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AS BOLSAS DE VALORES E OS VALORES MOBILIÁRIOS

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AS BOLSAS DE VALORES E OS VALORES MOBILIÁRIOS
NEWTON DE LUCCA: Mestre, Doutor, Livre-Docente e Adjunto pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Considerações preambulares
Já se disse, com extrema propriedade, que entusiasmo é aquele estado de ânimo com o qual a imaginação triunfa sobre o raciocínio1. Permito-me invocar a máxima, desajeitadamente, embora não como canhestra tentativa de dar, eventualmente, um tom pretensamente literário ao início dessas singelas palavras (ainda que, no íntimo, esse desejo escondido de escriba frustrado me persiga implacavelmente até hoje...), mas com o confessado propósito de tentar justificar a minha presença na fase crepuscular desse nosso memorável simpósio.
Com efeito, só poderá ter sido mesmo o meu entusiasmo pelo tema dos valores mobiliários que terá levado o eminente Ministro Fontes de Alencar, de um lado, ilustre Coordenador-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos Judiciários — a quem não me canso de render as mais sinceras homenagens pelo brilhante trabalho que vem realizando à frente desse Centro — e, de outro lado, o eminente Ministro Adhemar Maciel, Coordenador do evento, a me formularem tão honroso convite.
Assim, só me resta esperar que a circunstância pouco alentadora para a platéia de contar apenas com um entusiasta — e não por quem detenha, efetivamente, o conhecimento científico-doutrinário sobre o tema proposto — possa ser parcialmente compensada pela sincera vontade que tenho de despertar e de estimular o interesse dos mais doutos sobre a matéria.
I - Estrutura e função das bolsas de Valores
Bem sei que tenho-me repetido muito ao insistir nessa idéia fundamental de que os estudos dos institutos jurídicos não podem mais, a partir das preciosas contribuições de Ascarelli e de Bobbio, ficar adstritos à procura de sua natureza jurídica, tão em voga ao longo da centúria passada e mesmo com algum prestígio no presente século. Há de ter o jurista moderno a sua visão não apenas ontológica dos institutos jurídicos, devendo levar em consideração, necessariamente, também os aspectos de sua natureza teleológica.
Mas, ao fazê-lo, haverá de levar em conta a sábia e oportuna advertência do Eminente Professor Fábio Konder Comparato2:
Essa consideração biangular dos institutos jurídicos, que já passou em julgado como o melhor método de exposição do direito, só alcança porém sua plena virtualidade quando se percebe que não se trata de uma antinomia, mas de idéias complementares. A estrutura de qualquer norma ou instituto jurídico deve ser interpretada em vista das funções, próprias ou impróprias, do conjunto de seus elementos ou disposições: e toda função é limitada pela estrutura do conjunto.
O ensinamento ganha especial relevo em matéria de bolsas de valores e de mercado de valores mobiliários, pois estamos diante de uma realidade em que os instrumentos são criados e desenvolvidos tendo em vista um fim claramente perseguido por uma política econômica3 que não se acha apenas consagrada em textos de lei como também na própria Constituição Federal.
Não se estará dizendo muito, portanto, quando se afirma obedecer o regime jurídico das bolsas de valores e dos valores mobiliários nelas negociados a essa diretriz fundamental de nossa Carta Magna, consubstanciada na livre iniciativa, um dos fundamentos da nossa ordem econômica (CF, art. 170, caput) e, igualmente, de nossa própria República (CF, art. 1º , inc. IV).
Vamos, agora, para maior facilidade no trato de nosso tema, rememorar alguns conceitos que nos interessam de perto, tais como: Sociedade Aberta, Bolsas de Valores, Mercado de Valores Mobiliários, Mercado de Bolsa, Mercado de Balcão, além da própria noção do que sejam os Valores Mobiliários.
Comecemos, então, pela definição de Sociedade Aberta. Dispõe o art. 4º da Lei n. 6.404/76 que:
Para os efeitos desta lei a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação em bolsa ou no mercado de balcão.
Parágrafo único: Somente os valores mobiliários da cia. registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser distribuídos no mercado e negociados em bolsa ou no mercado de balcão.
Antes do advento da Lei n. 6. 404/76, as companhias que tivessem suas ações negociadas nas bolsas de valores eram consideradas sociedades de capital aberto, de conformidade com a chamada Lei do Mercado de Capitais —, Lei n. 4.728, de 14 de julho de 19654 — tendo sido tais sociedades equiparadas às companhias abertas pela Resolução n. 457, de 21 dezembro de 1977, do Conselho Monetário Nacional, que assim dispôs: para todos os efeitos legais e regulamentares, serão consideradas como sociedades anônimas de capital aberto todas as companhias abertas5.
Assim, salvo como valor meramente histórico, inexiste utilidade prática na distinção entre companhia aberta e sociedade de capital aberto.
Voltemos, então, ao conceito de companhia aberta. Percebe-se, pelo texto desse art. 4º, que o critério levado em conta pela Lei n. 6.404 foi o de financiamentoda sociedade, isto é, quando os recursos de capital de uma sociedade são buscados junto ao público, nós estamos diante de uma companhia aberta, sendo fechada, ao revés, quando a sociedade é financiada pelos seus próprios acionistas.
Socorro-me, uma vez mais, do eminente Prof. Fábio Comparato que em seu tão citado Aspectos Jurídicos da Macro-Empresa destacou:
Em certa passagem da sua Ciência da Lógica, Hegel observou que os aumentos quantitativos acabam redundando em modificações qualitativas dos seres. Invocando o exemplo das combinações químicas, mostrou como a mudança na quantidade provoca nós ou saltos específicos na natureza. E concluiu que o mesmo fenômeno pode ser observado na vida moral, onde nos encontramos em presença da mesma transformação do quantitativo em qualitativo, e de diferenças de qualidade que parecem corresponder a diferenças de grandeza6.
