ativistas de direitos humanos que surgi-
ram e se fortaleceram.
No entanto, a regressividade dos Direitos Econômicos e Sociais torna-se a tô-
nica do país, a partir da crise no regime aberto com a “farsa” do impeachment 
da presidenta Dilma.
O “governo” instalado por Temer tem como premissa fundamental a retirada 
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do conjunto da classe-que-vive-
- 8 -
-do-trabalho. A Emenda Constitucional 95, com seus 20 anos de “teto de gas-
tos”, a Reforma Trabalhista e a busca incessante pela Reforma Previdenciária 
são o ponto auge de uma reversão do sentido da “progressividade”.
Nesse contexto, a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, 
que foi progressivamente construída em mais de 3 décadas, passando por di-
versos governos de matrizes ideológicas diversas, vem sendo questionada em 
seu âmago, na premissa de que o cuidado, o tratamento, é em liberdade (sen-
do a internação apenas um dispositivo num Projeto Terapêutico Singular) e 
centrado na reabilitação psicossocial (processo permanente de ampliação da 
contratualidade social dos usuários e usuárias).
A construção de uma política pública de saúde mental, álcool e outras drogas 
que promove os direitos humanos e em que os usuários e usuárias são parte 
integrante de sua gênese não pode conviver num cenário geral de regressivi-
dade dos direitos econômicos e sociais.
Os cidadãos e cidadãs alijados do processo produtivo são os primeiros afeta-
dos neste cenário de regressividade, tendo a construção de seu protagonismo 
e a reabilitação psicossocial substituídas pelo isolamento e exclusão social 
(fundamentados em narrativas de “eficiência econômica” e de “resultados”).
Para a “regressividade” se consolidar é necessária a diminuição ou anulação 
dos processos de enunciação coletiva e dos espaços de participação e controle 
social. A “legitimidade” da “regressividade” é construída em espaços cada 
vez mais restritivos e suscetíveis a acordos e pactos que garantam interesses 
econômicos sobre os interesses públicos, e sobre a promoção de direitos de 
caráter universal.
A aprovação da mudança estrutural da Política Nacional de Saúde Mental, 
Álcool e outras Drogas foi apenas “pactuada” na Comissão Intergestores Tri-
partite (CIT), no meio do recesso legislativo e judiciário, e em meio as férias 
de final de ano.
Importante notar que o silêncio e o apoio dos gestores vêm combinado com 
a Portaria 3992/17, que garante maior “flexibilização” dos recursos Fundo a 
Fundo do SUS, autorizando que os gestores locais possam ter maior “liberda-
de” para priorizar os investimentos na saúde. Traduzindo: não haverá mais 
recurso “carimbado” nos diversos setores que compõe o SUS. O que é bem 
interessante, também, é o fato disso ocorrer nas vésperas do ano eleitoral.
O que fica claro é que para retomarmos o caminho da progressividade dos 
direitos econômicos, sociais e culturais é necessário um amplo processo de 
mobilização social. Em que consigamos construir processos de enunciação 
coletiva, de unidades na pluralidade, que apresentemos uma Agenda para o 
Brasil que se sintetize na progressividade dos direitos econômicos e sociais 
(como esta na Constituição de 1988), e que as políticas públicas (de gover-
no e de Estado) sejam forjadas em processos cada vez maiores de consulta e 
participação social e popular. Em resumo, uma ampliação da cidadania, que 
transborde os limites da “formalidade” e do “controle” de uma democracia 
aparente, formal e totalmente institucionalizada.
Assim, as Crônicas aqui apresentadas nessa publicação, construída no calor 
dos acontecimentos do final de 2017, são um convite para que transformemos 
2018 em um ano de grandes lutas e resistências em defesa dos Direitos Huma-
nos e de nossa Reforma Psiquiátrica viva, desejante e, principalmente, funda-
da no cuidado em liberdade e na promoção dos direitos humanos dos usuários 
de nossa rede de saúde mental, álcool e outras drogas.
Manicômio Nunca Mais!!
Por Mais 30 anos de conquistas!
- 9 -
Paulo Amarante2
10 de dezembro de 2017
Fomos à Bauru. Apesar de todas as dificuldades. Fomos de avião do Rio pra São Paulo e vice-e-versa. De Sampa pra Bauru fomos e voltamos de carro, exatamente como em 87. 
Pois é, fui à Bauru em 87, fui em 2007, nos 20 anos, e agora em 2017, nos 30 anos! 
Espero ir nos 40 anos e (ainda) não fazer parte daqueles slides projetados no 
telão. Embora não conseguisse enxergar muito bem (não apenas devido às 
minhas limitações, mas também pela extrema claridade do ambiente), pude 
entender que ali estariam fotos de Carrano, Lancetti, Fabio, Marcus, Eduardo 
Araujo, Geraldo, Maria do Socorro, Rose, Deusdeth, Maurício e outros que já 
se foram e fizeram parte dessa luta!
