conquisLls na compreensão de muitas facetas da problemática da alienação, como pela grande influência de suas opiniões sobre pensadores subseqüentes, a impor tância histórica de Rousseau rüo pode ser su6cientemente ressaltad~l. 1 62 A teoria da alienação em Marx Não há espaço, aqui, para seguirmos em detalhe a história intelectual do conceito de alienação depois de Rousseau91 • Devemos limitar-nos a um exame muito rápido das principais fases da evolução que leva a Marx. A sucessão histórica dessas fases pode ser descrita da seguinte maneira: 1) A formulação de uma crítica da alienação no interior do quadro de postulados morais gerais (de Rousseau a Schiller). 2) A afirmação de uma superação necessária da alienação capitalista, realizada especulativamente (Aufhebung = "uma segunda alienação da existência humana = uma alienação da existência alienada", isto é, uma transcendência meramente imaginária da alienação), mantendo uma postura acrítica ante os fundamentos materiais reais da sociedade (Hegel). 3) A afirmação da superação histórica do capitalismo pelo socialismo expressa na forma de postulados morais mesclados com elementos de uma avaliação crítica realista das contradições específicas da ordem social estabelecida (os socialistas utópicos). A abordagem moralizante dos efeitos desumanizadores da alienação vista em Rousseau persiste por todo o século XVIII. A idéia de Rousseau da "educação moral" é retomada l"Jor Kant e levada, com grande coerência, à sua conclusão lógica e ao seu mais alto ponto de generalização. Em fins do século XVTII , porém, o agravamento das contradições sociais, junt;ullcmc com o avanço irresistível da "racionalidade" capitalista, traz à tona () caráter problemático de um apelo direto à "voz da consciência", pregado pelos defenso res da "educação moral". Os esforços de Schiller na formulação de seus princípios de uma "cducaçãq estética" - o qual supostamente seria mais eficiente como uma comporta contra a maré crescente da alienação do que um apelo moral direto - refletem essa situação nova, com sua sempre crescente crise humana. (Voltaremos a uma discussão da idéia de Schiller de uma "educação estética" no capítulo X.) Hegel representa uma abordagem qualitativamente diversa, na medida em que for nece uma profunda visão das leis fundamentais da sociedade capitalista92 • Discutire mos a filosofia de Hegel e sua relação com as realizações de Marx em vários contextos. Tratemos apenas aqui, brevemente, do paradoxo central da abordagem hegcliana. Este reside em que, ao mesmo tempo em que uma compreensão da necessidade de uma superação dos processos capitalistas esd. no primeiro plano do pensamento de Hegel, '! I Um imporrJ.nte aspecw epistemológico da "alienação" pode ser visto nas seguintes palavras Je Diderot: "Je saIS aussi mit!iéner, ralent sans leque! 00 ne tàir rieo qui vai/le" ("Leme à Madame Riccobioi", 27 de novembro de 1758, em Denis Diderot, Cormpondznce, cit., v. n, p. 97). Nesse sentido, "alienar" significa alcançar o nível exigido de abstração e generalização do pensamenro. A idéia, numa forma um pouco diferente, surgiu na verdade muiro dores de Diderot, nas obras de Tommaso Campanella. Em sua AfetaphyJÍca, CampandLl escreveu: "Sapere estranÍtlrsi dd Je Jtesú, straniarsi da se stessi ediventare pazzi, perdere la propri.l idmtità c assurnere una }·traniera" (Parte 1, Livro I, Par. I, Art. 9). Johann Gmtlieb Fichte, muito depois, explorou essa problem:írica em mais uma de Sllas obras (ver, em parricui:rr, Grund!ilgen der gt'Jdmten V7iJScmclJttfiJle!Jre, 1794; Dtmte!!ung der Wrúsemc!J,tfiJ!ehre, 1801; NilchgeftMene W'érke, v. 2). ') 2 Para uma penetranre an:.