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tédio, assim como a ideia do caráter epocal de certos transtor-
nos existenciais. O tédio, por sua vez, é considerado por Medard 
Boss como a tonalidade afetiva que abarca o homem em um 
mundo onde o que predomina é o horizonte da técnica. Estas 
questões foram tratadas ontologicamente por Martin Heideg-
ger e consideradas em uma aproximação com a psiquiatria, pri-
meiramente por Ludwig Binswanger e tiveram continuidade e 
aprofundamento com Medard Boss. Por fim, serão apresentados 
alguns elementos imprescindíveis a uma elaboração mais recente 
da daseinsanálise, quais sejam: o eu como abertura, a ausência 
dinâmica em jogo com o mundo e a fenomenologia hermenêu-
tica como atitude interpretativa frente ao fenómeno. Retomando 
a situação em que homem e mundo acontecem em uma coorigi-
nalidade, as tonalidades afetivas serão por nós discutidas como 
atmosferas nas quais a existência se dá. Apresentaremos, por fim, 
essa modalidade clínica, que se caracteriza por não conscienti-
zar, não orientar e não mapear caminhos, mas que, ao contrá-
rio abre espaço para uma clínica que devolve ao outro a tutela 
que sempre lhe pertenceu. Assim, é preciso ter desde o princípio 
clareza quanto ao fato de que aquilo que acontece na clínica ao 
menos auxilia na manutenção de espaços de abertura para que 
novas possibilidades apareçam. 
24 
DA CONSCIÊNCIA INTENCIONAL EM HUSSERL 
À DESCONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE 
MODERNA EM HEIDEGGER 
Husserl é sem dúvida alguma um autor que rompe com a 
ideia de um psiquismo constituído ou originário. Ao criticar o 
psicologismo, ele não apenas tece consideráveis críticas à ten-
tativa de posicionar o objeto da psicologia como constituído 
psicofisicamente, mas também elabora propostas para pensar 
a psicologia por via da fenomenologia. Nessa elaboração, acaba 
por introduzir a noção de intencionalidade e o método fenome-
nológico como modo de alcançar o fenómeno prescindindo de 
qualquer teoria. Heidegger, na construção de sua ontologia fe-
nomenológica, considera de início duas posições introduzidas 
por Husserl: o caráter intencional da existência e a atitude an-
tinatural como modo de investigação necessário para dar conta 
do fenómeno do existir. Podemos observar, entretanto, algumas 
modificações introduzidas por Heidegger no desenrolar de seu 
projeto em relação a Husserl. Ele aponta primeiramente para 
uma ultima ingenuidade de Husserl, que consiste no fato de ele 
ter mantido uma perspectiva natural com relação à consciência. 
Heidegger, por isso, retira a ideia de consciência, mantendo ape-
25 
nas a intencionalidade como o espaço onde a existência aconte-
ce, Dasein.2 O filósofo do Dasein acrescenta ainda à fenomeno-
logia o caráter hermenêutico de toda e qualquer interpretação, 
a ligação originária entre o ser do homem e o espaço existencial 
no qual se dá o seu ser. Com isso, Heidegger abarca em sua feno-
menologia hermenêutica uma reflexão de fundo sobre a relação 
entre existência e mundo, entre o ser-aí e o seu aí que é decisiva 
para a psicologia. Bem, mas explicitemos um pouco mais as con-
tribuições de Husserl e Heidegger para a psicologia. 