Devo dizer que fiquei realmente surpreso com a demonstração de alegria e 
felicidade que muitas pessoas expressaram ao me ver! UsuáriXs, ex-usuáriXs, 
familiares, técnicXs, alunXs e ex-alunXs, amigXs de tantas épocas e partes 
do Brasil e do mundo. 
É maravilhoso sentir a emoção das pessoas ao me verem depois de tudo que 
vivi. E não imaginava que conseguisse participar de mais um momento his-
tórico como esse (a imagem da bengalinha deve ter contribuído para isso). 
Fiquei muito sensibilizado com as manifestações de carinho e afeto verdadeiro. 
Expressão de carinho materializada também nos presentes vindos de longe. 
Que, de fato, foram pensados em mim, pois é tudo que gosto. Grato, mais uma 
vez, pela delicadeza e lembrança!
Para mim, foi também uma maravilhosa oportunidade para apresentar meu 
livro de lembranças, causos, fantasias, contos e crônicas (não de memórias).
No último dia, após a atividade cultural, saímos a pé pela cidade, Ana Pitta, 
Walter Oliveira, Anna Luiza, Leandra e eu, buscando um restaurante para po-
2 Doutor em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, professor e pesquisador do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e 
Diversidade Cultural da ENSP/Fiocruz, pesquisador do Laboratório de Estudos em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/
ENSP/Fiocruz) e presidente honoris da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME).
FOM OS A BAURU
- 10 -
dermos comer. E caímos exatamente no mesmo restaurante em que jantamos 
após a passeata de 87. 
Ana e eu nos emocionamos por lembrar tão afetivamente do lugar e recorda-
mos a mesa em que sentamos assim como as pessoas que estavam conosco e 
até mesmo a louca aventura que foi retornar na manhã seguinte pra São Paulo 
num Fiat 147 com João Ferreira ao volante.
Finalmente (por enquanto, pois posso lembrar de outros aspectos depois...), 
fiquei muito feliz também por ver que o movimento está sendo renovado com 
novas pessoas, 'usuários' e ex-usuários militantes de várias áreas da saúde, 
saúde mental, luta antimanicomial, reforma psiquiátrica, direitos humanos, 
gêneros, sexualidades,etnias... E me senti orgulhoso por, de alguma forma, 
como professor, formador, militante e autor, ter contribuído com isto.
 
É bom viver de novo!
Viva a luta antimanicomial! 
A luta antimanicomial está viva!
FOTOS: Encontro Nacional 30 Anos de Bauru, dezembro 2017
- 11 -
Walter Ferreira de Oliveira3
22 de dezembro de 2017
Todos os sinais apontam para a chegada do Brasil à Idade Média. Um dos mais fortes é a maneira de exercer o poder. Presidentes se en-contram com bandidos na calada da noite e agem como reis, usando 
todos os recursos para fazer valer sua vontade. Ministros que não respeitam 
mecanismos de controle social. Juízes sem pudor de usar o poder absoluto 
em favor de amigos e parentes. Parlamentares se corrompem abertamente. 
Populares que massacram e chacinam miseráveis e malfeitores. Uma ciên-
cia que abdicou do humano em prol exclusivamente do número. E uma guar-
da que não titubeia em usar armas contra os que se rebelam. Tudo cheira a 
absolutismo, atraso, selvageria, sujeira, obscurantismo e opressão. Típico da 
era medieval.
O Brasil não chegou à Idade Média com atraso, em uma temporalidade linear. 
Chegamos à era do domínio de reis e papas por fatores sentimentais. A elite 
brasileira sempre se sentiu melancólica por não ter passado pelas eras históri-
cas vividas pela Europa. O Brasil não teve reis e cortes medievais, cavaleiros, 
bailes barrocos, revoluções religiosas, nem mesmo a peste negra. Nossa elite 
vive o poder, mas sem a pompa e o esplendor do período feudal. Um poder 
tranquilo, mas monótono, sem glamour, exceto pelas noites dos antigos cas-
sinos, os bailes de carnaval do Teatro Municipal e outros eventos onde seu 
brilho é ofuscado pelos que herdaram a glória da nobreza europeia. A posse 
de latifúndios e a exploração dos trabalhadores que sustenta o minúsculo par-
que industrial nacional são típicas de um país agrícola que jamais alcançou a 
modernidade do primeiro mundo civilizado e industrializado. 
Mas o sonho da elite era a sensação do poder absoluto, de vida e morte, a ga-
rantia de impunidade contra qualquer crime, só alcançado pelos papas e reis 
europeus da idade clássica.
A chegada da democracia ao Brasil, insidiosa, quase furtiva, associada à mas-
sificação da tecnologia de informação roubou de nossos poderosos o glamour 
que vinham conseguindo minimamente experimentar. A elite tupiniquim se 
viu ameaçada, questionada, cobrada de transparência, tendo que prestar con-
3 Doutor em Philosophy, Social and Philosophical Foundations of Education Program – University of Minnesota, professor da 
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), líder do Grupo de Pesquisas em Políticas de Saúde / Saúde Mental (GPPS), 
e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME).
