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APOSTILA QF (1)

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153
DIETOTERAPIA E NUTRIÇÃO NA ATIVIDADE FÍSICA 
JACQUELINE ISAURA ALVAREZ LEITE
PARTE I
DIETOTERAPIA
2
 EDITORA – UFLA/FAEPE - Dietoterapia
2
1
NOÇÕES DE SUPORTE NUTRICIONAL ARTIFICIAL 
O suporte nutricional pode ser dividido em nutrição enteral e parenteral. A nutrição enteral (NE) ocorre quando os nutrientes são administrados diretamente no tubo gastrintestinal (TGI) através de catéteres. Na nutrição parenteral (NP), os nutrientes são administrados por via endovenosa (também chamada de via parenteral). O estado do TGI irá determinar que tipo de suporte (nutrição enteral ou parenteral) será empregado. A nutrição oral assistida também é considerada por muitos como um tipo de suporte nutricional, mas será citada neste capítulo apenas em casos especiais. 
1.1 Nutrição Enteral (NE)
A nutrição enteral deve ser empregada quando o paciente não pode ou não deve alimentar-se por via oral ou o faz de forma insuficiente. A utilização da NE deve ser preferida à NP, pois apresenta inúmeras vantagens. Ela é mais fisiológica porque expõe o TGI aos nutrientes, que devem ser absorvidos normalmente antes de sua utilização pelo organismo. O TGI pode, ainda, na NE, selecionar ou limitar a absorção de nutrientes, diminuindo os riscos de intoxicação ou excessos. Além disso, a presença de nutrientes no TGI permite a manutenção da sua integridade morfológica e funcional, reduzindo o risco de atrofias, disfunção intestinal, translocação bacteriana etc. Mesmo um paciente com NP deve receber, se possível, alguma quantidade de alimento via enteral para evitar atrofia intestinal. Estima-se que o aporte de 0,6g de proteína/kg de peso corporal por dia seja suficiente para manter a integridade funcional e função imune do TGI. Ainda, com a NE, o retorno à dieta oral é mais rápido e seguro. Seu custo é mais barato e de mais fácil administração. 
As indicações mais comuns estão mostradas na Tabela 1.1. 
ENTRA Tabela 1.1.
Após a decisão do início de nutrição enteral, o próximo passo é determinar a via de acesso. Os principais acessos são as sondas colocadas por via nasal e mantidas em posição gástrica, duodenais ou jejunais, para pacientes necessitando de suporte nutricional por tempo curto. Já para pacientes com alterações permanentes ou sem previsão de retorno à nutrição oral, as vias de acesso mais utilizadas são as enterostomias (gastro, jejunostomia ou ileostomia), em que a sonda penetra no corpo através da pele até o estômago ou intestino, onde o alimento é liberado. As principais vias de acesso estão mostradas na Figura 1.1. 
ENTRA FIGURA 1.1 Vias de acesso em nutrição enteral
1.1.1 Seleção da fórmula de nutrição
As formulações enterais são divididas em: dietas poliméricas (artesanais, comerciais, livres de lactose), oligoméricas ou elementares (monoméricas ou pré-digeridas), modulares, especializadas e suplementares (suplementos alimentares). 
As dietas poliméricas são aquelas feitas por uma combinação de alimentos comuns da dieta oral, adicionados de vitaminas e minerais. As dietas podem ser artesanais (feitas em casa e batidas no liqüidificador) ou comerciais (feitas em laboratórios farmacêuticos). As formulações comerciais possuem, em média, 1 kcal/ml, 85% de água e 50% das calorias totais como carboidratos. As quantidades de lípides e proteínas seguem também as normas de uma dieta balanceada. 
Muitas vezes, alguns pacientes necessitam de um aporte maior de proteínas, sem alterar o teor calórico total. As dietas padrão possuem uma relação kcal:nitrogênio de 150:1. As dietas hiperprotéicas oferecem de uma razão de 120 a 130:1. Estas dietas também podem vir na densidade calórica padrão (1kcal/ml) ou mais concentradas (até 2kcal/ml). 
A limitação das dietas artesanais é o seu alto teor em fibras, o que, muitas vezes, pode obstruir sondas de pequeno calibre, comumente utilizadas para dietas enterais. No caso de gastrostomia, o teor de fibras deixa de ser um problema. As dietas artesanais têm a vantagem de seu baixo custo, fácil preparo, podendo ser dadas para aqueles com problemas de deglutição, mas que mantêm a função intestinal perfeita. 
As dietas isentas de lactose são muito mais freqüentes que aquelas contendo lactose, pela característica de alteração da lactase em muitas doenças intestinais. As dietas contendo lactose estão, muitas vezes, associadas à diarréia, distensão e dor abdominal, uma vez que uma deficiência de lactase é quase sempre vista em casos de hipotrofia intestinal ou desnutrição calórica. 
As dietas elementares são dietas confeccionadas para aqueles com alguma limitação na capacidade de digestão ou absorção. Elas são compostas de aminoácidos livres ou di e tripeptídeos, que são absorvidos sem necessidade de digestão. As gorduras são dadas como triglicérides de cadeia média, que são facilmente absorvidos sem necessidade de formação de micelas e emulsificação (ver apostila de Fisiologia da Nutrição). Os carboidratos são dados como maltodextrinas ou sacarose, que utilizam apenas enzimas da borda em escora para a digestão. 
Embora as dietas elementares apresentem as vantagens de serem absorvidas quando não há enzimas pancreáticas ou quando a área de absorção for pequena, elas não apresentam nenhuma vantagem sobre dietas poliméricas em pessoas com tubo gastrintestinal íntegro, no qual a digestão e absorção estão preservadas. As principais desvantagem recaem em seu alto custo, sua alta osmolaridade (que dificulta sua administração em localização abaixo do estômago) e a ausência de fibras em muitas de suas formulações (importante fator trófico para o TGI). 
As dietas modulares são formulações de proteínas, carboidratos ou lípides, que podem ser dadas separadamente (para fortificar com um específico nutriente uma dieta já existente). Porém, na maioria das vezes, as dietas modulares servem para fazer dietas caseiras, misturadas a alimentos comuns nas proporções necessárias para suprir a necessidade individual de cada paciente. 
Os suplementos alimentares foram feitos para suplementar, em calorias ou outros nutrientes, a dieta de pacientes que não conseguem atingir suas necessidades calóricas. Eles podem ser líquidos, shakes ou cremes e dados entre as refeições. Deve-se ter cuidado com as inúmeras formulações disponíveis no mercado, pois é nesta categoria que existem produtos de origem e eficácia duvidosa. 
Formulações especiais foram desenvolvidas para atender pacientes com necessidades médicas específicas. É o caso daqueles com doenças pulmonares, renais, hepáticas, hipermetabólicos etc. São dietas mais expensivas e levam a muitas complicações se utilizadas inadequadamente. Nelas, um ou mais nutrientes estão em proporções diferentes das recomendadas na formulação padrão.
A glutamina é um aminoácido não essencial, estocado no músculo esquelético. Ela é muito utilizada para células em divisão rápida. A ausência de glutamina em formulações parenterais levou à hipotrofia do TGI e perda de seu conteúdo em DNA. A glutamina é suplementada principalmente em dietas usadas em pacientes com estresse e hipotrofia intestinal.
A arginina, outro aminoácido não essencial, promove retenção de nitrogênio, acelera a cicatrização de feridas e melhora a função imune. Dietas com arginina são usadas em queimados e imunodeprimidos 
As formulações para doenças pulmonares provêm a maioria das calorias como lípides (55%) para reduzir a produção de CO2, já que a oxidação de 1 g de glicose produz muito mais CO2 que 1 g de ácidos graxos. A grande produção de CO2 piora a situação do paciente, principalmente se submetido à ventilação mecânica.
Em casos de doenças renais, o paciente se beneficia com formulações que reduzem a formação de nitrogênio uréico. Assim, formulações para pacientes renais são pobres em proteínas, fósforo, magnésio, potássio e sódio. Algumas formulações aumentam a proporção de aminoácidos essenciais e reduzem a de não essenciais. 
Naquelescom insuficiência hepática, aminoácidos de cadeia ramificada (valina, leucina e isoleucina) estão reduzidos no plasma, enquanto os aromáticos (penilalanina, tirosina, triptofano) e metionina estão aumentados. Aminoácidos ramificados parecem também melhorar a doença por meio da inibição da passagem dos aminoácidos aromáticos pela barreira hematoencefálica, prevenindo, assim, a atuação deles como falsos neurotransmissores e a encefalopatia hepática que, muitas vezes, leva ao coma. 
1.1.2 Complicações
Mecânicas: as complicações de nutrição enteral estão ligadas, muitas vezes, à passagem do tubo pelo nariz e seus efeitos nesta estrutura. Geralmente, quanto menor o diâmetro do tubo, menor a freqüência de complicação mecânica. As complicações incluem irritação do septo nasal, sinusite, epistaxe (sangramento nasal) etc. Muitas vezes, a sonda é passada de forma errada e posicionada no pulmão, o que leva a sérias conseqüências, principalmente se a dieta for introduzida pelo tubo. Perfuração pleural e pneumotórax também não são raros. 
A oclusão e a obstrução da sonda são também comuns, caso esta não seja lavada rotineiramente após cada administração. Dietas muito viscosas ou ricas em fibras também são causas de obstrução. 
Gastrointestinais: a aspiração é uma das complicações mais importantes. Significa a passagem da dieta ou conteúdo intestinal para a árvore pulmonar, causando, muitas vezes, pneumonia química. As causas são múltiplas e podem ser devidas a: 1 - mal posicionamento da sonda, 2 - administração rápida da dieta ou em maior quantidade que a capacidade gástrica, 3 - parada do peristaltismo do TGI e 4 - doenças de base que causam a hipomotilidade intestinal. 
Para evitar a aspiração em pacientes que mantêm a motilidade intestinal, o ideal é posicionar a sonda em posição após o estômago (preferencialmente jejunal). A vantagem é que os esfíncteres esôfago-gástrico e gastro-duodenal (cárdia e piloro) dificultam o refluxo da dieta. Assim, pacientes com alterações de deglutição, pacientes em coma ou com hipomotilidade esofágica devem ter as sondas em posições pós-pilóricas. 
