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CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Elementos de Processo Penal Aula 3 Professor Mário Luiz Ramidoff CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 2 Conversa Inicial Nesta aula iremos estudar os sistemas processuais penais, que podem ser inquisitórios, acusatórios ou mistos. Compreenderemos as diferenças de cada um e qual o Brasil adota. Também adentraremos no tema inquérito policial, tratando dos procedimentos e, também, das CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). Além disso, estudaremos a ação penal de iniciativa pública e a ação penal de iniciativa privada e a decisão de arquivamento. Contextualizando Todo suposto crime precisa ser apurado? Deve ser detalhado em determinar quem o cometeu, como foi cometido, em inquérito policial, depois em juízo, com audiências para ouvir testemunhas e produzir outras provas? Ou o inquérito pode ser arquivado antes que se passe por todo esse caminho? Leia a notícia a seguir. http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/7166-juiz- determina-arquivamento-de-inquerito-policial-em-que-vitima-agiu-em-legitima- defesa Pesquise TEMA 1: Sistemas Processuais Penais. Os sistemas processuais penais podem ser classificados como inquisitório, acusatório ou misto. É possível dizer que no sistema processual penal inquisitório, então, originariamente concebido, a autoridade pública competente concentraria em suas atribuições legais a responsabilidade de investigar, acusar, instruir e julgar um determinado caso concreto (legal), a título de persecução penal. O sistema processual penal acusatório, diferentemente, caracteriza-se pela separação das supramencionadas atribuições, as quais são legalmente destinadas como funções (deveres) a distintos órgãos do Estado e a CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 3 profissionais que atuam perante o Sistema de Justiça (Penal) – por exemplo, o devido processo legal (penal), a ampla defesa e o contraditório substancial. No sistema processual penal classificado como misto, propõe-se uma conciliação entre as anteriores sistematizações processuais penais para fins de responsabilização penal. A persecução penal, assim, é dividida entre a investigação administrativa (policial ou das comissões parlamentares de inquérito), com características inquisitoriais; enquanto que a instrução probatória realizada em sede judicial tem por característica marcante as orientações acusatórias. A proposição intermediária entre os sistemas processuais penais de viés inquisitório e acusatório, por assim dizer, é aquele que tem sido mais admitido tanto teórica quanto pragmaticamente para caracterizar as sistemáticas processual e procedimental adotadas, no Brasil, para fins de persecução e responsabilização penal. Aury Lopes Jr. (in Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 123-124) critica o pensamento tradicional de sistema misto para, assim, asseverar que “é crucial analisar qual o núcleo fundante para definir o predomínio da estrutura inquisitória ou acusatória, ou seja, se o princípio informador é o inquisitório ou o acusatório”; senão, que, “diante dos inúmeros traços inquisitórios do processo penal brasileiro, é necessário fazer uma ‘filtragem constitucional’ dos dispositivos incompatíveis com o princípio acusatório [...] pois são ‘substancialmente inconstitucionais’”. Portanto, observa-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, por mais que fórmulas processuais e procedimentais se encontrem expressamente descritas na legislação como expressões do sistema processual penal acusatório, é possível constatar inúmeras figuras legislativas especiais que autorizam a realização de atos procedimentais e operações investigatórias que se orientam pela sistemática persecutória caracteristicamente inquisitorial. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 4 TEMA 2: Inquérito Policial. O inquérito policial é um procedimento administrativo destinado à investigação das circunstâncias em que se deu determinado crime, portanto, de viés persecutório penal, que antecede a propositura da ação penal. O inquérito policial deve observar as orientações derivadas do princípio do devido processo legal (penal); contudo, por se tratar de uma investigação, em regra, não está submetido ao crivo do contraditório. A finalidade do inquérito policial é a apuração das circunstâncias e das condições em que se deu a prática de uma conduta considerada delituosa, buscando, assim, evidenciar a autoria e a materialidade (existência) delituosas. O inquérito policial deve ser encerrado