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ANTONIO MAGALHAES GOMES FILHO
GERALDO PRADO
cus[Avo H EN R|QU E BADARÓ
MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA
OG FERNANDES
Coo rd ena çã o : Og Fernandes
Ada Pellegrini Grinover
PnerÁcro:
MEDIDAS CAUTELARES
NO PROCESSO PENAL
Prisões e suas alternativas
Comentários à Lei 12,403, de 04,05.2011
=o,ro*olTlREVISTA DOS TRIBUNAIS
ANTONIO MAGALHÃES COMES FILHO
GERALDO PRADO
GUSTAVO H ENRIQUE BADARó
MARIATHEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA
OC FERNANDES
Coordenação: Og Fernandes
MEDIDAS CAUTELARES
NO PROCESSO PENAL
Prisöes e suas alternativas
Comentários à Lei 12,403, de 04.05.2011
EDITORA TTI
REVISTA DOS TRIBUNAIS
Gustavo Badarô
Tombo No
ai; ir:){
Comentários ao a rt. 282 do CPP,
na redação da Lei 1 2.40312011
Arurouo MnonlHÃes Goves Fruo
Professor Titular de Processo Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Säo Pau-
lo - USP, onde leciona nos cursos de graduação e pós-graduaçäo e também exerce as
funções de diretor. Consultor jurídico. Foi membro do Ministério Público de Säo Paulo,
aposentando-se como Procurador de Justiça. lntegrou diversas comissöes de reforma
legislativa, participando especialmente dos trabalhos de elaboraçäo dos anteprojetos que
resultaram nas Leis 11.689, 11.690 e 11.719, de 2008, e 12.403, de 2011. Membro da Co-
missão de Reforma do CPP constituída pelo Senado Federal, de que resultou o Projeto
n.1 56/2009.
SuvÁnro: 1 .1 Medidas cautelares etécnica do processo- 1 .2 Atécnica da caute-
laridade no processo penal- 1 .3 Prisão cautelar- 1 .4 Princípios constitucionais
da prisão cautelar: 1 .4.1 A presunção de inocência; 1 .4.2 A proporcionalida-
de;1 .4.3 A jurisdicionalidade e as garantias do devido processo legal 
- 
1.5
Prisão cautelar no direito brasileiro: o sistema originaldo Código de Processo
Penalde 1941 
- 
1.6 Segue: alterações introduzidas pelas Leis 5.349/1967,
5.941/1973 e 6.368/1976 
- 
1 .7 Segue: a liberdade provisória sem fiança da
Lei 6.416/1977 
- 
1 .8 Segue: a Constituição de 1988 e o retrocesso legislativo
em matéria de prisão cautelar 
- 
1.9 Segue: a reforma processual de 2008 e
a abolição da prisão por pronúncia e decorrente de sentença condenatória
recorrível 
- 
1.10 Segue: o novo sistema de medidas cautelares introduzido
pela Lei 12.403/2011.
I 6 .\\ToNto MAGALHÁES GoMES FILHO
1 . 1 M rotoRs cAUTELARES E TÉcNlcA D0 PRoCESSo
O processo é atividade que reclama necessariamente um desenvolvimento
,.rrlpo.ãl. Na sua essência, constitui uma sequência de atos que antecedem e seI-
.'"- a preparação de um provimento final, com a palticipação dos interessados
em contraditório. Isso exige tempo e também traz o risco de que, no momento
frnal da decisão, o estado das coisas tenha sofrido alteraçÕes substanciais capazes
de tornar absolutamente inefrcaz a intervenção estatal par^ a solução do conflito'
por isso, a técnica processual serve-se das medidas cautelares como instrumen-
tos para superal esse riico inerente à prÓpria estrutula processual, possibilitando
o u.rt"clpufao dos efeitos de um futuro provimento, exatamente com o objetivo
de assegurar os meios pala que a decisão definitiva seja alcançada e, ao mesmo
ternpo, possa ser efrcaz.
Mesmo com sacrifício de valores considerados essenciais àrcalização da jus-
tiça, em ceïtos casos, o legislador se vê compelido a admitir essa antecipação' pois
a demora exigida para a solução do conflito pelas vias normais arriscaria tornal
inócua a decisão defrnitiva. Como advertiu Calamandrei, sem a cautela ter-se-ia
um remédio longamente elaborado para um doente já morto'r
As atividades necessárias a tais finalidades - que compõem o processo caute-
lar-- visam, portanto, à emanação de um provimento acautelatório e propiciam
condiçÕes para o êxito das tarefas de conhecimento e execução'2 Trata-se de um
"instrumento a serviço do instrumento": elas servem à eficiência do provimento
jurisdicional principal, e este, por sua vez, serve ao direito material e à própria
sociedade.l
como providências excepcionais, que importam na antecipação de um
resultado que normalmente somente seria obtido depois do amplo debate entre
os interessados na solução do conflito, em contraditório' as medidas cautelares
e srão subordinadas a determinados requisitos, sem os quais não seria legítima essa
inversão na ordem natural das coisas.
Primeiro, é preciso que, no caso concreto, a existência do direito posto como
ftrndamento da cautela se apresente pelo menos cornrazoátveis probabilidades
(.frrnrrrs boni iuris) .É que na situação de urgência em que se desenvolve a atividade
Cerrv¡N¡n¡r, p iero.Introcluzioni allo studío sistematico deiprovvedimenti cautelare Padova:
Cedam, 1936. p. 19.
Clxrnl, Antônio Carlos deAraújo; Gmi.roven,AdaPellegrinieDln¡v¡nco, cândido Rangel'
Tcoria Eeral cloprocesso.23. ed. São Paulo: Malheiros' 2007' p'339'
[)r., rrrrnccr, Cândido Rang el. Ainstrumentalidadedoprocesso.5. ed. São Paulo:Malheiros,
laQ6 p 26I
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 17
cautelar, não se poderia exigir mais do que isso, até porque se fosse necessária
uma cognição completa e aprofundada sobre a existência do direito, melhor seria
renunciar ao provimento acautelatório e aguardar o principal.a
Como segunda condição para a emanação do provimento cautelar, a doutrina
processual indica o perigo de insatisfação daquele direito diante da natural demora
na prestação jurisdicional definitiva (periculuminmora). Aqui, entretanto, nem
sempre bastarâ uma cognição superficial, tendente à verificação de uma simples
probabilidade, sendo exigÍvel, na maioria dos casos, que a constatação do perigo
se faça de forma plena e aprofundada, antes da concessão da medida.
Dada sua excepcionalidade- e também diante das contradiçoes que ïepresenta
-, essa técnica deve forçosamente incluir um sistema de freios e contrapesos dos
riscos, capazdeminimizá-los a nível mais do que aceitável e de oferecer compen-
saçÕes pelos males eventualmente impostos emrazão da efetivação das medidas
cautelares.5
1.2 A rÉcucn DA cAUTELARTDADE NO pRocESSo pENAL
A técnica da cautelaridade, cujos fundamentos e características foram acima
esboçados, tem inteira aplicação ao processo penal, pois, também neste, surgem
com frequência situaçoes que tornam imperiosas medidas urgentes, destinadas a
assegurar a coffeta investigação do fato criminoso, a futura execução da sanção
penal ou, ainda, o ressarcimento do dano causado pelo delito.
Assim como no processo civil, há circunstâncias especiais de risco para a
efetividade da tutela jurisdicional penal que auÍorizamexcepcionalmente o exa-
me prematuro dos fundamentos da acusação, ainda que de forma sumária, para
que o juiz possa dispor sobre a conservaçao de situaçÕes atuais, ou mesmo sobre a
antecipaçao do resultado que se espera do processo.
Algumas dessas medidas incidem sobre a pessoa do acusado (prisoes pro-
visórias, interdiçoes de direitos, restriçÕes processuais), outras dizemrespeito a
coisas (busca e apreensão, arresto, sequestro, hipoteca legal), e uma terceira classe
refere-se aos meios de prova, como, por exemplo, os depoimentos antecipados.6
Mas é fundamental sublinhar que no processo penal muitas vezes essas medi-
das cautelares atingem a própriapessoa acusada, afetando-lhe direitos fundamentais
como a liberdade e a dignidade,razão pela qual a disciplina dessa atividade deve
4. Piero Calamandrei, op. cit., p. 63.
5. Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade... cit.,p.262.
6. Bennos, Romeu Pires de Campos. Processopenalcautelar. Rio deJaneiro: Forense, 1982.
p.36.
l
1 B .{Ir.-TONIO MAGALHAES GOMES FILHO
ser muito mais limitada do que no processo civil, onde geralmente a antecipação
indevida pode vir a ser depois rcparadapecuniariamente.
Assim, em primeiro lugar, não se pode cogitar em matéria criminal de um
poder geral de cautela,em virtude do qual o juiz possa impor aoacusado restriçÕes
não previstas expressamente pelo legislador, como sucede no âmbito da jurisdiçao
civil. Tratando-se, sobretudo, de limitação da liberdade, é indispensável expressa
permissão legal para tanto, pois o princípio da legalidade dos delitos e das penas
não diz respeito apenas ao momento da cominação, mas àlegalidade dainteira
repressão,que poe em jogo a liberdade da pessoa desde os momentos iniciais do
processo até a execução da pena imposta.T
Nessa linha, Cuellar-Serrano anota que o princípio de legalidade no processo
penal, em coffespondência com o "nullum crimen nulla poena sine lege", traduz-se
pela máxima "nulla coactio sine lege", pois a lei processual deve tipifrcar tanto as
condiçÕes de aplicação, como o conteúdo das intromissÕes dos poderes públicos
no âmbito dos direitos fundamentais dos cidadãos.8
De outra parte, a mesma impossibilidade de analogia com as medidas cau-
telares do processo civil recomenda que, na avaliação de seus pressupostos, as
cautelas penais sejam submetidas a um rigor muito maior, tanto no que se refere à
probabilidade de uma solução final contrária ao acusado (fumusboniíuris) quanto
no que diz com opericuluminmora.