A diarréia é outra complicação extremamente comum e pode ser de origem osmótica (dietas hiperosmolares ou adminstradas em bolo em região pós-gástrica), infecciosa (contaminação da dieta, principalmente das artesanais, guardadas por muito tempo ou fora da geladeira) ou por causas metabólicas. A redução da albumina circulante (menor que 2,6g/dl) também pode causar diarréia pela redução da osmolaridade do sangue que causa edema da parede intestinal. 
A constipação, por outro lado, está relacionada à desidratação, ao baixo resíduo da dieta e à hipomotilidade intestinal.
As principais complicações da dieta enteral são mostradas na Tabela 1.2 e os cuidados com os pacientes e a administração da dieta mostrados na Tabela 1.3. 
ENTRA TABELA 1.2 Complicações de dietas enterais
ENTRA TABELA 1.3 Rotina na administração da dieta enteral
1.2 Nutrição Parenteral
O conceito de alimentar o paciente parenteralmente por meio da injeção de substâncias nutrientes intravenosamente foi idealizada muitos anos antes de sua introdução na prática médica, na década de 1960. A partir do início da nutrição parenteral, muitos avanços foram feitos no conhecimento das necessidades nutricionais, especificamente na importância de microminerais para o bom funcionamento do organismo. Foi em pacientes alimentados exclusivamente por via parenteral que foram descobertas algumas alterações que, mais tarde, foram atribuídas à falta de zinco, cobre, manganês e outros. Assim, a nutrição parenteral proporcionou não só a esperança de vida para aqueles que perderam seu TGI como abriu um campo grande no conhecimento da necessidade de microminerais na nutrição humana. 
1.2.1 Indicações gerais de nutrição parenteral total (NPT)
A nutrição parenteral está indicada para aqueles que não podem ou não devem utilizar o TGI. Em pacientes com limitações para o uso de dieta oral ou enteral que exibem sinais ou história de desnutrição antes da hospitalização ou durante a estadia no hospital, a NPT passa a ser indicada.
A primeira indicação geral da NPT é prover nutrição adequada para alcançar ou manter o metabolismo normal, quando o uso do TGI é impossível. A decisão de iniciar a NPT deve ser baseada na necessidade de manter ou prover os seguintes requerimentos metabólicos:
crescimento e desenvolvimento em crianças e adolescentes;
retomada de crescimento para um adulto depletado (em relação ao seu peso ideal);
restauração da função corporal ótima;
manter o equilíbrio (homeostase) corporal;
manter o balanço nitrogenado positivo ou melhorar a síntese protéica;
reconstituir ou cicatrizar tecidos;
melhorar a resposta orgânica às outras terapias (antibióticos etc.);
aumentar a atividade física;
recuperar o organismo de estresses e imunodeficiências;
reduzir a morbidade e mortalidade;
acelerar a convalescênça e reabilitação do paciente.
A segunda indicação geral é a redução da atividade de secreção e motilidade do TGI, para alcançar o chamado repouso intestinal, como em doenças como a enterocolite granulosamosa, a colite ulcerativa etc. 
A terceira indicação é naqueles com necessidades metabólicas especiais, como pacientes renais ou hepáticos, que necessitam de dietas modificadas pois estão descompensados e não podem utilizar o TGI para o aporte de dietas especiais. 
Outras indicações são a nutrição pré-operatória, para reduzir ou retardar a necessidade de cirurgia e também proibir, reduzir ou corrigir deficiências protéicas e suas conseqüências. 
1.2.2 Formulações e composição de soluções de NPT
A mistura básica de NPT é uma solução hipertônica, cerca de 6 vezes mais concentrada (1800 a 2400 mOsm/l) que o sangue (290 mOsm/l) e consiste de 20% a 35% de glicose e 4% a 5% de aminoácidos (formulações 2:1) ou contem também lipideos (formulações 3:1). A mistura 2:1 provê cerca de 6,5 a 8g de nitrogênio ou 40 a 50 g de proteína e aproximadamente 1000 kcal. Minerais e vitaminas devem também ser acrescentados para alcançar as recomendações deste micronutrientes. 
1.2.3 Administração e monitorização de NPT
A solução de NPT deve ser dada durante 24 horas por uma veia de alto fluxo e grande calibre como a veia cava superior. O acesso mais fácil é a punção da veia subclávia ou jugular e então inserir o catéter na veia cava superior. O uso de grandes vasos é necessário devido à alta osmolaridade da solução. Inicialmente deve-se dar níveis seguros de água (1500 a 2500 ml/dia em adultos) e glicose (0,4 a 1,2 g/kg de peso/hora). Após certificar-se de que a NPT está sendo bem tolerada, pode-se aumentar gradativamente o aporte de nutrientes até a meta do paciente. 
Deve-se acompanhar de perto o paciente quanto aos principais distúrbios metabólicos relacionados com NPT. Testes de função renal ou hepática devem ser feitos a cada 1 a 3 semanas. A Tabela 1.4 ilustra a monitorização que deve ser feita ao iniciar NPT. 
ENTRA TABELA 1.4
Algumas situações especiais merecem alterações da solução de NPT. Para diabéticos, por exemplo, a insulina deve ser regulada conforme o aporte de nutriente, podendo, algumas vezes, ser introduzida na solução de NPT. Algumas vezes, albumina ou papa de hemácias são também infundidas para ajudar na manutenção da pressão coloidosmótica. 
Algumas formulações especiais de aminoácidos são usadas em pacientes nos quais a doença de base é cursa com insuficiência renal. 
Muitas vezes, a emulsão lipídica pode ser acrescentada à solução de NPT ou ser a maior fonte de energia, como em casos de insuficiência pulmonar, para reduzir a produção de CO2. 
1.2.4 Complicações 
Embora a possibilidade de poder introduzir os nutrientes diretamente nas veias seja uma grande conquista, o preço que se paga para retirar o efeito e função seletiva do TGI do processo de nutrição é grande. Todo o papel do TGI de regular a entrada de nutrientes no organismo é perdida e, assim, superdosagens ou deficiências de nutrientes são comumente vistasem NPT. Além disso, há uma via de comunicação potencial entre as bactérias e outros patógenos do ambiente com o sangue, através do catéter de administração colocado na veia cava. O risco de infecção nesta região ou mesmo de septicemia é freqüente, principalmente porque a solução de NPT é um ótimo meio para o crescimento da maioria das bactérias. A Tabela 1.5 ilustra algumas das principais complicações de NPT.
ENTRA TABELA 1.5 Principais complicações de NPT 
A infecção através do catéter é freqüente, porém, pode ser evitada se os princípios de anti-sepsia são seguidos. Pelo fato das soluções hipertônicas serem ótimos meios de cultura, a febre por infecção de catéter sempre deve ser lembrada. Porém, outras fontes de infecção (pulmonar, renal, ouvidos, garganta etc.) devem ser descartadas. Se, após investigação de outras causas, não se descobrir a origem da febre, deve-se puncionar a veia subclávia do lado oposto, para permitir novo acesso para a NPT. A retirada do outro catéter deve ser rápida e, se ele for a fonte da infecção, a febre deverá passar rapidamente. Uma cultura da ponta do catéter deve ser executada para confirmar a infecção e o tipo de bactéria envolvida. Dependendo do grau de comprometimento do paciente e da gravidade da infecção, a antibioticoterapia deve ser imediatamente iniciada após retirada do catéter e envio para cultura do catéter. 
12
EDITORA – UFLA / FAEPE - Dietoterapia
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2
DESNUTRIÇÃO PROTÉICO-CALÓRICA
A desnutrição protéico-calórica (DPC) é definida pela FAO/OMS como “o espectro de situações patológicas que provêm da falta, em várias proporções, de proteínas e calorias, ocorrendo, mais freqüentemente, em pré-escolares e comumente associada a infecções”. 
As causas são várias, podendo ser primária (em que o consumo inadequado de nutrientes é o fator que desencadeia a desnutrição) ou secundária, em que alterações na digestão, absorção e aproveitamento de nutrientes, assim como infecções associadas, são os fatores principais da gênese da doença. A desnutrição primária é mais comum em crianças que em adultos, muitas vezes comprometendo o crescimento e o desenvolvimento de forma irreversível. Marasmo e Kwashiorkor são formas clássicas de desnutrição, podendo existir várias formas intermediárias, mesclando manifestações características de ambos os tipos. A Tabela 2.1 ilustra as principais diferenças entre Marasmo e Kwashiorkor. 
ENTRA TABELA 2.1 Avaliação e classificação de desnutrição
2.1. Marasmo
Ocorre perda muscular generalizada e ausência de tecido subcutâneo, dando a aparência de “pele e osso”. O marasmo desenvolve-se insidiosamente durante meses ou anos, dependendo do grau de restrição alimentar e pode ser o resultado não só da falta de oferta de alimentos como também da anorexia relacionada com doenças como alcoolismo, doença do sistema nervoso central ou resposta catabólica a doenças. Indivíduos com várias complicações médicas são mais propensos a desenvolver marasmo, particularmente velhos que têm acesso limitado à comida ou limitações físicas. Os pacientes apresentam-se caquéticos, desidratados e com sinais de deficiências específicas de minerais ou vitaminas. Crianças marasmáticas têm, freqüentemente, perda de até 60% do peso esperado para a altura, com importante retardo no crescimento (Figura 2.1). Os cabelos são esparsos, finos e secos, sem o brilho normal, sendo facilmente arrancados sem causar dor. A pele é seca, fina, com pouca elasticidade e dobra-se facilmente. Os pacientes são apáticos, mas têm a aparência de atentos e ansiosos. Alguns pacientes são anoréticos, enquanto outros são vorazes e famintos, mas vomitam facilmente ao ingerirem grandes quantidades de comida. A diarréia pode estar presente. Há uma fraqueza intensa que não permite que o paciente levante-se sem ajuda. Os batimentos cardíacos são fracos, a pressão arterial e temperatura baixas. Pode ocorrer hipoglicemia, especialmente após jejum de 6 ou mais horas, acompanhada de hipotermia de 35,5oC ou menos. As vísceras são pequenas e o abdômen distendido. Os linfonodos são facilmente palpáveis. As principais complicações são gastrenterite, desidratação, infecção respiratória e lesões oculares por deficiência de vitamina A. Edemas periféricos não são comuns, mas podem aparecer em casos de reidratação intravenosa, retenção e sódio e outros.