ENFIM, 
A ID
ADE 
MÉDIA
- 12 -
tas, dividir poder. Muita humilhação para uma classe decadente, anacrônica e 
à beira da depressão. Era chegada a hora de tomar uma atitude. 
Premida por suas frustrações, calcada em sua épica boçalidade, movida pelo 
ódio aos pobres, aos funcionários comuns, e mesmo à classe média, a elite 
tropical tramou a invasão dos órgãos de exercício do poder. Apoiada pelos 
esquemas internacionais de dominância capitalista global executou um plano 
audacioso, de destruição da soberania nacional e dos que possivelmente po-
deriam resistir, tais como universidades públicas e o setor publicam em geral. 
O servidor público passou a ser inimigo número 1, os sindicatos e outras orga-
nizações de defesa de direitos, a Educação e os esquemas de bem-estar social 
tornaram-se alvo de incursões destruidoras.
O comportamento medieval está posto, embora com algumas limitações im-
postas pela realidade contemporânea. Os poderes políticos, econômicos e 
administrativos apelaram ao indispensável suporte da mídia comprometida 
para golpear a soberania nacional. Os juízes afrontam a Constituição e a Ética 
do Direito. Os políticos afirmam sua onipotência e lutam vigorosamente para 
ampliar o absolutismo de seu poder. Os especialistas de plantão, através de 
suas ameaças apocalípticas de ruína econômica buscam apoio do povo para 
destruir os direitos dos trabalhadores. 
A mídia insufla a população contra os professores, médicos, assistentes 
sociais, garis e outros servidores do baixo clero, apontados como respon-
sáveis pela dívida pública e portadores de grandes privilégios. Manipulam 
dados, omitem discussões e apostam na desinformação, disseminando a 
ideia de que se não acontecerem as “reformas” preconizadas pelos déspo-
tas só restará a fome, o desemprego, a insegurança. Mas não tocam nos 
grandes e verdadeiros privilégios travestidos de emendas parlamentares, 
propinas e outros crimes de corrupção protegidas por foros privilegiados, 
financiamento de campanhas, perdão a dívidas empresariais, renúncias 
fiscais, nepotismo, alocação de assessores a deputados, senadores e ex-
-presidentes, auxílios moradias, auxílios paletós, e quejandos. Estes sim, 
merecedores de uma grande reforma porque promovem grandes rombos 
na economia. 
Mas a manutenção destes privilégios é parte da atitude medieval. Os poten-
tados tropicais sentem, assim, que nada os atinge, que atingiram a glória, que 
finalmente podem se dizer absolutos em seu poder. A arrogância, a truculên-
cia, o autoritarismo, a sede de sangue, as carnificinas, o maltrato a presos, 
idosos, crianças, adolescentes, indígenas, pessoas com transtornos mentais 
e outras minorias equivalem, nesta atitude medieval contemporânea, à forca, 
ao chicote, ao suplício. Políticos, juízes e empresários cultivam, por um lado, a 
submissão pelo terror, e por outro mostram ser também magnânimos, bondo-
sos, ao prover os que se conformam com seus presentes e benesses.
Uma Idade Média estilizada, algo sofisticada e tecnológica. Mas ainda grotes-
ca, inculta e cruel, como convém ao espírito medieval.
- 13 -
Leonardo Pinho4
14 de dezembro de 2017
A Associação Brasileira da Psiquiatria (ABP) e Federação das Comuni-dades Terapêuticas, em aliança com o Ministro da Saúde e a Coorde-nação Nacional de Saúde Mental, tiveram uma vitória parcial no dia 
de hoje com a votação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT).
A Vitória é uma Vitória da Vergonha. As mudanças propostas vão no sentido 
de desconfigurar a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas 
construída nos últimos 30 anos com reconhecimento internacional e imple-
mentado em governos de matrizes ideológicas diferentes.
Essa Vitória só foi possível através do debate não democrático, não passando 
pelos Conselhos Nacionais, inclusive os de Saúde e de Direitos Humanos se 
posicionaram contrários. Só foi possível virando as costas para os mais de 
2000 trabalhadoros, usuários e familiares presentes nos 30 Anos da Carta de 
Bauru. Só foi possível cerceando a palavra do Presidente do Conselho Nacio-
nal de Saúde na reunião da CIT, inclusive com fala desrespeitosa do Ministro. 
Só foi possível rasgando as decisões das Conferências Nacionais de Saúde 
Mental. Só foi possível sem observar a posição da Procuradoria Federal do 
Direito do Cidadão/Ministério Público Federal.
O mais importante só foi possível, num governo ilegítimo, num desgoverno.
A Vitória da Vergonha é o que marca para a história a ABP e a Federação das 
Comunidades Terapêuticas. A história os julgará, serão implacáveis ao lem-
brar essa triste cena na CIT.