Finalmente, é importante evitar que a utilização indiscriminada das medidas
denaÍurezacautelar no processo penal constitua instrumento para a imposição de
sançÕes atipicas que, sob a justifrcação da urgência e da necessidade, acabam por
subverter princípios fundamentais do Estado de direito, consagrando algo muito
próximo à ideia de justiçasumaria.e
1.3 PnrsÄo cAUTELAR
Dentre as cautelas processuais penais, a mais frequente 
- 
e também de maior
gravidade- é, sem dúvida, a prisão. A custódia do acusado para assegurar aaplica-
ção futura de sançÕes punitivas antecede historicamente à própria pena privativa
de liberdade, visto que esta, introduzida pelo direito eclesiástico como forma de
7 Dras,Jorge de Figueiredo .Direito processualpenal. Coimbra: Coimbra Editora,I974.v.l,
p.77 -
8. Cu¡rr-en-S¡nn¿No,NicolasGonzales.Proporcionalidadyderechost'undamentalesenelproceso
penøl. Madrid: Colex, 1990. p. 77 .
t hrupuN¡rr, Giulio. Presunzione d'innocenza e uso della carcerazione preventiva come
sanzione atÍpi ca.Rivistaitalinadi diritto eprocedurapenale.2l:923.M\lano: Giuffrè, 1978.
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS 19
penitência, somente adquiriu importância nos ordenamentos leigos a partir dos
fins do século XVLÌ0
No direito romano, a prisão preventiva era utilizada como forma de asse-
gurar o comparecimento do réu ao processo e também como garantia da futura
aplicação de uma pena capital; tratava-se de poder eminentemente discricionário,
compreendido no irnperiumdo magistrado, e cujo exercício estava subordinado à
natureza do delito ou à personalidade do acusado; daí sua aplicação mais frequente
aos acusados de nÍvel social inferior e aos estrangeiros.rl
Desconhecida pelos povos germânicos, entre os quais o acusado se apresen-
tava livre perante a assembleia para defender-se da acusação, a prisão denaÍureza
cautelar adquiriu maior importância apartir da Idade Média, pois no processo in-
quisitório, fundado especialmente na procura da "rainha das provas" , as restriçÕes
à liberdade do réu constituíam condição indispensável para a submissão à tortura
e a obtenção da confissão.12
Diversa da prisão penal propriamente díta, aprisão cautelar, também deno-
minadaprísãoprocessual,13 não deve objetivar a punição, constituindo apenas um
instrumento para arealização do processo ou para a garantia de seus resultados.
Apesar da clareza dessa distinção teórica, na prática, as diferenças entre a
prisão como pena e a prisão como medida de cautela processual não são visÍveis,
tanto assim que o próprio legislador prevê a detração do tempo de prisão provisória
(art.42 do CP) e determina, além disso, a aplicação das normas de execução ao
preso provisório (art. 2.",parágrafo único, da LEP).
Essa confusão também é flagrante quando se analisam as múltiplas funções que
são atribuídas pela doutrina ou pela prática judiciária ao instituto. De fato, ao lado
de objetivos claramente instrumentais, como o de assegurar a presença do acusado
aos atos processuais ou o de garantir a futura execução da pena, diante do perigo
de fuga, a custódia preventiva atende muitas vezes 
- 
embora de forma ilegÍtima,
como se verá 
- 
a fi.ns reconhecidamente extraprocessuais, como a imediatareaçã,o
ao delito, a prevenção de novos crimes que possam vir a ser praticados pelo réu,
10. Cer-oN,EugenioCuello.Derechopenal. ll.ed.Barcelona: Bosch, 1953.t. 1,p.766-767.
l L Tucci, Rogério lauria. Lineamentosdoprocessopenalromano.SãoPaulo:EduSPÆushatsky,
1976.p.133; Pucr-rrsr, Giovanni. Le garanzie dell'imputato nella storia delprocesso penale
romano. Temi romana. 18 (10-12): 610. Roma: Consiglio dell'Ordine degli Awocati di
Roma, 1969.
12. VauNrr,Manollnuovoprocessopenal¿.Milano:Giuffrè,I975.p.282-283;Avero,Giuliano.
Indiyiduo e autoitdnelladisciplinødellalibertàpersonale. Milano: Giuffrè, 1967.p.70.
13. Alr'aeroe,Joaquim Canuto Mendes de. PrincÍpios constitucionais da coação processual.
Revista da F aculdade de Direito de S ao P aulo. I (35 ) : 657 . Sáo Paulo, I 939.
20 .{:-ToNlo MAGALFIAES GoMES FILHO
relacionados ou não com a primeira infração, sendo até mesmo apresentada como
"contribuição pessoal do acusado à atuação da justiça".ra
Situando-se, assim, nos limites entre o direito processual e o direito penal, a
prisão cautelar constitui, na verdade, umpoderoso instrumento a serviço do aparato
punitivo estatal, refletindo muitas vezes uma opção deliberada do legislador pelo
emprego de instrumentos processuais com finalidades intimidatórias e repressivas. r 5
Daí a necessária submissão da restrição da liberdade do acusado aos parâmetros
constitucionais, a seguir analisados.
1.4 Pnrrucípros c0NSTITUCIoNArs DA pRrsAo cAUTELAR
1.4.1 A presunçoo de inocêncÌo
Dentre os princípios constitucionais que interessam ao exame do tema da
prisão cautelar, o primeiro, na ordem de importância, é o dapresunçao deinocên-
cia, qte informa os ordenamentos contemporâneos em que o processo penal é
concebido como instrumento de aplicação de sançÕes punitivas com respeito aos
valores inerentes à liberdade e à dignidade da pessoa humana.
Apresunçao deinocênciainsere-se, com efeito, entre os postulados fundamen-
tais que presidiram a reforma do sistema repressivo empreendida pela revolução
liberal do século XVIII. Consagrou-a textualmente o art. 9." da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que proclamava: "Tout homme étant
présumé innocent, s'il est jugé indispensable de l'arreter, toute rigueur qui ne
serait pas necessaire pour s'assurer de sa personne doit être sévérement reprimée
par la loi".
Essa fórmula já permitia entrever, pelo menos, um duplo significado do
preceito declarado pela Assembleia Nacional Francesa como "direito natural,
inalienável e sagrado do homem": de um lado, regra processual segundo a qual o
acusado não está obrigado a fornecerprovas de sua inocência, pois esta é de antemão
presumida; de outro, garantia que deve impedir a adoção de medidas restritivas
da liberdade pessoal antes do reconhecimento da culpabilidade, salvo os casos de
absoluta necessidade. Essa última referência visava especialmente à restrição dos
14. SanerrNr,Giuseppe.Trd.ttatodeiprocedimentiincidentalinelprocessopenale.TorinoUtet,
f 953. p. 432. Sobre as diversas finalidades atribuÍdas à prisão cautelar, v. Mario Valiante,
op. cit., p.285-290, e Crrntext, Marcello. Custodia preventiva. In: Azene, Antonio; Euu,
Ernesto (a cura di). Novissimo Digestoltaliano, Torino: Utet, 1960. v. 5, p. 101.
15. Nonrlr, Massimo, La procedura penale tra dommatica e sociologia: significato politico di
una vecchia polemica, La questione criminale,3(l):85,1977 .
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 21
poderes absolutosdo rei e de seus juÍzes em relação à prisão, cuja expressão mais
evidente eram as chamadas "lettres de ca,chet" ,por meios das quais era possível a
eles dispor arbitrariamente da liberdade dos súditos.
Sem diminuir a importância de outros aspectos, é preciso ressaltar que o
verdadeiro "banco de prova" da garantia de tratamento do acusado como inocente
situa-se no terreno da liberdade pessoal. Até por isso, Manzini, seguramente o
mais contundente adversário da presunção de inocência, já salientava que não
teria sentido submeter o acusado à prisão preventiva se sua inocência fosse
presumida.Ì6
Numa visão mais radical, seria até mesmo possível sustentar que um sistema
processual fundado na presunção de inocência não pode conviver com quaisquer
formas de encarceramento anteriores à condenação definitiva. É o que assevera
Ferrajoli, ao lembrar que admissão da prisão ante iudicium, seja qual for o fim a que
esteja associada, representa uma contradição com a garantía de jurisdicionalidade,
que não consiste só em poder ser preso por ordem de um juiz, mas, antes, de só
poder ser preso com base emum julgamento.rT
Entretanto, é preciso ponderar que mesmo nos ordenamentos mais afeitos à
proteção da liberdade individual, sempre houve a previsão de medidas restritivas
em relação ao acusado, desde que necessárias. Mais especialmente, é oportuno
registrar que, no Brasil, assim como em outros paÍses, existe no próprio texto
constitucional a referência a formas de prisão anteriores à condenação (art. 5.o,
LXI, da CFII9BB; art. 13 da Constituição italiana).
De fato, como sublinha Vittorio Grevi em relação ao direito italiano, a coe-
xistência no quadro constitucional de explícitas referências à prisão preventiva
e à presunção de inocência, exprime uma relação de necessária compatibilidade
entre os dois preceitos, sob um duplo ponto de vista: de um lado, no sentido de que
a menção a um instituto como a prisão preventiva configura um limite objetivo
ao campo de potencial expansão da presunção de inocência; de outro, ao reverso,
no sentido de que este último princÍpio configura um parâmetro negativo ao qual
deve conformar-se o legislador ordinário em matéria de medidas restritivas da
liberdade pessoal do acusado, especialmente com relação à sua duração máxima
e às exigências cautelares idôneas a justificá-las.Ì8
16. MeNznu,Vincenzo. Trattdtodidiríttoprocessualepenaleitaliano.Torino: Utet, 1931.v. I,
p.178-179.
I7. Frnne.¡olr, Luigi. Diritto e ragione'. teoria del gardntismo penale. Roma: Laterza, 1996. p.
566.
18. Gnrvr, Vittorio. Presunzione di non colpevolezza, garanzíe dell'imputato ed efficienza
del processo nel sistema costituzionale . Presunzíone dinon colpe,tolezza e disciplina delle
impugnazioni, Atti del Contegno. Milano: Giuffrè, 2000. p. 17.
))
.\NTONIO ìVIAGALHAES GOMES FILHO
O que importa nessa matéria, em resumo, é não perder de vista a cir-
cLÌnstância de que qualquer prisão anterior à condenação definitiva só pode
errcontrar justificação na excepcionalidade de situaçoes em que a liberdade do
acusado possa comprometer o regular desenvolvimenlo ou a efr.cácia da ativi-
clade processual.