ENTRA FIGURA 2.2
f
Bioquímica nutricional no marasmo: a glicose é o principal combustível para as células hematopoiéticas e o cérebro. Depois de um jejum noturno, a glicose é produzida exclusivamente pelo fígado (glicogenólise). Além de 24 horas de jejum, a depleção do glicogênio hepático leva ao aumento da neoglicogênese para produzir glicose ao cérebro. O fígado também remove os aminoácidos (particularmente alanina e glutamina), glicerol, lactato, piruvato e ácidos graxos livres do sangue para formar a glicose e corpos cetônicos que fornecerão energia ao organismo.
Depois de 48 a 72 horas de jejum, a concentração de glicose no plasma cai e os níveis de insulina também. Esta queda da insulina é o principal evento que atua para estimular a lipólise, proteólise, cetogênese, gliconeogênese e redução de síntese protéica. O resultado deste quadro metabólico é um grande aumento na produção de ácidos graxos e corpos cetônicos para serem usados como combustíveis pelo organismo. Juntamente com a redução da insulina ocorre um aumento de glucagon, que auxilia no quadro metabólico descrito acima. 
A diminuição da ingestão de energia na inanição precoce é seguida por uma redução no metabolismo basal. Esta redução benéfica e protetora é regulada primariamente pela redução de hormônios tireoidianos e atividade do sistema nervoso simpático. Esta redução no gasto energético basal tem como objetivo prolongar a vida por conservar a proteína e função dos órgãos. 
2.2 Kwashiorkor
 O kwashiorkor clássico é um termo utilizado para descrever a resposta do organismo a uma ingestão inadequada de proteína quando existe quantidade suficiente de energia. As manifestações clínicas incluem fígado gorduroso, edema, redução da albumina e sódio plasmáticos e dermatose. É extremamente comum, em países do terceiro mundo, onde a disponibilidade de calorias pode existir mas sem a ingestão de produtos ricos em proteínas, em geral mais caros. A desnutrição hipoalbuminêmica é um termo alternativo usado para caracterizar aqueles pacientes bem nutridos com hipoalbuminemia (baixa de albumina no sangue) e redução de outras proteínas viscerais associadas à queda na resposta imune (Shils et al., 1994). A etiologia desta hipoalbuminemia relaciona-se à resposta do organismo à infecção ou injúria. Como a resposta imunológica é bastante afetada, alguns também a denominam de mal nutrição imunorrepressiva. 
O quadro predominante do kwashiorkor é o edema, que ocorre normalmente nas pernas, podendo acometer braços e face, nos casos mais severos. A maioria dos pacientes tem lesões de pele, parecidas com a lesão de pelagra (deficiência de niacina) nas áreas de edema. A pele pode ser eritematosa e brilhante nos locais de edema, com áreas de ressecamento, hiperqueratose e hiperpigmentação. O tecido cutâneo está preservado, enquanto a massa muscular é escassa. A perda de peso pode ser mascarada pelo edema, mas, mesmo descontado o edema, não é tão importante quanto no marasmo. A altura pode ser normal ou retardada, dependendo do tempo de início e constância da doença. Os cabelos são secos, finos, sem brilho e são facilmente arrancados sem dor. Cabelos encaracolados tornam-se lisos e a coloração torna-se castanho-clara, ruiva ou mesmo louro-claro. Muitas vezes, há o “sinal da bandeira” com faixas transversais de cabelos de diferentes tonalidades. Os pacientes são pálidos, com extremidades frias e cianóticas (arroxeadas). Eles são apáticos e irritadiços, choram facilmente e mantêm a expressão de miséria ou tristeza (Figura 2.2.). Anorexia, vômitos após alimentação e diarréia são comuns. O fígado está aumentado, com bordas arredondadas pela deposição de gordura.O abdômen é protuberante, devido à distensão do estômago e intestinos. O tônus e a força muscular são reduzidos, assim como o peristaltismo. Ocorre taquicardia, hipotermia e hipoglicemia, com curtos períodos de jejum. 
As complicações que ocorrem são as mesmas do marasmo, mas a diarréia e as infecções respiratórias e de pele são mais freqüentes e severas. A morte pode ocorrer devido a infecções que ocorrem sem febre ou qualquer outro sinal característico. A causa de morte mais comum é edema pulmonar com broncopneumonia, septicemia, gastrenterite ou distúrbio hidroeletrolítico do sangue. 
Bioquímica nutricional. Quando há uma severa falta de alimentos (como no marasmo), o equilíbrio endócrino mobiliza ácidos graxos do tecido adiposo e aminoácidos do músculo. As concentrações de proteínas plasmáticas continuam normais, enquanto a gliconeogênese hepática é alta. 
Porém, o aumento da ingestão de carboidratos, associada a uma ingestão protéica muito baixa, produz uma quebra do equilíbrio hormonal citado acima devido aos seguintes fatos (Kirby & Dudrick, 1996):
a ingestão de carboidratos induz ao aumento de insulina e à redução da produção de norepinefrina e cortisol;
a lipólise diminui e a ação da insulina aumenta pela supressão dos efeitos inibitórios de ácidos graxos livres na ação periférica da insulina;
a quebra da proteína muscular é reduzida e o ‘pool’ de aminoácidos livres diminui, já que não há ingestão protéica;
a síntese de proteínas viscerais e, principalmente, as proteínas plasmáticas, como a albumina, reduzem a pressão oncótica intravascular, a pressão tecidual aumenta e o débito cardíaco diminui. Este fato contribui para o aparecimento de edema. 
A síntese aumentada de ácidos graxos devido ao excesso de carboidratos, lipólise diminuída e produção diminuída de apo B, importante para o transporte de lipídeos no plasma, leva à infiltração gordurosa e conseqüente aumento do fígado. 
Infecção em crianças desnutridas também pode desencadear kwashiorkor. Os mecanismos pelos quais o processo ocorre não estão totalmente esclarecidos, mas parecem envolver os seguintes mecanismos (Kirby & Dudrick, 1996):
a infecção pode levar o organismo a produzir as chamadas proteínas de fase aguda e, assim, limitar a síntese de albumina e outras proteínas plasmáticas;
algumas proteínas de fase aguda são inibidoras de enzimas proteolíticas (alfa 1 antitripsina e alfa 1 antiquimotripsina), impedindo a quebra da proteína muscular;
a menor utilização de corpos cetônicos durante a infecção pode levar ao maior uso de aminoácidos para a neoglicogênese;
o catabolismo de proteínas e a perda de nitrogênio estão aumentados por muitas infecções virais ou febris, provavelmente pelo aumento de norepinefrina e cortisol. Estas perdas podem ser tão altas quanto o correspondente a 2% da proteína muscular total do organismo por dia. 
A formação de edema está ligada à hipoalbuminemia, que leva à menor pressão coloidosmótica do plasma, levando à passagem de líquido do intravascular para o intersticial. Entretanto, outros fatores parecem também ser importantes para que haja edema, como a deficiência de potássio (que leva à retenção de sódio e água), a própria administração excessiva de sódio e água e o extravasamento do líquido, devido ao aumento da permeabilidade capilar pela infecção. 
2.3 Efeito da Desnutrição nos sistemas corporais
O efeito da DPC na estrutura e na função dos órgãos é bastante significante. Geralmente, está relacionado à duração e à severidade da doença. 
2.3.1 Perda de peso
A perda de peso é uma das mais óbvias conseqüências da DPC. 
A maioria das pessoas pode tolerar uma perda de peso de 5% a 10%, sem grandes conseqüências. Quando a perda de peso excede 20% a 25% do peso usual, o metabolismo é alterado e estressado. Perdas acima de 40% são altamente relacionadas com óbito imediato. A sobrevivência relaciona-se, principalmente, com os estoques corporais de gordura no início da doença. 
2.3.2 Sistema respiratório
DPC afeta a estrutura e a função do sistema respiratório, sendo a pneumonia a principal causa de morte nestes pacientes. A DPC afeta os pulmões por diminuir a capacidade respiratória e diminuir a limpeza das secreções pulmonares, propiciando infecções.
2.3.3 Sistema cardiovascular
O coração, ao contrário do se pensava anteriormente, é afetado pela DPC, sofrendo atrofia e fibrose, com edema intersticial e perda de até 60% da massa cardíaca. 
2.3.4 Sistema digestivo
Como a presença de alimentos é o principal estímulo para o crescimento da mucosa intestinal, a falta de alimentos leva à sua atrofia, com perda das vilosidades e, assim, das enzimas da borda em escova e da área absortiva. Ocorre também atrofia do pâncreas exócrino, com insuficiente secreção de enzimas, o que agrava a má absorção. O fígado do paciente com marasmo pode tornar-se pequeno, com perda das proteínas, reduzida síntese protéica e com acúmulo de triglicérides. No caso de kwashiorkor, pode haver aumento do fígado por acúmulo de ácidos graxos e triglicérides. A albumina no sangue é bem baixa (<3,0 g/dl).
2.3.5 Células do sangue
Ocorre redução de hemácias, plaquetas e leucócitos pela dificuldade de síntese protéica. Além disso pode ocorrer anemia microcítica e hipocrômica, sugestiva de deficiência de ferro. Os leucócitos (principalmente neutrófilos) podem estar aumentados em alguns casos de infecção. 
2.4 Tratamento Nutricional
Pacientes com DPC não complicada devem ser tratados fora de hospitais, se possível. Isto diminui o risco de infecções hospitalares e mantém o paciente com a família. Porém, se o paciente está grave, com risco de morte ou se as condições em sua casa são deploráveis ou não permitem a renutrição adequada, o paciente deve ser hospitalizado. 
O tratamento deve ser dividido em 3 etapas: 1- afastar o risco de morte, 2 - restaurar o estado nutricional e 3 - dar assistência à reabilitação nutricional. 