com a elaboração do relatório circunstanciado pela autoridade policial (Delegado de Polícia), e, em seguida, encaminhado ao Poder Judiciário, que então, facultará oportunidade ao Ministério Público, o qual poderá oferecer denúncia, requisitar outras diligências investigatórias ou requerer arquivamento. A autoridade policial não poderá jamais determinar o arquivamento de inquérito policial. O inquérito policial não é indispensável para o oferecimento de denúncia ou de queixa-crime (ação penal de iniciativa privada), mas poderá lhes servir de fundamento. Portanto, é possível dizer que as finalidades do inquérito policial são tanto a apuração da autoria e da materialidade criminais, quanto a de servir como fundamento para o oferecimento de denúncia ou de queixa-crime, a título de persecução que se destina à responsabilização criminal do agente a quem se atribui a prática de crime. O § 3º do art. 58 da Constituição da República de 1988, ao dispor sobre as comissões parlamentares de inquérito, reconhece-lhes poderes investigatórios que são próprios das autoridades judiciais, inclusive, assegurando-lhes outros que podem ser estabelecidos nos regimentos internos tanto do Senado Federal quanto da Câmara do Deputados. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 5 As comissões parlamentares de inquérito poderão ser criadas separadamente pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado da República, mas, também, poderão ser instauradas em conjunto para apuração de fato determinado que constitua crime e por prazo certo; sendo certo que, para tanto, é necessário o requerimento de 1/3 (um terço) de seus membros. As conclusões alcançadas pelas comissões parlamentares de inquérito que entenderem existir indícios e/ou provas suficientes de autoria e de materialidade delituosa deverão ser encaminhadas ao Ministério Público, que, então, deverá promover a responsabilização cível e criminal do agente a quem se atribua a prática de crime. A comissão parlamentar de inquérito, enquanto importante meio de investigação, tem amplos poderes persecutórios acerca do fato determinado que determinou a sua criação, podendo, assim, de acordo com César Dario Mariano da Silva (in Provas Ilícitas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 122), “determinar diligências, requerer a convocação de Ministros de Estado, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar documentos e informações de qualquer repartição pública ou autárquica e transportar-se ao local onde se fizer necessária a sua presença”. TEMA 3: Ação Penal de Iniciativa Pública. A ação penal de iniciativa pública poderá ser classificada como incondicionada ou condicionada, isto é, quando depender de representação. A ação penal de iniciativa pública, em regra, é incondicionada, isto é, a sua propositura não depende de representação do ofendido ou de seu representante legal.O caput do art. 24 do Código de Processo Penal dispõe que nos “crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo”. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 6 A ação penal de iniciativa pública incondicionada ou condicionada é uma das atribuições legais que foram constitucionalmente destinadas, de forma originariamente privativa, ao Ministério Público. É o que se encontra expressamente disposto no inc. I do art. 129 da Constituição da República de 1988, segundo o qual dentre as “funções institucionais do Ministério Público”, tem-se o dever de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. De outro lado, observa-se que a ação penal de iniciativa pública poderá ser judicialmente deduzida, de forma subsidiária, através de iniciativa privada, quando o membro do Ministério Público deixar de oferecer denúncia no prazo legalmente estabelecido para tal desiderato. De acordo com o disposto no art. 29 do Código de Processo Penal, admite-se a “ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornece elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”. O prazo legalmente estabelecido para a propositura da ação penal de iniciativa privada que é subsidiária da iniciativa pública é de 6 (seis) meses, o qual deverá ter a contagem iniciada no dia em que se esgotar o prazo legal para o oferecimento da denúncia, nos termos do art. 38 do Código de Processo Penal. A denúncia deverá ser oferecida no prazo legal de 5 (cinco) dias, quando o agente estiver preso, “contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial”, e de 15 (quinze) dias, quando estiver solto ou afiançado, conforme art. 46 do Código de Processo Penal. A ação penal de iniciativa pública, portanto, destina-se à instauração