Assim, a par do conceito legal de companhia aberta fornecido pela lei, é fácil imaginar que essas sociedades pressupõem, em primeiro lugar, uma grande pluralidade de tomadores dos valores mobiliários por elas emitidos e, em segundo, um grau de dispersão entre esses tomadores que os impeça de defender adequadamente os seus interesses perante os controladores e administradores dessas entidades.
Daí que se torna indispensável a fiscalização e o controle, por parte do Poder Público, da atividade empresarial das companhias abertas e do universo de suas relações com essa ampla coletividade de acionistas ou debenturistas, despreparada que está esta última — pelo menos presumivelmente — para a eficaz defesa de seus interesses.
Era escusado esclarecer, talvez, que não estamos querendo dizer, com essas últimas considerações, que a pluralidade de investidores e o fator de dispersão existente entre eles seja o critério da lei para caracterizar o regime jurídico da companhia aberta.
Vimos que, pelo texto do art. 4º, basta que haja a oferta ao público das ações, debêntures ou de outros títulos emitidos pela companhia, para que esta já seja considerada aberta, independentemente do número de tomadores. O conceito de oferta ao público, existente na lei, é bastante amplo e bastou ter existido a negociação de ações no mercado de Bolsa ou de balcão para que a companhia se submeta ao regime especial estabelecido pela lei.
A esse propósito, diz-nos o ilustre Prof. Modesto Carvalhosa:
Em conseqüência, a maneira de configurar esse regime é simples. Basta que as ações tenham sido negociadas no mercado de valores mobiliários por meio de qualquer instituição que o integre (bancos de investimentos, sociedades corretoras, distribuidoras, agentes autônomos etc.), ou, então, se houver inclusão dessas ações em qualquer fundo de investimento, para que a sociedade emissora das ações, debêntures, bônus de subscrição, certificados de depósitos de ações, partes beneficiárias, seja caracterizada como companhia aberta7.
As conseqüências de ser a sociedade anônima caracterizadacomo companhia aberta são tão numerosas8, no que se refere a seu regime jurídico, que me parece procedente a conclusão de serem elas mais diferentes, estrutural e funcionalmente, das sociedades anônimas fechadas, — malgrado a identidade de nome e de texto legal que as regula — do que estas últimas o são em relação às sociedades por cotas de responsabilidade limitada.9
Vejamos, agora, as noções de mercado de bolsa e mercado de balcão.
Considera-se mercado de bolsa, diz o Prof. Modesto10,
(...) aquele em que as transações efetuam-se num local determinado e adequado ao encontro de seus membros (sociedades corretoras) e à realização, entre eles, de transações de compra e venda de títulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente organizado e fiscalizado pela associação civil que o mantém e pela Comissão de Valores Mobiliários.
Já o mercado de balcão, segundo o mesmo jurista,
(...) é o conjunto de transações concluídas diretamente entre instituições ofertantes e aceitantes, sem qualquer interferência de terceiros, convencionando-se livremente o valor da transação, sem embargo da fiscalização que a Comissão de Valores Mobiliários exerce sobre essas atividades.
No que concerne ao conceito doutrinário das bolsas de valores, muito haveria o que se dizer. São muitas, na verdade, tanto as definições quanto as discussões que poderemos encontrar sobre essas entidades. Limitar-me-ei, no entanto, a apenas algumas delas.
Sob o ponto de vista legislativo, em primeiro lugar, foram as bolsas consideradas órgãos auxiliares dos poderes públicos pelo art. 1º da Lei n. 2.146, de 29 de dezembro de 1953. Tratava-se, na verdade, de uma atecnia jurídica.
Explicava-nos Pontes a respeito, logo após a transcrição desse artigo11:
Não é bem isso. As bolsas oficiais de valores são bolsas, como quaisquer outras, para as operações de lançamento ou de compra e venda de títulos das entidades de Direito Público. Uma das suas funções é a de lançar títulos estatais, de subscrição pública, e outra, a de fiscalização desses lançamentos, de modo que lhes incumbe verificar a legalidade da subscrição dos títulos e das emissões, bem como a da subscrição pública (tomada pelo público)12.
Pouco mais adiante, nosso insigne jurisconsulto voltou ao tema com maior vigor ainda:
As bolsas oficiais de valores, diz a Lei n. 2.146, de 29 de dezembro de 1953, são "órgãos auxiliares dos poderes públicos, na fiscalização dos lançamentos de emissões de títulos, por subscrição pública". A expressão "órgãos" poderia sugerir que as bolsas de valores são partes integrantes do Estado. A Bolsa de Valores é organização de Direito Público, que depende de constituição pelo Estado; não é, porém, órgão do Estado. Daí estar o adjetivo "auxiliares" que se acrescentou a "órgãos"13.
A Lei n. 4.728 terá sido mais técnica a esse respeito e não considerou as bolsas de valores como órgãos auxiliares dos poderes públicos, estabelecendo, em seu art. 6º, que elas teriam autonomia administrativa, financeira e patrimonial, funcionando com a supervisão do Banco Central do Brasil e de acordo com a regulamentação a ser expedida pelo Conselho Monetário Nacional14.
O art. 7º dessa mesma lei delegou competência ao Conselho Monetário Nacional para fixar as normas gerais a serem observadas na constituição, organização e funcionamento das bolsas de valores.
Com a Lei n. 6.385/76 voltou-se, de certa forma, à imprecisa terminologia anterior à legislação de 1965, pois foram as Bolsas de Valores consideradas entidades integrantes do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários (art. 15, inc. IV), incumbindo-lhes, como órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários, a fiscalização dos respectivos membros e das operações nelas realizadas (art. 17, parágrafo único).
No que se refere à função específica das bolsas de valores, sabe-se que é ela, fundamentalmente, a de promover a negociação dos valores mobiliários, motivo pelo qual é para estes que, nesse momento, a nossa atenção se volta.
II - Estrutura, função e espécies dos Valores Mobiliários
A discussão a respeito da natureza dos valores mobiliários, por si só, poderia ocupar todo o tempo de nossa palestra, se se quisesse levar adiante uma investigação conceitual de caráter científico-doutrinário.
