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MÁGOA E MELANCOLIA: POSSIVEL ELABORAÇÃO Cristina Maria Cortezzi Reis*1 (Rimbaud) Inútil beleza A tudo rendida, Por delicadeza Perdi minha vida. Ah! Que venha o instante Que as almas encante. 2 1 Membro Associado da SBPSP Mestre em Psiclologia Clinica pela PUCSP Prof convidada Pós graduação UNIVAP E UNISAL 2 Rimbaud, A. “Canção da mais alta torre” [fragmento], in Campos, A. Rimbaud livre. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 43. Nota da autora. Resumo Este trabalho apresenta correlações teórico-clinicas sobre uma possível elaboração de feridas narcísicas. O relato clínico ilustra o funcionamento mental mobilizado por pulsões de morte que a levaram a tentar suicídio. O jeito melancólico a mantém presa ao passado, impossibilitando-a de transigir e seguir avante em seu desenvolvimento. Seu prazer aparece associado a ataques a si mesma, aos objetos, inclusive à própria analista, como uma maneira de se vingar e triunfar. Palavras chave: melancolia, ferida narcísica, elaboração, pulsão de morte. Vestida de marrom, cabelos presos, trazendo na face uma expressão de tristeza, parecia não ter dialogado com o espelho antes de vir para a sessão. Recém-saída de uma internação, Maysa disse que havia tentado o suicídio há um mês. Era sua segunda tentativa. Inicia sua fala referindo-se ao marido: Ele foi embora, aquele desgraçado, eu queria ter me matado no dia do aniversário dele, porque assim todos os anos ele seria obrigado a se lembrar de mim. Dizia isso, inclinando a cabeça para trás, num tom de súplica, duas oitavas acima do que suponho ser o tom normal de sua voz. Ao longo da conversa, fui percebendo que ela não tinha outra fala e que talvez fosse essa sua forma habitual de se comunicar. Essa voz alterada, de alguma maneira, denunciava uma instabilidade emocional; era evidente seu ar melancólico. No lugar do luto pela perda, demonstrava estar identificada com o ‘morto’. A sua subjetividade ficava assim esvaziada. Desde que o marido havia saído de casa, Maysa estava obcecada pela idéia da morte, pois somente assim ele lhe daria valor; e com sua voz aguda falava: Peguei horror dele, pois nesses 20 anos ele aprontou muito pra mim. Passamos uma vida brigando, mas na cama era bom. Ele me submetia e vivia me fazendo propostas absurdas de relação sexual; alguma coisa eu fazia para agradá-lo, e assim mesmo ele estava sempre de mau humor. Maysa chorava muito, e a imagem que me ocorria era de um pano de chão encardido imerso num balde de água, o que me levou a dizer: você parece estar encharcada, mergulhada num balde de mágoas. Ao ouvir essas palavras, soltou os cabelos que estavam presos por um elástico, sacudiu a cabeça, e aproximou-se de mim com o olhar fixo, parecendo haver emergido das águas turvas. A luz do abajur refletida em seu rosto revelou nesse instante uma expressão incomum: olhos meigos, uma pele alva e fina; com um leve sorriso, disse: é assim que me sinto. Tive a impressão de que se sentiu compreendida, de ter se livrado de sua máscara sofrida, transformando-se subitamente numa linda mulher. Ao perceber essa mudança, disse-lhe: você sabe que é uma mulher bonita? Sorriu para mim meio desconcertada, falando com a voz meiga e suave: eu já havia até me esquecido disso. Passaram-se segundos e sua cabeça inclinou-se novamente para trás, seu pescoço fundiu-se com o rosto, e a primeira mulher surgiu num tom indignado: ele nunca me deu nada, só me fez sofrer; nunca me deu carinho, eu odeio este homem, eu não quero ele aqui. A única coisa que exigi foi um túmulo para mim, que já está pronto, pelo menos isso é só meu. Eu não quero nem ele enterrado junto comigo – já avisei – ele que procure outro lugar. Minha sogra me humilhou dizendo que eu não tinha onde cair morta. Bem, agora eu tenho. As feridas causadas pelas humilhações sofridas causaram um rombo em seu amor-próprio, provocando assim uma fúria narcísica. A exemplo do que descreve Kohut: A necessidade de vingar-se, de reparar uma afronta, de desfazer uma ofensa a qualquer custo, e a compulsão inexorável, profundamente enraizada, de perseguir todos esses objetivos e que não dá sossego àqueles que sofreram uma ferida narcísica – esses são os aspectos característicos da fúria narcísica em todas as suas formas e que a distinguem das outras espécies de