Assim, desde logo, deve ser sublinhado que à luz da presunção de inocência,
não se concebem quaisquer formas de encarceramento ordenadas como antecipação
da punição, ou que constituam corolário automático da imputação, como sucede,
por exernplo, nas hipóteses de prisão obrigatória, previstas de forma explícita ou
disfarçada pelo legislador, em que a imposição da medida independe da verificação
concreta dopericulumlibertatis, e ainda naqueles casos em que a medida constitui
decorrência de dados sobre a personalidade do acusado, que nem sempre indicam,
com segurança, a necessidade de segregaçao.
Além disso, se por definição a medida cautelar constitui um instrumento a
serviço do processo, a prisão imposta sob esse título somente pode estar legitimada
por finalidades previstas em lei e que, ademais, estejam de acordo com os valores
constitucionais e sejam congruentes com arrallJreza do fim perseguido.le
DaÍ a importância de verificar, dentre as frnalidades atribuÍdas ao legislador
ordinário, às diversas modalidades de prisão cautelar, se e em que medida as
mesmas afrontariam, ou nâo, a presunçâo constitucional de inocência. Além
disso, mesmo que constatada sua legitimidade, parece fundamental procurar
estabelecer certos parâmetros para evitar restriçoes desproporcionais ao di-
reito de liberdade e, também, um meio justo de reparação pela prisão cautelar
indevida ou excessiva.
É o que ocorre, no sistema brasileiro, mesmo na redação dada pela Lei
12.403/20II ao art.3l2 do CPP, com a prisão preventiva determinada para a " ga-
rantia da ordem pública ou da ordem econômica" (v., neste volume, comentários
ao art.3L2 do CPP), na medida em que essa fórmula excepcionalmente ampla e
aberta, ao conferir amplo poder discricionário aos juízes , acaba por possibilitar a
ruptura dos padrÕes de unidade e hierarquia inerentes aos princípios da constitu-
cionalidade, da legalidade e da certeza jurídica.zo
No caso da prisão cautelar, o apelo à ordempública como seu fundamento
representa, em última análise, a superação dos limites impostos pelo princípio da
legalidade estrita, fundamentalnessamat-êria,parapropiciaraatribuição ao juiz de
19. SÁNcn¡2, Juan Antonio Lascuráin. Fines legítimos de la prisión provisional. T|ibunal
ConstituciottøI. I I : 2I, 1998.
20. Fame,José Eduardo Campos de Oliveira. Eficácia jurÍdica eviolência simbólica: o direito
como instrumento de transformação social. Tese, São Paulo, I984, p. 11.
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS . 2 3
um amplo poder discricionário, senão arbitrário, que nesse particular geralmente
não fi.ca sujeito a limitaçoes.2r
Apesar dessa apontada nebulosidade, o recurso à ordempublica em matéria
penal e processual-penal tem uma destinação bastante clara'. a de fazer prevalecer
o interesse da repressão em detrimento dos direitos e garantias individuais.22
i\ ordtmpúblicarelacionam-se, de forma geral, todas aquelas finalidades do
encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter caute-
lar propriamente ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas
como medidas de defesa social.
Fala-se em exemplaridade, no sentido de imediata reação ao delito, que teria
como efeito satislazer o sentimento de justiça da sociedade,23 ou, ainda, empre-
vençao especial, assim entendida a necessidade de evitar novos crimes, pois uma
primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente propenso a práti-
cas delituosas,2a eLambém indicar a possível ocorrência de outras, relacionadas à
supressão de provas ou dirigidas contra aprópriapessoa do acusado.25
Parece evidente que em todas essas situaçÕes a prisão não é um instrumento a
serviço do instrumento, mas uma pura e simples antecipação da punição, ditada por
motivos de ordemsubstancial e quepressupoe o reconhecimento da culpabilidade.
O apelo à exemplariddde, como critério de decretação da custódia preventiva,
constituiseguramente a mais patenteviolação dapresunção deinocência,porqtanto
parte da admissão inicial de culpa, e termina por atribuir ao processo uma função
formal de legitimação de uma decisão tomada apriori.
Essa incompatibilidade revela-se ainda mais grave quando se tem em conta
a referência à função de pronta reação ao delito como forma de aplacar o alarme
21. Significativa, nesse sentido, a orientação jurisprudencial corrente que chega mesmo a
admitir o apelo à sensibilidade do juiz. Assim, julgado do STF: "no conceito de ordem
pública não se visa apenas prevenir a reprodução de certos fatos criminosos, mas acaute-
lar o meio social e a própria credibilidade daJustiça, em face da gravidade do crime e de
sua repercussão. A conveniência da medida deve ser revelada pela sensibilidade dojuiz à
reação do meio ambiente à ação criminosa" (RHC65.043-f -RS, rel. Carlos Ma deíra,DJU
22.05 .1987 , p . 97 s6) .
22. Fron¡, Carlo. Ordine pubblico (diritto penale). Enciclopédia del diritto. Milano: Giuffrè,
1980 v30,p 1101
23 FoscurNr, Gaetano. Sistemadeldirittoprocessualepenale.2. ed. Milano: Giuffrè, 1965. v
L,p.526.
24. G¡ncre, Basileu. Comentarios ao Código deProcesso PenøI. Rio deJaneiro: Forense, 1945
v. 3, p. 169-170.
25. Fr-onraN, Eugenio. Principididirittoprocessualepenale.2. ed. Torino: Giappichelli, 1932
p.418.
I + A\roNro MAC,{LHAES GOMES FILHo
social;parte-se deum dado emotivo, instável e sujeito a manipulaçÕes, para impor
ao juiz uma medida muito próxima à ideia de justiçasumaria.26
Com relação ao discurso que procura justificar a prisão cautelar pela fina-
lidade de prevençao especial, atribuindo-lhe o caráter de medida de segurança
aplicada com base na periculosidade revelada pelo agente,27 trata-se de mero
jogo de palavras, que nào consegue esconder a mais radical ofensa à garantia
constitucional.
É que na raiz dessa colocação está evidente o reconhecimento da respon-
sabilidade do sujeito pela prática do crime de que está sendo acusado; teme-se
que, depois de haver praticado esse primeiro delito, cuja existência e autoria
são dadas desde logo como certas, venha também a praticar outros.28 Como
ressalta Pier Paolo Paulesu em obra recente, do princÍpio da presunção de ino-
cência se ex[rai que o juÍzo de periculosidade não pode preceder a veriflcação
da culpabilidade.2e
Ademais, é sabido que os critérios de aferição da periculosidade nem
sempre repousam sobre um juizo de probabilidade estabelecido em função de
elementos empÍricos, principalmente quando tal aferição é feita antes mesmo
da instrução criminal. O que se constata na pratíca, é o recurso a dados extre-
mamente enganosos como os antecedentes e a gravidade do delito, que mais
revelam uma impressão pessoal do magistrado do que uma realidade assentada
em dados concretos.so
Disso resulta, numa primeira síntese conclusiva, que somente as formas de
prisão anteriores à condenação que atendam a finalidades processuais , denatureza
instrumental ou final, destinadas a assegurar a pr opriarealização do processo ou os
seus resultados, não ofendem, em princípio, a presunção de inocência entendida
como garantia da posição de liberdade do acusado. É evidente que essa conclusão
não importa em admitir que a simples invocação dessas frnalidades seja apta a
legitimar a prisão cautelar, mas constitui apenas um ponto de partida para que o
exarne das circunstâncias do caso 
- 
com resguardo os demais princípios a seguir
examinados 
-, possa justifrcar a excepcional restrição à liberdade do acusado.
26. Gn¡r,r, Vittorio. Libertà personale dell'imputato. Ettciclopédiadel dirLtto Milano: Giuffrè,
1974.v.24,p 332-333
27 Gnnraror, Tullio La libertà personale dell'irnputato e le sue garanzie costituzionali. Tørni
N apoletana. 5 (1) : 310- I, 1962.
28. Vrrromo, Grevi. Libertà... cit., p. 334; Giuliano Amato, op. cit., p. 376
29. Peurrsu,PierPaolo.LapresunTionedinoncolpevolezzadell'imputato.Torino: Giappicheili,
2009. p. 137-r38.
30. Fnccoso, Heleno Ciáudio. Liçoes de direíto penal: anoydparte geral 8 ed Rio cleJaneiro:
Forense, I985. p.309.
MED]DAS CAUTELARES E PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS 25
1.4.2 Aproporcionolidode
Mesmo admitidos esses fins legÍtimos da prisão cautelar, em face da presunção
de inocência, é preciso acrescentar que na ordem constitucional qualquer medida
de restrição a direitos fundamentais 
- 
no caso, o direito à liberdade 
-, deve ser
prop orcíonal aos obj etivos desej ados.
É que, no Estado democrático de direito, as leis que restringem direitos fun-
damentais, ainda que por autorização contida na própria Constituição, devem
atenderao princÍpio daproporcionalidadeemsentido arnplooudaproibiçøo deexcesso.
Como sublinha Canotilho, isso significa, no âmbito especÍfico das leis restritivas
de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com
base em lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional
(com justa medida).31
EsseprincÍpio, reconhecido expressa ou implicitamentenossistemas constitu-
cionais contemporâneos, constitui, entre nós, decorrência de várias cláusulas pelas
quais a Constituição confere especial proteção aos direitos fundamentais (como,
por exemplo, o art. 60, g 4.o, IV da CFlf 9BB) e, como dizSuzanade Toledo Barros,
complementa oprincÍpio dareservalegal (art.5.o,II, da CFll988), convertendo-se
no princÍpio dareservalegalproporcional. Assim, não fica ao livre critério do legis-
lador ordinário estabelecer as restriçÕes que entenda cabÍveis, quando autorizado
a impor limites aos direitos fundamentais; se fosse assim, as garantias formuladas
em defesa desses direitos seriam todas ilusórias e despidas de qualquer sentido.32
A proporcionalidade constitui requisito essencial não só para delimitar a
atividade legislativa, no que toca à disciplina das restriçoes a direitos fundamen-
tais, quando a isso autorizado pelo constituinte, mas igualmente serve de critério
orientador ao juiz na aplicação de qualquer medida coactiva. Sua observância
impÕe-se em todos os setores do ordenamento em que frequentemente surgem
conflitos entre o interesse público e as liberdades individuais, como nos campos
administrativo, tributário, penaletc., indicando anecessidadedeponderaçã.oentre
os valores envolvidos para que seja legítima a restrição.
