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. 1 IBGE Técnico em Informações Geográficas e Estatísticas A I Noções básicas de cartografia: Orientação: pontos cardeais; Localização: coordenadas geográficas (latitude, longitude e altitude); Representação: leitura, escala, legendas e convenções. .......................... 1 Natureza e meio ambiente no Brasil: Grandes domínios climáticos; Ecossistemas. .......................... 14 As atividades econômicas e a organização do espaço: Espaço agrário: modernização e conflitos; Espaço urbano: atividades econômicas, emprego e pobreza; A rede urbana e as Regiões Metropolitanas. ............................................................................................................................................................... 41 Formação Territorial e Divisão Político-Administrativa: Divisão Político Administrativa; Organização federativa. .............................................................................................................................................. 58 Dinâmica da população brasileira (fluxos migratórios, áreas de crescimento e de perda populacional). ......................................................................................................................................... 86 Candidatos ao Concurso Público, O Instituto Maximize Educação disponibiliza o e-mail professores@maxieduca.com.br para dúvidas relacionadas ao conteúdo desta apostila como forma de auxiliá-los nos estudos para um bom desempenho na prova. As dúvidas serão encaminhadas para os professores responsáveis pela matéria, portanto, ao entrar em contato, informe: - Apostila (concurso e cargo); - Disciplina (matéria); - Número da página onde se encontra a dúvida; e - Qual a dúvida. Caso existam dúvidas em disciplinas diferentes, por favor, encaminhá-las em e-mails separados. O professor terá até cinco dias úteis para respondê-la. Bons estudos! 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 1 NOÇÕES BÁSICAS DE CARTOGRAFIA A Geografia precisa situar com precisão na superfície da Terra aquilo que quer estudar e analisar. A elaboração de mapas nasceu da necessidade de representar a forma da Terra e dos continentes e medir as distâncias entre lugares. A cartografia é a ciência e a arte da representação gráfica da superfície terrestre. O seu produto final é o mapa. Os mapas são fundamentais para a Geografia, pois nada mais são do que a representação total ou parcial do espaço geográfico. Desde a Antiguidade há a preocupação de se elaborar vários tipos de mapas. Até a metade do século XV, os mapas eram representações de descrições de itinerários para viajantes, mas não representavam fielmente a realidade do espaço terrestre. No final da Idade Média começaram a ser desenhados os portulanos, verdadeiros mapas em duas dimensões: indicavam a posição dos portos e o contorno das costas. A partir do século XVII desenvolveu-se a ciência geodésica, que permitiu calcular com mais correção a latitude e a longitude de um determinado ponto e a altitude de um lugar em relação ao mar. Atualmente, os meios mais modernos utilizados pela cartografia são as fotografias aéreas, o sensoriamento remoto e a informática, que auxilia na precisão dos cálculos. A fotografia aérea, realizada de aviões, proporciona o material básico para a elaboração de mapas. As fotografias são feitas de maneira que, sobrepondo-se duas imagens do mesmo lugar, obtém-se a impressão de uma só imagem em relevo. Graças a elas representam-se os detalhes da superfície do solo. Sobre o terreno, o topógrafo completa o trabalho, revelando os detalhes pouco visíveis nas fotografias. Outra técnica cartográfica é o sensoriamento remoto. Consiste na transmissão, a partir de um satélite, de informações sobre a superfície do planeta ou da atmosfera. No Brasil utiliza-se o termo mapa, de forma genérica, para identificar vários tipos de representação cartográfica. Mesmo que, em alguns casos, a representação não passe de uma lista de palavras e números, ou de um gráfico que mostre como ocorre determinado fenômeno, essa representação recebe o nome de mapa. Embora o termo esteja popularizado, a grande maioria dos brasileiros possui um conhecimento muito restrito de cartografia devido ao nível de importância que é dado à alfabetização cartográfica no ensino formal e à difusão de mapas para uso cotidiano. Porém, os mapas estão em toda parte, jornais, revistas, canais abertos de televisão – quem não olha o mapa do tempo no jornal diário? - mapa rodoviário, do metrô, da cidade, e tantos outros que poderiam servir para alguma coisa, mas que quando existem, desorientam mais do que orientam. Talvez para o usuário não interesse como eles foram feitos, mas, se servem à necessidade imediata, se cumprem seu objetivo. Se considerarmos que os mapas servem de orientação e de base para o planejamento e conhecimento do território, a sociedade acaba sendo consumidora dessas representações cartográficas que são um meio de comunicação. Porém, na maioria das vezes, esses mapas não têm cumprido o seu papel. A função de um mapa quando disponível ao público é a de comunicar o conhecimento de poucos para muitos, por conseguinte ele deve ser elaborado de forma a realmente