4 Diretor da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), Presidente da Central de Cooperativas e Empreendimentos 
Solidários – UNISOL Brasil, conselheiro do Conselho Nacional de Direitos humanos (CNDH) e do Conselho Nacional de 
Economia Solidária (CNES).
VITÓ
RIA DA 
VERG 
ONHA
- 14 -
Leonardo Pinho
15 de dezembro de 2017
Ontem, após a Vitória parcial na reunião da Comissão Intergestores Tri-partite (CIT), Antonio Geraldo da ABP e Quirino Cordeiro Coordena-dor Nacionalde Saúde Mental, decretaram ACABOU5. Para eles enfim 
retorna o modelo de ampliação do financiamento dos leitos em Hospitais Psiqui-
átricos (manicômios) e com foco principal na psiquiatria (leiam o pequeno texto, 
é tanta afirmação da psiquiatria que mais parece um problema de autoestima). 
Uma tentativa desesperada de uma profissão se afirmar sobre as demais.
O texto é uma ode de negação do que é uma visão moderna da administração 
pública e de uma visão intersetorial do cuidado e tratamento.
Quirino e Antonio Geraldo acham que ACABOU por apenas ter iniciado um 
processo, que por sinal, não foi feito em diálogo com os conselhos de direitos, 
que não dialogou com os diversos conselhos profissionais, que não respeitou 
as posições das Conferências Nacionais de Saúde Mental e que não realizou 
Audiências Públicas. Acham que porque de forma ríspida o Ministro da Saúde 
impediu o direito de fala do Presidente do Conselho Nacional de Saúde irá 
conseguir pela canetada impor o silêncio na sociedade.
Eles não entenderam que a gestão pública não é mais um ato isolado de uns poucos 
gestores, ou de apenas seu grupo de interesse, ela precisa ser construída através do 
diálogo e da pactuação. A sociedade é mais complexa que seu desejo de decretar o fim.
Sendo assim, Quirino e Antonio Geraldo, não será apenas com a força do lo-
bby de interesses dos que lucram com a indústria da internação ou da caneta 
do Coordenador e do Ministro que vocês vão decretar: ACABOU.
Apenas começou e mais de 30 anos de história e de reconhecimento inter-
nacional, construído em diversos governos de matrizes ideológicas diversas, 
não será apagado apenas pela vontade dos senhores. Haverá muita resistên-
cia, diálogos, mobilizações em amplos setores da sociedade.
Não se esqueçam: Caneta Não é Tudo!
13 Texto publicado em: http://www.uniad.org.br/interatividade/noticias/item/25575-acabou em 14/12/2017 e difundido amplamente 
nas redes sociais. 
CAN 
ETA 
NÃO É 
TUDO
- 15 -
Leonardo Pinho
18 e 19 de dezembro de 2017
A Câmara dos Deputados, no dia 18 de dezembro de 2017, foi tomada por uma alegria contagiante de usuários, trabalhadores, familiares, estudantes e ativistas de direitos humanos que celebraram os mais 
de 30 anos da Luta Antimanicomial. 
Essa homenagem dos 30 anos da Luta Antimanicomial teve um duplo caráter: 
celebrar os avanços e mobilizar contra os retrocessos.
A construção de uma rede substitutiva que atinge hoje todo o território nacio-
nal, a inversão de recursos que antes ia para um modelo asilar e hoje é voltado 
para o cuidado de base comunitária e em liberdade foram celebrados.
O ponto auge foi a entrada do Coletivo Bauru, que com sua bateria animou a 
todos e todas sobre a música um Grito de Liberdade, e as formalidades impos-
tas pela dinâmica espacial do Plenário Ulisses Guimarães foi substituída pela 
Ciranda. Todos e todas de mãos dadas em ciranda celebraram a unidade na 
pluralidade do campo da saúde mental e da luta antimanicomial.
As falas da mesa, da Deputada Erika Kokay, do Deputado Raimundo Angelim 
e de diversos depoimentos mostraram a indignação pelos retrocessos na Polí-
tica Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Um decreto legislati-
vo está sendo construído para sustar os efeitos da reunião da CIT.
Mas, contra a frieza das reuniões de gestores, do silenciamento imposto pelo 
Ministro da Saúde, a resposta esta vindo com a mobilização permanente por 
todo o país e com a alegria, que afeta, que nos tira do lugar e energiza as po-
tências criativas de nosso campo.
No dia seguinte, dia 19 de dezembro de 2017, as diversas entidades e movi-
mentos do campo da saúde mental, da redução de danos e da Luta Antima-
nicomial, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselho Federal 
de Psicologia (CFP) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) 
estiveram em diálogo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – 
ALEGRIA 
PARA 
RESISTIR
“ Nesta vida, 
pode-se aprender três coisas de uma criança: 
estar sempre alegre, 
nunca ficar inativo 
e chorar com força por tudo o que se quer” 
(Paulo Leminski)
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Ministério Público Federal (PFDC/MPF), com a Dra. Deborah Duprat e Dr. 