Tambémno processo penal-seguramente o setor do ordenamento no qualse
evidencia com maior relevo a contraposição entre o interesse estatal na persecução
e as garantias do cidadão acusado 
-, o apelo ao critério da proporcionalidade é
indispensável, ora como forma apta a evitar os excessos dos órgãos incumbidos da
repressão, ora como argumento que autorizaria restriçÕes excepcionais, em nome
31. Ceuorrruo, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoriq da Constituiçao.7. ed. Coimbra:
Almedina, 2003. p.457 .
32 Bannos,SuzanadeToledo. Opnnctpiodaproporcionalidadeeocontroledeconstitucionalidøde
das leis restritiyas de direitos. BrasÍlia: BrasÍlia JurÍdi ca, 1996. p. 89-90).
26 ANTONIO MAGALHAES GOMES FILHO
da repressão das manifestaçÕes mais agudas de criminalidade. DaÍ a sua aplica-
ção, por exemplo, em matéria de proibiçÕes de prova, tanto para legitimar certas
derrogaçÕes dos limites probatórios em benefício da apuração de infraçoes graves,
como para superar eventuais entraves legais para a comprovaçào da inocência.33
Mais claramente: em relação às medidas cautelares processuais-penais. a
observância da proporcionalidade é fundamental, pois se a adoção antecipada
de providências que constituiriam o resultado do processo 
- 
depois de uma
cognição completa dos elementos existentes nos autos e com o amplo debate
contraditório entre os interessados 
-, é excepcional, deve também ser criteriosa,
somente se legitimando após uma rigorosa ponderação dos interesses em jogo.
Nesse aspecto, a concreta verificação da justamedida insere-se naquele sistema
de freios e contrapesos que a doutrina processual reclama para a efetivação das
cautelas em geral.3a
Nem por isso, o recurso à proporcionalidade, como critério a ser observado na
aplicação de medidas restritivas, é isento de objeçÕes, lembrando-se que poderia
atentar contra o princÍpio da separação de poderes, autorizando o juiz a invadir a
esfera do legislador quando do exame da proporcionalidade de uma lei restritiva;
ou, ainda, invocando-sea ameaça aosprincÍpios da segurançajurÍdica, que frcariam
relativizados. A crÍtica mais contundente é de teor metodológico, relacionada à
dificuldade de um controle objetivo sobre a racionalidade do emprego da propor-
cionalidade nos casos concretos.35
Buscando superar essas críticas, que sublinham a indeterminação e o sub-
jetivismo que podem decorrer da aplicação do princÍpio da proporcionalidade, a
doutrina constitucionaltem procurado identiflcar o seu significado e conteúdo,
apontando como seus ¿lementos ou subprincípios: (a) a adequação 
- 
ou idoneidade;
(b) a necessidade; (c) a proporcionalidade em sentido estrito.
O primeiro considera a relação que deve haver entre a medida restritiva e
os fins que se pretende obter por seu intermédio. Em outras palavras, deve haver
utna adequação entre os meios e os frns perseguidos, pois se a limitação do direito
fundamentalnãto for idoneûparaaconsecução da finalidade perseguida, carecendo
de aptidão para alcança-la, a medida será inconstitucional. Como mostra Cuellar-
-Serrano, a adequação deve ser veriflcada tanto do ponto de vista qualitativo como
quantitativo, e também precisa ser adequada em relação ao âmbito subjetivo de
33. Gov¡s FtHo, Antonio Magalhâes . Direito a prova no processo penal. São Paulo: Ed. RT,
1997 . p.104-I06.
34 V, supra, n. I e nota 5.
35 Na doutrina nacional, v., especialmente, SrrtN'ltlrz, Wilson Antonio. Colísao de direitos
t'undamentais e princípio claproporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 200 L
p. 193 e ss
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS 27
aplicação.36 Assim, entre nós, tomando como exemplo a autorização constitucio-
nalparaa interceptação das comunicaçÕes telefônicas (art. 5.o, XII, da CFl1988),
a providência será adequada qualitativamente se for determinada efetivamente
para 
^ 
obtenção de provas para a investigação ou o processo penal; sob o aspecto
quantitativo ,oprazo de sua duração também deve ser adequado, sendo intolerável
uma intromissão nas comunicaçÕes por tempo muito longo ou indeterminado:
fi,nalmente, a medida deve estar restrita àquelas pessoas cuja conduta que pretende
investigar, sendo ilegítima qualquer ingerência na vida privada de terceiros.
O segundo subprincípio que decorre da proporcionalidade em sentido amplo
é o danecessidøde, que realça a otirnizaçã,o do grau de eficácia dos direitos funda-
mentais diante de suas possíveis limitaçoes, obrigando o poder público a recorrer
preferencialmente àquelas medidas menos lesivas aos direitos dos cidadãos. Com
isso, preconiza-sea "intervenção mínima" ou a "alternativa menos gravosa", dentre
as medidas potencialmente aptas para atingir os fins perseguidos.3T Trata-se, pois,
de um critério que leva em conta a comparação entre medidas diversas, todas aptas
à consecução do fim desejado, levando o legislador, ou ojuiz, a escolher aquela que
for menos lesiva aos direitos fundamentais.3s No processo penal, isso deve levar a lei
a prever outras medidas de restrição, que sejam menos gravosas do que a completa
privação da liberdade, como ocorrena prisão preventiva, mas que possamsatísfazer
igualmente as exigências cautelares antes mencionadas. Do mesmo modo, cabe ao
juiz,na apreciação do caso concreto, adolar, dentre as alternativas existentes no
ordenamento e idôneas ao fim pref-endido, aquela que implique a menor restrição
possível à liberdade do acusado.
Por último, a terceira dimensão do princÍpio da proporcionalidade em sentido
amplo, que se articula com a adequação e a necessidade, é a da proporcionalidade
stricto sensu,fambêm apontada pela doutrina como subprincípio. É que, em certos
casos, anota Suzana de Toledo Barros, ojuízo de adequação e necessidade não é
suficiente para determinar a justiça da medida restritiva de direitos; trata-se de
analisar, então, se o meio a serutilizado encontra-seemrazodvelproporçao com o
frm a ser perseguido.3e
Essa verificação supoe que se apresente ao juiz uma situação concreta em
que, já assentadas a adequação e a necessidade, seja necessário ainda analisar se
o sacrifício a ser imposto ao direito fundamental guarda uma relação razoavel e
proporcional com a relevância do interesse estatal que se pretende assegurar. Aqui
)6 Nicolas Gonzales Cuellar-Serrano, op. cit., p. 160.)7 Idem, p. 189.
Itl S¡NcurNÉ, Odone. Prision provisional e derechos fundamentaløs. Valencia: Tirant, 2003p 651.
l9 SuzanadeToledoBarros, op. cit.,p 80
2B ANTONIO MAGALHAES GOMES FILHO
cabe utilizar as técnicas de contrapeso de bens e valores, de forma a escolher a
medida mais justa nas circunstâncias do caso, o que, no terleno processual-penal,
implica resolver a tensão entre os interesses estatais relacionados à persecução e
as garantias do acusado.ao
É evidente que tal escolhanão podeserpuramentesubjetiva ou arbitrária, nem
isenta de rigorosos controles. Por isso, de um lado, como sublinha Cuellar-Serrano,
não se pode perder de vista a obediência ao princípio da legalidade, utilizando a
proporcionalidade como reculso para justificar a adoção de medidas legalmente
inadmissÍveis.al De outro, o recuïso àproporcionalidadedevevir acompanhado de
uma justifrcaçã,o capazde propiciar um efetivo controle, num contexto intersub-
jetivo, da correção dos procedimentos de ponderação de bens e valores.
1.4.3 A jurisdicionolidode e os goront¡os do devido processo legol
Daí porque a possÍvel legitimidade teórica da prisão anterior à condenação,
diante da presunção de inocência, bem como o exame da proporcionalidade da
medida restritiva, em cada caso concreto, exigem a efetiva cognição judicial a res-
peito dos pressupostos legais que au torizamacustódia, que deve necessariamente
vir expressa em provimento motivado (art. 5.o, LXI, e 93, IX, da CFll988).a'z
Assim, outro pdncÍpio fundamental que se extrai do texto constitucional de
1988, em relação à prisão cautelar, e o da iurisdicionalidade.
Sepultando definitivamente algumas propostas legislativas de atribuição de
poderes coercitivos a autoridades policiais ou a membros do Ministério Público, a
Constituição de 19BB assegura, emvárias disposiçÕes do art. 5.o, o efetivo controle
jurisdicionalsobre a pris ão:ninguémserdpreso senao emflagrantedelito oupor ordem
escríta e fundamentada da autoridade judiciariø competente (inc. LXI); aprisao de
qualquer pessod e o local em que se encontre serao comunicados imediatamente ao juiz
competente(inc.LXII); aprisaoilegalseraimediatamenterelaxadapelaautoridade
judiciaria (inc. LXV) ; ninguem serd lev ado a prisao ou nela mantido , quando a lei
admitir aliberdade provisoria, com ou semfiança (inc. LXVI).
É preciso anotar, no entanto, que mesmo na vigência do texto constitucional
anterior, que se referia simplesmenLea ordemescritade autoridade competente (art.
I53, S 12, daEC I/1969), a inadmissibilidade de prisÕes determinadas por auto-
ridades não judiciais era evidente, pois, como observou Rogério Lauria Tucci, não
40 Nicolas Gonzales Cuellar-Serrano, op. cít., p. 225 -226.
41. ldem, p.227.
42. ÿ. a propósito, Gours Frlno, Antonio Magalhães. A motivaçao das decisoes penais. Sâo
Paulo: Ed. RT, 2001. Especialmente p. 218 ss.
MEDIDAS CAUTETARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 29
se pode conceber a competência de quem não tenha o poder de julgar, por não se
encontrar investido, regularmente, no exercÍcio da jurisdição.a3
A partir de 19BB e diante de determinaÇÕes tão claras e incisivas, não se pode
validamente duvidarda intenção do constituinte emsubmeter todas as modalidades
de prisão cautelar à apreciação do PoderJudiciário, seja na forma prévia, seja pela
imediata convalidação da prisão em flagrante, tanto com o exame de su alegalidade
(relaxando a prisão ilegal), como pela análise de sua necessidade,com a obrig atoria
verifrcação concreta dos pressupostos da liberdade provisória.