ílise das idéias econômicas de Hegel e Jo papel ddas em seu desenvolvimento filosófiCO, ver Georg Lukics, Derjunge Hegel. Über die Be:::;iehungCil /lon Dlil!ektik llIu! Okollomie (Neuwied e Berlim, Luchterhand, 1967, 3. eJ.,. I I Origens do conceito de alienação 63 Marx considera imperativo condenar seu "positivismo acrítico", com toda a justiça, nem é preciso dizer. A crítica moralizante da alienação ê plenamente superada em Hegel. Ele aborda a questão de uma transcendência da alienação, não como um pro blema de "dever" moral, mas como uma necessidade imanente. Em outras palavras, a idéia de uma Aufhebung da alienação deixa de ser um postulado moral: é considerada como uma necessidade inerente no processo dialético como tal. (De acordo com essa característica da filosofia de Hegel, vemos que sua concepção de igualdade tem como centro de referência o plano do "ser"; e não o do "dever" moral e jurídico. Seu "democratismo epistemológico" - isto é, sua afirmação segundo a qual todos os ho mens são efetivamente capazes de chegar ao conhecimento verdadeiro, desde que ope rem com as categorias da dialética hegeliana - é um elemento essencial de sua concep ção inerentemente histórica da filosofia. Não surpreende, portanto, que mais tarde o radicalmente a-histórico Kierkegaard denuncie, com aristocrático desdém, esse "trem" para uma compreensão filosófica dos processos históricos.) Entretanto, uma vez que as próprias contradições socioeconâmicas são transformadas por Hegel em "entidades do pensamento", a necessária Aufhebung das contradições manifestas no processo dialético é, em última análise, nada mais do que uma superação meramente conceitual ("abstra ta, lógica, especulativa") dessas contradições, o que deixa a realidade da alienação capitalista totalmente intocada. I~ por isso que Marx é lendo a falar do "positivismo acrítico" de Hegel. O ponto de vista de Hegel permanece sempre um ponto de vista burguês. Mas está longe de não ser problemárico. Pelo contrário, a filosofia hegeliana como um todo evidencia do modo mais direto o caráter gravemente problem<ítico do mundo a que o próprio filósofo pertence. As contradições desse mundo transparecem por meio de suas categorias, a despeito de seu caráter "abstrato, lógico, especulativo", e a mensagem sobre a necessidade de uma transcendência neutraliza os termos ilusórios em que essa transcendência é vislumbrada pelo próprio Hegel. Nesse sentido sua filo sofia como um todo é um passo vital na direção de um entendimento adequado das raízes da alienação capitalista. Nos escritos dos socialistas utópicos há uma tentativa de mudar o ponto de vista social da crítica. Com a classe operária, uma nova força social surge no horizonte, e os soci::distas utópicos, como críticos da alienação capitalista, tentam reavaliar a relação cle forças a partir de LIma perspectiva que lhes pnmita levar em conta a existência dessa nova força social. E, mesmo assim, sua abordagem permanece obje tivtltnente, no todo, no interior dos limites do horizonte burguês, ainda que, obvia mente, os representantes do socialismo utópico mbjetivamente neguem algumas ca racterísticas essenciais do capitalismo. Eles só podem projetar a substituição da ordem social estabelecida por um sistema socialista de relações na forma de um modelo em grande parte imaginário, ou como um postulado moral, e não como uma necessidade ontológica inerente às contradições da estrutura da sociedade existente. (De modo bem caracrerístico: as utopias educacionais, orientadas para o "trabalha dor", formam parte essencial da concepção dos socialistas utópicos.) O que dá um enorme valor ao uabalho deles é o fato de sua crítica estar voltada para farares materiais claramente identificáveis da vida social. Embora eles não tenham uma avaliação abrangente das estruturas sociais estabelecidas, sua crítica de alguns fenô ; t 64 A teoria da alienação em Marx j r menos sociais vitalmente importantes - de uma crítica do Estado moderno à análise da produção de mercadorias e do papel do dinheiro - contribui fortemente para urna reorientação