1.1. Husserl e a fenomenologia 
Husserl defende que o lugar onde a filosofia deve permane-
cer é o do projeto moderno, ou seja, na vontade de se constituir 
como ciência rigorosa. O projeto husserliano de uma funda-
mentação rigorosa da filosofia, que serviria de base a toda uma 
fundamentação da ciência, segue na mesma linha do projeto 
cartesiano, no que se refere à sistemática do método. Husserl, 
no entanto, tenta se desviar da perspectiva da subjetividade nu-
clear e posicionadora do mundo de Descartes rumo a uma via 
imanente da consciência, via essa a que ele vai referir-se como 
intencionalidade. O filósofo fundador propriamente dito da fe-
nomenologia vai considerar a intencionalidade o elemento mais 
original a partir do qual tudo se dá a conhecer. A fenomenologia, 
tal como elaborada por Husserl, propõe um método que consis-
te em, uma vez frente ao fenómeno, poder assumir uma atitude 
analítica e reflexiva para chegar às coisas em sua dação originá-
ria. Ele pretende com seu método antinatural elucidar o sentido 
íntimo das coisas. Por meio do método fenomenológico, em um 
constante esforço de suspensão das pressuposições, assumindo 
uma atitude de análise e reflexão, é que Husserl vai investigar a 
consciência. Assim, ele acaba concluindo que o eu consiste em 
2 Cf. quanto a este ponto Casanova (2009). 
26 
uma síntese de vivências que não possui nenhuma unidade es-
tática, mas que acompanha, ao contrário, a própria dinâmica do 
fluxo vivencial no tempo. Essa síntese em fluxo sempre acontece, 
por sua vez, em um espaço de imanência. 
Mas cabe perguntar por que é preciso buscar em Husserl 
considerações acerca da psicologia? Segundo Sá (2010, p. 177): 
"as relações entre a Fenomenologia e a Psicologia aparecem no 
pensamento de Husserl, já desde suas primeiras críticas ao 'psi-
cologismo', nas Investigações lógicas, de 1900". 
1.1.1 Posição crítica em relação à Psicologia moderna 
Husserl, em diferentes momentos de sua produção, tece 
consideráveis críticas à psicologia. Em A crise da humanidade 
europeia e a filosofia, publicado em 1922, Husserl pretende apon-
tar para o impasse no qual se encontram as ciências europeias, 
para além do aparente vigor e progresso por elas apresentados. 
Esse impasse diz respeito à repentina perda da capacidade da ci-
ência de responder ao problema da existência. E este alerta cabe 
também para a ciência psicológica. Ele volta, então, a chamar a 
atenção para a urgência e a necessidade de que se façam refor-
mulações quanto aos pressupostos da psicologia moderna. Com 
isto, ele se refere ao mesmo tempo ao despropósito de se pensar o 
psiquismo em termos de objetividade e ressalta a importância do 
valor prático dessa ciência, embora seus conhecimentos estejam 
aquém daquilo que poderia ser. 
Em a Filosofia como ciência rigorosa, texto publicado pela pri-
meira vez em 1910/11, Husserl levanta consideráveis argumentos 
contrários à Psicologia em sua articulação com o método experi-
mental. Primeiramente, ele refere-se ao equívoco que essa ciência 
comete ao se posicionar com a pretensão de cientificidade plena. 
Em segundo lugar, aponta para a importância que a psicologia 
atribuía à mensuração indireta dos fenómenos psíquicos, acredi-
tando que o acesso ao psíquico se dava por dedução ou inferência. 
27 
E, em terceiro lugar, diz que a psicologia atribui ao seu objeto uma 
natureza psicofísica, com uma determinação objetivamente válida 
e com leis que determinam a sua formação e transformação. 