Se o próprio conceito de título de crédito — muito mais antigo e muito mais assente na literatura jurídica universal, a partir da concepção de Vivante — foi parcamente assimilado e elaborado pela doutrina nacional, que se poderia dizer, então, de uma noção muito mais recente e sobre a qual existem apenas algumas isoladas manifestações doutrinárias?
Como é sabido, um título será tido como de crédito se ele for necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado; conforme consagrado na célebre fórmula vivantiana15.
Será valor mobiliário, no entanto, se estiver previsto no elenco constante do art. 2º da Lei n. 6.385, de 07/12/76. Em virtude dessa fundamental diferença, fizemos as seguintes considerações — ora resumidas — pouco após a edição do retrocitado diploma legal16:
Cumpriria indagar, ante a disposição do art. 2.º da referida lei, qual é a relação existente entre os ditos "valores mobiliários" e os títulos de crédito. Seriam os primeiros uma espécie do gênero dos segundos? Ou simplesmente haveria uma analogia relacional entre duas categorias distintas uma da outra?
De atentar-se que, no art. 2º da Lei n. 6.385, foi dito que "as ações, as partes beneficiárias e debêntures, os certificados de depósito de valores mobiliários" e outros títulos estariam sujeitos à nova disciplina legal. Como classificar-se, em conseqüência, com o novo texto legal, a ação da sociedade anônima? Seria ela um título de crédito ou um valor mobiliário? Ou, antes ainda, os valores mobiliários são ou não títulos de crédito?
Parece-nos importante assinalar, desde logo, que os valores mobiliários não possuem um elemento peculiar que os distinga dos títulos de crédito. O único traço distintivo — se é que se possa falar assim — é o de que os valores mobiliários assumem, em princípio, a característica de serem negociados em mercado. Exatamente por serem negócios realizados em massa, cuidou a lei de proteger, por diversas formas, os titulares desses papéis.
Mas, como é óbvio, não parece de nenhum rigor metodológico dizer-se que a negociação em mercado seja característica absoluto dos valores mobiliários. Não só no plano semântico, como no da própria Lei n. 6.385, inexiste justificativa dogmática para tal conclusão.
.......
.......
Fixadas tais premissas, diríamos que o conceito de valores mobiliários não possui qualquer liame lógico com o de "títulos de crédito". Podem os títulos de crédito, em alguns casos, assumir as feições de valores mobiliários e, vice-versa, estes poderão, concomitantemente, ser considerados como aqueles. Mas são dois sistemas distintos, sem uma correspondência lógica entre ambos. Em outras palavras, o que torna um papel um título de crédito é algo completamente diverso daquilo que o faz considerá-lo, eventualmente, um valor mobiliário.
Essas nossas observações mereceram dois reparos do eminente Prof. Waldírio Bulgarelli, que assim se pronunciou a respeito17:
Não obstante o acerto das ponderações do autor, há de se fazer dois reparos: primeiro, há certo liame lógico entre as duas denominações, como foi mostrado por Ferri, como já vimos; segundo, é que se os títulos de crédito poderão vir a ser considerados como valores mobiliários (o que duvidamos nos casos, por exemplo, dos certificados de transportes ou de depósito etc.), a contrapartida não é verdadeira, pois não será qualquer valor mobiliário que poderá ser considerado título de crédito.
De tais afirmações, todavia, não chegamos a destoar, pois nem afirmamos em algum momento de nossas considerações sobre a matéria se existiria ou não liame lógico entre as denominações e, muito menos ainda, que todo valor mobiliário poderia ser considerado título de crédito. Com efeito, existe sim uma divergência evidente entre o nosso pensamentoe o daquele ilustre professor, mas ela não se localiza, rigorosamente falando, em nenhum dos dois reparos a que ele se referiu.
Situa-se ela, na verdade, na seguinte passagem do Prof. Waldírio Bulgarelli18:
(...) é bom lembrar que ao dispor a Lei n. 6.385 (art. 2º), sobre a possibilidade de virem a ser considerados como valores mobiliários, a critério do CMN, outros títulos, não falou em papéis ou documentos, mas se referiu expressamente a títulos, comprovando de certa forma a assertiva da subordinação da noção de valor mobiliário à condição de título de crédito.
Entendemos, de nossa parte, que, tirante a aplicação subsidiária do endosso dos títulos cambiários (sendo estes últimos, como se sabe, espécie do gênero títulos de crédito) aos valores mobiliários, por expressa referência legal, não vemos qualquer outra subordinação destes últimos à teoria geral dos títulos de crédito.
Quanto aos demais aspectos dessa apaixonante discussão, remetemos o leitor ao nosso A Cambial-Extrato19 no qual nos aprofundamos um pouco mais sobre a matéria.
O que sempre sustentamos, com maior ênfase — e continuamos a fazê-lo no presente — é a inexistência de uma relação de gênero e espécie entre os títulos de crédito e os valores mobiliários, pois o que faz determinado papel vir a ser considerado, eventualmente, um valor mobiliário é algo inteiramente diverso do que o leva a categorizá-lo como sendo um título de crédito.
Despiciendas, pois, maiores considerações a respeito. Os valores mobiliários constituem uma categoria legal e não um conceito doutrinário, para efeitos de identificação do regime jurídico a eles aplicável.
Assim, são valores mobiliários aqueles previstos no art. 2º da Lei n. 6.385/76, isto é, as ações, as partes beneficiárias, as debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição (inc. I); os certificados de depósito de valores mobiliários (inc. II); e os outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional (inc. III), valendo lembrar, neste último caso, que esse órgão incluiu no rol dos valores mobiliários: os direitos de subscrição de valores mobiliários, os recibos de subscrição de valores mobiliários, as opções de valores mobiliários, os certificados de depósitos de ações20e as notas promissórias emitidas por sociedade por ações, destinadas à oferta pública, que ficaram conhecidas por commercial papers21.