comunicar. Provavelmente, parte da responsabilidade pela atual proliferação de mapas pouco eficazes se deve também, ao acesso irrestrito às ferramentas tecnológicas desenvolvidas para análise de dados espaciais aliadas ao desconhecimento dos procedimentos inerentes à representação cartográfica. Do ponto de vista científico, a busca por métodos que dêem conta da representação de processos complexos da contemporaneidade também provocou o aumento de pesquisas em áreas emergentes como o geoprocessamento, a informática, o meio ambiente e a saúde pública, para os quais os sistemas de informação geográfica fornecem ferramentas que ajudam na produção de mapas. Isso certamente contribui, cada vez mais, para que os mapas sejam concebidos como documentos que revelam o visível e o invisível na imagem, como, por exemplo, as concepções ideológicas de uma sociedade. No entanto, independente do objetivo, o mapa como um meio de comunicação exige conhecimentos específicos de Cartografia, tanto de seu criador como do usuário, leitor e consumidor. Noções básicas de cartografia: Orientação: pontos cardeais; Localização: coordenadas geográficas (latitude, longitude e altitude); Representação: leitura, escala, legendas e convenções. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 2 ORIENTAÇÃO: PONTOS CARDEAIS As coordenadas geográficas são um sistema de linhas sobre o globo ou o mapa. As coordenadas geográficas são os paralelos e os meridianos. As coordenadas geográficas são como imensas ruas ou caminhos que se cruzam sob toda a superfície terrestre, mas diferentes das ruas e avenidas de nossa cidade, as coordenadas não são visíveis. Por isso, os paralelos e os meridianos são linhas imaginárias, traçadas apenas sobre os mapas e o globo terrestre. Os paralelos e os meridianos são indicados por graus de circunferências. Um grau (1°) corresponde a uma das 360 partes iguais em que a circunferência pode ser dividida. Um grau por sua vez divide-se em 60 minutos (60') e cada minuto pode ser divido em 60 segundos (60"). Assim um grau é igual a 59 minutos e 60 segundos. É um sistema referencial de localização terrestre baseado em valores angulares expressos em graus, minutos e segundos de latitude (paralelos) e em graus, minutos e segundos de longitude (meridianos), sendo que os paralelos correspondem a linhas imaginárias E-W paralelas ao Equador e os meridianos a linhas imagináriasN-S, passando pelos polos, correspondentes a interseção da superfície terrestre com planos hipotéticos contendo o eixo de rotação terrestre. O sistema de paralelos usa o Equador como referencial 0 (zero) e os valores angulares crescem para o N e para o S até 90 graus, cada grau subdividido em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos; para distinguir as coordenadas ao norte e ao sul devem ser usadas as indicações N e S respectivamente. O sistema de meridianos usa um meridiano arbitrário que passa em Greenwich, na Grã Bretanha, como origem referencial 0 (zero) e os valores angulares crescendo para o oeste e para o leste até 180 graus, cada grau subdividido em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos; para distinguir as coordenadas dos hemisférios terrestres ocidental e oriental devem ser usadas as notações internacionais W e E, respectivamente. Assim, a localização de um ponto terrestre pode ser expressa pela interseção de latitude com longitude; exemplos: 20º35'45"N-45º25'00"W; 20º35'45"S-45º25'00"E. Deve ser observado que 1 grau de intervalo de longitude no Equador corresponde, aproximadamente, a 112 km e que vai se estreitando para os polos onde viram um ponto (à semelhança de um gomo de laranja). Existem pelo menos quatro modos de designar uma localização exata para qualquer ponto no globo terrestre. Nos três primeiros sistemas, o globo é dividido em latitudes, que vão de 0 a 90 graus (Norte ou Sul) e longitudes, que vão de 0 a 180 graus (Leste ou Oeste). Para efeitos práticos, usam-se as siglas internacionais para os pontos cardeais: N=Norte, S=Sul, E=Leste/Este, W=Oeste. Fonte: http://www.estudopratico.com.br/wp-content/uploads/2014/08/pontos-cardeais.jpg Para as longitudes, o valor de cada unidade é bem definido, pois a metade do grande círculo tem 20.003,93km, dividindo este último por 180, conclui-se que um grau (°) equivale a 111,133km. Dividindo um grau por 60, toma-se que um minuto (') equivale a 1.852,22m (valor praticamente idêntico ao da milha náutica). Dividindo um minuto por 60, tem-se que um segundo (") equivale a 30,87m, Para as latitudes, há um valor específico para cada posição, que aumenta de 0 na Linha do Equador até aos Polos, onde está o seu valor máximo (90º de amplitude do ângulo). 