agressão.3 A amargura parecia ser um soro que alimentava suas veias enfraquecidas. Apontando o braço, perguntou: você sabe o que é isto aqui? Mostrou um buraco na pele entre o braço e o antebraço: minha mãe pisou com o salto do sapato. Jorrou sangue e ela nem ligou, foi uma vizinha que me socorreu. Já fugi de casa quando moça, pois ela espancava a gente. Fugi de uma mãe cruel e peguei um homem igual. Pior é que quando eu estava internada, eu só chamava por ele, só dizia o seu nome. Minha mãe deixou meu pai quando a gente era criança. Ela me disse que ele a traiu; quando cresci, fui procurá-lo e ele falou que ela foi quem o traiu; agora não sei mais em quem acreditar. Se olharmos para a seqüência de sua fala, Maysa inicia falando da mãe, passa para o marido e volta para a mãe. Essas associações convidam a perceber como os fios marido-mãe se Maysa estava obcecada pela vingança. Mesmo sem se dar conta de que lamentava a perda de si mesma, da mulher que fora, portadora de sonhos e ideais, não desistia de seu plano vingativo. Seu ressentimento era pelo que se deixou transformar. Havia um quase-prazer em exibir o pior de si mesma. Apresentava-se a mim desprovida de valor, incapaz de qualquer realização construtiva, não se inibindo em mostrar-se como um ‘trapo’, como se quisesse dizer: olha só em que estado ele me deixou, sinto-me injustiçada. Não havia propriamente uma auto- recriminação, como comumente ouvimos nos pacientes melancólicos. Falava de si e do ex-marido com ironia, mostrando um prazer em debochar, destilando veneno em suas palavras. 3 Kohut, H. “Reflexões acerca do narcisismo e da fúria narcísica”, in Self e Narcisismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 100. tramam. Estaria aí uma das raízes do ressentimento, na sua relação com a mãe. Segundo Violante: A potencialidade melancólica é determinada por múltiplos fatores: constitucional, disposicional e advindo de experiências de vida na infância. [...] Entendendo-se por narcisismo, o amor de si, enquanto o amor materno leva a criança a investir no próprio Eu, para depois investir no Eu do outro, a rejeição materna conduz o sujeito a subestimar- se e, conseqüentemente, a pouco estimar o outro, ainda que o idealize e que dele dependa para ter referências de si.4 4 Violante, M. L. V. “Introdução”, in A criança mal-amada: estudo sobre a potencialidade melancólica. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 10. O pensamento da autora confirma que os sentimentos vividos na relação com a mãe, fundamental para a constituição do narcisismo, deslocam-se para outros. Compartilha do pensamento freudiano, no qual a mulher tende a repetir com o parceiro, o mesmo padrão de relacionamento materno. A crueldade da mãe, descrita por ela era quase inacreditável, mas era assim que sentia sua história. E embora se sentisse vítima de todos, não se dava conta de que exercia muito bem sua crueldade comigo, ao me manter ocupada com ela, como se estivesse correndo risco de vida e coubesse a mim a responsabilidade de cuidar da vida dela. Havia sim certo prazer em fazer ou falar de suas “artes”,provocando apreensão por parte de todos. Ela estancou e ali ficou, enroscada nas queixas, instando-me a vela como uma pobre coitada. Havia uma demanda afetiva, mas era raro sentir compaixão por essa mulher se apresentando assim tão depauperada. O ressentido provoca o que não quer, e acaba por não receber o que mais precisa. Marido-mantra Reclamei baixinho Dei para maldizer o nosso lar Pra sujar teu nome, te humilhar E me vingar a qualquer preço Te adorando pelo avesso5 Até provar que inda sou tua. 6 5 Grifo meu. 6 Holanda, Chico B. e Hime, F. “Atrás da porta” [fragmento]. Letra e música. Nota da autora. (Chico Buarque) Como um ‘mantra’ que era cantado reiteradamente, Maysa voltava a falar do marido. Ele quer voltar para casa, agora eu é que não quero, pois não o suporto, não quero vê-lo nem pintado; tenho vontade de pegar uma faca e cortar esse homem em pedacinhos, sorri. Sorrimos e ela se desarmou. Pude então dizer que agora é ela quem não quer, é ela a ativa nessa história. A atividade do feminino parecia ter sido construída como uma oposição, com um formato agressivo da identificação com o agressor. Esta identificação coloca-a na condição de autora, mesmo tendo que custear e alimentar o rancor. Soltar o ódio seria