Finalmente, em virtude da falta de regulamentação e de fiscalização em relação aos investimentos em parceria agrícola (mais conhecidos como de "boi gordo"), o próprio Governo Federal, por medida provisória do Presidente da República, houve por bem proteger os investidores desse mercado, considerando que tais investimentos coletivos deveriam ser controlados pela Comissão de Valores Mobiliários22.
De resto, quadra assinalar que a função econômica exercida pelos valores mobiliários é inteiramente diversa da que é cumprida pelos títulos de crédito. Enquanto nestes mobiliza-se o crédito e promove-se a circulação de riquezas, a partir de negociações singulares realizadas pelos empresários no exercício de sua atividade, com emissão de títulos cambiários ou cambiariformes representativos dessas operações concretizadas, naqueles, como bem esclarece Ferri, desponta na linha de frente a mobilização de capitais das sociedades emissoras e a dispersão dos títulos perante a coletividade de investidores23.
Passemos, agora, ao conceito de Mercado de Valores Mobiliários.
Enquanto as noções de mercado financeiro e de capitais distinguem-se com certa facilidade, parecendo claro que o primeiro esteja voltado ao financiamento de recursos de curto prazo, com nítida proeminência dos Bancos Comerciais como principais agentes desse mercado, nele predominam operações de desconto de duplicatas e de empréstimos, cabendo ao segundo o papel de financiar recursos de médio e de longo prazos, tanto para bens de capital quanto para o consumidor final, com destaque para a atuação dos Bancos de Investimento e das Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento, a noção de mercado de valores mobiliários — onde serão negociadas as ações das sociedades anônimas, as debêntures, os bônus de subscrição, as opções de compra de ações, os certificados de depósito de valores mobiliários e outros — tende a ser confundida, por causa de sua similitude, com a de mercado de capitais.
Explica-se o fenômeno, de um lado, pela simples cronologia dos fatos. De outro lado, decorre ele da semelhança de negociação existente entre esses dois mercados.
Sob o primeiro aspecto, relembre-se que a Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, alcunhada de Lei da Reforma Bancária, cuidara de reestruturar o Sistema Financeiro Nacional, criando, de forma até certo ponto serôdia24, um Banco Central, e acima dele, como órgão de cúpula desse sistema, o Conselho Monetário Nacional.
Já a Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, disciplinadora, entre tantas outras coisas25, do mercado de capitais propriamente dito, embora com caráter nitidamente complementar à Lei n. 4.595 — redefinindo e ampliando, por exemplo, a competência do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil —, voltara-se para propiciar o financiamento tanto da produção quanto do consumo de bens duráveis, mediante o mecanismo das chamadas letras financeiras26, com cláusula de correção monetária, possibilitando a existência de um mercado que não poderia ser atendido pelos bancos comerciais que, por longa tradição, sempre foram captadores de recursos de curto prazo27.
Quanto ao segundo aspecto relativo à tendência natural de serem confundidas as noções de mercado de capitais e de mercado de valores mobiliários — decorrente da semelhança de negociação existente entre esses dois mercados —, cumpre observar-se, antes de mais nada, que em ambos existe uma finalidade comum, qual seja, a de que em ambos se pratica uma captação de recursos destinada à capitalização das empresas.
A diferença só se torna mais palpável pela razão de que no mercado de capitais são também negociados os títulos públicos, enquanto no mercado de valores mobiliários essa modalidade acha-se expressamente excluída por força do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 6.385/76.
De toda sorte, nunca será demais insistir na idéia de que estão presentes em nossa realidade econômica três diferentes tipos de mercado: o financeiro, o de capitais e o de valores mobiliários28, podendo conceituar-se este último como:
(...) aquele em que são negociados os valores de que trata o art. 2º da Lei n. 6.385/76, que se destinam, basicamente, ao financiamento do capital das empresas, seja sob a forma de percentagem no seu capital social (ações), seja sob a forma de mútuo (debêntures).
Essa distinção tricotômica, porém, não apresenta maiores diferenças práticas. Embora se possa dizer que o Mercado de Valores Mobiliários esteja sob a tutela precípua da Comissão de Valores Mobiliários, enquanto o financeiro e o de capitais estejam sob a regulação, fiscalização e o controle do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, compete por lei ao CMN, igualmente, definir a política a ser observada na organização e no funcionamento do Mercado de Valores Mobiliários29.
Vamos fazer, agora, completando esse item II da exposição, apenas um vôo — meramente panorâmico — sobre as espécies de valores mobiliários30.
Ações das sociedades anônimas abertas
Já salientamos, em diversas oportunidades anteriores — e sempre estribado num ensinamento preciso de Ascarelli31 —, que as ações das sociedades anônimas não conferem a seu titular propriamente um crédito — nem portam consigo um direito literal e autônomo nelas mencionado, conforme costumamos acrescentar para diferenciá-las dos títulos de crédito —, mas antes, com maior rigor dogmático, uma posição, isto é, um estado de sócio, do qual decorrem, por sua vez, uma série de direitos de natureza patrimonial32 e extrapatrimonial33 e, até mesmo, de obrigações, como as relativas ao pagamento das entradas das ações não-integralizadas.
Tal ensinamento,sem dúvida precioso, serve para mostrar que esses direitos e obrigações têm como pressuposto comum a ação e não os direitos que decorrem desse pressuposto como, por exemplo, o direito ao dividendo e os cupões das ações que o representam, materializados em documentos distintos.
Daí dizer Ascarelli, com o descortino habitual, que ela constitui um título de crédito ou título-valor, enquanto faculta a incorporação dessa posição num título que circula conforme as regras dos títulos de crédito, ou seja, transferindo um direito literal e autônomo; constitui, mais exatamente, um título de participação, enquanto — na categoria geral dos títulos de crédito ou títulos-valores — pode-se subdistinguir a subespécie dos títulos de participação, caracterizados justamente pelo fato de se prenderem à posição de membro de uma pessoa jurídica, ou seja, ao pressuposto, do qual, por seu turno, verificados eventualmente demais requisitos, decorrem direitos, poderes, obrigações diversas34.