A primeira etapa baseia-se em resolver os distúrbios hidroeletrolíticos, tratar as possíveis infecções, as alterações hemodinâmicas (de pressão e coração), a anemia severa, a hipotermia, a hipoglicemia e as deficiências vitamínicas (principalmente A). 
A etapa de restauração do estado nutricional deve ser iniciada tão logo a homeostase do organismo seja alcançada. Ela deve ser feita lentamente, para coibir as complicações vindas de um organismo frágil e sem reservas. O ideal é iniciar com dietas líquidas, divididas em 6 a 12 refeições ao dia. O intervalo deve ser pequeno, proibindo um jejum de mais de 4 horas para evitar vômitos, hipoglicemia e hipotermia. 
A proteína deve ser de alto valor biológico e de fácil digestibilidade. Embora o leite possa ter esta característica, o risco de intolerância à lactose é alto e, assim, outras proteínas como a de ovo, isolados de soja, peixe e carne ou misturas vegetais, podem ser preferidas. As misturas vegetais, possuem menor teor de proteína e, assim, um volume maior de alimento será necessário, o que pode ser mais difícil de ingerir nos casos de crianças pequenas. A vantagem é que muitos dos ácidos graxos essenciais estão também presentes nestas misturas. 
Alguns médicos preconizam uma dieta líquida que contenha 30 gramas de proteína e 1000 kcal por litro. No início, o volume ingerido pelo paciente pode ser baixo, devido à anorexia que acompanha a desnutrição. Uma oferta adicional de água pode ser necessária para cumprir a necessidade total diária de 1ml/kcal de dieta. Após 7 dias do início da alimentação, o paciente poderá alimentar-se segundo seu apetite.
A dieta deve ter seus componentes ajustados para a idade do paciente. O tratamento inicial deve prover o requerimento protéico e energético médio, seguido por um aumento gradual de 1,5 vez no requerimento de energia e 3 a 4 vezes nos requerimentos de proteína por volta do sétimo dia. A energia fornecida ao marasmático pode ser posteriormente aumentada.
A resposta inicial à dieta pode ser a não alteração ou até mesmo a perda de peso corporal, causada pela diminuição doedema acompanhada de diurese. Após 5 a 15 dias, há um período de grande ganho de peso ou período “catch–up”. Em crianças, o ganho de peso pode ser de 10 a 20 vezes maior do que em uma criança normal da mesma idade. Algumas crianças apresentam um ganho de apenas 4 a 5 vezes o de uma criança bem nutrida. Este é um sinal de que o fornecimento de energia está insuficiente (formulação errada, número de refeições insuficientes, anorexia etc.) ou existem infecções não diagnosticadas, sendo as mais comuns tuberculose e infecções urinárias. 
Etapa de assistência à reabilitação nutricional: esta fase deve começar desde a primeira fase e continuar após o estabelecimento do estado nutricional, quando alimentos tradicionais forem introduzidos. Os estímulos físico e emocional devem ser parte do tratamento. Distúrbios, como diarréia persistente, parasitas intestinais e outras complicações menores, devem ser também solucionados. A vacinação da criança deve ser atualizada. 
Os alimentos tradicionais devem ser introduzidos gradualmente, em combinação com as fórmulas de alta energia. Este passo deve ser feito após o desaparecimento do edema, das lesões de pele e do retorno do apetite. A fase de catch-up já deve ter sido instaurada adequadamente, assim como a interação do paciente com o meio ambiente. Deve-se garantir às crianças uma média de 3 a 4 g de proteína e 150 kcal para cada quilo de peso corporal. Para que esta meta seja atingida, a densidade calórica dos alimentos sólidos deve ser melhorada pela adição de óleos, assim como o uso de proteínas de alto valor biológico (como dito anteriormente). 
A estimulação emocional deve ser feita por meio do afeto e carinho, vindos não só dos familiares como da equipe que o trata. Quando a criança está hospitalizada, o local onde ela se encontra deve ser colorido, com brilho e música (estimulação visual e auditiva). Assim que a criança esteja apta a movimentar-se, ela deve ser encorajada a caminhar pelos corredores, brincar com outras crianças e com a equipe do hospital. Os parentes devem participar das brincadeiras e jogos. 
Critérios de recuperação: o tratamento deve ser continuado no ambulatório. Deve-se ter a certeza de que os pais ou responsáveis pelo paciente ou amigos próximos entendam a importância da manutenção de dietas hipercalóricas e hiperprotéicas, mesmo em casa. Mesmo após o retorno ao lar, a criança (ou adulto) deve ser acompanhada regularmente quanto ao estado nutricional, por meio de vistas de pessoal treinado. 
O aumento da albumina no soro é uma das principais indicações da repleção protéica. Certamente, o critério mais prático de avaliação é o ganho de peso adequado e o alcance do peso ideal para a altura nestes pacientes desnutridos. Porém, o término prematuro do tratamento, muito freqüentemente, leva a novos episódios de DPC. A regra geral, caso não haja condições de determinar a composição corporal, é manter o tratamento por, pelo menos, 30 dias após a recuperação do peso ideal no paciente com DPC e edema e 15 dias no paciente marasmático. O tratamento de outras deficiências nutricionais específicas (deficiência de ferro, por exemplo) deve ser mantido por mais tempo (Shils et al., 1994).
A presença de uma criança mal nutrida em uma família sugere que outros membros podem ser posteriormente afetados. Neste caso, as medidas de reabilitação nutricional devem ser estendidas aos outros membros da família e devem incluir a prevenção da desnutrição, principalmente em crianças em fase de desmame, gestante e lactantes. 
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EDITORA – UFLA/FAEPE - Dietoterapia
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Visão geral de DOENÇAS DO TRATO GASTRINTESTINAL
O trato gastrintestinal (TGI) é um sistema orgânico complexo responsável pela digestão absorção, metabolismo de drogas e nutrientes e eliminação de excrementos. O alimento ingerido é mecanicamente quebrado e misturado com as enzimas digestivas para alcançar o tamanho de partícula adequado para a absorção. O TGI funciona também como barreira imunológica contra os organismos ingeridos e colonizados no local. As doenças do TGI são as desordens mais freqüentes e podem resultar em alterações intestinais ou nutricionais. Algumas destas alterações serão estudadas a seguir.
3.1 Insuficiência aguda e crônica do TGI
A insuficiência aguda do TGI ocorre quando um indivíduo é incapaz de comer ou quando há mal funcionamento abrupto do TGI. Alguns exemplos são o íleo pós- operatório (parada do peristaltismo após cirurgias), obstruções intestinais, inflamação aguda ou pancreatite aguda. Estas doenças geralmente têm início abrupto e, com a terapêutica correta, têm um curso limitado e uma expectativa de retorno à alimentação normal. Se a previsão de retorno à dieta normal é de menos de 7 dias, soluções glicofisológicas podem ser administradas. Nestes casos, não há dano grave ao estado nutricional do indivíduo. 
A insuficiência crônica do TGI ocorre quando um ou mais componentes do TGI estão alterados por longos períodos. Exemplos de alterações crônicas incluem a ressecção dos intestinos, causando a síndrome do intestino curto, má absorção intestinal ou insuficiência hepática, pancreatite crônica e doença inflamatória intestinal (colite ulcerativa, Crohn). 
A nutrição inadequada por dias ou semanas resulta em desnutrição e função intestinal diminuída. A ausência total de nutrição pelo TGI leva à hipotrofia do órgão em apenas poucos dias. Assim, ocorrem, associadas, diminuição da motilidade intestinal e imunosupressão, levando a infecções generalizadas com falência de múltiplos órgãos e morte. 
Como visto no capítulo 1, a nutrição parenteral provê calorias e nutrientes em concentrações adequadas, mas a atrofia do TGI ainda é mantida. A nutrição enteral, assim, sempre deve ser usada, preferencialmente ou associada à nutrição parenteral. 
3.2 Síndrome do Intestino Curto 
Esta síndrome ocorre quando há uma ressecção extensa ou dano importante do intestino delgado, comprometendo sua capacidade digestiva e absortiva. As causas mais comuns são infarto intestinal, trauma, doença inflamatória (doença de Crohn), tumores ou radioterapia. As principais manifestações são diarréia, perda de peso e tonteiras. 
A motilidade gastrintestinal é alterada após ressecção intestinal. Em casos de ressecção proximal (mais acima no TGI), pode ocorrer perda da inibição do esvaziamento gástrico, causando síndrome de dumping. Naqueles com ressecção que afeta a válvula íleo cecal, ocorre redução do tempo de trânsito intestinal, levando à menor absorção de nutrientes. Entretanto, a reserva funcional do TGI é muito grande e a síndrome do intestino curto só ocorrerá quando 50% ou mais do intestino delgado forem retirados. Muitas vezes, o intestino se adapta, aumentando a absorção no intestino restante. 
Muitas das desnutrições específicas são dependentes do local de ressecção. Por exemplo, se o duodeno é retirado, ocorrerá principalmente má absorção de ferro, cálcio e ácido fólico. Quando grandes segmentos de jejuno são removidos, os segmentos restantes de delgado e o cólon podem reabsorver a água e eletrólitos, porém, a atividade da lactase intestinal estará diminuída, resultando em intolerância à lactose. A ressecção do íleo causa diarréia pelo maior volume que alcança o cólon. Em adição, os sais biliares, normalmente absorvidos no íleo terminal, estimulam a secreção de água e e eletrólitos, aumentando a diarréia. 
A síndrome de dumping ou esvaziamento rápido é caracterizada pela falta do esfíncter gastro-duodenal. Dessa forma, a função de reservatório do estômago é perdida, acarretando a passagem rápida e precoce do quimo hiperosmolar ao duodeno. Assim, 10 a 30 minutos após a alimentação, os pacientes queixam-se de dor abdominal, distensão, náuseas, fraqueza, palpitações decorrentes da passagem de líquido dos vasos para a luz intestinal com o propósito de corrigir a hiperosmolaridade. Alguns pacientes podem ter sintomas de hipoglicemia 2 a 3 horas após a alimentação, decorrente da grande liberação de insulina após a hiperglicemiavinda da absorção de grandes quantidades de glicose. 