perder a forma, a faca pontiaguda, que corta para não ser cortada, sendo esta sua defesa, matar para não morrer, morrer para matá-lo. Este é um exemplo típico do ressentimento potencializado, levado às suas últimas conseqüências. Maysa dizia não querer abrir mão do ódio, pois não queria perder a força. Odiar era a maneira que encontrou para se sentir potente, quando na realidade, não se via suficientemente forte para se auto bastar, para soltar o objeto. Embora existisse o sentido defensivo de não esquecer para não voltar a sofrer, o que mais afetava Maysa era o amor-próprio ferido, e pensava que somente com a vingança iria se restabelecer. Algumas vezes, trouxe uma imagem de como se via: eu me sinto amarrada, acorrentada viva no fundo do mar. Ao ouvir essa descrição, uma cena do filme “O Piano”7 se descortinou: o momento em que o piano é jogado ao mar, a personagem, Ada, enrosca seu calçado na corda presa ao instrumento e afunda com ele. Sua forte ligação com o piano havia sido o meio de se comunicar com o mundo externo; vivia calada, presa de um casamento arranjado, com um marido brutal que não acolhia sua música. Surgiu então um novo homem em sua vida, com sensibilidade, despertando-a para o erotismo. Poderia Ada sentir-se viva, novamente desejada? Decidiu assim romper com esse passado sofrido, abandonando a ilha da amargura. Nessa travessia rumo ao mar aberto, ela momentaneamente sucumbe, colocando-nos diante do trágico, chocante. Por um segundo, Ada quase morre. Para alívio de todos, ela solta a bota, desprende-se do piano-mãe, sai do útero-mar e emerge rumo ao novo, à alteridade. A menina pré-edipiana tem que fazer uma bifurcação em seu desenvolvimento, separando-se da mãe rumo ao pai, ao mesmo tempo em que permanece ligada a ela, ao narcísico do mundo materno. Soltando o piano-ódio Coincidência oportuna foi encontrar o texto de uma psicanalista, que discute o ressentimento, tomando esse filme como metáfora: [...] Só na morte, recusa da vida, é que Ada (personagem principal do filme) investe com vigor; o suicídio, freqüentemente, é a grande vingança dos ressentidos. [...]; [...] o ressentido vive a repetição de um gozo, presa da pulsão de morte, ao invés de “consumir- se rapidamente” nos variados prazeres possíveis, na dinâmica das pulsões de vida.8 7 Filme dirigido por Jane Campion, 1992. Nota da autora. 8 Kehl, M. R. “Desejo e liberdade: a estética do ressentimento”, in Bartucci, G. (org.). Psicanálise, Cinema e Estética de Subjetivação. Rio de Janeiro: Imago, 2000, p. 221-222. Maysa, apesar de ter sobrevivido, ainda não se soltou de sua bota-marido-ódio, não se desprendeu do desejo de morrer. Certo dia veio toda produzida, saia curta, blusa preta decotada. Surpreendi-me ao vê-la sorridente e sensual, passando a impressão de ter ressuscitado do balde, parecendo outra mulher. No entanto, à medida que foi falando, resgatou a gata borralheira; sua voz mudou de tom e, tirando um papel da bolsa, disse: rodei as farmácias para ver se vendiam sem receita esses remédios, para poder tomá-los novamente. Estava, pois, vestida para matar; matar também nossas esperanças de resgatá-la para a vida. Esta ambivalência vida-morte provocava impacto, um misto de medo e raiva; talvez ela estivesse sondando minha reação, procurando minha indignação, querendo saber se de fato me importava com ela. Melancolia, histeria... Ressentimento Quer matar-se e entregar-se!/ Quer matar, em fúria louca! Vingar-se de coisa pouca... / descrente, descrente!... sentindo-se rejeitado, / a custo cumpre seu fado. E mente, mente! / Espírito enfraquecido, doído... Quer amar, ser convencido / por alma gêmea diferente, Que sente, sente! AMOR!9 “A tendência do melancólico para o suicídio torna-se mais compreensível se considerarmos que o ressentimento do paciente atinge de um só golpe seu próprio ego e o objeto amado e odiado” Maysa começava a se indagar: por que ando de mãos dadas com a morte, não é comum alguém comprar um jazigo e ficar feliz. Ao mesmo tempo em que havia algo de histriônico em sua fala, seus gestos, seu tom de voz, suas atitudes levavam-me a pensar em aspectos melancólicos. 10 9 Martins, L. B. Disponível em http:// , diz Freud. De fato, isso parece ter ocorrido com Maysa. Menezes complementa: www.blocosonline.com.br/literatura/poesia. [Acessado em 16 de nov. de 2001.] Nota da autora. 