Husserl considera que, se a filosofia tanto quanto a psico-
logia pretendem alcançar argumentos decisivos para a sua cons-
tituição, elas deverão proceder antes de tudo com base em um 
comportamento metodológico precedente, originário, que seja 
capaz de suplantar as inconsistências oriundas de suas assunções 
teórico-dogmáticas. Para tanto, ele indica a importância de sus-
pendermos os posicionamentos ontológicos do mundo, ou seja, 
os argumentos e pressuposições metafísicos, sejam eles as opini-
ões compartilhadas e prévias sobre os objetos, sejam eles as teses 
científicas, passando a refietir sobre a vida da própria consciên-
cia em sua dinâmica imanente. Para esclarecer o que está aí em 
questão, ele se refere às duas visadas sobre os fenómenos que se 
estabelecem a partir da assunção incontornável de posições pré-
vias. São elas a visada do senso comum e a científica. A primeira 
acontece de modo confuso, ambíguo e obscuro. O senso comum 
confunde-se aqui com o que o filósofo denominou atitude natu-
ral e ingénua, uma vez que tende a tomar como verdade aquilo 
que é visto imediatamente ou aquilo que é comprovado empiri-
camente. A segunda, em uma tentativa de clarificar e tornar ob-
jetiva a visada do senso comum,pressupõe que o eu se dá como 
uma substância passível de ter suas verdades confirmadas, de 
modo objetivado e com propriedades, isto é, como uma substân-
cia fechada em si mesma que se constitui dicotomicamente em 
relação ao mundo. Esta dicotomia acaba se estendendo à ideia 
de um corpo e de um psiquismo cujo encontro se dá em uma 
relação regulada por leis universais. Husserl aponta também 
para as características em comum dessas duas visadas, nas quais 
permanece o dualismo corpo e mente. Corpo e mente tendem a 
princípio a ser concebidos como duas instâncias independentes 
e acessíveis de forma empírica e passível de mensuração, poden-
do ser descritas nas suas determinações causais. Caberia, deste 
28 
modo, perguntar sobre as suas qualidades, suas relações cau-
sais e numéricas, tal como aconteceu com a psicologia. Por fim, 
Husserl apresenta o naturalismo do comportamento científico 
e a desconsideração da essência dos fenómenos de consciência. 
Segundo ele, nesta perspectiva, os objetos são supostos como da-
dos em seu ser e permanentes na sua identidade constante, suas 
qualidades são determinadas quantitativamente e confirmadas 
ou corrigidas por novas experiências. 
Husserl propõe que, frente ao fenómeno, possamos assumir 
uma atitude antinatural própria à fenomenologia. Só assim seria 
possível alcançar uma visada realmente rigorosa não comprome-
tida com a postura ingénua inconsistente, uma vez que essa sem-
pre se deixa levar pela opinião, já marcada por um modo de ver 
presente no senso comum e na ciência. Nessa atitude antinatural, 
como bem o descreve Husserl no § 3 da introdução à sua Primei-
ra Investigação lógica, "ao invés de imergirmos na realização de 
atos multiplamente construídos uns sobre os outros e, com isto, 
de pressupormos ingenuamente como sendo os objetos visados 
em seu sentido, determinando-os ou estabelecendo-os hipote-
ticamente, devemos antes 'refietir', isto é, transformar esses atos 
e o seu conteúdo imanente de sentido em objetos" (2007, p.14), 
acompanhando, então, o caráter intencional de sua realização. 
A Fenomenologia, com seu lema fundamental "rumo às 
coisas mesmas", pretende superar todas as tendências metafísi-
cas que criam teorias acerca dos entes, esquecendo-se do sentido 
originário do campo de génese fenomenológica do ser. A orien-
tação fenomenológica exige que se saia do campo empírico, que 
posiciona os objetos no espaço e no tempo. Com isto, ele procura 
necessariamente deixar o campo emergir num gesto não teori-
zante. Para tanto, é preciso que, uma vez diante do fenómeno, se 
dê um passo atrás e se retorne ao ponto de surgimento do corre-
lato cooriginário dos atos de consciência em geral. 
Husserl propõe, em suma, o abandono da atitude natural e 
a assunção de uma atitude antinatural pautada por aquilo que ele 
29 
posteriormente chamará de epoché - a suspensão desta atitude 
natural. O que ele nos ensina é que precisamos deixar de tomar 
a verdade com referenciais e categorias hipostasiantes, como se 
as coisas fossem estruturadas naturalmente, dando a falsa idéia 
de que se pode conhecer a verdade para além de toda e qualquer 
aparição dos fenómenos. 