Mais do que atribuir com exclusividade aos órgãos jurisdicionais o exame das
condiçoes para qualquer prisão, o texto constitucional fixou balizaspara o exercÍ-
cio da atividade correspondente, ao garantir também queninguém seraprivado de
sualiberdade ou de seusbens sem o devido processolegal (art.5.o, LIV da CFll988).
Assim, em face dos referidos enunciados, infere-se que a restrição ao direito
de liberdade do acusado deve resultar não simplesmente de uma ordem judicial,
mas de um provimento resultante de um procedimento qualificadopor garantias
mÍnimas, como a independência e imparcialidade do juiz, o contraditório e a am-
pla defesa, o duplo grau de jurisdição, a publicidade e, sobrerudo nessa matéria,a
obrigatoriedade de mo tivação.
Nesse sentido,paral-uigi Ferrajoli,aa é possível distinguir ajurísdicionalidade
em sentido amplo, que se resume na singela intervenção de um juiz, da jurisdicio-
nalidade em sentido estrito, que supoe um juízo formulado com observância das
garantias processuais. Ou, como sublinha Pedro Bertolino, o Estado deve reco,
nhecer ao governado um processo penal institucionalmente estabelecido; isto
constitui um prius (o "quê" se deve), ao qual se perfilará o posterius (o "como"
deverá regular-se esse processo); a conjugação desses dois elementos constitui a
noção de devido processo.a5
É intuitivo que a natureza urgente dos provimentos acautelatórios impÕe
certas limitaçÕes ao pleno atendimento dessas exigências, até porque, como já se
registrou antes, se fosse necessário percorrer o mesmo itørprocedimental exigido
para 
^ 
obtenção do provimento definitivo, melhor seria renunciar à cautela.
Isso não quer significar, entretanto, que as garantias processuais possam ser
descartadas, em face da premência do pronunciamento jurisdicional. Antes disso, é
preciso verifi.car se no caso concreto existe efetivamente uma situação de urgência
capaz de justifrcar alguma restrição a qualquer daquelas garantias, e, existindo, é
43. Tucct, Rogério Lauria. Persecuçãopenal,prísao eliberdade. São Paulo: Saraiva, 1980. p.
25t-252.
,14. Luigi Ferrajoli, op. cit , p. 548.
45 BnnrorrNo, PedroJ. El debido proceso penal. La Plata: Platense, 1986. p. 47
30 ANTON1O MAGALHAES GOMES FILHO
necessário adaptâ-las à situação, de sorte que mesmo nessa condição excepcional
seja possível assegurar a cogniçao adequada, que também integra a noção de devido
processo legal.a6
A sumariedade ou superficialidade da cognição, caracterÍstica da tutela
preventiva, não se confunde com o arbítrio ou qualquer forma de automatismo,
especialmente no que se refere aos provimentos cautelares que importem em
restrição ao direito de liberdade. Ademais, no caso da prisão preventiva, se a lei
se contenta com um mero juÍzo de probabilidade relativamente ao fumus delicti
commissi, o mesmo não se pode dízer do perículumlibertatis , que necessariamente
deve resultar de uma avaliação mais aprofundada das circunstâncias que indiquem
a necessidade da medida excepcional.
Por isso, é inaceitável do Estado de direito a praxe judicial de inferir a ne-
cessidade da cautela a partir de consideraçÕes sobre a gravidade do delito ou de
diagnósticos precipitados sobre a personalidade do acusado, que não só constituem
fundamentos ilegítimos da prisão anterior à condenação (supra, n. 1.4.1), mas
igualmente revelam uma cognição inadequada da matêria que deve ser analisada
pelo juiz.
DaÍ a necessidade imperiosa de que o exame judicial dos requisitos de qual-
quer prisão seja realizado com a observância das garantias do justo processo. O
mínimo que se deve exigir nessa situação é que o juiz analise os pressupostos da
medida cautelar com independência e imparcialidade, levando em conta asrazoes
dos integrantes do contraditório; essa análise, que obviamente deve ser efetiva,
deve ficar explicitada em decisão fundamentada e sujeita a reexame por órgão
jurisdicional superior.
A independencia e a imparcíalidade são atributos essenciais à própria função
judicial, que constituem instrumentos para a realização do valor objetividade de
qualquer julgamento. A primeira tem que ver com a posição do juiz no quadro dos
órgãos estatais, assegurando a autonomia do magistrado para decidir sem temer
sançÕes, sujeitando-se tão somente à lei e à sua consciência, ainda gue em oposi-
ção aos interesses dos detentores do poder. A irnparcialidade constitui, antes de
tudo, um imperativo moral e ético que deve guiar todo e qualquer julgamento e se
manifesta, no âmbito interno do processo, pela posição de terceiro desinteressado
do julgador, acima dos interesses em conflito.
Ao lado da independência e da imparcialídade, outra garantia essencial à
própria noção de processo é a do contraditorio, pois no Estado democrático não se
pode conceber uma decisão judicial em que não se levem em conta as razoes dos
interessados no provimento. Mais do que isso, é indispensável assegurar a esses
46. Wer¡N¡sr, Kazuo. Dacogniçãonoprocesso civil.São Paulo: Ed. RT, 1987 p. 93
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS 31
interessados umaparticipação ativa no desenvolvimento do processo, concedendo-
-lhes prerrogativas, poderes e faculdades, que convergem para a obtenção de um
resultado fav or âv el.a1
Como já referido, é evidente que nas situaçÕes de excepcional urgência que
autorizam a prisão cautelar, nem sempre será possÍvel atender, de forma plena e
antecipada, a essa exigência de participação dos interessados no provimento, sob
penade tornar-seinócuaamedida. Pense-se, como exemplo, nasituaçãodoacusado
que diante da notÍcia do processo já preparaafuga; informá-lo sobre um pedido de
prisão preventiva, para que venha a defender-se, exercendo o contraditório, seria,
na prática, mais um incentivo para concretizar o seu intento e frustrar os efeitos
de uma eventual decisão acautelatória.
Mas isso não basta 
- 
é claro 
- 
para que se afaste, sem mais, essa importante
garantia,permitindo ao juiz emitir um provimento sem considerar as provas e ra-
zões do requerido. Casos haverá em que o completo atendimento do contraditório
não traz nenhum risco para a efetividade da cautela (como, v.g., na situação de
acusado preso por outro motivo), sendo de rigor, portanto, conceder-se à defesa
oportunidade de manifestação, o mesmo deve ser dito em situaçÕes em que já
existam nos autos elementos favoráveis à defesa, que necessariamente devem ser
apreciados pelo juiz.
Essa última situaçâo vem expressamente contemplada na legislaçao ilaliaîa,
a partir da reforma da prisão cautelar de 1995, com a previsão de que, ao submeter
ao jttiz o pedido de prisão preventiva, o Ministério Público deve também apresen-
tar "todos os elementos favoráveis ao acusado", os quais devem ser considerados
na decisão, inclusive com as eventuais deduçÕes da defesa já apresentadas, com
a exigência de expressa indicação na fundamentação dasrazöes de sua rejeição.a8
De qualquer modo, mesmo naqueles casos inicialmente referidos, em que
possa ocorrer uma incompatibilidade entre o pleno exercÍcio do contraditório e a
natûreza urgente do provimento a ser adotado, é bem de ver que a garantia deve
ser assegurada pelo menosaposteriori.Trala-se,então, de adaptar o procedimento
às exigências da tutela cautelar, para que o contraditório não seja suprimido, mas
simplesmentepostergado para ummomento sucessivo, em que, superados os riscos
de frustração dos efeitos da decisão, possa o juiz reavaliar a medida excepcional,
agora à luz das provas e alegaçoes da defesa.ae
47. GnrNov¡n, Ada Pellegrini. Defesa, contraditório, igualdade e par condicio na ótica do
processo denaturezacooperatória. O processo constítucional emmarchø. São Paulo: Max
Limonad, f985. p. f f .
48. Csravanro, Mario. Appunti sulprocesso penale.Torino'. Giappichelli, 2000. p. 395.
49 V,apropósito,CoI-es,cNrr,Vittorio.Principiodelcontraddittorioeprocedimentispeciali.
Riv ist a di diritto p ro cessual e. 3 0 : 5 85 ss, Padova : Cedam, 197 5 .
.". \.:" \1 \(,\l ttlES C;O\lES FILHO
Essa técnica, que entre nós tem sido, na pratica,restrita a raros casos em que
um advogado mais atento toma a iniciativa de Írazer elementos defensivos e plei-
tear a revogação da custódia (quase sempre com pouca probabilidade de êxiro),
constitui garantia expressa nos lextos internacionais5o e na legislação estrangeira
mais recente.
A efetividade da cognição judicial a respeiro dos pressuposros da prisão de
na|ureza cautelar, bem como do atendimento dasgarantias mínimas da imparcia-
lidade e do contraditório, deve estar frnalmente assegurada pela obrigatoriedade
da motivaçao dos provimentos judiciais que decretam a restrição excepcional do
direito à liberdade.
A obrigatoriedade de motivação atende, em geral, a exigências politicas ten-
dentes a tornar efetivos certos valores essenciais ao próprio Estado de direito, tais
como a participação popular, a soberania da lei, a cerLeza. do direito, a separação
de poderes e a supremacia dos direitos individuais; no plano do processo, consti-
tui a maior garantia de que na análise das questÕes de fato e de direito que o juiz
considerou, com imparcialidade, todos os elementos trazidos ao processo pelos
participantes do contraditório; trata-se, enfim, de instrumento de controle de que
as garantias mencionadas foram de fato observadas.
Com relação ao tema da prisão, é garantia duplamente consagradapela Cons-
tituição Federal: além da previsão geral do art.93,IX, da CFll988, determinando
a fundamentação de todas as decisoes judiciais, preocupou-se o constituinte em
destacar, no art. 5.o, LXI, que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita efundamentada de autoridade judiciária competente."
Essa repetição não parece ter sido casual, evidenciando, ao contrário, uma
reforçada exigência de controle em relação atais provimentos, sobretudo emvirtude
danalureza fortemente vinculada que deve caracterizar a discricionariedade judi-
cial quando se trata de restringir um direito merecedor de tutela muito especial.5Ì
.5 Pnrsno cAUTELAR NO DtREITo BRASILEtR0: o stsTEMA oRtctNAL oo Cóoleo
DE PROCESSo P¡runT DE 1941
Assim assentadas as premissas constitucionais que regem amatéria, cabe a
esta altura fazer um breve registro sobre a evolução do tratamento que o legislador
50. Tanto a Convenção Europeia como a Americana sobre Direitos Humanos preveem que
qualquer pessoa detida deve ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra
autoridade que exerça funções judiciais.