10 Freud, S. “A teoria da libido e o narcisismo”, in Obras Completas, op. cit., vol. XVI, p. 498. Na melancolia, como na neurose obsessiva, a ambivalência em relação ao objeto é muito acentuada. O amor pelo objeto se satisfaz sob um modo arcaico pela incorporação do objeto, ou seja, pela identificação narcísica, enquanto o ódio se volta para o próprio eu, cindido entre uma parte que se compraz em atacar e a outra em ser atacada.11 O que observamos em geral é a voracidade e a impaciência (em relação ao self- objeto especular e ao idealizado), a projeção paranóide desenfreada, a fúria destrutiva como reação às feridas narcísicas e, diante dos fracassos e perdas irremediáveis, a melancolia. O ódio circulava, ora contra o marido ora contra si mesma, e só recentemente, Maysa passou a considerar a perda. Rememorou as árvores que ela e o marido plantaram juntos, os domingos em família e o vazio que ficou na casa. Mas o que ressalta nela são os ataques a si mesma, como forma de atingir alguém; no caso, seu alvo vem sendo a análise. Venho insistindo para que faça um controle medicamentoso, mas ela faz uma espécie de birra, dando desculpas, adiando essa ida ao psiquiatra como se fosse uma necessidade minha e não dela. Com isso, garante minha preocupação de que ela não tente o suicídio novamente, como se estivesse pedindo que eu zelasse por sua vida. Foi essa a maneira que encontrou para viver intensamente seus temores, como se quisesse me ver ocupada todo o tempo consigo, inclusive nos finais de semana . Figueiredo ao tratar do “adoecimento narcísico com ênfase na unidade”, diz: 12 Na semana seguinte, como quem compartilha um segredo ou uma travessura, contou-me que já havia conseguido uma boa parte dos remédios, que estava arquitetandoHavia sim uma ausência de limites, e sua voracidade, sua fúria insaciável eram vividas na relação analítica, como se quisesse manter um domínio total mesmo na ausência. Maysa carregava um ‘mal’ com o qual não sabia lidar, pois, ao mesmo tempo em que lhe causava sofrimento, era sua história, sua memória. Na medida em que se configurava, este ‘mal’ – ora o marido, ora a sogra, ora a própria análise – adquiria forma e ficava sob controle, ainda que intercalado por recaídas. 11 Menezes, L. C. “O ódio e a destrutividade na metapsicologia freudiana”, in Fundamentos de uma clínica freudiana. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001, p. 149. 12 Figueiredo, L. C. “Transferência, contratransferência...”, in Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea, op. cit., p. 150. sua morte caso ela não conseguisse melhorar. O recado era para mim. Interpretar essa atitude desarmou-a, levando Maysa a, finalmente, a aceitar ajuda médica. Passado algum tempo, iniciou novo relacionamento, vivendo-o, entretanto, como uma maneira de rivalizar com o ex-marido. Contava-me sobre seus encontros furtivos com este homem, porém se expondo a situações de risco. Ao ouvir o relato de suas ‘façanhas’, novamente percebo uma expressão pueril de menina inconseqüente, o que me sugere algo próprio de um funcionamento de tipo histérico. Entretanto, está tentando sair dessa condição, trazendo esperanças. Expressa o desejo de rever o que passou e de começar uma vida nova, embora a vontade de se comprometer com sua história não seja explicitada. Havia consciência do mal que o rancor lhe fazia, porém a necessidade de atacar ainda era maior. Principalmente, o ex-marido. Às vezes, até ela mesma ria dos apelidos que colocava no ‘falecido’. Num determinado dia, trouxe-me um pequeno texto, pedindo que eu prestasse atenção ao que estava escrito: Sem o perdão, o monstro do seu passado eclodirá em seu presente e controlará seu futuro.Qual é a melhor forma de enfrentar um inimigo? É perdoá-lo.A palavra-chave para perdoá-lo não é tentar perdoá-lo, mas compreendê-lo.Ao compreendê-lo, você o perdoa. Se o perdoar, ele morre dentro de você e renasce de outra forma. Caso contrário, seu inimigo dormirá com você.13 Alguém, que recebeu uma injúria e ficou sem possibilidade de defesa, vive uma dor, que sem o devido escoamento deixa como resíduo um constante ruminar pela Embora existissem lampejos de compreensão, de tentativas de elaboração das perdas e danos sofridos, haviam aspectos bastante regredidos amarrando seu progresso. A imagem de si mesma, o sentimento em relação a sua vida, era como se tudo estivesse estragado, sem possibilidade de restauração. A elaboração exigiria uma condição de ser capaz de suportar que perdeu. Perdeu algo que ode ter sido sentido como bom, e que sua história não transcorreu como havia sonhado ou idealizado. Seria retirar o olhar do passado e aí sim, poder transigir e seguir adiante. Acompanhar a linha do tempo, e voltar os olhos para o que ainda pode conquistar. Podemos nos perguntar, qual o sentido de guardar tanta mágoa? 