Note-se, no entanto, que a ação da sociedade anônima, a par de tais conceituações — ora configurada como um título de crédito35, com função predominantemente circulatória, ora como um título de participação, com função de corporificar — como vimos, as várias espécies de direitos decorrentes da condição de acionista, ela é, ainda, um valor mobiliário, por expressa disposição legal.
Restaria indagar, então, quais seriam as principais conseqüências dessa categorização.
Já observamos que a afirmação de ser a ação da sociedade anônima um valor mobiliário36, por si só, não parece conduzir a uma grande conseqüência prática. E assim acontece porque não existe uma teoria geral dos valores mobiliários, isto é, um conjunto de princípios sistematizados e coordenados logicamente que poderiam ser aplicados às ações das sociedades anônimas.
Existem, na verdade, duas categorias distintas de valores mobiliários: uma primeira, a qual se aplicam as disposições da Lei n. 6.385/76 e demais normas da Comissão de Valores Mobiliários, cuja identificação decorre do art. 2º dessa lei; e uma segunda, de menor importância, por não se achar sujeita às regras fiscalizadoras da CVM.
É fora de dúvida que a ação da sociedade anônima se acha enquadrada na primeira dessas categorias. Poder-se-ia dizer, em última análise, que a importância prática está em identificá-la como valor mobiliário previsto no art. 2º da Lei n. 6.385 e não simplesmente como valor mobiliário.
Assim, as conseqüências de tal conclusão são as de que toda a disciplina normativa existente para o mercado de valores mobiliários — leis, decretos, resoluções, instruções, deliberações, pareceres de orientação da CVM etc. — aplica-se às ações das sociedades anônimas, como valores mobiliários que são sujeitos a tal disciplina.
Exemplificativamente, poderíamos dizer que o valor nominal das ações das sociedades abertas não poderá ser inferior ao mínimo fixado pela CVM; a distribuição de emissão no mercado depende de prévia autorização da CVM; só agentes autônomos e as sociedades com registro na CVM poderão exercer a atividade ou corretagem de ações fora da bolsa; nenhuma emissão pública de ações poderá ser feita sem prévio registro na CVM; aplicação à companhia que tenha suas ações negociadas na bolsa ou no mercado de balcão de numerosas normas legais e regulamentares e assim por diante.
Partes beneficiárias
Trata-se de um título polêmico e que teve a sua existência suprimida no Direito francês vigente. Segundo a definição do Prof. Philomeno J. da Costa, baseada no Decreto-lei n. 2.627, muito pouco diferente da lei atual nesse particular, as partes beneficiárias constituiriam:
Título de crédito sem valor nominal, representativo do direito a lucros de sociedade por ações, por esta emitido como remuneração de serviços prestados por fundadores, acionistas, terceiros ou como contraprestação de alguma operação social e resgatável no vencimento com fundos formados de parcelas dos lucros líquidos sociais.
Questão interessante em relação às partes beneficiárias diz respeito à ordem de preferência estabelecida pelo art. 190 da Lei n. 6.40437, merecedora da autorizada crítica do também saudoso Prof. Fran Martins que, a par de considerar verdadeira excrescência a sobrevivência desse título entre nós, asseverava ser injusta essa ordem para com os acionistas da empresa que ficaram em posição de desvantagem em relação aos titulares de partes beneficiárias38.
Já o Prof. Modesto Carvalhosa, mesmo compreendendo que a supressão desse título no Direito francês estivesse justificada pelo seu desuso na prática societária daquele país, entendeu compreensível a decisão do legislador pátrio em manter esse título de participação dentro de uma filosofia correta de abertura das possibilidades e dos mecanismos contratuais das empresas modernas, que, ao invés de suprimirem modalidades de negociação, devem, isto sim, ampliá-las39.
Debêntures
Para o Prof. Bulgarelli, as debêntures são títulos de crédito causais, representativos de frações de mútuo, com privilégio geral sobre os bens sociais ou garantia real sobre determinados bens, emitidos por sociedades anônimas, no mercado de capitais.
Parece não existir dúvida quanto à natureza jurídica da debênture: tanto para a doutrina nacional quanto para a alienígena são elas incluídas na categoria dos títulos de crédito, circulando no mercado de valores mobiliários como se fossem títulos cambiais ou cambiariformes.
Trata-se, como foi dito, de título causal, sendo o negócio jurídico subjacente à escritura de emissão. Se se trata de emissão de debêntures para distribuição no mercado — categorizando-se, por causa disso, como valores mobiliários — deverá constar dessa escritura de emissão a figura do agente fiduciário dos debenturistas, devendo existir a aprovação prévia da Comissão de Valores Mobiliários.
A função das debêntures é evidente. Constituem elas um poderoso instrumento para a capitalização das companhias.
O seu caráter público já houvera sido destacado por Carvalho de Mendonça40 :
Estando em jogo a ordem pública e a moral, todos os países têm mais ou menos reconhecido a necessidade de regular esses empréstimos mediante normas especiais, sujeitando-os a um regime de sincera publicidade para dificultar, senão impossibilitar, os ardis e as fraudes.
Exatamente por serem valores mobiliários, as debêntures estão sujeitas às disposições da CVM, que detém competência normativa sobre vários aspectos, podendo mencionar-se, exemplificativamente, as seguintes:
— para fixar os limites para a emissão de debêntures negociadas em bolsa ou no balcão, ou a serem distribuídas no mercado (art. 60, § 3º);
— para aprovar padrões de cláusulas e condições que devam ser adotados nas escrituras de emissão, recusando a sua admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões (art. 61, § 3º);
— para estabelecer as normas sobre as atividades desenvolvidas pelo agente fiduciário dos debenturistas (art. 66 e §§);
— para convocar a assembléia de debenturistas (art. 71, § 1º);
— para autorizar a negociação, no mercado de capitais do Brasil, de debêntures emitidas no exterior (art. 73, § 4º).