Assim, a Fenomenologia opõe-se frontalmente à visada te-
órica, já que esta forma de se colocar frente ao fenómeno produz 
inexoravelmente uma hipostasia, realista ou idealista, do univer-
sal. Esta atitude frente ao que se apresenta é denominada por 
Husserl atitude ingénua ou natural, o que significa dizer que, 
com essa atitude, toma-se a natureza que se pretende investigar 
como simplesmente existindo com sentidos e determinações 
previamente dados e acessíveis para a teoria em questão ou até 
mesmo para o senso comum. E a superação da ingenuidade ou 
da atitude natural dos teóricos ocorre quando Husserl descorti-
na a natureza intencional dos fenómenos psíquicos. O que nos 
interessa nesse contexto, por sua vez, é apontar para a relevância 
dessa posição para uma psicologia com bases fenomenológica. 
1.1.2. A consciência Intencional 
Husserl considera desde as suas primeiras obras o caráter 
intencional dos fenómenos psíquicos. Ele se refere claramente às 
relações imanentes da subjetividade ou da consciência pura, ou 
seja, fenomenologicamente reduzidas, diferenciando-as, assim, 
dos fenómenos materiais em jogo em uma consciência empírica, 
na qual se pressupõe que essa seja constituída por propriedades 
e por uma essencialidade específica. 
Em Investigações lógicas (Husserl, 1900/2007), obra decisi-
va para a fundação e compreensão do método fenomenológico, 
Husserl vai tematizar a intencionalidade a partir da superação das 
vertentes tradicionais e modernas, com seus pressupostos de que 
o psiquismo teria sentidos e determinações dadas. Aqui encon-
30 
tramos a transformação radical produzida pela fenomenologia na 
investigação em Psicologia. A proposta fenomenológica não só 
vai permitir transformar completamente o sentido da noção de 
fenómeno psíquico, como também vai modificar a postura que 
o investigador dos fenómenos psíquicos irá tomar frente a este 
fenómeno. Bem, mas o que isto significa mais propriamente? 
Para Husserl (2007), a psicologia, de modo geral, em seu 
posicionamento empírico, desconsidera o caráter originário do 
psiquismo, uma vez que parte de uma predicação do homem, já 
pretendendo saber aprioristicamente, antes de qualquer inves-
tigação, aquilo que o homem é, ou seja, o fato de ele ser dotado 
de psiquismo. Para a fenomenologia de Husserl, o psiquismo 
não possui nenhuma determinação prévia, nem mesmo um eu 
substancial. A consciência é, para este filósofo, transcendente, 
nunca se retém em si mesma, mas se vê projetada por seus pró-
prios atos para o campo dos objetos correlatos. Na medida em 
que a consciência se realiza por meio de seus atos, ela sempre 
transcende o campo de realização desses atos. E é nesta linha 
que Husserl vai proceder a sua investigação da consciência in-
tencional. Ele se desloca da tendência para a dicotomização que 
predominou em toda a Modernidade, na qual a consciência 
ocupa um espaço dado, uma sede na interioridade (Descartes), 
na qual a consciência se constitui por aderência a uma subjeti-
vidade transcendental (Kant) ou, ainda, na qual se procura re-
solver o problema da dicotomia, defendendo que nada há senão 
a subjetividade em sua dinâmica de auto-objetivação (Hegel). 
Husserl entende que a fenomenologia, embora seja uma ciên-
cia^da consciência, não é psicologia tal como essa é entendida 
em uma versão psicofísica. A esta ciência importa a consciência 
empírica, algo que existe de modo natural; já à fenomenologia 
importa a consciência empiricamente reduzida, sinónimo de 
uma consciência fenomenológica. Ele defende que a psicologia 
deveria também pensar na consciência como intencionalidade. 
É o que ele mesmo nos diz em uma passagem de seu escrito so-
31 
bre a Filosofia como ciência rigorosa: "Se assim estiver certo, re-
sultaria daí a psicologia estar mais chegada à filosofia por meio 
da Fenomenologia" (2007, p. 19). 
1.1.3. A concepção do eu 
Husserl rompe com a ideia de que o eu se institui como 
uma interioridade e de que, assim, se afasta a princípio do mun-
do de modo a posicioná-lo. Assume, então, a concepção de 
pessoa como síntese em fluxo de vivências. O seu intuito com 
essa concepção é escapar completamente de toda e qualquer 
hipostasia em relação ao ser dos objetos, assim como de toda 
coisificação do eu que obscurecesse o seu caráter intencional. 