13 Poema de Augusto Jorge Cury. Nota da autora. humilhação sofrida. Assim, a mágoa ou o ressentimento podem ser finalmente pensados como uma dor que permanece na memória, e que, transformados em rancor, podem levar à vingança. Como resistência, ocorre na medida em que há fixação no outro, no contemplar as faltas, contabilizando as ofensas. Neste caso, o olhar acusador impede a responsabilidade pelo ocorrido, obrigando o ressentido a evadir-se como sujeito. Quando não há um sujeito, existindo apenas uma vítima ressentida, então não há possibilidade de mudança. À medida que ocorre impedimento em viver a dor da perda, o ressentimento permanece alicerçado numa sensação de injustiça, favorecendo o estabelecimento da mágoa. O não abrir mão de seus direitos de vítima torna-se a última vantagem do ressentido, pois que, ao utilizar-se da percepção de que perdeu algo, vai ter que se haver com a elaboração de um luto. Ainda como defesa, o ressentimento impede que o indivíduo esqueça o dano. Lembrar o sofrimento seria um recurso para não recair. Como defesa narcísica, ele age com fins de triunfo, enquanto gera sentimentos de superioridade. No sentido masoquista, o ressentimento provoca sofrimento em quem o sente, possibilitando assim, ao ressentido, o aplacar das próprias culpas. O ressentimento, quando visto como um mal necessário, pode também ser pensado como uma maneira de proteger o indivíduo de uma ruptura psíquica. O ser humano é feito de histórias e memórias, pois essas referências lhe conferem um lugar no mundo. E, se lhe tiram essa condição, cai num vazio. Nesse sentido, esse ‘remédio’ tem uma função defensiva, ou seja, é preferível morrer lentamente de um sofrimento conhecido, do que se deparar com o inaudito. Para algumas pessoas, o rancor é tudo que lhes resta. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Kohut,H. “Reflexões acerca do narcisismo e da fúria narcísica”, in Self e Narcisimo. Rio de Janeiro Zahar, 1974. Violante, M.L.V. “Introdução”, in A criança mal amada: estudo sobre a potencialidade melancólica. Petrópolis, RJ: vozes, 1995. Kehl, M. R. ” Desejo e liberdade: a estética do ressentimento”, in Bartucci, G (org) . Psicanálise, cinema e estética de subjetivação. Rio de Janeiro: Imago, 2000 . Freud, S. “ A teoria da libido e o narcisismo”, in Obras Completas, Vol. XVI. Imago Ed. RJ. 1976. Figueiredo, L.C.. “Transferência, contratransferência...”, in Psicanálise:elementos para a clínica contemporânea , SP. Escuta. 2003. Menezes, L. C. “ O ódio e a destrutividade na metapsicologia freudiana”, in Fundamentos de uma clínica freudiana. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. RESUMEN MAGOA Y MELANCOLIA: UNA POSSIBLE ELABORATION Este trabajo muestra reflexiones teórico clínicas sobre una posible elaboration de las heridas narcisicas. Lo historial muestra una mujer movilizados por la pulsion de muerte, lo que la llevó a tentar suicidio. Su manera melancólica de vivir, mantenida presa a su pasado, imposibilitando de seguir adelante in su desarrollo. Su placer se asociaba a ataques a si misma, sus objetos incluyendo la analista, como una manera de triunfar. Palabras clave: melancolía, narcisismo herido, elaboration, pulsion de muerte. SUMMARY This work brings theoretical and clinical of possible elaboration of a hurted narcissism . It relates a history of a woman moved by death impulses, that led her to try to suicide. Her melancholic way of being, arrested her to the past, making impossible to go on . She showed some pleasure hurting herself , her objects, including the analyst, as a way to triumph. Key words: melancholy, hurted narcissism, elaboration, death impulses. e-mail: criscortezzi@yahoo.com.br . Av. Anchieta 585. São José dos Campos. 12242- 280. SP. Marido-mantra Soltando o piano-ódio
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