Francisco Nóbrega da Defensoria Pública da União (DPU), para demonstrar 
nossa indignação diante dos encaminhamentos sem participação popular 
que o Ministério da Saúde quer impor no calar do fim do ano.
A reunião demonstrou que nossa pluralidade e nossa alegria para defender 
uma política publica de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas será fundamen-
tal para reverter esses retrocessos em 2018.
Saio desses dois dias convicto de que é com a Alegria e Tenacidade que vamos 
derrotar os que querem impor ao país uma agenda que busca silenciar e promo-
ver mais sofrimento aos usuários de saúde mental, álcool e outras drogas.
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Leonardo Pinho
29 de dezembro de 2017
2018 se avizinha e na última sexta-feira antes do Natal, o Ministério da Saúde lança Portarias e Resoluções que mudam a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Combinado com a publicação 
de uma Portaria Interministerial que cria um Grupo de Trabalho, que em 45 
dias vai apresentar um Plano de Trabalho para ações voltadas para a Políti-
ca de Álcool e outras Drogas. Tem até power point com metas e orçamento!!!
A guerra de narrativas (infowar), algo muito discutido com a ampliação das 
redes sociais nos debates públicos, com a disputa das versões sobre os fatos 
(o impeachment de Dilma, a suposta influência russa nas eleições americanas 
e na Catalunha), também está presente no debate das políticas públicas de 
saúde mental e drogas.
O Ministério da Saúde, em sua narrativa, jura que suas ações são voltadas 
ao fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, como afirma em 
suas portarias e publicações. Na Folha de São Paulo, Ronaldo Laranjeiras, o 
profeta das mudanças anuncia: começamos a Segunda Reforma Psiquiátrica6. 
A narrativa construída com esmero de “fortalecimento”, de “segunda refor-
ma”, só se explica num contexto de baixa legitimidade do processo e das mu-
danças e inversões em si. Buscam dizer que nada muda que é só um aperfei-
çoamento, uma melhoria, para encobrir as verdadeiras intenções, que é nada 
mais, nada menos, que o retorno do modelo asilar, do modelo de lucro sobre o 
sofrimento, do modelo da indústria de leitos privados financiados com verba 
pública. Não podemos nos esquecer: a história se repete, a primeira vez como 
tragédia e a segunda como farsa (MARX, 2011)7.
A maioria dos Conselhos Profissionais, os Conselhos de Saúde e de Direitos 
Humanos, centenas de entidades das diversas áreas da saúde e mais de 2000 
6 Texto publicado em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/12/1945632-a-segunda-reforma-psiquiatrica.shtml em 24 de 
dezembro de 2017.
7 MARX, K. Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, São Paulo: Boitempo Editorial, 2011 [1852].
GUERRA 
DAS NAR
RATIVAS 
NA 
SAÚDE 
MENTAL
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pessoas no Encontro 30 anos de Bauru, dizem justamente o contrário.
No apagar das luzes do final de ano em meio ao recesso do legislativo e do 
judiciário publicam as novas portarias. Nada novo no método de impor me-
didas com interesses questionáveis. Tudo isso, sem ter passado no Conselho 
Nacional de Saúde e sem ter realizado uma só Audiência Pública.
Mas, vamos ao que interessa: Orçamento
É aí que fica claro, se as medidas são para fortalecer a RAPS ou para fazer a 
segunda reforma, ou se é, para impor uma nova Política Nacional de Saúde 
Mental, Álcool e outras Drogas. Chamar de nova é até contraditório, pois as 
mudanças impostas são tão velhas, que são de mais de 30 anos atrás.
Vejam bem, as narrativas de “fortalecer” de “segunda reforma” se esvaem no 
ar, quando se anuncia o orçamento: 
1. Aos Manicômios foram anunciados 60 milhões e para as Residências Te-
rapêuticas 50 milhões;2. As Comunidades Terapêuticas vão receber 100 milhões (só do Ministério 
da Saúde), e para o toda a RAPS apenas 70 milhões;
3. Para os novos dispositivos (ambulatórios e o novo CAPS AD em “cenas 
de uso”) incluídos na RAPS na última portaria: 33 milhões.
O orçamento não deixa mentir que a prioridade é os hospitais psiquiátricos e 
as comunidades terapêuticas.
Uma aliança que até pouco tempo não daria para imaginar, os setores da psi-
quiatria “tradicional” com os setores mais conservadores de grupos religio-
sos, revelam os interesses econômicos que andam por trás das medidas de 
retrocesso.
2018 já se apresenta como o ano de que para garantir os direitos conquistados 
progressivamente desde a Constituição de 1988 serão necessários muitos pro-
cessos coletivos de organização e mobilização. 
Que chegue 2018...