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 3 LOCALIZAÇÃO: COORDENADAS GEOGRÁFICAS (LATITUDE, LONGITUDE E ALTITUDE) Linhas imaginárias traçadas em intervalos regulares que permitem a localização de pontos da superfície terrestre. Todos os pontos se cruzam em duas coordenadas: latitude e longitude. São medidas em grau, minuto e segundo. As coordenadas geográficas foram determinadas por meio de observações astronômicas e satélites geodésicos. Latitude Latitudes ou paralelos são as linhas paralelas ao Equador e marcam a distância entre os polos. Partem do Equador (0º) até 90º ao norte e ao sul. Por convenção internacional, servem para determinar as zonas quentes, temperadas e glaciais da superfície do planeta. Os paralelos mais importantes são o trópico de Câncer e o círculo polar ártico, ao norte, e o trópico de Capricórnio e o círculo polar antártico, ao sul. No Brasil, o trópico de Capricórnio passa pelos estados do Paraná e de São Paulo. Fonte: http://www.geografiaparatodos.com.br/img/Latitude%20e%20longitude.jpg Longitude Longitudes ou meridianos são as linhas que partem do meridiano de Greenwich (0º) - desde 1884 adotado por um acordo internacional como meridiano de origem - até 180º a oeste e a leste e convergem para os polos. A linha imaginária ganha esse nome porque passa pelo antigo observatório da cidade de Greenwich, situada perto de Londres, no Reino Unido. Os meridianos são usados para determinar os fusos horários ao longo do globo terrestre. O primeiro fuso encontra-se entre 7º30’ a leste e a oeste de Greenwich. A cada 15º leste desse intervalo se acrescenta uma hora e a oeste se diminui uma hora. Fonte: http://www.geografiaparatodos.com.br/img/Latitude%20e%20longitude.jpg Altitude A altitude corresponde a distância vertical de um determinado ponto quando comparado ao nível médio do mar. Essa altitude ainda pode ser dividida em ortométrica, sendo a distância vertical de um ponto sobre 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 4 a superfície da terra em relação a um geoide de referência, e elipsoidal, sendo a distância vertical entre um elipsoide de referência. As altitudes que são demonstradas em receptores de GPS (Global Positioning System) são do tipo elipsoidal. Fonte: http://www.mast.br/multimidia_instrumentos/images/barometro/home_04.jpg REPRESENTAÇÃO: LEITURA, ESCALA, LEGENDAS E CONVENÇÕES O mapa é uma imagem reduzida de uma determinada superfície. Essa redução - feita com o uso da escala - torna possível a manutenção da proporção do espaço representado. É fácil reconhecer um mapa do Brasil, por exemplo, independentemente do tamanho em que ele é apresentado, pois a sua confecção obedeceu a determinada escala, que mantém a sua forma. A escala cartográfica estabelece, portanto, uma relação de proporcionalidade entre as distâncias lineares num desenho (mapa) e as distâncias correspondentes na realidade. Um mapa pode possuir níveis distintos de abrangência, de modo que podemos mapear o mundo, continentes ou partes deles, países, regiões, Estados ou mesmo ruas. Todas as vezes que visualizamos um mapa, independentemente do seu tema (mapa político, físico, histórico, econômico), podemos saber a distância real que há entre dois pontos ou o tamanho de uma área. Isso é possível por meio da verificação da escala disposta nos mapas. Escala é variação de proporção de uma área a ser mapeada, quem a determina é o responsável pela elaboração do mapa. Leitura Para uma compreensão geral é necessário que o leitor faça uma leitura rápida para captar o que há de mais relevante para sua necessidade, isto é, obter as informações genéricas do texto. Para buscar as informações principais do texto se detendo com maior atenção nos pontos principais é necessário que o leitor observe cada parágrafo e identifique os dados específicos que mais lhe interessam. Para uma leitura detalhada e, portanto, mais profunda, é requerido mais tempo, pois é exigida a compreensão dos detalhes do texto. Existe um outro recurso que pode ser empregado com sucesso no ensino, na aprendizagem, na avaliação, na análise de conteúdo e na negociação de significados. Trata-se de mapas conceituais, isto é, grafos ou diagramas que indicam relações entre conceitos, podendo ter duas ou mais dimensões. Os mapas unidimensionais são listas de conceitos que tendem a apresentar uma organização linear vertical, sendo mais grosseiros e genéricos. Mapas conceituais bidimensionais beneficiam-se também da dimensão horizontal, favorecendo uma representação mais completa das relações entre os conceitos. Mapas conceituais tridimensionais constituem abstrações matemáticas de limitada utilidade para fins instrucionais. Desta maneira, procure elaborar um mapa conceitual bidimensional, ou seja, um diagrama bidimensional mostrando relações hierárquicas entre conceitos. É importante ressaltar que o mapa conceitual, de acordo com o princípio ausubeliano (David Ausubel), podem ser utilizados como instrumentos para promover a diferenciação conceitual progressiva bem como a reconciliação integrativa. Um mapa conceitual pode também ser pensado como uma ferramenta para negociar significados, o que é feito através de proposições (dois ou mais conceitos ligados por palavras em uma unidade semântica) que expressam significados atribuídos às relações entre conceitos. Escala Escala é variação de proporção de uma área a ser mapeada, quem a determina é o responsávelpela elaboração do mapa. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 5 Exemplo prático: Quando se tem a intenção de construir um mapa de um espaço, de maneira que represente fielmente as medidas reais do mesmo, pode-se seguir o seguinte princípio: Se uma sala de aula possui 5 metros de largura por 5 metros de comprimento, a mesma pode ser representada da seguinte forma: se estabelece que cada centímetro no papel equivale a 1 metro ou 100 centímetros no real. Desse modo, a escala produzida é 1:100 (1cm: 100cm) ou 1/100 (1cm/100cm). As escalas podem ser indicadas de duas maneiras, através de uma representação gráfica ou de uma representação numérica. Escala Gráfica A escala gráfica é representada por um pequeno segmento de reta graduado, sobre o qual está estabelecida diretamente a relação entre as distâncias no mapa, indicadas a cada trecho deste segmento, e a distância real de um território. Observe: A escala representa que cada centímetro no papel corresponde a 3 km na superfície real. A escala gráfica apresenta a vantagem de estabelecer direta e visualmente a relação de proporção existente entre as distâncias do mapa e do território. É representada sob a forma de um segmento de reta, normalmente subdividido em seções e ao longo do qual são registradas as distâncias reais correspondentes às dimensões do segmento Ex.: Na escala 1: 100 000 - "1 cm" representa a distância no mapa enquanto que o "100 000 cm" representa a distância real. Isto significa que 1 cm no mapa corresponde a 100 000 cm na realidade, ou seja 1 km. Escala Numérica A escala numérica é estabelecida através de uma relação matemática, normalmente representada por uma razão, por exemplo: 1:300 000 (1 por 300 000). A primeira informação que ela fornece é a quantidade de vezes em que o espaço representado foi reduzido. Neste exemplo, o mapa é 300 000 vezes menor que o tamanho real da superfície que ele representa. Na escala numérica as unidades, tanto do numerador como do denominador, são indicadas em cm. O numerador é sempre 1 e indica o valor de 1cm no mapa. O denominador é a unidade variável e indica o valor em cm correspondente no território. No caso da escala exemplificada (1: 300 000), 1cm no mapa representa 300 000 cm no terreno, ou 3 km. Caso o mapa seja confeccionado na escala 1:300, cada 1cm no mapa representa 300 cm ou 3 m. Para fazer estas transformações é necessário aplicar a escala métrica decimal: Escala 1:300 000 3 0 0 0 0 0 km hm dam m dm cm 3 km 0 0 0 0 0 ou Escala 1:300 3 0 0 km hm dam m dm cm 3 m 0 0 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 6 Legenda A legenda deverá ser organizada de acordo com a relação existente entre os dados utilizando as variáveis visuais que representem exatamente as mesmas relações, ou seja, essa relação poderá ser qualitativa, ordenada ou quantitativa. Na construção da legenda, após identificar a variável visual mais adequada ao tipo de informação que se quer representar, e seu respectivo modo de implantação, acontece a transcrição da linguagem escrita para a gráfica. Dessa forma, as relações entre os dados e sua respectiva representação, são pontos de partida na caracterização da linguagem cartográfica. O nível de organização dos dados, qualitativos, ordenados ou quantitativos, de um mapa está diretamente relacionado ao método de mapeamento e a utilização de variáveis visuais adequadas à sua representação. A combinação dessas variáveis, segundo os métodos padronizados, dará origem aos diferentes tipos de mapas temáticos, entre os quais os mapas de símbolos pontuais, mapas de isolinhas e mapas de fluxos; mapas zonais, ou coropléticos, mapas de símbolos proporcionais ou círculos proporcionais, mapas de pontos ou de nuvem de pontos. Abaixo, abordaremos alguns tipos de mapas temáticos e suas respectivas legendas. Fenômenos Qualitativos Os métodos de mapeamento para os fenômenos qualitativos utilizam as variáveis visuais seletivas forma, orientação e cor, nos três modos de implantação: pontual, linear e zonal. A construção de mapa de símbolos pontuais nominais leva em conta os dados absolutos que são localizados como pontos e utiliza como variável visual a forma, a orientação ou a cor. Também é possível utilizar símbolo geométrico associado ou não as cores. A disposição dos pontos nesse mapa cria uma regionalização do espaço formada especificamente pela presença/ausência da informação. Os mapas de símbolos lineares nominais são indicados para representar feições que se desenvolvem linearmente no espaço como a rede viária, hidrografia e, por isso, podem ser reduzidos a forma de uma linha. As variáveis visuais utilizadas são a forma e a cor. Esses mapas também servem para mostrar deslocamentos no espaço indicando direção ou rota (rotas de transporte aéreo, correntes oceânicas, fluxo de migrações, direções dos ventos e correntes de ar) sem envolver quantidades. Nesses mapas qualitativos a espessura da linha permanece a mesma, variando somente sua direção. Os mapas corocromáticos apresentam dados geográficos e utilizam diferenças de cor na implantação zonal. Este método deve ser empregado sempre que for preciso mostrar diferenças nominais em dados qualitativos, sem que haja ordem ou hierarquia. Também é possível o uso das variáveis visuais granulação e orientação, neste caso, as diferenças são representadas por padrões preto e branco. Quando do uso de cores, estas devem separar grupos de informações e os padrões diferentes a serem 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 7 aplicados, para fazer a subdivisão dentro dos grupos. Para os usuários, a visualização de fenômenos qualitativos em mapas corocromáticos, apenas