51. V especialmente Antonio Magalhães Gomes Filho, A motiÿa.ça,o das decisoes penais,são
Paulo:RT, 200f , p. 220, com ampla referência bibliográfica
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS 11J-)
brasileiro tem dado à prisão processual, para que melhor se compreenda o signi-
fìcado das alteraçoes introduzidas pela Lei12.403/20II.
No sistema original do Código de Processo Penal de I94I,a prisão cautelar
podia decorrer do flagrante (arts.301 a 310), da decretação daprisao preventiva(arts.311 a316),da decisão depronuncia (art.40B, S I.") ou dasentençacondena-
toría recorrível (arts.393,l, e 594).
Na primeira modalidade 
- 
a prisao em Jlagrante, ocorrendo uma das hipóte-
ses legais (art.30Z do CPP) e verificada a lavratura do auto de prisão (art.304 e
parágrafos do CPP), a custódia era,deregra, automática. No entanto, se a infração
fosse apenada somente com multa ou pena privativa de liberdade não superior,
no máximo, a três meses, o detido podia ser posto em liberdade após a lavratura
do auto (arts. 309 e 32I do CPP). Caso se tratasse de infração punida com pena
de detenção em quantidade superior a três meses, a liberdade podia ser concedida
mediante fiança, salvo as vedaçoes dos arts. 323 e 324 do CPP Além disso, nos
termos do art. 3I0 do CPP, em qualquer caso, eÍa possível a colocação do réu em
liberdade, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, quando
o juiz desde logo verificasse que o agente praticara o crime nas condiçoes do art.
19, I, II e III, do Código Penal (art. 23,I,II e IlI, depois da reforma de I9B4).
Aprisao pruentíva,decretada pelo juiz de ofício, a requerimento do Ministé-
rio Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial,
era obrigatorianos crimes a que fosse cominada pena de reclusão por tempo, no
máximo, igual ou superior a dez anos, desde que houvesse prova da existência do
crime e indÍcios suficientes de autoria (art.3l2).
Também era possÍvel sua decretação Jøcultatfu a,por despacho fundamentado,
como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, nos seguintes casos: I 
- 
nos crimes inafiançá-
veis, não compreendidos no afiigo anterior (que tratava da prisão obrigatória); II
- 
nos crimes afrançáveis, quando se apurar no processo que o indiciado é vadio ou
quando, havendo duvida sobre sua identidade, não fornecer ou indicar elementos
sufi.cientes para esclarecê-la; III 
- 
nos crimes dolosos, embora afi.ançáveis, quando
o réu tiver sido condenado por crime da mesma rLa|lJreza, em sentença transitada
em julgado (arts. 313 e 315 do CPP).
Apronúncía, por sua vez, implicava necessariamente a custódia do réu, com
recomendação na prisão onde se achasse, ou na expedição de ordem para sua cap-
tura,ressalvadaahipótesedecrimeinafrançável (art.40B, ë$ I.oe Z.",do CPP).
Finalmente, dentre os efeitos da sentença condenatória recorríyel, incluÍa-se
o de "ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infraçoes inafiançáveis,
comonasafiançáveis,enquantonãoprestassefi.ança" (art.393,l,doCPP).Aregra
era confirmada pela disposição do art. 594: "O réu não poderá apelar sem recolher-
-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se condenado por crime de que se livre solto."
34 ANTONIO IVTAGALHAES GOMES FILHO
Esse sistema, engendrado sob a lógica autoritária e repressiva do Estado Novo
e confessadarnente inspirado no modelo fascista italiano,52 veio a sofrer algumas
mudanças nas últimas décadas, sem o exame das quais não será possÍvel discuti-lo
à luz dos novos postulados constitucionars.
1 .6 Srcur: ALTERAÇöES TNTRODUZTDAS nELAS Lrs s.¡+g/ 1961,s.941 11973
E 6.368/1976
A primeira e signifrcativa alteração introduzida no sistema original do Código
de Processo Penal ocorreu com a Lei 5.349/1967 , que aboliu a prisao preventiva
obrigatoría,até então prevista pelo art. 312. A rnedida, postulada vigorosamente pela
doutrina mais aterìta às garantias fundamentais, inclusive com apelo à presunção
de inocência,53 jáhavia sido proposta anteriormente no Anteprojeto Tornaghi e
merecera elogios em face do exagero de juízes em utilizar o instituto mesmo em
casos de acusaçoes formuladas "em meio de agitaçoes emocionais, acarretando a
prisão preventiva de quem não se sabe se praticou crime".54
Depois disso, outra lei, a de n. 5.94I/1973, abrandou sensivelmente o rigor
da prisão cautelar imposta ao acusado pronunciado ou condenado por sentença
recorrÍvel, dando nova redação ao arÍ,408, S 1.o, do CPP, para estabelecer: "se o réu
forprimário e debons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou
rcvogá-la, caso já se encontre preso" e, também, alterando o arr.594,nos seguintes
termos: "O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo
se primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória,
ou condenado por crime de que se livre solto."
Essas modificaÇoes, embora liberalizantes, foram notoriamente ditadas por
mornentânea conveniência relacionada ao envolvimento de funcionários da alta
hierarquia policial em acusaçÕes de homicídios praticados por grupo então cha-
mado "Esquadrão da Morte".55 Daí a introdução, na disciplina da prisão cautelar,
dos requisitos de primariedade e de bons antecedentes, como forma encontrada
para preseruar a liberdade daqueles policiais, que atendiam a tais exigências, caso
fossem pronunciados ou condenados em pnmerro grau.
52. Cerurpos, Francisco. Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, n II
53. Bennos, Romeu Pires de Campos. Daprisaopreventfuacompulsoria.Tese, Goiânia, 1957.
p. r20.
54. Gencre, Basileu. Preservação da liberdade no Anteprojeto. Ciclo de conferências sobre o
Anteprojeto de Codigo deProcesso Penal, de autoria do Prof. Hélio Tornaghi. São Paulo:
lmprensa Oficial, 1966. p. 108.
55 Brcuoo, Hélio Pereira. Meu depoimento sobre o EsquadraodaMorte.2. ed. São Paulo: Pon-
tifícia Comissâo deJustiça ePaz,L976. p. 111.
MEDIDAS CAIJTELARES E PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS
Estabeleceu-se, assim, uma duplicidade de fundamentos para a custódia
arÌtes da condenação definitiva: antes da pronúncia ou da sentença de primeiro
grau, o juiz deveria veriflcar a ocorrência do periculumlibertatis, que pode indicar
¿r necessidade da prisão cautelar; no momento das referidas decisÕes, deveria então
o magistrado proceder a outro exame da medida, agora voltado à constatação de
clados relativos à personalidade do acusado.
Ademais disso, enquanto o conceito de primariedade é objetivo, resultando
cla existência ou não de condenação anterior, a ideia de bons antecedentes é extre-
rÌìarnente fluida, o que possibilitou a adoção de critérios jurisprudenciais muito
iunplos, que incluem apreciaçÕes subjetivas a respeito da personalidade do agente
c de circunstâncias do fato criminoso, estranhos à valoração da situação de perigo
e xigível para a decretação ou manutenção da custódia cautelar.56
Outra inovação considerável foi tazida pelo art. 35 da Lei 6.368/1976, que
clispôs sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilÍcito e uso indevido
de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência fÍsica ou psÍquica
(Lei de Tóxicos). De acordo com essa disposição, os condenados pelos delitos
previstos nos arts. IZ e 13 da mesma lei, não poderiam apelar em liberdade, ainda
que primários e de bons antecedentes, nos termos da redação do art. 594 do CPP
1.7 Srcur: A LTBERDADE pRovrsóRrA sEM FIANÇA DA LEt 6.41611977
Mais signifrc ativaparao exame do tema foi a Lei6.4I6/L977, que, dentre outras
inovaçoes em nosso sistema penal e processual penal, introduziu um parágrafo ao
art 3l0doCPP,autorizandoojuizaconcederaliberdadeprovisóriaaoindiciado
ou acusado preso em flagrante, mediante termo de comparecimento a todos os atos
do processo, sempre que veriûcada a inocorrência de quaisquer das hipóteses que
autorizam a prisão preventiva.
Como visto, na redação original do Código, a liberdade do preso em flagrante
somente era prevista em casos de mínima gravidade (art. 321 do CPP), quando
admissÍvel afrança (arts.323 e324 do CPP) ou, ainda, quando o juiz verificasse,
desde logo, ter sido o fato praticado sob uma causa de exclusão de antijuridicidade
(art.3I0 do CPP). Apartirdainclusão do citadoparágrafoaoart.310, amanutenção
da custódia, em caso de flagrante, passou a ser cabÍvel somente quando positivada
a existência do periculum que arttoriza a decretação da prisão preventiva. Como
ressaltou, à época, Ada Pellegrini Grinover,"apedra de toque da liberdade provi-
sória é, assim, a desnecessidade da medida".5i
j6 Cenv.+r-no,WladirnirSouza.PrimariedadeeantecedentesnoprocessopenaLRevistaForense
29t/t69,1983.j7. GnrNov¡n, Ada Pellegrini. Anotaleiprocessualpenal.2. ed. São Paulo: Ed. KI, 1979. p. 136.
35
1.8 Srcur:a CorusrrrurçÃo or 19Bg E 0 RETROCESSO LEctslATtvo EM
vRrÉnrR rr pnrsRo cAUTELAR
Com a promulgação da Constituição de 1988, que ampliou sensivelmente
o rol de direitos e garantias em matéria processual-penal, era de se esperar que a
legislação brasileira em matéria de prisão cautelar seguisse nessa linha liberalizante,
adequando-se especialmente à proclamação constitucional do princípio-garantia da
presunção de inocência inscrito no art. 5.", LVII, da nova Carta (v. supra, n. 1.4.1).
Ao contrário disso, novos diplomas legislativos evidenciaram uma tendência
inversa, seja arnpliando o rol de rnedidas de restrição da liberdade, corn a insti-
tuição de nova modalidade, a prisão temporária, seja pela restrição da liberdade
provisória em cert"os crimes.