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Leonardo Pinho
Mônica C. Ribeiro8
18 de dezembro de 20179
8 Mônica C. Ribeiro é jornalista e antropóloga. 
9 Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique em 18 de dezembro de 2017, disponível em: 
http://diplomatique.org.br/saude-mental-uma-canetada-nao-apaga-30-anos-de-luta/ 
SAÚDE MENTAL: 
UMA CANETADA 
NÃO APAGA 30 
ANOS DE LUTA
Sem direito a contraditório e a manifestação 
dos Conselhos Nacionais de Saúde e de Direitos 
Humanos, o Governo Temer deu mais um passo 
na direção de desconfigurar a Política Nacional de 
Saúde Mental. Política que resistiu a governos de 
matrizes ideológicas diversas e que é reconhecida 
internacionalmente como referência.
A Política Brasileira de Saúde Mental, que vem se constituindo ao lon-go dos últimos 30 anos com a chamada Reforma Psiquiátrica, veio substituir o modelo desumano e perverso de internação em manicô-
mios, de características opressivas, excludentes e reducionistas. Substituiu o 
internamento de pessoas submetidas aos mais aterrorizantes tratamentos, em 
condições desumanas, pelo atendimento nos Centros de Atenção Psicossocial 
(CAPS) Serviços Residenciais Terapêuticos, Centros de Convivência e Cultu-
ra, Unidades de Acolhimento e leitos em hospitais gerais.
Pois com uma canetada, sem direito a contraditório e a manifestação dos 
Conselhos Nacionais de Saúde e de Direitos Humanos, uma aliança entre o 
Ministério da Saúde, a Associação Brasileira de Psiquiatria e a Federação das 
Comunidades Terapêuticas fez, no dia último dia 14 de dezembro, mais um 
movimento na direção de desconfigurar a Política Nacional de Saúde Mental. 
Política que resistiu a diversos governos, de matrizes ideológicas diversas, e 
que é reconhecida internacionalmente como referência.
A chamada Comissão Tripartite – à qual cabe pactuar a organização e o fun-
cionamento das ações e serviços de saúde integrados em redes de atenção, 
e que reúne representantes de secretários estaduais e municipais de saúde 
– aprovou resolução que fortalece o atendimento em hospitais psiquiátricos, 
contrariando tudo o que vem sendo feito nas últimas décadas. A resolução 
garante a manutenção dos leitos em hospitais psiquiátricos, amplia os valo-
res pagos para internação nessas instituições e estimula a criação de novas 
vagas nos hospitais gerais. Ainda mais, prevê expansão do credenciamento 
das chamadas comunidades terapêuticas, que em sua maioria são ligadas a 
grupos religiosos e prestam serviços a dependentes químicos. A proposta foi 
apresentada pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Drogas do 
Ministério da Saúde, representada pelo atual coordenador, Quirino Junior.
Neste mesmo ano de 2017, a Ouvidoria Nacional registrou um aumento de 
cerca de 49% nas denúncias de maus tratos, imposições religiosas e trabalho 
forçado disfarçado de laborterapia. Só em Jarinu, no estado de São Paulo, a 
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comunidade terapêutica Missão Belém teve 14 mortes em um só mês10. Situa-
ções de violações de direitos humanos que se assemelham às que eram vistas 
em manicômios têm sido flagradas em vários desses lugares por inspeções 
realizadas pelo Conselho Federal de Psicologia. Recentemente, foi criada uma 
Subcomissão de Drogas e Saúde Mental no Conselho Nacional dos Direitos 
Humanos (CNDH) para atuar nessas áreas.
Uma inspeção nacional realizada em outubro deste ano11 pela Procuradoria Fe-
deral dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Federal, pelo Mecanismo 
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e pelo Conselho Federal de Psico-
logia foi realizada simultaneamente em mais de 30 comunidades terapêuticas 
em diversos estados brasileiros. No âmbito do Ministério Público há mais de 50 
procedimentos extrajudiciais para apuração de violações de direitos humanos 
em comunidades terapêuticas. O mais recente relatório do Mecanismo Nacio-
nal de Prevenção e Combate à Tortura relata, em seu mais recente relatório, pri-
vação de liberdade em desconformidade com a lei, indícios de trabalho análogo 
ao escravo e também crime de sequestro e cárcere privado.
Denúncias realizadas ao longo de décadas dão conta de parte dos danos irrepa-
ráveis causados às pessoas que foram encarceradas dentro da perversa lógica 
manicomial. A Casa de Saúde Anchieta, no município de Santos, por exemplo, era 
conhecida como ‘casa dos horrores’. Sua interdição, em 1989, deu início à Reforma 
Psiquiátrica. O local abrigava cerca de 500 pessoas em espaço compatível para 
metade desse total, foi repetidas vezes denunciada por maus tratos, e sofreu final-
mente intervenção após denúncia de mortes violentas. Celas, solitárias e pátio de 
recreação ainda visíveis no lugar demonstram claramente o caráter de reclusão e 
repressão. O livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex, demonstra 
o verdadeiro genocídio ocorrido naquele que foi o maior hospital psiquiátrico bra-
sileiro, o Hospital Colônia, no município de Barbacena. O trabalho dá conta de 60 
mil mortos ao longo das décadas de existência daquele lugar.