Tanto o realismo, quanto o idealismo partem de uma hiposta-
sia em relação ao ser dos objetos e caem, exatamente por isto, 
em aporias incessantes. No ingenuismo dos pensadores iniciais, 
ocorria a tentativa de se lançar para além da posição inicial do 
eu e de encontrar o ente tal como ele é nele mesmo. Surgia, com 
isto, o problema do acesso. Como acessar o em si, sem conta-miná-lo ao mesmo tempo com as particularidades do sujeito. 
Nos pensadores modernos, por outro lado, a tentativa era a de 
encontrar um si mesmo dos entes em meio à própria estrutura 
da subjetividade. Não se consegue, porém, escapar da suspeita 
de que, em meio à redução de tudo às concepções do sujeito, 
tudo não passe de ilusão. Nestas duas perspectivas, o eu se en-
contra em um lugar onde se inicia o processo de rearticulação 
com os universais. Essa posição repercute diretamente sobre o 
modelo teórico tradicional, porque toda e qualquer teoria parte 
de pressupostos ontológicos que jamais podem ser alcançados 
de maneira cientificamente rigorosa e porque a articulação da 
teoria com a subjetividade não representa senão uma variante 
específica desse problema. 
O eu fenomenológico, por sua vez, exige que consideremos 
o fato de a universalidade se constituir no interior mesmo dos 
32 
atos intencionais; logo, se os atos intencionais fossem suspensos, 
a universalidade desapareceria. Esse eu alcança em Husserl um 
caráter dinâmico, que se baseia exclusivamente em suas vivên-
cias fáticas, reais. O eu vem à tona, então, em meio à imersão 
em sua essência performática, como fluxo que reatualiza cons-
tantemente o presente, o passado e o futuro em uma síntese de 
vivências que incluem lembranças, percepções e expectativas. 
Essas vivências intencionais, por mais que nasçam com cada ato 
intencional particular, possuem, contudo, conteúdo significativo 
ideal, uma vez que não são posicionadas pela subjetividade, mas 
concretizam em si mesmas o sentido de uma intenção significa-
tiva. Com a noção de intencionalidade, portanto, escapa-se das 
articulações metafísicas a partir da fenomenologia e encontram-
se possibilidades outras de se tratar o fenómeno psíquico, sem 
perder a possibilidade de se falar em sentidos e significados psí-
quicos de maneira rigorosa. 
A Fenomenologia de Husserl, embora se proponha a pen-
sar em outras bases a constituição propriamente dita da psico-
logia, ou seja, para além da consideração da psicologia como 
uma espécie de epifenómeno da fisiologia, tal como pretendida 
pela psicofisiologia, também nos parece, porém, em última ins-
tância inviável, pois se desvia por demais na busca de uma base 
transcendental para a experiência fenomenológica. Como tal, 
ela mesma acaba se construindo a partir de uma intuição que 
não faz jus ao caráter mundano do existir humano. A psicolo-
gia não pode prescindir do fático, da existência, enfim do lugar 
onde a vida acontece, o mundo. Por esse motivo, o nosso proje-
tçx de psicologia e sua prática clínica tomam na sua constituição 
a hermenêutica-fenomenológica de Heidegger como horizonte 
essencial de realização. Essa parece apontar para elementos que, 
como veremos à frente, possibilitam a edificação de uma Psicolo-
gia Fenomenológico-Existencial em dois aspectos fundamentais: 
em primeiro lugar, o eu como transcendente, fluxo temporal; em 
segundo lugar, a destruição do eu em meio à intencionalidade de 
33 
base ser-aí/mundo. Para elaborar uma proposta para uma clínica 
psicológica que não se valha do pressuposto do psíquico trata-
remos dos fundamentos em Heidegger, considerando antes de 
tudo a sua inspiração em Husserl. 