Assim, aLei7 .960/ 1989, antecedida de medida provisória editada pelo Poder
Executivo, convalidou a prâtic ilegal, mas rotineir a na realidade policial brasilei-
ra, da chamada "prisão para averiguaçÕes", introduzindo no nosso ordenamento
a prisão temporária, adrnitida nos crimes previstos no art. I.", III, da referida lei,
sempre que for "imprescindÍvel para a investigação" ou "quando o indiciado não
tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de
sua identidade". Pela própria denominação, trata-se de medida com limitação
temporal de cinco dias, prorrogáveis por igual pra.zo.
Em seguida, a Lei dos Crirnes Hediondos 
- 
Lei 8 .07 2/7990 
-,na linha ideolOgica
do movimento daleie da ordem, econsagrando a ideia dequeaseveridadedaleipenal
e processual-penal constitui o meio maisefrcazpara a repressão da criminalidademais
grave, reinstaurou no direito brasileiro os rigores da legislação autoritária do Estado
Novo.58 Particularmente emrelação às prisÕes processuais, esse diploma não só vedou
a frança nos crimes definidos como hediondos, como previsto na Constituição (art.
5.', XLIII, da CFlf 9BB), como também afastou o cabimento da liberdadeprovisória,
admitida sem ressalvas pelo texto constitucional (art. 5.o, LXVI, da CF/l988). No
seu texto também foi especialmente ampliado o prazo da prisão temporária nesses
crimes, para trinta dias, como prorrogação por igual prazo, em caso de extrema e
comprovada necessidade (art.2.o 
, ê 4.', da LeíB.072/1990).
1.9 Secu¡: A REFoRMA eRocESSUAL DE 2008 E A ABoLtÇÄo DA pRtsAO poR
PRONÚNCIA E DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRíVEL
Invertendo essa tendência mais repressiva, que já vinha sendo objeto de
contestaçÕes, acolhidas em parte pela jurisprudência mais atenta às garantias
58. V,especialmente,Srrv¡Fn¿uco,Alberto Crimeshediondos.6.ed.SãoPaulo:Ed.RT,2007
p r00
F-
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
ùor-rsritucionais,5e as reformas parciais do Código de Processo Penal de 2008 trou-
\rrarn importantes inovações em relação às prisÕes decorrentes de pronúncia ou
ilc sentença condenatória recorrível.
Como visto (supra, n. 1.5), no sistema original do CPB nesses casos, a prisão
clo acusado era obrigatória, salvo nas hipóteses em que fosse admitida a flança,
além do que o recolhimento à prisão constituía pressuposto para a interposição do
recurso de apelação. A partir de 1973, com a denominada "Lei Fleury", esse rigor
[oi parcialmente atenuado, permitindo-se excepcionalmente a liberdade diante da
primariedade e dos bons antecedentes do réu (supra, n. I.6).
Em relação á prisão por pronúncia,aLei 1 1.689/2008, na nova redação dada
ao art. 413, g 3.", do CPP, passou a prevet que, ao pronunciar o acusado, ojuiz deve
decidir, motivadamente, sobre a manutenção ou revogação da prisão do réu que
já se encontrava sob custódia ou, no caso de acusado solto, sobre a necessidade
de decretação da prisão preventiva. Com isso, o legislador não só atenuou o rigor
do sistema anterior, mas explicitamente submeteu essa modalidade de encarcera-
mento aos requisitos legais da prisão preventiva. Note-se que na referida redação
já existe também referência a Ioutra] medida restritiva de liberdade, somente agora
introduzida no ordenamento pela Lei12.403/20I1. É que os projetos de reformas
parciais do Código foram encaminhados simultaneamente pelo Poder Executivo,
mas tiveram tramitação separada.
Do mesmo modo, no que se refere à prisão decorrente de sentença recorrível,
a Lei 11.719/2008, disciplinando os procedimentos, não apenas introduziu nova
redação ao art. 387 do CPP, dizendo que no momento da sentença o juiz deve decidir,
fundamentadamente, sobre a manutenção ou imposição da prisão preventiva (ou
outra medida cautelar), mas também revogou expressamente o art. 594 do CPP,
que exigia a prisão como pressuposto do recurso de apelação.
Em outros termos, esses novos diplomas aboliram aqueles tÍtulos de prisão,
compreendendo-os na única modalidade prisão preventiva e, com isso, flcou me-
lhor sistematizado o ordenamento processual nesse ponto.
1.10 Sraur: 0 N0v0 srsTEMA DE MEDTDAS cAUTELARES TNTRODUZTDO pELA LEt
12.40312011
A tarefa legislativa de at:ualização do sistema de medidas cautelaresproces-
suais-penais, à luz dos princÍpios e garantias introduzidos pela Constituiçao de
59. V,especialmente,GnrNovrn,AdaPellegrini; GorvmsFtlno,AntonioMagalhães,eSceuNcn,
Antonio Fernandes. As nuli dadesnoprocessopenal. São Paulo: Ed. RT, cap. XIÿ e Rec¿¿rsos
no processo penal. S^o Paulo: Ed RT, ns 88-92, nas ediçoes anteriores à reforma cle 2008.
37
.)o ANTONIO ìVIAGALHAES GOil,tES FILHO
l9BB, foi agora completacla 
- 
ainda que parcialmente, como se verá em seguida 
-,
pela edição da Lei I2.403/2011, que é objeto destes comentários.
O novo cliplorna teve sua origem em anteprojeto elaborado por comissão cons-
tituÍda pelo Ministro daJustiça, Dr. José Carlos Dias, em 2000, que foi presidida
pela Prolessora Ada Pellegrini Grinover, e resultou na apresentaÇão do Projeto de
Lei4.208/2001, cuja tramitação no Congresso Nacional demorou exatos 10 (dez)
anos, corlr alteraÇoes importantes, o que revela a grande dificuldade de atualiza-
ção cla legislação processual-penal, à luz das exigências da ordem constitucional
clemocrática instituída em 1988.
As diversificadas alteraçÕes introduzidas pela nova lei no sistema de medidas
cautelares do processo penal, que serão minuciosamente examinadas ao longo
cleste trabalho coletivo, com as eventuais críticas correspondentes 
- 
e que não
infrrmam, em absoluto, o valor e a importância da reforma 
-, têm o seu ponto alto
na introdução de medidas alternativas ou substitutivas ao encarcerarnento cautelar,
previstas nos arts. 3L9 caput e320 do CPP, na redação nova.
Passa-se então ao exame do novo texto legislativo,
" Art.2B2. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas
observando-se a:
I 
- 
necessidadepara aplicação da lei penal ,para a investigação ou instrução
crirninal e, nos casos expressamen[e previstos, para evitar apratica de infraçÕes
penars;
II 
- 
adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e con-
cliçÕes pessoais do indiciado ou acusaclo.
I 1." As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
3 2.o As rnedidas cautelares serão decretadas pelo juiz de ofÍcio ou a reque-
rirnento das partes ou, quando no curso da investigaÇão, por representação da
autoriclade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
ê 3 o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida,
o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimaçâo da parte
contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, per-
manecenclo os autos em juÍzo.
3 4." No caso de descumprimento de qualquer das obrigaçÕes impostas, o
juiz, de ofÍcio ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente
ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulaÇão, ou, em
último caso, decretar a prisão preventiva (art.3l2,parágrafo único).
S 5.' O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituÍ-la quando verifi.car
a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem
razóes que a justifiquem.
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 39
I 6." A prisão preventiva será determinada quando não for cabÍvel a sua subs-
rrrciio por outra medida cautelar (art. 319)."
Código de Processo Penal de 1941
.{rt 2 82 . À exceção do f lagrante delito, a
::'r sào não poderá efetuar-se senão em vi rtude
re pronúncia ou nos casos determinados em
t.r e nrediante ordem escrita da autoridade
. 
, 
'nìpetente.
Lei 12.403/2011
Art. 2B2.As med idas cautela res previstas
nesteTítulo deverão ser aplicadas observan-
do-se a:
| 
- 
necessidade para aplicação da lei pe-
nal, para a investigação ou instrução criminal
e, nos casos expressamente previstos, para
evitar a prática de infrações penais;
ll 
- 
adequação da medida à gravidade
do crime, circunstâncias do fato e condições
pessoais do indiciado ou acusado.
(l novo texro do arr".282 do CPP substitui integralmente a redação original
- 
. (-ocligo de Processo Penal (que, na verdade, correspondia ao que vinha pres-
r r r r, no 
^rt-. 
IZ2, n. 11, da Carta de 1937) e agora foi deslocada para o art. 283 do
!'[,. cm disposição mais consentânea com o atual sistema de direitos e garantias
'n5titucionais (v., adiante, comentário ao art.2B3).
.{ntes de analisar essa nova redação, é conveniente ressaltar que a mais impor-
.,:-,rc novidadetrazidapelo sistema da Lei 12.403/20II foi a introdução de várias
' , .ii,lrrs alternatiyas ou substitutivas ao encarceramento cautelar. Ao contrário
: ' r¡re ocorria no sistema original do CPP 
- 
em que o legislador consagrava um
:::rrir'r detudoounúda,deixando aojuízumaopçãoimplacávelentreprenderou
:1:\iìr o réu solto 
-, na disciplina agora adotada abrem-se outras possibilidades
-, rcsrrição cautelar. A privação completa do direito a liberdade passa a constituir
':.'r iclcncia de extremaratio, qre somente se justificará quando não for cabível
-: 
-i nc¿io rnenos gravosa (v., adiante, nota ao $ 6.o do arÍ. 2BZ do CPP).
\¿r verdade, a mencionada opção não mais se justificava àluz da própria
. . rìrc¿r cla cautelaridade. Se a medida cautelar constitui, na sua essência, uma
\. r'pcional antecipação do resultado do processo, no interesse de sua tealização
: rì.ìr¿ì ASSegurar aefr,cáciado provimento final, é ilógico que se antecipem restri-
, . rlllc nenì sequer poderão advir com a sentença. Portanto, em materia penal,
,:.-rrrclo irnaginar que antes da sentença possa o acusado sofrer uma privação
. 
-i:\ qrave do direito à liberdade do que a própria pena que poderá ser aplicada
:ln.ìl clo processo.