Poucos dias antes da aprovação dessa resolução pela Comissão Tripartite, 
aconteceu em Bauru, nos dias 08 e 09/12, um encontro para relembrar os 30 
anos da chamada Carta de Bauru, elaborada durante o II Congresso Nacional 
dos Trabalhadores em Saúde Mental e considerada o primeiro manifesto ofi-
cial dos trabalhadores em saúde mental por uma sociedade sem manicômios. 
O encontro veio na sequência da divulgação, em março de 2017, do Manifesto 
em defesa da democracia, dos direitos sociais e por uma sociedade sem ma-
nicômios, assinado por uma série de entidades já atentas às movimentações 
que sinalizavam retrocesso.
“Durante os governos democráticos e populares de 2003 a 2015, a política de 
saúde mental aprofundou os avanços dos anos 90, ampliou em escala inédita 
os serviços abertos e substitutivos, de base territorial, e reduziu significativa-
mente os equipamentos de tipo manicomial. Tivemos imensas dificuldades, 
é verdade, especialmente na área de álcool e outras drogas, onde predomina 
na sociedade e nos agentes políticos uma visão extremamente conservadora e 
autoritária sobre a melhor forma de lidar com este problema de saúde pública. 
Mas estávamos em pleno processo de implantação de uma Reforma Psiquiá-
trica, no contexto do SUS, que incorporava as premissas da utopia ativa da so-
ciedade sem manicômios. Todos conhecem os números: redução de leitos em 
hospital psiquiátrico, implantação de CAPS e residências terapêuticas, CAPS 
AD e infanto-juvenil, unidades de acolhimento e consultório de rua, Progra-
ma de Volta para Casa, programas de geração de renda em articulação com a 
economia solidária e com arte e cultura, programas de formação permanente, 
ações desenvolvidas na atenção básica. Um avanço reconhecido em todo o 
mundo”, diz o Manifesto12.
Desde o final da década de 1980 o Brasil veio avançando no sentido de con-
solidar as bases da Reforma Psiquiátrica, cujo marco legal só foi aprovado em 
2001 – a Lei 10.216, que instituiu a Reforma e reconheceu os direitos das pes-
10 Para saber mais sobre o casode Jarinu, clique aqui: https://goo.gl/yz8WrH
11 Para saber mais sobre a ação, clique aqui: https://goo.gl/3yzNEi
12 Versão completa do Manifesto disponível em: 
http://cebes.org.br/2017/03/manifesto-em-defesa-da-democracia-dos-direitos-sociais-e-por-uma-sociedade-sem-manicomios/
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soas com transtorno mental. Desde então, o país construiu a RAPS (Rede de 
Atenção Psicossocial), que tem nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) 
seu alicerce, no sentido de promover uma política pública acolhedora e que 
respeita os direitos humanos.
O atendimento integral no lugar da internação compulsória. A emancipação 
social no lugar do enclausuramento. A construção de uma rede substitutiva 
de base comunitária, na qual o usuário da saúde mental passou a ser visto 
como cidadão de direitos, no lugar do isolamento social, que impunha dé-
cadas de exclusão social. Esses são os focos dessa Política de Saúde Mental, 
instituída ao longo dos últimos 30 anos, com ênfase ao respeito à autonomia 
do indivíduo, ao cuidado, trabalho em rede e inserção social.
Uma política pública inovadora e pioneira, reconhecida mundialmente pela ONU 
como modelo a ser seguido em outros países, que vê o usuário de saúde mental 
não como portador de transtornos mentais, e sim como portador de direitos.
O movimento de saúde mental no Brasil é forte e está organizado, oferecen-
do resistência permanente a essas mudanças arbitrárias, feitas à revelia dos 
Conselhos Nacionais de Saúde e Direitos Humanos e sem audiências públi-
cas. As decisões são contrárias às deliberações das Conferências Nacionais 
de Saúde Mental. Na reunião da Comissão Tripartite, inclusive, o presidente 
do Conselho Nacional de Saúde, Ronald dos Santos, foi impedido de fazer uso 
da palavra.
Essa decisão foi tomada sem escuta da sociedade. Mas uma canetada não ca-
lará nossas vozes.
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ANEXOS
*ACABOU!!!!!*13 
Antonio Geraldo e Quirino Cordeiro
Após quase 30 anos de uma política pública de saúde mental no Gover-no Federal, que desfocou o atendimento e gerou a desassistência na área da saúde mental, tivemos hoje uma decisão maiúscula, na CIT. 
Após meses de reuniões, ampla discussão, um trabalho Hercúleo, foi aprova-
do hoje, sem intercorrências, as novas Diretrizes para as políticas públicas de 
saúde mental no Brasil.