1.2. Heidegger e a desconstrução da subjetividade moderna 
Iniciaremos por esclarecer que interpretar a ontologia fun-
damental de Heidegger como uma filosofia da subjetividade seria 
um evidente equívoco, já que ele mesmo pretendia destruir a no-
ção de subjetividade a partir da demonstração do caráter originá-
rio da estrutura ser-no-mundo. O interesse de Heidegger não re-
cai na ideia de sujeito: nem do sujeito nuclear cartesiano, nem do 
sujeito aderente de Kant e nem tampouco do sujeito dinâmico de 
Husserl; e isso justamente porque todas essas posições subjetivas 
desconsideram a intencionalidade de base ser-no-mundo, tanto 
quanto a impossibilidade de pensar para além dessa intenciona-
lidade. A tarefa da ontologia fundamental tal como proposta por 
Heidegger consiste em buscar o sentido do ser, partindo do ser-aí 
como o lugar no qual acontece historicamente tal sentido. Esse 
lugar baseia-se, por sua vez, no aí, no mundo e na inseparabi-
lidade homem-mundo; portanto, não possui nenhuma determi-
nação que se associe essencialmente a ele, justamente porque a 
sua única determinação consiste no caráter do poder-ser, sempre 
atravessado pelo horizonte histórico em que se encontra. 
O pensamento de Heidegger é uma tentativa de desobje-
tificação da existência humana. E, assim, pretende mostrar que 
o saber metafísico, científico e tecnológico é derivado e ao mes-
mo tempo encobre o fenómeno mais originário que se encontra 
na génese do ser-aí. É deste modo, então, que iremos caminhar 
para podermos pensar em uma psicologia sem objeto, sem subs-
tância, enfim sem eu e sem psiquismo. Indo além, acreditamos 
ainda que toda e qualquer formulação teórica em psicologia 
acaba por encobrir aquilo que é mais originário na existência. 
34 
Para pensar esse caráter mais originário do ser-aí, vamos iniciar 
o nosso estudo com o modo segundo o qual Heidegger, em Ser 
e tempo (1988), já nos traz a possibilidade de subtrair o eu subs-
tancializado e de tomá-lo antes como pura abertura dinâmica. 
Vejamos, então. 
Em Ser e tempo (1927/1988) encontramos pela primeira 
vez um diálogo entre a Fenomenologia hermenêutica e as ciên-
cias ônticas, em meio à discussão do projeto de uma ontologia 
fundamental. Nesse projeto, Heidegger pretende levantar a per-
gunta acerca das condições de possibilidade das ontologias, ou 
seja, da própria Filosofia e, para tanto, dirige-se ao ente que pode 
perguntar por algo assim como ser. O filósofo alemão parte da 
analítica existencial, que envolve elementos da tradição fenome-
nológica e hermenêutica, assumindo para a sua descrição uma 
atitude antinatural. Essa atitude, tal como postulada por Husserl, 
consiste em uma supressão ou superação da tendência, presente 
tanto na vertente tradicional como na moderna, de pressupor 
que os sentidos e as determinações são dados pelas próprias coi-
sas - no caso em questão, o sujeito. Heidegger nos mostra, então, 
em que medida se deve deixar de tomar a verdade com referen-
ciais e categorias, como se as coisas fossem estruturadas natu-
ralmente. A analítica do ser-aí consiste, portanto, na descrição 
interpretativa das estruturas ontológicas fundamentais do existir 
humano, explicitando a historicidade do sentido da existência 
em sua dimensão mais originária. 
1.2.1. A estrutura do ser-aí 
Uma psicologia sem psiquismo requer que se tome a noção 
de ser-aí, tal como elaborada por Heidegger em Ser e tempo, em 
particular no parágrafo 9. Nesse trecho, a partir da estrutura on-
tológica originária do poder-ser do ser-aí, Heidegger inicia com 
a exposição da expressão de sua singularidade máxima, qual 
seja: "o ser-aí é sempre a cada vez meu". Ser sempre a cada vez 
35

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