Bônus de subscrição
Semelhantemente ao conhecimento de depósito e respectivo warrant — títulos xipófagos como a doutrina brasileira costuma os designar sugestivamente — eram os bônus de subscrição previstos pelo art. 44 e parágrafos da já citada Lei do Mercado de Capitais41, podendo o titular da debênture conversível, da qual originaram-se os bônus, subscrever as ações a que tinha direito desde que apresentasse, simultaneamente, o cupão respectivo.
A não-apresentação do cupão significava a presunção de que o mesmo houvera sido negociado, autonomamente, conservando o titular da debênture apenas o direito de receber o crédito nela correspondente, enquanto o direito de subscrição de novas ações foi por aquele alienado a terceiro.
Foram os bônus de subscrição definidos pela própria Lei n. 6.404 (art. 75 e §): São títulos negociáveis que conferirão aos seus titulares, nas condições constantes docertificado, direito de subscrever ações do capital social da empresa.
Certificados de depósito em garantia
A propósito deles, diz-nos a Exposição de Motivos:
O art. 43 cria certificado de depósito de ações, da mesma natureza do conhecimento de depósito em armazém geral: é título emitido por instituição financeira, representativo de valores mobiliários por ela mantidos em depósito e que deverá substituir, na legislação em vigor, os certificados de depósito em garantia, regulados pelo art. 31 da Lei n. 4.728. O regime legal é o mesmo do conhecimento de depósito em armazém geral, com os ajustamentos da diversidade de natureza dos bens objeto do depósito.
Como atrás já foi frisado, a relação dos valores mobiliários hoje existente no direito pátrio não se esgota nos títulos retromencionados, tendo sido criados, posteriormente à Lei n. 6.385, os Direitos de Subscrição de Valores Mobiliários, os Recibos de Subscrição de Valores Mobiliários, as Opções de Valores Mobiliários, os Certificados de Depósitos de Ações e as notas promissórias emitidas por sociedade por ações, destinadas à oferta pública, conhecidas no mercado por commercial papers, além dos contratos de parceria agrícola — ordinariamente designados como investimentos em boi gordo —, tudo sob a fiscalização e controle da Comissão de Valores Mobiliários42.
III - Principais conclusões
As bolsas de valores, de um lado, e os valores mobiliários, de outro, representam eficiente mecanismo de desenvolvimento da atividade empresarial. Há necessidade de dotar a CVM da mais poderosa infra-estrutura de recursos materiais e humanos para o exercício da fiscalização e do controle de nosso mercado de valores mobiliários. Plasmada que foi à imagem e semelhança da Securities Exchange Comission norte-americana — que tão relevantes serviços tem prestado ao mercado bursátil daquele país — a nossa CVM, em que pese o meritório e assinalado esforço até aqui desenvolvido para a moralização de nosso mercado, não dispõe ainda do aparelhamento necessário para o pleno desempenho de seu inafastável papel.
Cabe ao Poder Judiciário, também, dar uma significativa contribuição para que se ponha cobro aos abusos que, infelizmente, são muito amiúde cometidos em nosso mercado. É costumeiro que muitos administradores mal-intencionados, ao se acharem sob a fiscalização da CVM, batam às portas da Justiça Federal para, em nome de um pretenso direito à indevassabilidade de seus negócios, venham a obter liminares impedindo aquela entidade fiscalizadora de recolher as provas de sua conduta ilícita.
Aos magistrados caberá, então, com o necessário e permanente cuidado, avaliar a necessidade de que tal fiscalização seja efetiva e eficazmente realizada, sem que legítimos interesses de sigilo empresarial possam estar sendo eventualmente violados.
Aqui — talvez mais do que nunca — seja imprescindível a utilização da prudentia com que os romanos distinguiam o justo do injusto e que tão bem souberam buscar na frônessis grega. Muito mais do que as tecnicalidades do processo civil, que tanto parecem empolgar a todos, juizes e tribunais deveriam sempre praticá-la.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
 
1 Cfr. W. Warburton, Divine Legation, Livro V.
2 Cfr. Direito Empresarial, A reforma da empresa, Saraiva, p. 4 .
3 O Prof. Modesto Carvalhosa acentuou, em palestra pronunciada no Simpósio sobre Valores Mobiliários, igualmente organizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, realizado na cidade de Porto Alegre, em novembro do ano passado, o caráter eminentemente voltado à política econômica do governo brasileiro em relação à nossa Lei de Sociedade por Ações, ao contrário do que sucede, por exemplo, em países como a Inglaterra e os Estados Unidos da América nos quais inexiste essa função na lei acionária. E em sua clássica obra, tantas vezes citada no decorrer desta nossa exposição (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, Ed. Saraiva, volume 1, Introdução à edição de 1997), o ilustre professor é enfático a respeito: tal retrocesso demonstra mais uma vez a persistência e aprofundamento do perfil institucional da lei societária, sempre a serviço das macropolíticas governamentais do momento. No caso presente, sua política está voltada a atender à implantação de um Estado neoliberal. Some-se a esse tatcherismo tropical a tendência sempre demonstrada pelos controladores e suas entidades de classe, contrários ao procedimento de eqüidade representado pela oferta pública.
4 Foram as Resoluções n. 16, 26, 106 e 176, do Conselho Monetário Nacional, que disciplinaram essa matéria, estabelecendo condições mínimas para a categorização de sociedade de capital aberto.
5 O inc. II dessa Resolução estabeleceu que continuaria a prevalecer a definição de companhia aberta, contida no item I da Resolução n. 436, de 20 de julho de 1977, até que a Comissão de Valores Mo biliários regulamentasse o art. 21 da Lei n. 6.385, de 07 de dezembro de 1976.
6 Editora Revista dos Tribunais, 1970, p. 1.
7 Cfr. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, edição Saraiva, 1997, vol. 1, p.32.
8 Cfr., a respeito, a importante listagem feita pelo Prof. Carvalhosa (ob. cit., p.32/33) dos vários artigos da Lei n. 6.404 que estabelecem disciplina estatutária especial para as companhias abertas.