Tratamento nutricional da síndrome do Intestino curto: Após a estabilização cardiopulmonar do paciente, deve-se iniciar a nutrição parenteral total (NPT) total, com suplementação de água e eletrólitos para repor as perdas adicionais pelo TGI. Tão logo quanto possível, a nutrição oral deve ser iniciada em associação com a NPT não para nutrir, mas para evitar a hipotrofia intestinal. Se a dieta for bem tolerada, a NPT deve ser gradualmente diminuída. A dieta deve ser sólida, rica em fibras solúveis e carboidratos complexos e dada separadamente dos líquidos. Os líquidos isotônicos podem ser dados 1 a 2 horas após a ingestão da dieta. O objetivo é manter uma ingestão de cerca de 30 kcal/kg de peso ideal por dia. Pacientes com ressecção de mais 50% do intestino devem receber o dobro das calorias necessárias para compensar as perdas intestinais. 
Pode ocorrer diarréia induzida por sais biliares não absorvidos. 
A deficiência de vitamina B12 deve ser esperada nos casos em que seu sítio de absorção foi retirado. A deficiência deve ser monitorada e tratada com injeção mensal de 100 microgramas da vitamina.
Para os pacientes que não conseguem manter dieta oral ou naqueles com intestino remanescente menor que 80 cm, a nutrição enteral permanente deve ser estabelecida. Dietas de baixo resíduo ou elementares devem ser empregadas, pois não necessitam de digestão prévia para serem absorvidas. Estes pacientes, muitas vezes, requerem maior tempo de adaptação com nutrição parenteral e enteral. Porém, com freqüência, o intestino remanescente pode se adaptar e a necessidade de suporte nutricional reduzir–se com o tempo. 
Os sintomas da síndrome de dumping são reduzidos com o uso freqüente de refeições sólidas e secas em pequena quantidade. Dietas ricas em proteínas, gorduras, carboidratos complexos e pobres em carboidratos simples são preferidos. Fibras solúveis como a pectina (presente em banana, maçã e laranja) devem ser dadas. Os líquidos devem ser ingeridos separadamente das refeições. 
3.3 Pancreatite 
O manejamento nutricional da pancreatite aguda e crônica apresenta muitos desafios à prática clínica. Pacientes com pancreatite aguda têm taxas metabólicas aumentadas, que se assemelham às taxas daqueles com septicemia (infecção generalizada). Pacientes com pancreatite alcoólica ou exacerbação aguda de pancreatite crônica já são normalmente desnutridos e podem piorar muito com uma nova cise aguda da doença. 
Em geral, pancreatite aguda é tratada com o chamado “repouso intestinal”, fluidos intravenosos e analgésicos. A maioria dos casos de pancreatite aguda é curta e auto limitada e não requerem um suporte nutricional prolongado. Embora o uso de suporte nutricional seja preconizado por alguns, em geral ele está reservado apenas para aqueles pacientes para os quais a perspectiva de reinício de dieta pela via intestinal é demorada. 
A época de reiniciar a dieta oral é bastante discutida e muitos têm receio de uma recaída, caso a dieta oral seja reintroduzida precocemente. Em geral, a regra é iniciar a dieta oral quando o paciente queixar fome. Deve-se, antes de iniciar a dieta, testar a ingestão de água e líquidos para observar a aceitação. Se o paciente não tolerar água, certamente alguma complicação não diagnosticada (abscesso, infecção, pseudocisto etc.) está presente. 
Na pancreatite crônica, as principais queixas são dor abdominal, perda de peso e diarréia (esteatorréia). A principal recomendação é a abstinência ao álcool. Muitas vezes, a esteatorréia só aparece quando 90% da função do pâncreas exócrino estão comprometidos. Em muitos pacientes, dietas hipolipídicas já melhoram o quadro. A dieta deve ser hiperprotéica, hiperglicídica e hipolipídica, contendo menos de 25% das calorias totais como gordura. Deve-se dar preferência aos óleos vegetais que suprirão os ácidos graxos essenciais. Se a pancreatite continua a progredir, ocorrerá a insuficiência do pâncreas exócrino, com a falta importante das enzimas pancreáticas. Neste caso, a ingestão de enzimas pancreáticas, concomitantemente com a refeição, ajudará na digestão dos alimentos. 
3.4 Síndrome do Intestino Irritável 
A doença é caracterizada pela clássica tríade de dor abdominal, constipação e ou diarréia e ausência de doença orgânica e é comum em pacientes de 20 a 30 anos. Deve-se sempre observar se alguma doença, como carcinoma de cólon ou outras, não foi mal investigada e não diagnosticada. Os padrões da síndrome devem persistir por mais de 3 meses para que o diagnóstico seja firmado. A causa é ainda desconhecida e os mecanismos possíveis são: reflexo gastrocólico exacerbado, sensibilidade anormal do cólon à distensão e intolerâncias alimentares (Mahan LK & Escott-Stump, 1998).
Contribuem também para a síndrome o uso excessivo de cafeína, laxantes, doenças anteriores do tubo gastrintestinal, uso de antibióticos, irregularidades no sono e no descanso, na ingestão hídrica ou nos movimentos intestinais. 
Os cuidados nutricionais devem iniciar pela obtenção do peso ideal, pois estes pacientes são, em geral, sobrepesados ou obesos. Assim, o propósito do programa nutricional é aliviar os sintomas, nutrir o paciente e manter o peso ideal. Naqueles com história familiar de alergia, deve-se pesquisar hipersensibilidade a alimentos. 
A dieta básica é rica em fibras e com a exclusão de alimentos estimulantes. Os produtos lácteos, o chocolate, os ovos e os produtos do trigo têm sido citados em algumas publicações como estimulantes da síndrome. Cerca de 40% dos pacientes são também intolerantes à lactose. Assim, uma dieta normal, com ênfase aos alimentos ricos em fibras (20 a 30 gramas/dia), deve ser recomendada. Estes alimentos darão volume e consistência às fezes, aliviando a pressão de contração e normalizando a motilidade intestinal. 
3.5 Doenças Inflamatórias Intestinais (DII)
Ocorrem principalmente em pacientes entre 15 a 25 anos. A Doença de Crohn é uma doença crônica e progressiva que pode desaparecer eventualmente ou se tornar grave, complicando com obstrução intestinal ou fístulas (comunicações anormais entre órgãos ou regiões de um órgão). Quando encontrada no intestino delgado, é uma doença difusa e continua a se espalhar e danificar o intestino, mesmo após ressecção cirúrgica. 
O paciente tipicamente apresenta fadiga, perda de peso, dor ou cólica abdominal, diarréia e febre. A diarréia crônica resulta em má absorção. A inflamação crônica pode levar a estenoses (estreitamentos) do intestino lesado e conseqüente obstrução intestinal. Outros sintomas e sinais são artrites, conjuntivite, coceira e icterícia. 
A colite ulcerativa é outra DII que leva à inflamação crônica e ulceração da mucosa intestinal, principalmente do cólon (sobretudo no reto). Em geral, ocorre diarréia com sangue (o que é raro na doença de Crohn), mas a desnutrição, comum em Crohn, é menos freqüente na colite ulcerativa. Pode ocorrer dilatação do cólon (megacólon). As principais diferenças entre estas DII estão mostradas na Tabela 3.1
ENTRA TABELA 3.1.
O tratamento requer uso de antiinflamatórios e até mesmo ressecção cirúrgica. O cuidado nutricional não deve ser negligenciado, uma vez que o paciente tem medo de se alimentar pelas cólicas abdominais que se seguem à alimentação. Estes pacientes são geralmente desnutridos, devido à ingestão e absorção inadequadas, ressecção prévia, efeito catabólico da doença/inflamação e uso de corticóides. Além da deficiência protéico-calórica, deficiências específicas de ferro, B12, ácido fólico, cálcio, zinco e vitaminas lipossolúveis são comuns, de acordo com a área acometida pela doença. Quando a deficiência pode ser prevista, a suplementação parenteral deve ser iniciada antes mesmo dos sinais da deficiência aparecerem. 
Alguns pacientes têm a idéia errônea de que as dietas de restrição devem ser usadas para remissão das crises. Ao contrário, alimentos da preferência do paciente devem ser reforçados para reduzir a desnutrição. Aexceção são aqueles ricos em lactose, uma vez que a intolerância a ela é muito freqüente. Porém, derivados de leite devem ser retirados apenas naqueles sensíveis. Em muitos estudos, o uso de nutrição enteral e parenteral não apresentou melhor resultado em relação à recuperação nutricional ou da doença, quando comparadas à dieta oral equilibrada. Os conteúdos de energia e proteína devem ser altos, ou seja, 40 a 50 kcal/kg e 1,0 a 1,5 g/kg por dia, respectivamente. Como o conteúdo calórico diário é grande, refeições freqüentes em menores quantidades são mais bem aceitas do que grandes refeições. 
A esteatorréia pode ocasionar grande perda de minerais, como cálcio, zinco e magnésio e também a grande absorção de oxalato, o que ocasionará deficiência dos minerais e possível formação de oxalato de cálcio. O uso de alimentos ricos em fibras solúveis para o tratamento da colite ulcerativa vem ganhando grandes adeptos devido aos efeitos benéficos do butirato (produzido pela fermentação intestinal destas fibras). O uso de sulfassalazina para o tratamento pode levar à deficiência de ácido fólico e esta vitamina deverá ser suplementada na dieta ou parenteralmente. 
3.6 Doença Celíaca
A doença é causada por uma reação à gliadina, o componente solúvel em água do glúten. A gliadina interage com a mucosa intestinal danificando-a. 
Fortes evidências sugerem uma predisposição genética à doença celíaca. Ela é cerca de 100 vezes mais freqüente em parentes de 1o grau de doentes celíacos que na população geral. Porém, a causa genética não está esclarecida. 