regular e válida do devido processo penal (legal), enquanto relação jurídica processual indispensável para a apuração (instrução criminal) e julgamento (sentença penal) da responsabilidade penal do agente a quem se atribui a prática de crime (imputação penal). CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 7 Por isso mesmo, a ação penal – seja ela de iniciativa pública ou privada (por denúncia ou queixa, respectivamente) – deverá conter a exposição fática do acontecimento considerado delituoso, com a descrição objetiva de todas as suas circunstâncias, bem como a qualificação do agente “ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo”, a capitulação penal, isto é, a classificação/definição jurídica do crime que lhe é imputado, “e, quando necessário, o rol das testemunhas”, conforme o art. 41 do Código de Processo Penal. Em se tratando de ação penal de iniciativa pública, observa-se que, uma vez intentada, o Ministério Público não poderá desistir do seu prosseguimento até alcançar a respectiva decisão judicial — pode opinar pela absolvição do agente, mas não tem a faculdade de desistir do processo. TEMA 4: Ação Penal de Iniciativa Privada. A ação penal também pode ser proposta através de iniciativa privada (ação penal privada), nos termos do art. 30 do Código de Processo Penal. A ação penal de iniciativa privada é intentada mediante queixa, também chamada queixa-crime podendo, assim, ser deduzida por advogado que possua instrumento de mandato, isto é, procuração específica regular e validamente outorgada pelo ofendido ou por seu representante legal. Neste sentido, o art. 44 do Código de Processo Penal estabelece que a “queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso”. A lei processual penal assegura à pessoa “pobre”, na acepção jurídica do termo, isto é, àquela que “não puder prover às despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família” (§ 1º do art. 32 do Código de Processo Penal), a nomeação judicial de advogado para que, assim, possa ser promovida a ação penal de iniciativa privada. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 8 Em regra, o ofendido ou o seu representante legal perderá o direito de promover a ação penal de iniciativa privada, isto é, o direito de queixa ou de representação, quando deixar de exercê-lo dentro do prazo legal de 6 (seis) meses, o qual deverá ter a contagem iniciada no dia em que vier a saber quem é o autor do crime, conforme o art. 38 do Código de Processo Penal. De acordo com o princípio da indivisibilidade, a ação penal de iniciativa privada que for intentada em relação a qualquer das pessoas a quem se atribui a prática de crimes – “autores do crime” –, de igual maneira, obriga o oferecimento de queixa em relação aos demais, isto é, “obrigará ao processo de todos”; até porque, caso eventualmente ocorra a renúncia ao “exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá”, assim como o perdão concedido a um daqueles aproveitará a todos que o aceitarem (arts. 48, 49 e 51 do Código de Processo Penal). O princípio da indivisibilidade é aplicável tanto à ação penal de iniciativa privada (mediante queixa), quanto à de iniciativa pública (mediante denúncia) – condicionada ou não –, pois como adverte Afranio Silva Jardim (in Direito Processual Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1997. p. 298), “o princípio da indivisibilidade está abrangido pelo princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública, devendo a denúncia imputar todas as infrações apuradas contra todos os seus autores e partícipes, desde que tenha, é lógico, prova mínima para dar justa causa à demanda”. A queixa – ou queixa-crime – tem por natureza jurídica ser a forma de intentar ação penal de iniciativa privada, a qual deverá ser feita perante o Juízo de Direito competente, pelo ofendido através de advogado devidamente habilitado, isto é, que possua instrumento de mandado com específicos poderes para oferecer a ação penal privada, bem como para renunciá-la ou, então, conceder perdão. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 9 TEMA 5: Arquivamento. O art. 28 do Código de Processo Penal prevê as situações, bem como os pressupostos e os requisitos processuais penais (procedimentais) indispensáveis para ser possível o regular e válido arquivamento de inquérito policial perante o Juízo de Direito criminal competente. Pois, como se sabe, a Autoridade Policial (Delegado de Polícia) não poderá jamais determinar o arquivamento de inquérito policial; senão que, apenas, poderá fazer constar no relatório final objetivamente circunstanciado o seu entendimento jurídico acerca do provável reconhecimento judicial do arquivamento. Na hipótese em que o órgão ministerial, ao invés de oferecer a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o órgão julgador que não concordar com o pedido por entender improcedentes as razões invocadas deverão fazer remessa do inquérito policial ou das peças de informação ao Procurador-Geral do Ministério Público. O Procurador-Geral, por sua vez, tem a opção de oferecer a denúncia, bem como designar outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou, também,poderá insistir no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o órgão julgador obrigado a atender. No entanto, observa-se que a Autoridade Policial, mesmo depois de judicialmente ordenado o arquivamento do inquérito policial, por falta de base (justa causa) para o oferecimento da denúncia, poderá encetar novas diligências, e, assim, proceder a pesquisas, “se de outras provas tiver notícia” (art. 18 do Código de Processo Penal). Senão, é o que expressamente resta consignado na Súmula n.º 524 do Supremo Tribunal Federal, de acordo com a qual, uma vez “arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas”. Contudo, é preciso observar que em determinadas hipóteses o arquivamento do inquérito policial poderá ser definitivo – em que pese não ser possível falar em coisa julgada, como bem destaca Gustavo Badaró (in Processo CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 10 Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. p. 140), para quem – “nos casos em que se reconhece que os fatos investigados são atípicos, ou estão encobertados por excludente de ilicitude, ou mesmo nas situações de extinção de punibilidade, a decisão de arquivamento será imutável”. Trocando Ideias O arquivamento de inquérito policial, sem que haja processo penal, pode abrir margem para falhas na apuração de um crime? Ou as hipóteses em que pode ocorrer esse arquivamento são bastante seguras para evitar erros? Aproveite a oportunidade para discutir e debater com seus colegas de curso no fórum da disciplina disponível no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Na Prática Como você aprendeu, quando o Ministério Público deixa de oferecer denúncia para intentar uma ação de penal de iniciativa pública, o ofendido pode intentar ação penal de iniciativa privada subsidiária da iniciativa pública (arts. 29 e 30 do Código de Processo Penal). Essa previsão legal realmente acontece na prática? E costuma ser aceita? A resposta é positiva para a primeira pergunta: sim, esse dispositivo é aplicado; porém, é muito raro ser aceita essa modalidade de ação penal. Veja o principal argumento demonstrado no caso a seguir: “a ação penal privada subsidiária da pública só tem cabimento quando há prova inequívoca da total inércia do Ministério Público. Quer dizer, só é permitido ao ofendido atuar de forma supletiva, quando o titular da ação penal pública já de posse dos elementos necessários à formulação da peça acusatória deixar de ajuizar ação penal dentro do prazo legal, sem motivo justificável. ” CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 11 (STJ, Relator: Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), Data de Julgamento: 02/12/2010, Sexta Turma). Ao procurar por decisões nessa área, você há de encontrar fundamentos semelhantes no sentido de, normalmente, rejeitar a queixa-crime em ação penal de iniciativa pública. Síntese Entre os importantes temas da aula, percebemos que o processo penal brasileiro tem particularidades que tornam difícil encaixá-lo em um ou noutro sistema. Vimos também que o inquérito policial é um procedimento de apuração de crimes, o qual não dar a decisão final. O inquérito se encerra com um relato do delegado de polícia e, então, o seguimento e as consequências devem ser decididos pelo Poder Judiciário. A forma como se processa um crime é por ação de iniciativa pública ou, dependendo do crime, por ação de iniciativa privada. Sobre o arquivamento de processo penal, ele se dá por ato do juiz, quando entender que não se deve perseguir criminalmente o indiciado. O inquérito policial, uma vez aberto, não dá ao delegado de polícia autoridade para ele mesmo arquivar o inquérito. Referências BADARÓ, Gustavo. Processo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015. JARDIM, Afranio Silva. Direito processual penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1997. LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas. 2014. SILVA, César Dario Mariano da. Provas ilícitas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005.
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