Nela inclui tudo que sempre lutamos e mais itens para beneficiar nossos pa-
cientes, vários, onde se inclui na RAPS: Ambulatório especializado com a pre-
sença do Psiquiatra, CAPS IV para áreas de cracolândia com equipe multipro-
fissional e o psiquiatra 24h, Enfermarias de psiquiatria nos Hospitais Gerais 
com equipe multiprofissional e presença obrigatória do Psiquiatra, Hospital 
especializado em psiquiatria, com leitos qualificados, política continuada de 
proteção e atendimento no sistema extra hospitalar para os pacientes crô-
nicos, não podendo existir mais moradores de hospitais, devendo ocorrer a 
substituição de pacientes moradores por pacientes com quadros clínicos agu-
dizados, Comunidade terapêutica médica e não médica, e etc.
Inicia as políticas de prevenção ao suicídio com a presença dos estados e mu-
nicípios nas atividades do Setembro Amarelo e parcerias múltiplas.
Vencemos uma batalha, mas teremos muitas pela frente para a implantação 
de todo o sistema e precisamos contar com a presença de todos.
Agradecemos a todos pela ajuda continuada nesta luta.
Abraço.
Antonio Geraldo e Quirino Cordeiro.
13 Texto publicado em: http://www.uniad.org.br/interatividade/noticias/item/25575-acabou em 14/12/2017 e difundido amplamente 
nas redes sociais. 
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A segunda reforma psiquiátrica14 
Ronaldo Laranjeira15
A reformulação da política de saúde mental brasileira, aprovada em co-legiado tripartite, isto é, pelos gestores federal, estaduais e munici-pais, é um avanço, não um retrocesso.
Na prática, ela corrige uma distorção criada nos últimos 16 anos. A reforma 
psiquiátrica de 2001 foi um marco da luta contra os manicômios, que segrega-
vam os doentes mentais da sociedade sem tratá-los e os punha em condições 
muitas vezes sub-humanas. Ninguém quer essa triste realidade de volta.
Mas, ao determinar o fechamento indiscriminado de leitos psiquiátricos na 
rede pública, criou-se um vazio assistencial, uma lacuna. Reduziu-se drasti-
camente a assistência especializada aos doentes mentais em surto, que põem 
em risco suas vidas e de terceiros, bem como aos quadros mais graves e agu-
dos. Para esses pacientes, o tratamento ambulatorial pode ser insuficiente.
Há quase cinco anos o Estado de São Paulo implantou uma experiência ousa-
da e inovadora, ao estruturar uma rede de atenção hierarquizada para comba-
ter a dependência em álcool e drogas, por meio do Programa Recomeço.
Essa rede contempla, além do acompanhamento dos dependentes em Caps 
Ad (Centros de Atenção Psicossocial “” Álcool e Drogas), convênios com clíni-
cas psiquiátricas e comunidades terapêuticas para atender aos quadros mais 
graves. Foram abertos cerca de três mil novos leitos, em serviços próprios ou 
contratados, financiados exclusivamente pelo tesouro estadual.
A nova política de saúde mental do país, aprovada em comum acordo com 
Estados e municípios, converge com o modelo adotado por São Paulo nos ca-
sos de drogadição, englobando toda a psiquiatria.
Mas é importante destacar que não se trata de negar a reforma psiquiátrica, 
mas de promover uma segunda reforma, complementando a anterior, uma vez 
que a rede de atenção psicossocial não será negligenciada. Pelo contrário. A 
reformulação prevê a expansão dos serviços já existentes, bem como a cria-
ção de Caps 24 horas em regiões conhecidas como “cracolândias”.
Alguns pontos noticiados sobre a nova política de saúde mental precisam ser 
esclarecidos. O primeiro é que não haverá, de forma alguma, incentivo à ins-
titucionalização de pacientes.
A proposta é garantir leitos psiquiátricos suficientes para assegurar assistên-
cia a quem precisa, mas, ao mesmo tempo, dar mais potência ao processo 
de desinstitucionalização dos pacientes moradores de hospitais psiquiátricos 
pela ampliação da oferta de serviços residenciais terapêuticos.
Ao mesmo tempo, hospitais psiquiátricos serão qualificados para internação 
de pacientes com transtornos mentais agudizados, deixando, assim, de serem 
locais “fechados”, como ocorria no passado.
Outra questão importante: a expansão de leitos psiquiátricos em hospitais 
gerais se dará por meio da criação de enfermarias específicas, com presença 
obrigatória de equipe multiprofissional especializada em saúde mental.
Haverá, ainda, aumento do número de vagas e da qualidade da atenção pres-
tada pelas comunidades terapêuticas, bem como controle permanente dessas 
instituições para que os direitos dos pacientes não sejam violados.
Está mais do que na hora de a saúde mental ser tratada no Brasil sem ranços 
ideológicos, mas com estrito foco na recuperação do paciente e na oferta de 
uma rede assistencial resolutiva e mais eficaz.
14 Texto publicado em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/12/1945632-a-segunda-reforma-psiquiatrica.shtml 
em 24 de dezembro de 2017. 
15 RONALDO LARANJEIRA, psiquiatra, é coordenador do Programa Recomeço e professor da Unifesp 
(Universidade Federal de São Paulo)
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associação brasileira de saúde mental

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