9 Para o exame dos vários critérios distintivos da grande e da pequena companhias, cfr. o clássico estudo de Giovanni Balbi, in Rivista delle Società, Giuffrè, Milão, jan./abril de 1964, p. 86 e ss.
10 Ob. cit., p.37, baseando-se no art. 1º da Resolução n. 1.656, de 26 de outubro de 1989, do Conselho Monetário Nacional, alterada pelas Resoluções n. 1.760, de 31 de outubro de 1990 e 1.794, de 27 de fevereiro de 1991.
11 As bolsas oficiais de valores são órgãos auxiliares dos poderes públicos, na fiscalização dos lançamentos de emissões de títulos, por subscrição pública.
12 Tratado de Direito Privado, tomo LII, p. 222.
13 Idem, p. 228/229.
14 A primeira Resolução do Conselho Monetário Nacional sobre a matéria foi a de n. 39/66. Seguiu-se a de n. 922/84. Posteriormente, foi editada a já citada Resolução n. 1.656/89, alterada pelas de n. 1.760/90 e 1.794/91.
15 Cfr.Trattato di Diritto Commerciale, 5ª edição, vol.III, p. 63/64.
16 Cfr. Aspectos da Teoria Geral dos Títulos de Crédito, Editora Pioneira, 1979, pp. 36/37.
17 Cfr. Títulos de Crédito, Ed. Atlas, 9ª edição, p. 94.
18 Revista de Direito Mercantil, Nova Série, Ano XIX, n. 37, janeiro-março de 1980, p. 94 e ss.
19 Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, publicada pela Revista dos Tribunais, 1985, p. 151 e ss.
20 Conforme art. 1º da Resolução n. 1.907, de 26 de fevereiro de 1992.
21 Conforme art. 1º da Resolução n. 1.723, de 27 de junho de 1990. Tendo o art. 3º dessa Resolução autorizado a Comissão de Valores Mobiliários a baixar normas complementares a respeito da matéria, foi editada a Instrução n. 134, de 1º de novembro de 1990, que traçou normas pormenorizadas sobre os commercial papers.
22 Cfr. Medida Provisória n. 1.637, de 08 de janeiro de 1998, que dispôs sobre a regulação, fiscalização e supervisão dos mercados de títulos ou contratos de investimento coletivo, tendo o art. 1º estabelecido o seguinte: Constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Tendo o § 3º do art. 1º dessa Medida Provisória outorgado poderes à Comissão de Valores Mobiliários para regulamentar a matéria, esta editou a Instrução CVM n. 270, de 23 de janeiro de 1998, dispondo sobre o registro de companhia emissora de títulos ou contratos de investimento coletivo e a Deliberação CVM n. 238, da mesma data, requisitando informações às sociedades lançadoras de títulos ou contratos de investimento coletivo.
23 Cfr. Il titolo di credito,Torino, 1965, p. 36 e ss.
24 A afirmação do texto principal baseia-se na seguinte circunstância: na década de 30, De Kock assinalava serem apenas três os países de importância que ainda não possuíam um Banco Central: a Venezuela, a Irlanda do Norte e o Brasil. Até a década de 60 aqueles dois outros países criaram o seu Banco dos Bancos, sendo que o Brasil só viria a fazê-lo em 1964, com a Lei n. 4.595, retromencionada. Anote-se que, antes do advento dessa lei, o país possuía, apenas, um embrião de Banco Central, representado pela extinta Superintendência da Moeda e do Crédito - SUMOC, que funcionava junto ao Banco do Brasil. Mas as funções que essa entidade desempenhava estavam muito distantes das que eram próprias de um Banco Central.
25 Já se aludiu, com freqüência, ao aspecto de constituir-se a Lei n. 4.728 numa verdadeira colcha de retalhos, posto que a mesma regulou matérias bastante diversas entre si, como, por exemplo, letras de câmbio ao portador (vide, adiante, nota de rodapé n. 26) com cláusula de correção monetária, ações e obrigações endossáveis, debêntures conversíveis em ações, sociedades anônimas de capital autorizado, sociedades e fundos de investimento, contas-correntes bancárias, alienação de ações das Sociedades de Economia Mista, alienação fiduciária em garantia etc.
26 Como é sabido, longa polêmica estabeleceu-se no país sobre a matéria, a partir do reconhecimento pela nossa mais alta Corte de Justiça, em 1971, de que vigoravam entre nós as Leis Uniformes, decorrentes das convenções genebrinas, nas quais não se admite a existência de letra de câmbio ao portador. Mas, ao tempo da edição da Lei n. 4.728, de 1965, vigorava no Brasil o nosso antigo Decreto n. 2.044 (a chamada Lei Saraiva), que previa a possibilidade de serem as letras de câmbio emitidas sob a forma ao portador. O impasse veio a ser solucionado — e muito adequadamente — pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que considerou as letras emitidas pelas Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento como válidas, em observância à Lei do Mercado de Capitais, posição que fora defendida, com descortino, pelo Prof. Lélio Candiota Campos e pela Consultoria-Geral da República.
27 Deve-se ao saudoso e inesquecível Prof. Sylvio Marcondes a construção jurídica que propiciou a emissão das letras de câmbio com cláusula de correção monetária, em obra que marcou época para os estudiosos da matéria : O aceite bancário, publicado originalmente em 1959 e republicado em Problemas de Direito Mercantil, 2ª tiragem, 1970, Ed. Max Limonad, p. 249 e ss.
28 Com razão, assim, Marcos Paulo de Almeida Salles, in Comentários à Lei das Sociedades por Ações, vol. 3, co-edição do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Editora Resenha Universitária, 1980, p. 18.
29 Cfr. art. 3º, inc. I, da Lei n. 6.385/76.
30 Por iniciativa do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, tivemos a oportunidade, em novembro do ano passado, no Simpósio realizado na cidade de Porto Alegre, de discorrer especificamente sobre a ação da sociedade anônima, detendo-nos um pouco mais sobre a função e sobre a natureza jurídica da ação. Permitimo-nos, pois, nessa oportunidade, valermo-nos fundamentalmente das considerações tecidas naquela oportunidade.