O mecanismo pelo qual a gliadina danifica a mucosa intestinal não está clara, mas parece envolver também componentes imunológicos. É sugerido que um receptor na superfície da célula intestinal permite que a gliadina (ou uma seqüência de seus aminoácidos) se una ao enterócito. Este complexo é, então, capaz de sensibilizar os linfócitos T, que liberariam citocinas que diretamente danificariam o enterócito. A doença afeta primariamente jejuno e íleo, levando à atrofia da mucosa, que limita fortemente a digestão e absorção dos nutrientes. As principais manifestações clínicas são a diarréia, a perda de peso e o mal estar. A diarréia é encontrada em 70% dos pacientes. É intermitente e ocorre 3 a 4 vezes ao dia, de consistência amolecida, que freqüentemente aparece associada a dores em cólicas e sangramento fecal. Muitas vezes, o quadro é confundido com síndrome do intestino irritável. Em alguns pacientes, a diarréia é mais grave, com sinais típicos de má absorção (volumosas, mal cheirosas, engorduradas e com tendência a flutuar). A perda de peso é uma constante, mas a intensidade varia de acordo com o grau de comprometimento intestinal e anorexia associada. Se a doença for restrita ao intestino proximal, o peso pode ser mantido dentro do normal. Há também manifestações extra-intestinais, quase todas secundárias às deficiências nutricionais decorrentes da mal absorção. As principais manifestações são vistas na Tabela 3.2. 
ENTRA Tabela 3.2.
Tratamento nutricional: a restrição da gliadina é o centro do tratamento da doença celíaca. A maioria dos pacientes relata uma significativa melhora dos sintomas após dias de tratamento. Mudanças histológicas demoram mais tempo, mas ocorre a normalização na maioria dos casos. A dieta deve ser inicialmente suplementada com aqueles nutrientes que estiverem com deficiência estabelecida, mas, com a melhora do quadro, a suplementação pode ser reduzida e, depois, abolida. A anemia deve ser tratada com ferro, folato e vitamina B12, dependendo de sua causa. Quando houver sangramento ou tempo de protombina prolongado, deve-se suplementar vitamina K. Quando há desidratação por diarréia, a reposição de eletrólitos e líquidos deve ser feita. Em casos de osteomalácia, a administração de cálcio e vitamina D está indicada. A esteatorréia pode conduzir a perdas de vitaminas A e E, cujas administrações devem ser feitas para reabastecer os estoques depletados. 
A adesão à dieta pode ser muito difícil, uma vez que inúmeros produtos comerciais possuem glúten e o paciente, sem saber, consome produtos que contêm a proteína. Porém, muitos pacientes deliberadamente ingerem o glúten: cerca de 30% dos pacientes admitem ingerir glúten e permanecem assintomáticos (Kirby & Dudrick, 1996). Porém, em outros, pequenas ingestões da proteína resultam em diarréia e sangramento intestinal. 
As dietas devem ter nenhuma ou pequenas quantidades de gliadina (5 a 50 microgramas de gliadina/dia). As principais fontes de gliadina são o trigo e o centeio, sendo também encontrada na aveia e cevada. Estes quatro cereais devem ser eliminados da dieta, ficando como substitutos o arroz e o milho. A Tabela 3.3 apresenta um programa alimentar baseado em dietas com baixos teores de glúten.
ENTRA TABELA 3.3
A intolerância à lactose, algumas vezes, parece ser secundária à doença celíaca. Nestes casos, utilizam-se dietas sem lactose e gliadina. Cabe ressaltar que, com a recuperação da mucosa intestinal, há normalização dos níveis de lactase, desaparecendo a intolerância à lactose.
Em casos de ausência de resposta ao tratamento, é importante considerar se não está ocorrendo a ingestão equivocada ou deliberada de gliadina. O risco de um diagnóstico errado de doença celíaca também deve ser considerado. 
A ausência real de resposta ao tratamento é rara. Nestes casos, deve-se usar corticóides em vez de dietoterapia no tratamento da doença.
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ANEMIAS
A anemia é uma das manifestações mais comuns de doenças. Em alguns países subdesenvolvidos, a maioria das pessoas aparentemente normais é anêmica. Considera-se a anemia como uma condição em que a quantidade total de hemoglobina circulante do sangue é inferior ao normal. Esta diminuição de hemoglobina pode ser atribuída à diminuição do número de células sangüíneas vermelhas por unidade de volume de sangue e ao teor deficiente de hemoglobina nos eritrócitos. 
Na Tabela 4.1 estão apresentadas as variações normais dos principais parâmetros usados no diagnóstico da anemia: a hemoglobina, a concentração de hemácias e o hematócrito. Qualquer um desses três exames pode ser usado para estimar a anemia. Porém, todos estes testes estão alterados se o volume plasmático total está afetado, como no caso da gravidez, retenção de líquidos, desidratação, cirrose hepática, insuficiência cardíaca etc. 
ENTRA TABELA 4.1
As queixas causadas por anemia são relacionadas à hipóxia (falta de oxigênio) dos tecidos. Em pacientes com anemia crônica, o nível do hematócrito em que aparecem os sintomas varia bastante, influenciado pela velocidade de instalação da anemia, idade e doença subjacente. Os sintomas mais freqüentes são falta de ar ao esforço, tontura, dor de cabeça latejante, zumbidos, palpitação, cansaço, desmaios, alteração do sono e do humor e angina (em idosos). A anorexia e a perda de peso também são comuns. No exame nota-se palidez de pele e mucosas, pulso acelerado, forte e sopros cardíacos. Ao exame, as hemácias apresentam intensidade de cor e formas diferentes, que podem ajudar no diagnóstico da doença que causou a anemia. Em geral, elas podem ser normo, macro ou microcíticas (de acordos com tamanho normal, maior ou menor que o comum, respectivamente) ou hiper, hipo ou normocrômica (se a cor é mais intensa, menos intensa que o comum ou normal, respectivamente). Lembre-se que a cor da hemácia é dada pelo teor de hemoglobina e a pouca hemoglobina (Hb) levará à hipocromia. 
As anemias ocorrem associadas a um número enorme de doenças (Tabela 4.2) por meio de mecanismos diversos.
ENTRA TABELA 4.2
As anemias nutricionais são as causas mais comuns de anemias; as principais são causadas por deficiência de ferro (anemia microcítica e hipocrômica) e de vitamina B12 ou folato (causando anemia megaloblática). Deficiências de outros nutrientes (piridoxina, ácido ascórbico e cobre) também podem levar à anemia, mas não fazem parte do quadro principal de sinais e sintomas.
Existe um equilíbrio dinâmicoentre a formação de células vermelhas do sangue e a sua remoção. A manutenção dos níveis de hemoglobina e eritrócitos depende deste equilíbrio. A maioria dos constituintes dos eritrócitos é efetivamente conservada e reutilizada, porém, existem outros constituintes que não são sintetizados pelo organismo e devem ser supridos pela dieta. Dentre estes destacam-se o ferro e os aminoácidos essenciais, sendo, portanto, usual a ocorrência de anemias devido à deficiência destes compostos.
As hemácias são produzidas por mecanismos complexos que envolvem também a síntese de ácidos nucléicos. Tanto o ácido fólico quanto a vitamina B12 exercem papéis importantes na síntese de DNA, sendo a formação e a maturação destes afetados pela deficiência de ambas as vitaminas.
O ferro é um constituinte da molécula de hemoglobina. Quando o suprimento de ferro é inadequado, há limitação na síntese de hemoglobinas, faltando, conseqüentemente, moléculas para serem incorporadas nos novos eritrócitos. Nestes casos, os novos eritrócitos poderão amadurecer, desde que não haja deficiência de ácido fólico e vitamina B12. Porém, eles terão níveis de hemoglobina ativa abaixo do normal.
As proteínas de alta qualidade biológica, ferro, vitamina B12, ácido fólico e vitamina C são todos constituintes da dieta e de grande importância na anemia por deficiência dietética. Em muitos casos, a absorção prejudicada, perdas excessivas ou um requerimento aumentado são os fatores mais importantes para desencadear a anemia que o suprimento dietético insuficiente destes constituintes.
4.1 Anemia Ferropriva
As causas da anemia ferropriva estão mostradas na Tabela 4.3. Esta é a causa mais comum de anemia em todo o mundo. Em países desenvolvidos, cerca de 3% dos homens, 20% das mulheres e 50% das gestantes apresentam deficiência de ferro. As reservas de ferro estão reduzidas em 20% das crianças, 30% dos adolescentes, 30% das mulheres em idade fértil, 3% dos homens e 60% das gestantes (Wyngaarden et el., 1992). 
ENTRA TABELA 4.3
No Brasil, a freqüência é alta, ocorrendo em cerca de 1/3 das gestantes A quantidade de ferro absorvido é a mesma quantidade de ferro perdido. Não existe via de catabolismo do ferro e todo o ferro liberado do catabolismo do grupo heme será reaproveitado na síntese de novas proteínas que contêm ferro. A perda diária é devido à perda de células intactas contendo ferro, como as células epiteliais do trato gastrintestinal e urinário e a pele. Na mulher, a menstruação, gestação e lactação também contribuem para a perda. Grande parte do ferro é utilizado e reutilizado para a síntese da hemoglobina através do ciclo interno do ferro (Figura 4.1). O ferro plasmático, ligado à transferrina, é transferido para as células eritróides na medula óssea. Após 120 dias, as hemáceas são eliminadas (captadas por macrófagos no baço) e a maioria do ferro volta ao plasma para se ligar à transferrina. A absorção do ferro no organismo está descrita na apostila de Fisiologia e Metabolismo da Nutrição.
ENTRA FIGURA 4.1 
4.1.1 Manifestações clínicas
Como dito anteriormente, a anemia ferropriva não é a doença, mas apenas a manifestação da deficiência. Muitas vezes, é descoberta por acaso. Em geral, os pacientes se adaptam à anemia e continuam suas atividades rotineiras. Fadiga, irritabilidade, palpitações, vertigens, falta de ar e dor de cabeça são queixas comuns e não sugerem, por si só, a deficiência de ferro. 
Porém, alguns achados são sugestivos de anemia ferropriva. Dentre eles estão a clorose, uma palidez esverdeada de adolescentes (hoje pouco comum de se ver), o adelgaçamento e achatamento das unhas e o aparecimento de unhas em forma de colher (coiloníquia) têm sido descritos em pacientes com anemia ferropriva avançada (Figura 4.2A). A geofagia (ingestão de terra) pode ser um sinal de deficiência de ferro, como também pode ser a causa (o barro pode funcionar como um agente quelante de ferro). A ingestão de gelo (pagofagia) é particularmente comum. 