.\ prisão preventiva como única opção do magistrado diante do perict+lum
: , itr r is poderia atender, quando muito, ao sistema punitivo previsto no Código
::.ii rlc t940, no qual a imposição da pena de reclusão importava no recolhi-
40 ANTONIO MAGALHAES GOMES FILHO
mento carcerário. Mas, a partir da reforma penal de 1984, com a previsão dos
regimes diferenciados de cumprimento da pena privativa de liberdade 
- 
fechado,
semiaberto e aberto 
- 
e, ainda, da introdução das penas restritivas de direitos,
substitutivas da prisào, passou a ser paradoxal que, antes da condenação 
- 
e
considerado inocente pela Constituição 
-, o acusado estivesse sujeito à privação
completa da liberdade e, depois de condenado por sentença irrecorrÍvel, viesse
a ser punido com pena em regime aberto ou semiaberto ou com pena restritiva
de direitos.
O contrassenso inerente a esse modelo levou a jurisprudência a admitir, em
certas situaçÕes e até mesmo contralegem, a adoção de soluçoes alternativas que
visavam acautelar os interesses da persecução, sem chegar ao extremo da prisão
preventiva. Exemplos disso são a concessão dehabeas corpus pelo STJ para substi-
tuir a prisão preventiva pela liberdade provisória com fiança60 e, ainda,os diversos
casos em que os tribunais brasileiros determinaram a soltura de pacientes presos
preventivamente, com a condição de entrega do passaporte, meio apto a afastar o
perigo de fuga.6t
ALei12.403/201f , ao prever medidas alternativas ou substitutivas à prisão
preventiva, buscou superar essa incoerência entre os sistemas penal e processual
penal, colocando à disposição do juiz uma série de outros instrumentos capazes
de assegurar arealização do processo e os seus resultados, sem com isso sujeitar
o indivÍduo ao encarceramento, com os malefÍcios que sabidamente causam ao
acusado ainda não defrnitivamente condenado.
No novo arf. ZB2, caput, do CPP, são estabelecidas as diretrizes gerais que
devem orientar o magistrado na adoção de tais medidas, elencadas no art. 319 do
CPP, também com nova redação, e ainda no art. 320 do CPP, que trata da proibição
de ausentar-se do país, com a decorrente entrega do passaporte.
Assim, nos dois incs. do caput, aqui examinados, o legislador parece ter pre-
tendido consagrar,no plano da legislação ordinária, o já mencionado príncípio da
proporcíonalidade, de estatura constitucional, em matéria de medidas cautelares
processuais-penais, fazendo-se referência expressa ànecessidade e à ødequação,
aspectos que a doutrina classifica como subprincípios da denominada proporcio-
nalidade em sentido amplo (supra, n. 1.4.2).
60. STJ, HC 4 399/SP, i. 12.3.96, rel. Min. William Patterson. Govrs Fnno, Antonio Maga-
Ihães Prisãopreventivaegarantiasconstitucionais-AproporcionalidadecomoprincÍpio
constitucional da prisão cautelar. In: Srnozaxr,JuvelinoJosé (org.). Questoes agrcirías Sao
Paulo: Método,2002 p 240-253.
6l . Dtrv¡Nro, Fábio Machado de Almeida .Medidas substitutiyas e altemativas àprisao cautelar.
Rio deJaneiro: Renovar,2008 p. 185-186.
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 41
No entanto, ao elencar os requisitos danecessidade da medida cautelar, a lei
laz, na verdade, alusão aos que poderiam ser chamados-fins legítimos da prisão
preventiva: necessidade para aplicação da lei penal e/ou para a investigação ou
instrução criminal (supra, n. 1.4.1), prevendo, ainda, o fim de prevenção especial
("nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infraçÕes penais").
lsso não tem a ver com o subprincípio da necessidade, que, como visto, enfaLizaa
obrigação do poder público a recorrer preferencialmente a medidas menos lesivas
aos direitos dos cidadãos.
De todo modo, é salutar que os motivos que podem autorizar a aplicação das
rnedidas cautelares processuais-penais sejam desde logo declarados na lei, evitando
que possa ocorrer alguma confusão com os objetivos que elas visam: assegurar o
resultado do processo (cautela final) ou asuarealização (cautela instrumental, que
também se es[ende à fase de investigação criminal).
Aplica-se aqui o que ficou dito a propósito da prisão anterior à condenação,
como síntese conclusiva, no item 4 destas notas: "somente as formas de prisão
anteriores à condenação que atendam a finalidades processuais, de natureza ins-
trumental ou final, destinadas a assegurar a própria realizaçao do processo ou os
seus resultados, não ofendem, em princípio, a presunção de inocência entendida
como garantia da posição de liberdade do acusado".
O legislador inovou, no entanto, ao arrolar, como motivo que pode attforizar
a imposição de medidas cautelares, a necessidade de evitar aprátíca de infraçÕes
penais, nos casos expressamente previstos. Consagra-se, assim, a frnalidade de
prevenção especiøI que pode ser atribuÍda à cautela, a respeito da qualjá frcou res-
saltada a incompatibilidade com a presunção de inocência, quando se tratou da
prisão cautelar (supra, n. 1.4.1).
Nesse ponto, renovam-se os argumentos contrários à atribuição de tal frnalida-
de extraprocessual às medidas cautelares, porque a irnposição de qualquer restrição
de direitos ao acusado não pode preceder ao acertamento dos fatos imputados. A
medida de prevenção especial supoe não só essa antecipação do julgamento, mas
também um prognóstico sobre aprática de crimes futuros.
Mas é preciso reconhecer, por outro lado, que a fórmula introduzida pelo
legislador de 2011 apresenta uma vantagem em relação ao texto do antigo 
^rt.3l2(reproduzido na Lei 12.403,é verdade, mas que merece nova interpretaÇão, como
se verá adiante). Ao dizer, no art. 2B2,I,do CPP, que as medidas cautelares poderão
ser aplicadas quando houver necessidade, "nos casos expressamente previstos.
para evitar aprática de infrações penais", a nova lei delimitou o conceito indeter-
minado de "garantia da ordem pública", que permitia interpretaçÕes muito mais
abertas, a ponto de ser determinada a prisão como apelo ao "clamor público", a
"pronta reaçao ao delito" etc., situaçÕes em que a prisão era imposta como forma
de justiça sumaria.
42 ANTONIO MAGALHAES GOMES FILHO
A propósito, convém lembrar que no texto proposto ao Congresso pelo PL
4 .208/2001 , era prevista uma nova redação ao arÍ.3I2 do CPP, exatamente substi-
tuindo a finalidade de "garantia da ordem pública ou da ordem econômica" para'.
"se ocorrerem fundadas razÕes de que o indiciado ou acusado (...) venha a praticar
infraçoes penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à
ordem econômica ou fi.nanceira consideradas graves, ou mediante violência ou
grave ameaça à pessoa".
ALei 12.403/2011 
, como visto, manteve a redação anterior do art. 3 1 2, men-
cionando ainda a "garantia da ordem pública ou econômica" como motivo paraa
prisãopreventiva, mas agora, diantedaredação introduzidapelo art. 281,1, do CPP,
não se pode duvidar que aquela fórmula aberïa foi limitada pela nova disposição
geral, de sorte a impossibilitar seu emprego indiscriminado para fundamentar o
decreto de prisão: somente a finalidade de prevenção especial, em casos expres-
samente previstos em lei, poderá a:uÍ-orizar o apelo ao argumento de proteção da
ordem pública ou econômica para justifrcar, não só a prisão anterior à condenação,
mas qualquer outra medida cautelar do elenco introduzido pela nova lei.
No inc. II do art. 2B2do CPB a Lei IZ303/20LI trata do requisito daadequaçao
das medidas cautelares "à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condiçoes
pessoais do indiciado ou acusado."
Também nesse texto, o emprego do termo "adequação" pelo legislador
não corresponde ao que a doutrina entende por adequação como subprincípio
da proporcionalidade em sentido amplo. Como anotado, a adequaÇao indica a
necessária relação entre os meios e os fi.ns perseguidos pelas restriçÕes a direitos
fundamentais, pois se a limitação não for idoneap^ra a consecução da finalidade
perseguida, carecendo de aptidão para alcança-la, a medida deve ser considerada
inconstitucional (supra, n. L4.7) .
Cuellar-Serrano, na mais completa e citada monografia sobre o tema, insere
esse tipo de circunstância dentre os critérios que devem servir paraa mensuração
do interesse público na persecução penal, quando se trata de confrontá-lo com os
interesses individuais afetados pelas medidas de restrição.62 Assim, é no momento
da escolha da medida mais justa para o caso, segundo a ponderação de valores Ínsita
no subprincÍpio da proporcionalidade em sentido estrito, que tais dados devem
ser levados em conta.
De qualquer forma, o legislador brasileiro, ao fazer essa referência no novo
texto do arr'287, cdput,I, do CPP, fornece critérios para orientar o raciocínio
62. Nicolas Gonzales Cuellar-Serrano, op. cit., p. 25I
MEDIDAS CAUTELARES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONA]S 43
ìu(licial que deve ser realizado îa escolha da medida cautelar mais apropriada ao
..ìst.l e, justamente por isso, devem ser observados e reproduzidos na obrigatÓria
: tì r) t i\¡ação clo provimento.
É inrportante observar que os elementos indicados 
- 
gravidade do críme,
.itcrn'tstãttcias do fato e condiçoes pessodis do indiciado ou acusado -, isolada ou
. umulativamente, não constituem fundamentos que, por simesmos, podemlevar à
rrrposição demedidas cautelares. Elessomenteentramem jogo depoisdeverifrcada
, .rclmissibilidade da medida e de sua necessidade para assegurar uma (ou mais)
-i.rs Ênalidades enumeradas no inciso anteceden[e. Não se pense, por exemplo, que
-,ì ¿ì gravidade do crime possa autorizar a imposição de qualquer restriçào, como
:rrrritas vezes já ocorreu na prática judiciária. O mesmo pode ser dito em relação
.i- condiçÕes pessoais do acusado etc.
Embora sempre com a necessária ressalva de que o exarrre desses elementos,
:t.r l¿rse de investigação ou durante o processo, não pode ser confundido com a an-
:ie ipação do juízo de culpabilidade 
- 
incompatÍvel com a presunção de inocência
.r gravidade do crime e as circunstâncias do caso podem fornecer um prognós-
'rr () sobre a pena no caso concreto, afastando o risco de que a rnedida irnposta em
..rr¿iter cautelar venha a ser mais glavosa do que a própria sançao esperadA como
:('sultado do processo.
Por sua

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