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Melancolia e Depressão Soraia H. S. D’Oliveira Resumo: o trabalho é uma discussão sobre a questão: melancolia e depressão é a mesma coisa? A depressão é uma forma contemporânea de referir-se à melancolia? A comparação com a melancolia favorece a hipótese de que o depressivo não seja um psicótico. Por outro lado, nas neuroses, podem ocorrer episódios depressivos que às vezes se confundem com a depressão, mas não equivalem a ela. Melancolia e Depressão ...Eu queria tanto Estar no escuro do meu quarto À meia noite, à meia luz Sonhando! Daria tudo, por meu mundo E nada mais... Guilherme Arantes Lendo o capítulo “Luto e Melancolia” (1), vem a questão: melancolia e depressão é a mesma coisa? A depressão é uma forma contemporânea de referir-se à melancolia? Lendo alguns artigos a esse respeito (2), se tem a princípio a idéia que as duas palavras se referem a uma mesma dificuldade, porém, este questionamento, ainda que não só ele, é muito bem colocado e discutido por Maria Rita Kehl em seu livro “O tempo e o cão”. (3) no qual ela faz uma diferenciação levando em consideração sua experiência clínica. Este trabalho é uma maneira de entender melhor essa discussão. Melancolia Para Freud, “os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição” (4). No quadro melancólico a relação objetal foi destroçada, há uma retirada da libido desse objeto e um deslocamento da mesma para um novo objeto, mas não um objeto qualquer e sim o próprio ego identificado com o objeto abandonado que passa a ser recriminado e amado simultaneamente, estabelecendo-se uma identificação do ego com o objeto abandonado (5), dessa forma, uma perda objetal se transformou numa perda do ego. Há um “furo no psiquismo” onde se detecta a perda de um objeto inconsciente para o eu, cujo delírio consiste em acusar-se com segurança absoluta por uma indignidade cometida, ainda que não saiba qual foi. De outra maneira “A melancolia é a perda do lugar do sujeito junto à versão imaginária do Outro” numa variante lacaniana. O futuro melancólico não foi marcado pela identificação fálica. A mãe do melancólico é percebida pela criança como um ser completo não porque se satisfaça toda por meio da fusão com o bebê, mas justamente o contrário, porque prescinde inteiramente dele para sua satisfação. Isso não significa que ela esteja satisfeita: muito ao contrário, ela pode estar mergulhada em alguma dor que não lhe permita alegrar-se com a chegada do bebê. Mas do ponto de vista da criança, a mãe que não se satisfaz com ela se apresenta como onipotente, para o qual ele não tem nenhum valor (6). Acredito que M. é um exemplo de alguém que sofre de um quadro melancólico. M. 40 anos, procura ajuda por sentir-se deprimida, fracassada, pois está cansada da atividade que realiza, não tendo perspectivas de crescimento financeiro, desmotivada e frustrada por não ter se casado e não ter filhos. Se censurando sessão após sessão e se considera culpada pelo pouco que alcançou na vida e se pergunta o que mais que ela pode fazer para mudar a sua atual situação, não encontrando nenhuma saída. Em algumas sessões ela se diz totalmente isolada emocionalmente da sua família, como se ela não fosse percebida como pessoa, principalmente pela mãe. Relata um vazio angustiante e diz que prefere morrer a viver dessa forma. Não gosta do que é e sempre repete que gostaria de ser mais extrovertida e ousada. A sensação dela é que sempre se sentiu assim, deprimida. Na clínica, diante de um melancólico que demanda uma escuta para seu sofrimento, há uma espécie de urgência que invade o analista, e uma hesitação, uma vaga expectativa do pior, uma espera que parece necessária, diante daquilo que se apresenta como algo inominável pairando. Uma hesitação diante da urgência, como quando se está diante de um abismo perigoso à frente e a sensação física é dada pela lei da gravidade mesma: um empuxo para baixo criando imediatamente a hesitação diante do perigo e a urgência da proteção. Estar com o paciente melancólico é assim hesitação e urgência. Algo ali precipita-se no vazio e a parceria, quando se faz, fica premida pela salvação, que é preciso reconhecer. (7) O trecho acima descreve exatamente a sensação que tenho quando atendo a paciente M., e que constata a percepção desse “furo no psiquismo” a que Freud se refere. Depressão No depressivo, a identificação fálica ocorreu. O depressivo está marcado por ela, pela experiência de ter representado, para sua mãe o falo (ou numa linguagem Freudiana: a mãe não foi o falo do bebê?). Também está marcado pela queda desse lugar privilegiado: o depressivo não é um psicótico. A dor moral de que sofre é de natureza diferente da do melancólico. O depressivo está marcado pela castração, mas não a simboliza, até aqui não se diferencia do neurótico. Só que a castração é para ele motivo de dor narcísica e também de vergonha (são estes os componentes de sua dor moral), uma vez que ele se instalou na condição de castrado por covardia, para esquivar-se da rivalidade fálica com o pai e consequentemente, com os substitutos dele, ao longo da vida. Permanece, portanto, na versão imaginária da castração infantil: aquele que nada pode. Se tivesse entrado na rivalidade com o pai, como faz o neurótico, o depressivo