ENTRA FIGURA 4.2
Os achados laboratoriais são a redução das hemácias circulantes (grau de redução depende da intensidade e duração da deficiência) e de todos os índices hemantimétricos. O esfregaço de sangue revela uma área de palidez central nas hemácias (hipocromia), células de diferentes tamanhos (anisocitose) e formas (poiquilocitose). A concentração plasmática de ferro é inferior a 50 g/dl e a saturação de transferrina menor que 15% (Wyngaarden et al., 1992). 
Tratamento: No caso de anemia por deficiência de ferro, o tratamento principal consiste na administração oral do ferro inorgânico na forma ferrosa (sulfato ferroso). A absorção de ferro na forma ferrosa é muito superior à da forma férrica: quando 30 mg são dados, a absorção do sulfato ferroso é 3 vezes maior que a forma férrica. Esta diferença vai se acentuando à medida que aumenta a dose administrada. Outros sais, tais como lactato, glutamato e fumarato de ferro, são também bem absorvidos.
A absorção de ferro é maior quando o estômago está vazio, porém, pode causar irritações gástricas. Os efeitos colaterais (náusea, azia, diarréia ou constipação) podem ser minimizados pelo aumento lento e gradativo da dose.
A dose recomendada é de 50 a 200mg de ferro elementar/dia para adultos ou 6mg/kg/dia para crianças. Como o ácido ascórbico mantém o ferro na forma reduzida (ferrosa - Fe++), esta vitamina melhora sua absorção. A Tabela 4.4 ilustra a recomendação alimentar de ferro, de acordo com a faixa etária. 
ENTRA TABELA 4.4
As causas mais comuns de falência do tratamento são: 1 - o paciente não fez uso da medicação (pelos efeitos colaterais desagradáveis); 2 - a perda de sangue persiste em taxas mais rápidas que a reposição de células sangüíneas pela medula eritróide; 3 - distúrbios na absorção do ferro ingerido, causada, possivelmente, por doenças no TGI (esteatorréia, doença celíaca) ou hemodiálise. Nestes casos, utiliza-se a administração parenteral de ferro na forma de ferrodextran que, embora leve à rápida recuperação da anemia, é mais onerosa e arriscada.
Em adição à suplementação de ferro, deve-se dar atenção à ingestão de ferro na dieta. Uma alimentação balanceada, com alimentos dos diversos grupos, contém entre 10 a 20 mg de ferro ou 5 a 7 mg/1000 kcal. 
O ferro presente nas carnes vermelhas e vísceras animais é biologicamente mais disponível. Ele está ligado ao heme e é absorvido diretamente pelas células da mucosa intestinal, após a proteólise da mioglobina ou hemoglobina. De forma geral, os vegetais são ricos em ferro, embora a presença de outros compostos como fibras, fitatos, carbonatos, oxalatos e taninos tornem o ferro menos absorvível no intestino humano (Dutra-de-Oliveira, 1998). O EDTA, um conservante de alimentos, causa redução de 50% na absorção do ferro não heme. O ferro na gema do ovo é pobremente absorvido, devido à presença de fosfovitina. As principais fontes de ferro alimentar estão mostradas na Tabela 4.5.
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ENTRA Tabela 4.5.
O cozimento dos alimentos aumenta a absorção de ferro, devido ao efeito do calor na quebra de suas ligações com outros compostos orgânicos. Na presença de glicose, frutose, alguns aminoácidos e ácido ascórbico (que reduzem o íon férrico ao estado ferroso), a absorção do ferro será aumentada. Este efeito justifica o uso de ferro ligado a aminoácidos e a orientação de ingerir sulfato ferroso com suco de frutas (principalmente cítricas). 
Em resumo, as principais recomendações para melhorar a biodisponibilidade do ferro alimentar são (Mahan & Escott-Stump, 1998): 
melhorar o nível de ferro dietético por meio de escolhas adequadas de alimentos;
utilizar fontes de ferro heme nas refeições;
incluir fontes de vitamina C nas refeições;
evitar o uso, em grandes quantidades, de chá e café nas refeições. uma vez que ambos contêm taninos;
verificar a presença de EDTA em rótulos de alimentos, a fim de evitar grandes quantidades deste aditivo. 
4.2 Anemias Megaloblásticas
A anemia megaloblástica é causada por deficiências que refletem nasíntese anormal de DNA, causando mudanças morfológicas e funcionais não só nas hemácias, mas também em leucócitos e plaquetas e seus precursores. As causas de anemia megaloblásticas englobam a deficiência de vitamina B-12 e ácido fólico. A Figura 4.2b mostra o aspecto destas células na medula óssea. A Tabela 4.6 dá a classificação etiológica das deficiências destas vitaminas
ENTRA TABELA 4.6
4.2.1 Deficiência de folato
O folato é uma coenzima importante na síntese das bases nitrogenadas guanina, adenina e timina e dos aminoácidos metionina e serina. Sua função é transportar unidades de um carbono para a síntese destes compostos. Assim, se não houver folato, as sínteses de DNA e RNA e de muitas proteínas estarão prejudicadas. A deficiência é comum em mulheres grávidas e bebês nascidos de mães deficientes. Além disso, a maioria dos alcoólicos tem balanço negativo de folato, já que eles podem apresentar todas as seis causas de deficiência simultaneamente, ou seja: ingestão, absorção e utilização inadequadas, excreção, necessidade e distribuição aumentadas (Mahan & Escott-Stump, 1998).
A cobalamina também é um fator importante no metabolismo de ácidos nucléicos, pois é responsável pela regeneração da forma de folato que transporta grupos metil para a síntese de bases nitrogenadas em células de rápida replicação, como as células epiteliais e hematológicas, dentre outras. Estas células necessitam do fornecimento de grupos metil pelo ácido fólico para a síntese de DNA. Porém, sem a vitamina B12, esta forma do ácido fólico não pode ser eficientemente utilizada, comprometendo a síntese de DNA e a divisão destas células. Assim, acredita-se que a deficiência de cobalamina leve à deficiência de formas de folato necessárias para a síntese de DNA, resultando em anemia megaloblástica. A Figura 4.3 resume a inter-relação entre folato e vitamina B12.
Entra FIGURA 4.3
Como a proteína do precursor da hemácia, o eritroblasto não pode ser sintetizado corretamente (pela alteração no DNA, RNA e alguns aminoácidos), o núcleo do eritroblasto na medula torna-se grande, hipersegmentado, com grande citoplasma. Os neutrófilos hipersegmentados também podem ser vistos no sangue periférico. Nas hemácias, que são anucleadas, observam-se, muitas vezes, células com formato ovalar e de tamanho maior que o normal. Se houver hemácias nucleadas no sangue periférico, estas se apresentarão maiores que o normal, com aspecto granuloso. Caso não apareçam hemácias imaturas (nucleadas) no sangue periférico, a biópsia da medula óssea, muitas vezes, está indicada para a confirmação das células megaloblásticas. 
A deficiência de cobalamina cursa também com uma série de alterações neuropsiquiátricas - delírios, confusões e alterações neurológicas, como dormências, formigamentos, incoordenação muscular, pouca memória, alucinações - causadas por um defeito indefinido na síntese de mielina. Estas alterações não são vistas na deficiência de folato. Portanto, estas alterações podem ser atribuidas à segunda enzima dependente de vitamina B12, a L-metilmalonil CoA mutase. Esta enzima é importante para o catabolismo de ácidos graxos de número ímpar de carbonos ou de cadeia ramificada no organismo. O exato mecanismo de desenvolvimento das lesões na ausência de cobalamina ainda não está claro.
Tratamento: Antes de se iniciar o tratamento, é importante descobrir corretamente a causa da anemia. A administração de folato irá corrigir apenas a anemia megaloblástica, no caso da deficiência de B12. As alterações neurológicas serão mantidas. 
O tratamento na deficiência de B12 consiste em administrar a vitamina intramuscular ou subcutânea em doses de cerca de 1000 g/ semanais, durante 8 semanas e, depois, uma vez ao mês, por tempo indeterminado. A dose de folato é de 1 a 2 mg/dia, também por tempo indefinido. 
A terapia nutricional deve ser iniciada e mantida para o resto da vida e consiste na ingestão de alimentos ricos em folato ou cobalamina (Tabela 4.7).
Entra TABELA 4.7
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DISLIPIDEMIAS E ATEROSCLEROSE
Os lípides, de natureza lipofílica, são transportados no sangue em lipoproteínas, que consistem da camada externa que contém proteína (chamadas de apolipoproteína ou simplesmente apo) e lípides polares (fosfolípides e colesterol não-esterificado) que envolvem o centro hidrofóbico, mais interno de lípides neutros (triglicerídeos, ésteres de colesterol e vitaminas lipossolúveis) (Figura 5.1). 
ENTRA FIGURA 5.1
As apoproteínas exercem várias funções fisiológicas, além de simplesmente solubilizar os lípides circulantes: agem como cofatores de enzimas ou ligantes de receptores na superfície celular.
Transporte de lípides no sangue: o metabolismo de lipoproteínas será resumidamente descrito a seguir (Figura 5.2). 
ENTRA FIGURA 5.2
Após a digestão e absorção, os lípides da dieta são transportados na linfa como partículas de quilomícrons (QM). Os QM possuem apo B-48 e E como principais apoproteínas. Eles penetram inicialmente pelo ducto torácico para depois alcançar a circulação sistêmica. Nos capilares dos tecidos adiposo e muscular, dentro de poucas horas após a alimentação, os QM sofrem a hidrólise de seus triacilgliceróis pela ação da enzima lipase lipoprotéica, utilizando como cofator a apo CII. Após esta ação da lipase, os quilomícrons são chamados quilomícrons remanescentes (QMr), os quais são rapidamente retirados da circulação pelo fígado, por meio da interação entre a apo E e os receptores de apo E nas membranas dos hepatócitos. 
A lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL) é uma partícula rica em triglicérides derivada do fígado e, além de outras apoproteínas, apresenta apo B-100 e apo E em sua constituição. Da mesma forma que os quilomícrons, a VLDL perde seus triglicérides por ação da lipase lipoprotéica auxiliada pela apo CII, originando um remanescente mais denso chamado lipoproteína, de densidade intermediária (IDL). 