aponta para a existência ou ausência do fenômeno e não a ordem ou a proporção do fenômeno representado. Fenômenos Ordenados Os fenômenos ordenados são representados em classes visualmente ordenadas e utilizam a variável valor na implantação zonal. Os mapas mais significativos para representar fenômenos ordenados são os mapas coropléticos. Os mapas coropléticos são elaborados com dados quantitativos e apresentam sua legenda ordenada em classes conforme as regras próprias de utilização da variável visual valor por meio de tonalidades de cores, ou ainda, por uma sequência ordenada de cores que aumentam de intensidade conforme a sequência de valores apresentados nas classes estabelecidas. Os mapas no modo de implantação zonal, são os mais adequados para representar distribuições espaciais de dados que se refiram as áreas. São indicados para expor a distribuição das densidades (habitantes por quilômetro quadrado), rendimentos (toneladas por hectare), ou índices expressos em percentagens os quais refletem a variação da densidade de um fenômeno (médicos por habitante, taxa de natalidade, consumo de energia) ou ainda, outros valores que sejam relacionados a mais de um elemento. Fenômenos Quantitativos Os fenômenos quantitativos são representados pela variável visual tamanho e podem ser implantados em localizações pontuais do mapa ou na implantação zonal, por meio de pontos agregados, como também, na implantação linear com variação da espessura da linha. Os mapas de símbolos proporcionais representam melhor os fenômenos quantitativos e constituem- se num dos métodos mais empregados na construção de mapas com implantação pontual. Esses mapas são utilizados para representar dados absolutos tais como população em número de habitantes, produção, renda, em pontos selecionados do mapa. Geralmente utiliza-se o círculo proporcional aos valores que cada unidade apresenta em relaçãoa uma determinada variável, porém, podem-se utilizar quadrados ou triângulos. A variação do tamanho do signo depende diretamente da proporção das quantidades que se pretende representar. Geralmente o número de classes com utilização do tamanho, deve atingir no máximo cinco classes. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 8 Mapa de círculos proporcionais com informação quantitativa no modo de implantação pontual Recomenda-se evitar duas formas de símbolos proporcionais num mesmo mapa (circulo e triângulo), pois dificultam a comunicação cartográfica. Especialmente, quando é necessário representar duas informações quantitativas com implantação pontual, pode-se recorrer ao mapa de círculos concêntricos ou o mapa de semicírculos opostos que permite a comparação de uma mesma variável obtida em períodos diferentes. O mapa de círculos concêntricos consiste na representação de dois valores ao mesmo tempo por meio de dois círculos sobrepostos com cores diferentes. Este tipo de representação é recomendado para a apresentação de uma mesma informação em períodos distintos, ou para duas informações diferentes com dados não muito discrepantes. Para representar quantidades na implantação zonal utilizam-se os mapas de pontos. Esse mapa possui a vantagem de possibilitar uma leitura muito fácil por meio da contagem dos pontos, dando a sensação de conhecimento da realidade. No entanto a elaboração desse mapa pressupõe muita abstração uma vez que a distribuição dos pontos não ocorre segundo a distribuição do fenômeno. Os mapas de pontos ou de nuvem de pontos expõem dados absolutos (número de tratores de um município, número de habitantes, totais de produção, etc.) e o número de pontos deve refletir exatamente 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 9 o número de ocorrências. Sua construção depende de duas decisões: qual valor será atribuído a cada ponto e como esses pontos serão distribuídos dentro da área a ser mapeada. Mapa de nuvem de pontos com informação quantitativa no modo de implantação pontual no qual se visualiza uma mancha mais clara ou mais escura consoante a ocorrência do fenômeno representado. Os mapas isopléticos ou de isolinhas são construídos com a união de pontos de mesmo valor e são aplicáveis a fenômenos geográficos que apresentam continuidade no espaço geográfico. Podem ser construídos a partir de dados absolutos de altitude do relevo (medida em determinados pontos da superfície da Terra); temperatura, precipitação, umidade, pressão atmosférica (medidas nas estações meteorológicas); distância-tempo, ou distância-custo (medidas em certos pontos ao longo de vias de comunicação) e outros, como volume de água (medida em pontos de captação); também podem ser construídos a partir de dados relativos como densidades, percentagens ou índices. Os mapas de fluxo são representações lineares que tentam simular movimentos entre dois pontos ou duas áreas. Esses movimentos podem ser medidos em certos pontos ao longo das vias de comunicação ou entre duas áreas, na origem e no destino sem necessariamente especificar a via de comunicação. Esse tipo de mapa mostra claramente em que direção os valores ou intensidades de um fenômeno crescem ou decrescem. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 10 Vários tipos de mapas temáticos podem ser construídos de acordo com os métodos apresentados, porém, outros fatores, como o modo de expressão, escala e conteúdo dos mapas, são igualmente importantes e devem ser observados no processo de elaboração e leitura de mapas. Modo de Expressão Modo de expressão diz respeito a cada tipo específico de representação cartográfica e está relacionado ao objetivo da construção e a escala. Os mais comuns são o mapa e a carta. O mapa resulta de um levantamento preciso e exato, da superfície terrestre, e é apresentado em escala pequena (escalas inferiores a 1:1.000.000). Os limites do terreno representado coincidem com os limites político-administrativo, sendo que o título e as informações complementares são colocados no interior do quadro de representações que circunscreve a área mapeada. São exemplos característicos de mapas, o mapa mundi, mapa dos continentes, mapas nacionais, estaduais, regionais, municipais, mapas políticos e administrativos, organizados em atlas de referência, atlas temáticos e escolares, ou em livros didáticos. A carta é uma representação de parte da superfície terrestre em escala média ou grande, dos aspectos artificiais e naturais de uma área, subdividida em folhas delimitadas por linhas convencionais - paralelos e meridianos - com a finalidade de possibilitar a avaliação de detalhes, com grau de precisão compatível com a escala. Geralmente, essas representações possuem como limites as coordenadas geográficas, e raramente terminam em limites político-administrativo. As observações e informações tais como título, escala e fonte, aparecem fora das linhas que fecham o quadro da representação, ou seja, a linha que circunscreve a área objeto de representação espacial. Entre os tipos de mapas menos utilizados aparecem o cartograma e a anamorfose cartográfica. Cartograma ou mapa diagrama é uma das denominações que recebe um mapa que representa dados quantitativos em forma de gráfico sobre mapas de áreas extensas como estados, países, regiões. Esse termo se cristalizou no Brasil nas décadas de 1960-1980, como usual para mapas nessas escalas. São representações que se lidam menos com os limites exatos e precisos como as coordenadas geográficas, para se preocupar mais, com as informações que serão objeto de distribuição espacial no interior do mapa, a fim de que o usuário possa visualizar seu comportamento espacial. Anamorfose é uma figura aparentemente disforme que, por reflexão num determinado sistema óptico produz uma imagem regular do objeto que representa, a anamorfose cartográfica ou geográfica é uma figura que expõe o contorno dos espaços representados de forma distorcida para realçar o tema. A área das unidades espaciais é alterada de forma proporcional ao respectivo valor, mantendo-se as relações topológicas entre unidades contíguas. Por exemplo, numa carta que represente a distribuição geográfica da densidade populacional, as áreas dos municípios podem ser ampliadas ou reduzidas de acordo com o afastamento daquele parâmetro em relação à média. Em outros casos, a distorção do espaço é realizada de acordo com o valor de certos tipos de relação espacial entre lugares, tais como a distância medida ao longo das estradas ou o tempo de deslocamento gasto para percorrer essa distância. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 11 Convenções Convenções são os sinais ou símbolos, como cores e figuras, usados para representar os fenômenos desejados no mapa. A maioria das figuras e cores é reconhecida internacionalmente. O conjunto dos símbolos usados no mapa constitui a sua legenda. As principais formas de representação do relevo terrestre são os mapas com curvas de nível, os mapas com gradação de cores, as hachuras e o perfil topográfico. As curvas de nível são linhas que ligam pontos ou cotas de altitude em intervalos iguais. A partir delas pode-se construir um tipo de gráfico especial, chamado perfil topográfico. Curvas de nível muito juntas indicam um terreno muito inclinado, e afastadas significam uma inclinação mais suave. As hachuras e a gradação de cores representam o terreno com uma informação visual imediata e direta. As hachuras representam o relevo por meio de um conjunto de linhas paralelas ou próximas umas às outras. Quanto mais intensas, mais inclinado é o terreno. A gradação de cores faz o mesmo utilizandouma gama de tonalidades em que são atribuídos valores numéricos aos tons e às cores. No entanto, para representar os diversos temas é preciso recorrer a uma simbologia específica que, aplicada aos modos de implantação - pontual, linear ou zonal, aumentam a eficácia no fornecimento da informação. As regras dessa simbologia pertencem ao domínio da semiologia gráfica. A semiologia gráfica foi desenvolvida por Bertin (1967) e está ao mesmo tempo ligada às diversas teorias das formas e de sua representação, e às teorias da informação. Aplicada à cartografia, ela permite avaliar as vantagens e os limites da percepção empregada na simbologia cartográfica e, portanto, formular as regras de uma utilização racional da linguagem cartográfica, reconhecida atualmente, como a gramática da linguagem gráfica, na qual a unidade linguística é o signo. O signo (símbolo) é constituído pela relação entre o significante (ouvir falar de algo como por exemplo, papel), o objeto referente (esse papel) e o significado (idéia de papel formada na mente do interlocutor ao ouvir falar papel, um papel qualquer). No entanto, o signo é constituído por significante (mensagem acústica: papel) e significado (conceito, idéia de papel). Por exemplo, num mapa do uso das terras, o signo constituído pelo significante "cor laranja" tem o significado de cultura permanente. Dessa forma, os signos são construídos basicamente, com a variação visual de forma, tamanho, orientação, cor, valor e granulação para representar fenômenos qualitativos, ordenados ou quantitativos nos modos de implantação pontual, linear ou zonal. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 12 A variável visual tamanho corresponde à variação do tamanho do ponto, de acordo com a informação quantitativa; a variável visual valor pressupõe a variação da tonalidade ou de uma seqüência monocromática; a granulação corresponde a variação da repartição do preto no branco onde deve-se manter a mesma proporção de preto e de branco; a variável visual cor significa a variação das cores do arco-íris, sem variação de tonalidade, tendo as cores a mesma intensidade. Por exemplo: usar azul, vermelho e verde é usar a variável visual “cor”. O uso do azul-claro, azul médio e azul escuro corresponde à variável “valor”. A variável visual orientação corresponde às variações de posição entre o vertical, o oblíquo e o horizontal e, por fim, a forma, agrupa todas as variações geométricas ou não. A observação das regras apresentadas no quadro de variáveis visuais permite uma comunicação muito mais eficaz. Com exceção da variável visual cor (matiz), a utilização correta das demais permite a representação em preto ou tons de cinza; técnicas muito importantes quando o mapa elaborado precisa ser impresso com baixo custo, porém, com ótimos resultados. Para que o processo de comunicação entre o construtor do mapa e o usuário – leitor do mapa se estabeleça, os seguintes princípios jamais poderão ser ignorados: - Um fenômeno se traduz por um só sinal. Exemplo: arroz, feijão e milho. Não apresenta quantidade e nem ordem. A informação nesse caso é qualitativa e a variável visual mais adequada para sua representação é a forma ou a cor (matiz). - Uma ordem se traduz somente por uma ordem. Exemplo: densidades, hierarquias e sequências ordenadas, ou seja, quando a informação quantitativa é ordenada em classes e a variável visual mais adequada é o valor (monocromia). Nesses casos, não se deve utilizar a variável visual tamanho porque não é possível diferenciar quanto vale cada ponto dentro da classe estabelecida. - Variações quantitativas se traduzem somente pela variável visual tamanho. Além das variáveis visuais, o quadro apresentado, também apresenta os modos de implantação. Esses são diferenciados de acordo com a extensão do fenômeno na realidade. Dessa forma, distinguem-se três modos de implantação: implantação pontual, quando a superfície ocupada é insignificante, mas localizável com precisão; implantação linear, quando sua largura é desprezível em relação ao seu comprimento, o qual, apesar de tudo, pode ser traçado com exatidão; implantação zonal, quando cobre no terreno uma superfície suficiente para ser representada sobre o mapa por uma superfície proporcional homóloga. As variáveis visuais podem ser percebidas de modo diferente, conforme um conjunto de propriedades que podem ser: seletivas, associativas, dissociativas, ordenadas e quantitativas. São chamadas variáveis visuais seletivas, quando permitem separar visualmente as imagens e possibilitam a formação de grupos de imagens. A cor, a orientação, o valor, a granulação e o tamanho possuem essa propriedade. São associativas quando permitem agrupar espontaneamente, diversas imagens num mesmo conjunto; forma, orientação, cor e granulação possuem a propriedade de serem vistos como imagens semelhantes. Ao contrário, quando as imagens se separam espontaneamente, a variável é dissociativa; este é o caso do valor e do tamanho. São chamadas variáveis ordenadas quando permitem uma classificação visual segundo uma variação progressiva. São ordenados o tamanho, valor e a granulação. Finalmente, são quantitativas quando se relacionam facilmente com um valor numérico. A única variável visual quantitativa é o tamanho. Isto porque somente as figuras geométricas possuem uma área e um volume que pode ser visualizado com facilidade, permitindo relacionar imediatamente com uma unidade de medida e, portanto, com uma quantidade que é visualmente proporcional. Conhecer e distinguir as características de cada variável visual é importante porque ajuda o cartógrafo a construir mapas temáticos que atendem aos objetivos de comunicação e a fazer mapas capazes de transmitir a sensação condizente com as características dos dados, consequentemente, ajuda a fazer mapas úteis. QUESTÕES 1. (SEE-SP-CESGRANRIO) ESTÃO SUJANDO NOSSA MATRIZ ENERGÉTICA O Brasil, sem lugar a dúvida, é o país que oferece maiores opções para diversificar as suas fontes de geração, renováveis e limpas. No que se refere à energia eólica, existem empreendimentos que dão um total de 2.381 MW; para o setor da hidroeletricidade, o total é de 15.693 MW; e quanto às termelétricas, 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 13 poluentes e caras, o total é 19.400 MW. Assim, esperamos que as autoridades, em vez de sujarem a nossa matriz energética, incentivem cada vez mais, as fontes limpas e renováveis. Considerando a perspectiva da matéria jornalística e as informações do mapa, o incentivo à produção de energia eólica deveria voltar-se, fundamentalmente, para os estados da região (A) Sul. (B) Norte. (C) Nordeste. (D) Sudeste. (E) Centro-Oeste. 