estaria fadado à derrota; mas, como ele preferiu se retirar do jogo sem ao menos tentar, o depressivo se envergonha de sua impotência. À diferença do que acontece com as formas de culpabilidade neurótica, o depressivo tem toda a razão em se sentir culpado. Ele é, efetivamente, culpado, e sabe bem disso, pela posição a partir da qual escolheu viver sua única vida. É a esta maneira de viver “recolhida” sem enfrentamento com o Outro que Lacan chama de covardia moral no seminário de 1967. A ansiedade acompanha as ousadias fálicas do depressivo como a angústia de castração acompanha o neurótico (8). A depressão também pode ser descrita como uma doença do tempo, um tempo que não sofre variações, no qual a luz adquire a luz marrom-escura, onde o desejo de morrer pode estar presente. (resenha) A comparação com a melancolia favorece a hipótese de que o depressivo não seja um psicótico. Por outro lado, nas neuroses, podem ocorrer episódios depressivos que às vezes se confundem com a depressão, mas não equivalem a ela. Devemos diferenciar as ocorrências depressivas, na neurose obsessiva e na histeria, da depressão como posição do sujeito: idéia defendida por Kehl (9) que também afirma que ao que ela se refere como depressão, não são aquelas ocasionais que podem acontecer na vida de qualquer um. Melancolia x Depressão Melancolia - o Outro materno, pouco disponível e, sobretudo pouco interessado, se apresenta de má vontade e sempre com atraso em relação aos apelos da criança. O investimento no trabalho psíquico insiste, em vão: mesmo quando o Outro comparece de corpo presente, sua presença não confirma ao bebê que seus gritos tenham para Ele, o valor de uma demanda a ser respondida não apenas com a oferta do seio ou da mamadeira, mas com um olhar de amor. - o olhar desinteressado do outro produz um buraco no cerne do ser. - a estrutura se define no momento inaugural da constituição do sujeito. Depressão - o Outro materno se manifesta como um adulto ansioso e hipersolícito que se precipita com freqüência para atender as necessidades da criança antes que ela possa expressar sua insatisfação. A tensão de necessidade (insatisfação,desprazer) institui, para o recém-nascido, a primeira exigência de trabalho psíquico. - encontramos um sujeito no meio do caminho entre ser e ter. - a posição se decide no segundo momento do Complexo de Édipo, que é o momento de escolha das neuroses (10). Conclusão Segundo Kehl, o depressivo não é um psicótico. A posição do depressivo é decidida entre o segundo e terceiro tempo do Complexo de Édipo, o que indica que: ou o depressivo é um neurótico, e a depressão, não passa de uma ocorrência possível nas neuroses, ou teremos que pensar em uma quarta estrutura, mais próxima das neuroses do que das psicoses e da perversão. Mas ela mesma diz da falta de elementos que sustentem uma quarta estrutura “depressiva”. Para diferenciar os sujeitos que se dizem depressivos crônicos, daqueles neuróticos que experimentam ao longo da vida períodos pontuais de depressão, ela propõe que os depressivos pertençam ao campo das neuroses: mas a “escolha da neurose” teria ficado comprometida por uma ocorrência precoce, na constituição do sujeito (11). Para Marie-Claude Lambotte assinala que enquanto o deprimido é capaz de delimitar a origem de seu mal estar e esboçar tentativas de superação, o melancólico sente-se preso à fatalidade de um destino frente ao qual nada pode ser feito (12). A psicanálise trabalharia, portanto, com o sujeito que se interroga sobre o sentido particular de sua existência diante de uma cultura homogeneizadora, que não deixa espaço para a singularidade de cada indivíduo. É diante do “vazio da existência” e da “falta de sentido” que surge essa “epidemia” de deprimidos na atualidade (13). Bibliografia 1) FREUD, S. – Obras completas – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIV – “Luto e Melancolia”(1917[1915]). Págs. 249 a 263. 2) MOREIRA, A. C. G. – A melancolia na obra de Freud: um narciso sem [des]culpa – Artigo na internet. SIQUEIRA, S. E. S. – Resenha de “Depressão e Melancolia” de Urânia Tourinho Peres, Psiché, janeiro-junho, vol. IX, número 015, Universidade São Marcos, São Paulo, Brasil, págs. 176-178. 3) KEHL, M. R. – O tempo e o cão – a atualidade das depressões - Boitempo Editorial, 1ed., SP, 2009. 4) FREUD, S. – Obras completas – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIV – “Luto e Melancolia”(1917[1915]). Pág. 250. 5) Idem – pág. 254. 6) KEHL, M. R. – O tempo e o cão – a atualidade das depressões - Boitempo Editorial, 1ed., pág. 200, SP, 2009. 7) MOREIRA, A. C. G. – A melancolia na obra de Freud: um narciso sem [des]culpa – Artigo na internet. 8) KEHL, M. R. – O tempo e o cão – a atualidade das depressões - Boitempo Editorial, 1ed., págs. 194, 195 e 201, SP, 2009. 9) Idem – pág. 202. 10) KEHL, M. R. – O tempo e o cão – a atualidade das depressões - Boitempo Editorial, 1ed., SP, 2009. 11) Idem – pág. 237. 12) MOREIRA, A. C. G. – A melancolia na obra de Freud: um narciso sem [des]culpa – Artigo na internet. 13) SIQUEIRA, S. E. S. – Resenha de “Depressão e Melancolia” de Urânia Tourinho Peres, Psiché, janeiro-junho, vol. IX, número 015, Universidade São Marcos, São Paulo, Brasil, pág. 178.
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