31 Cfr. Appunti di diritto commerciale, vol. II, 3ª edição, Roma, 1936 e, também, Teoria Geral dos Títulos de Crédito, Saraiva, 1943. p. 185.
32 Como, por exemplo, o de receber dividendos. Também poderiam ser considerados como direitos patrimoniais: o de preferência na subscrição de novas ações, nos aumentos de capital ; o de participar do acervo da companhia em caso de liqüidação desta; e, ainda, o de possuir co-propriedade nas reservas da sociedade.
33 Como o de votar e o de ser votado na assembléia geral. O direito à informação e o de fiscalização dos negócios sociais, na forma prevista em lei, também seriam direitos de natureza extrapatrimonial.
34 Cfr. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, Saraiva, p. 341.
35 Sempre defendemos, na verdade, que as ações nominativas da sociedade anônima — por lhes faltarem os requisitos da cartularidade, da literalidade e da autonomia — não poderiam ser consideradas títulos de crédito. Com o advento, entre nós, da Lei n. 8.021, de 1990, foram extintas as ações endossáveis e as ao portador, permanecendo apenas as nominativas. Chega-se à conclusão, então, de que a ação da sociedade anônima no Direito brasileiro, não pode, rigorosamente falando, ser considerada um título de crédito, segundo a concepção tradicional dessa categoria especial de documentos. Lembramos, a propósito, que o saudoso Prof. Philomeno Joaquim da Costa (Anotações às Companhias, vol. I, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980. p. 202), após identificar que a ação da sociedade anônima brasileira seria, em principio, considerada um título de crédito, tanto na concepção italiana quanto na brasileira, afirma, com inteiro acerto: Contudo, se a transferência depende de registro nos livros sociais, transferindo-se mesmo os seus direitos sem a exibição do papel (ação), este já não é mais o documento necessário para o exercício de um direito literal e autônomo que nele se contém, citando, em nota de rodapé, o Prof. Theophilo de Azeredo Santos (...) que assim se expressara: incluir as ações nominativas entre os títulos literais, completos ou formais, abstratos e constitutivos de crédito é, a nosso ver, erro palmar. E conclui, nessa mesma nota, o Prof. Philomeno: Está certo.
36 Estamos quase de acordo com o Prof. Philomeno J. da Costa quando ele, baseado em Georges Ripert e René Roblot, tece as seguintes considerações sobre os valores mobiliários: valor mobiliário é o título de crédito negociável, representativo de direito de sócio ou de mútuo a termo longo, chamado também título de bolsa. É expressão francesa tipicamente pragmática; não possui característica científica; talvez se possa ressaltar nessa categoria a particularidade de que instrumentaliza a busca de uma renda pelo seu titular; é essencialmente negociável. A classe, para se ter uma sua visão geral, opõe-se aos outros títulos de crédito categorizados como efeitos de comércio, outro galicismo jurídico, a traduzir os papéis criados pelo comércio para ensejar a realização das suas operações; são normalmente negociáveis, traduzindo um crédito a termo curto. (ob. cit., p. 111 e 112). Como já foi dito, temos que os valores mobiliários não são, necessariamente, títulos de crédito, já que são dois sistemas inteiramente distintos, não obstante as suas analogias e correspondências. Não existe, para nós, relação de gênero e espécie entre os valores mobiliários e os títulos de crédito, ao contrário do que sustentou o Prof. Philomeno, como se vê na seguinte passagem: Constitui um equívoco conceitual a distinção entre título de crédito e valor mobiliário existente no disposto pelo inc. I do art. 183, como já se viu. Ali se dispõe, a propósito de critérios de estimação para balanço, que o custo ou cotação no mercado, se este menor, fixarão registros dos direitos e títulos de crédito e quaisquer valores mobiliários não classificados como investimentos". Se os últimos representam espécie (nota 1, letra f) dos outros, a referência a este traduz também qualquer valor mobiliário (ob. cit. p. 203, nota n. 12).
Na nota 1, letra f, referida pelo citado professor, está afirmado o seguinte (ob. cit., p. 197): Quanto à classificação dos títulos de crédito pelo seu maior ou menor período de tempo da sua existência (valores mobiliários e efeitos de comércio), repete-se que ela não tem valia teórica alguma (v. anot. 1 ao art. 4º). E, por sua vez, nessa última anotação, vamos encontrar o texto da p. 111, pouco acima transcrito.
37 Diz esse artigo que as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada.
38 Cfr. Comentários à Lei de Sociedades por Ações, Forense, vol.I, p. 280/281, onde se lê: há uma evidente injustiça em relação ao direito dos acionistas quanto à participação desses nos lucros, pois os dividendos distribuíveis só serão calculados depois de, apurado o lucro líqüido, que é o resultado do exercício que remanescer após efetuadas as deduções acima analisadas, serem feitas deduções relativas ao fundo de reserva legal, e constituídas as reservas estatutárias, as reservas para as contingências, se houver, a retenção de lucros, quando deliberada, e as reservas de lucros a realizar. Só então se pensará em remunerar o acionista, que concorreu com capital para a existência da sociedade, enquanto que os beneficiários terão os seus direitos assegurados, e em maior proporção, depois de, apenas, terem sido feitas provisões para o pagamento do imposto sobre a renda, deduções relativas à participação de debêntures nos lucros sociais e as relativas à participação de empregados e administradores, quando assim dispuser o estatuto. O sentido protecionista da lei para com os portadores de partes beneficiárias é evidente.
39 Ob. cit., volume 1, p. 355.
40 Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. IV, p. 99.
41 Dispunha o § 8º desse artigo que o direito à subscrição de capital poderá ser negociado ou transferido separadamente da debênture conversível em ação, desde que seja objeto de cupão destacável ou sua transferência seja averbada pela sociedade emissora no próprio título e no livro de registro, se for o caso.
42 Por razões de tempo e de espaço, estaremos reservando nossa exposição sobre esses novos valores mobiliários para futura oportunidade.

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