A IDL contém quantidades iguais de colesterol e triglicérides, e as principais apoproteínas presentes são apo B-100 e apo E. Esta partícula tem dois destinos: é captada pelo fígado pela interação das apoproteínas com receptores E ou B/E de hepatócitos ou sofre catabolismo adicional (perda de lípides e apoproteínas) e se transforma em LDL.
A LDL é a principal transportadora de colesterol na circulação. Transporta colesterol para os tecidos extra-hepáticos, cujas membranas apresentam os receptores B/E que reconhecem a apo B-100, única proteína presente na partícula de LDL. 
A HDL é uma lipoproteína que apresenta apo A-I e apo E como principais apoproteínas. São envolvidas no transporte reverso de colesterol, o único processo pelo qual o colesterol livre dos tecidos periféricos é transportado para o fígado para metabolismo ou excreção. Neste processo, o colesterol é esterificado por ação da LCAT (lecitina colesterol acil transferase) tendo a apo A-I como cofator e lecitina (fosfatidilcolina) como doador de grupo acil para a reação. O potencial protetor de HDL na aterosclerose vem do fato desta lipoproteína ser capaz de retirar o excesso de colesterol livre, não só de membranas celulares como do próprio subendotélio (na placa aterosclerótica). 
Finalmente, as Lp(a), que são partículas de LDL, às quais uma glicoproteína de alto peso molecular denominada apo (a) está ligada através de ponte dissulfeto. As concentrações séricas de Lp(a) são hereditárias e são menos afetadas por fatores ambientais do que as outras lipoproteínas. Altas concentrações de Lp(a) têm sido associadas com elevado risco de doença cardiovascular, possivelmente por causa da homologia da apo(a) com o plasminogênio. Por sua similaridade a esta proteína fibrinolítica, a apo (a) liga-se à rede de fibrina na luz arterial, sem, contudo, degradá-la, impedindo, assim, a destruição do trombo na área da lesão aterosclerótica, aumentando o risco de obstrução e isquemia.
5.2 Aterosclerose
A aterosclerose é uma alteração inflamatória de artérias de médio e grande calibres pela deposição lipídica, na qual ocorreespessamento da camada íntima com a perda da elasticidade e posterior calcificação. Postulada como resposta à injúria endotelial vascular, a aterosclerose consiste de lesões focais da camada íntima arterial, caracterizadas pela deposição de colesterol, fibrose e inflamação. Um estado pró-trombótico também faz parte do quadro. Embora qualquer artéria possa ser afetada, o sítio de maior significância clínica da doença são a aorta e as artérias coronárias, tendo como principais conseqüências o infarto do miocárdio, a isquemia cerebral e o aneurisma aórtico. 
A injúria vascular pode resultar da interação de várias forças, incluindo anormalidades metabólicas e nutricionais, tais como hiperlipidemias, forças mecânicas associadas com hipertensão arterial, toxinas exógenas como aquelas encontradas no tabaco, proteínas anormalmente glicadas associadas com o diabetes mellitus, lípides ou proteínas modificadas oxidativamente e, possivelmente, infecções virais.
Vários estudos experimentais e epidemiológicos têm mostrado que as dislipidemias caracterizadas por níveis elevados de LDL e ou reduzidos de HDL estão associadas à aterogênese acelerada. LDL circulante atravessa o endotélio e fica aprisionada na região subendotelial, onde sofre modificação oxidativa da porção lipídica e protéica. A modificação oxidativa das moléculas lipídicas inclui a degradação de ácidos graxos poliinsaturados e a geração de intermediários reativos de oxigênio. A molécula de colesterol também sofre oxidação e a apo B-100 sofre degradação. Estas modificações levam à perda de reconhecimento destas lipoproteínas pelo receptor de LDL, sendo agora reconhecida pelos receptores scavengers ou de limpeza (ScR) de macrófagos e de células musculares lisas. Esses receptores são expressos na presença de altos níveis de colesterol intracelular, resultando na formação de células espumosas (foam cells), que é característica da placa inicial. A Figura 5.3 mostra como ocorre o início da formação de placa aterosclerótica a partir de LDl oxidada.
ENTRA FIGURA 5.3
5.2.1 Estágios de desenvolvimento da aterosclerose
As estrias gordurosas, lesões mais precoces da aterosclerose, são encontradas em necrópsias desde idades tão precoces como 1 ano. Os achados histológicos são macrófagos abarrotados de gorduras no subendotélio que formam estrias amareladas ao longo da parede arterial, resultado do acúmulo de células espumosas. Estas células são acompanhadas por um número variável de linfócitos T e células musculares lisas. Estas últimas também podem acumular lípides, tornando-se foam cells. O processo de aterosclerose começa como uma forma especializada de inflamação, presumivelmente em resposta à injúria do endotélio. Estas lesões não são obstrutivas e podem ou não progredir para lesões avançadas. 
As lesões intermediárias são placas fibrogordurosas que contêm os mesmos elementos celulares da lesão precoce. Entretanto, a proporção relativa de macrófagos carregados de lípides, células T e células musculares lisas pode variar. Geralmente, a lesão fibrogordurosa alcança uma aparência mais complexa, consistindo de camadas alternadas de células espumosas e células musculares lisas com uma grande quantidade de tecido conjuntivo. 
A placa fibrosa ou placa avançada ou lesão complicada possui uma superfície coberta por uma capa de espessura variada, consistindo de várias camadas de células musculares lisas cercadas por uma matriz densa de tecido conjuntivo que contém colágeno, fibras elásticas e proteoglicanas. As células musculares lisas que compõem esta lesão tomam uma característica plana. O centro do material necrótico consiste de debris celulares, cristais de colesterol e células espumosas. Calcificações são encontradas próximo ao centro necrótico. A capa fibrosa é mais delgada nas regiões laterais e margens da lesão, sendo estes locais mais susceptíveis ao rompimento e posterior formação de trombos, precipitando a obstrução e a isquemia. A Figura 5.4 ilustra as fases de desenvolvimento da lesão aterosclerótica
ENTRA FIGURA 5.4
5.2.2 Diagnóstico clínico
As hiperlipidemias podem manifestar-se como hipercolesterolemia e ou hipertrigliceridemia. O excesso de lípides é resultado do acúmulo de uma ou mais classes de lipoproteínas, devido à menor remoção do plasma e ou maior produção. As hiperlipidemias podem ser classificadas como primárias ou secundárias. As desordens primárias são genéticas (familiares) ou não-genéticas (esporádicas). As desordens secundárias surgem de alguma alteração, como dieta, uso de álcool e outras drogas ou doença de etiologia hormonal, infecciosa ou maligna (Alvarez-Leite et al., 2002).
A abordagem clínica tem como objetivo prevenir, diagnosticar e tratar as dislipidemias e suas complicações, como as alterações cutâneas, pancreatite aguda (no caso de hipertrigliceridemia) e doença isquêmica arterial.
A entrevista com o paciente é necessária para a identificação de antecedentes familiares, para fornecer subsídios ao diagnóstico das causas, bem como a estratificação do risco de doença cardiovascular (ver adiante). Assim, idade, sexo, origem, caracterização de hábitos alimentares e estilo de vida, o tempo de diagnóstico da dislipidemia, sintomas e sinais relatados, uso de drogas, outras patologias associadas que concorrem para a elevação de lipoproteínas plasmáticas e a história familiar de dislipidemias e ou eventos ateroscleróticos são de fundamental importância na abordagem do paciente. 
De especial interesse é a pesquisa de hábitos alimentares, que pode ser feita por meio de registros alimentares ou recordatório de 24 horas. Estes questionários são importantes também para conhecer alimentos da preferência do paciente que são agentes redutores de colesterol, como aqueles ricos em fibras e antioxidantes. Estes alimentos devem ser reforçados no tratamento dietético. Sem o prévio conhecimento dos hábitos alimentares, as dietas padronizadas para redução de lípides plasmáticos não passarão do papel, uma vez que a adesão à dieta é maior quanto maior a similaridade com a dieta normal do paciente. Deve-se ressaltar que uma dieta para a redução de lípides não é por curto espaço de tempo e deve ser encarada mais como mudança de hábito alimentar do que como um tratamento a curto prazo. 
Poucos são os sinais visíveis ao exame físico. Em geral ocorrem na pele, tendões ou vísceras e não estão presentes em todos os pacientes. Estes sinais correlacionam apenas com as causas genéticas, dislipidemias mais moderadas a leves não apresentam, como regra, os sinais descritos abaixo 
Os xantomas são lesões cutâneas decorrentes da deposição lipídica na pele. São semelhantes aos ateromas que ocorrem na parede arterial: o excesso de lipoproteínas atinge o espaço subendotelial e elas captadas por macrófagos que se acumulam nas regiões de grande atrito ou tensão, como bainhas de tendões, dobras cutâneas, cotovelos, joelhos, dorso das mãos, pálpebras etc. Nem sempre os xantomas são sinais de dislipidemias, podendo aparecer em pacientes normolipêmicos por alterações cutâneas locais. Além dos xantomas, pode-se notar, ao exame, o arco corneano ao redor da íris e a hiperlipemia retinal, pelo exame de fundo de olho (Figura 5.5)
ENTRA FIGURA 5.5
Exames laboratoriais: o perfil lipídico é o conjunto de exames mais comum na determinação de dislipidemias e deve ser pedido em todos os pacientes, mesmo quando eles apresentam, no momento a consulta, exames anteriores. As determinações de colesterol total e das frações de lipoproteínas, juntamente com os triglicerídios séricos, devem ser repetidos por 2 a 3 semanas após a primeira medição, para a confirmação da dislipidemia. 
Diagnóstico de dislipidemias: após a obtenção de um perfil lipídico confiável, os valores devem ser comparados àqueles de referência aceitos internacionalmente para crianças e adolescentes e adultos. Estes valores são vistos nas Tabela 5.1 Os valores de Lp(a) são considerados indicadores de risco quando são maiores que 30mg/dl. Os níveis de triglicérides devem ser

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