2. (SEE-SP –CESGRANRIO) Um dos maiores problemas urbanos do Brasil é o déficit habitacional, exigindo políticas públicas que promovam a moradia digna. Quanto à moradia irregular, no exemplo dos cortiços, o Estado da Federação que apresenta maior número dos mesmos é: (A) Rio de Janeiro. (B) São Paulo. (C) Maranhão. (D) Ceará. (E) Pará. 3. (Policia Civil/SC – 2015 - Adaptado) O objetivo das projeções cartográficas é resolver os problemas decorrentes da representação da Terra num plano. A projeção acima tem como característica: 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 14 (A) Ser utilizada para a representação cartográfica de áreas de altas latitudes, como a América do Norte, a Europa Setentrional e a parte norte da Ásia. (B) Apresentar o inconveniente de deformar as superfícies nas altas latitudes e manter as baixas latitudes em forma e dimensão mais próximas do real. (C) Apresentar grandes deformações no ponto de tangência, enquantoque as porções da superfície mais distantes do centro tangenciado estão mais próximas do seu formato real. (D) Desenhar os paralelos em círculos; é utilizada geopoliticamente, pois pode realçar o "status" de um país em relação aos demais. RESPOSTAS 1. Resposta: C Analisando o mapa percebe-se a informação na legenda, quando mais escura as áreas destacadas maior é a velocidade do vento. A Região com maiores ventos é a Nordeste devido a graduação da cor mais forte e todos os estados dessa região. O Nordeste localiza-se também mais próxima da linha do Equador, uma zona com maior incidência solar e ventos. 2. Resposta: B Observando as informações do mapa através da legenda, fica fácil perceber, que o estado com maior concentração de cortiços é São Paulo. Esse é um mapa quantitativo. Quanto mais escuro a área destacada maior é o número de cortiços, pois se utilizou uma mesma graduação de cores 3. Resposta: B As áreas próximas aos polos, altas latitudes ficam deformadas, pois, na projeção cilíndrica é feito um ajuste no espaçamento dos paralelos para que a escala seja mantida em pontos determinados. Geralmente, as projeções cilíndricas apresentam um alongamento no sentido Leste-Oeste e o achatamento no sentido norte-sul, nos países de latitude elevada. NATUREZA E MEIO AMBIENTE NO BRASIL1 Um dos mais velhos e não resolvidos problemas da ciência geográfica diz respeito à dicotomia entre geografia física e humana, entre o estudo geográfico da natureza e da sociedade. Para os clássicos em geral, a geografia seria uma ciência de síntese, de união entre a natureza e o homem, de estudo das relações do social com o seu meio ambiente. A própria polêmica sobre essa questão, sempre retomada, indica-nos claramente que essa promessa epistemológica ficou na teoria, que a diferenciação entre essas duas modalidades da geografia sempre foi enorme, tendendo a se aprofundar cada vez mais nos dias atuais. 1 Adaptado de: VESENTINI, J. W. Geografia, Natureza e Sociedade. Natureza e meio ambiente no Brasil: Grandes domínios climáticos; Ecossistemas. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 15 Richard Hartshorne (1969), um dos raros clássicos da ciência geográfica que tinha preocupações filosóficas, (e embasamento para tanto), ocupou-se longamente dessa problemática. Ele argumentou que existem várias dicotomias na geografia - física versus humana, sistemática versus regional, etc. - e que não cabe ao geógrafo distinguir entre fatos naturais e humanos porque nossa perspectiva seria outra. Numa ótica kantiana, seria realizar um estudo espacial ou coreológico (ligado à diferenciação de áreas, de lugares) e não sistemático ou mesmo histórico (temporal), que seriam outras duas perspectivas cognitivamente possíveis. A coerência lógica e a erudição desse velho mestre são indiscutíveis, mas suas respostas nos parecem ultrapassadas, datadas, próprias de um neokantismo que já vai ficando mais para a história do conhecimento do que para os seus dilemas e desafios atuais. A pro- posta de ignorar a diferenciação entre natureza e sociedade sugere al- go como esconder a cabeça para evitar o perigo. A atual "crise ecológica" nos mostra que há um desequilíbrio nas relações entre sociedade moderna e natureza, e a inquirição da origem desse fato nos conduz a uma concepção de natureza enquanto recurso, o que ocorreu na "revolução tecno-científica" dos séculos XVI e XVII. (Acontecimento, é bom ressaltar, interligado ao desenvolvimento do capitalismo e à ocidentalização de praticamente todo o planeta.) Essa concepção de natureza nova ou moderna (pois marca o advento da modernidade) - tão bem sintetizada pela frase de Descartes: "conhecer é nos tornarmos senhores e dominadores da natureza" -, trouxe consigo uma radical separação entre espírito (exclusivamente humano - o cogito cartesiano) e matéria ou objeto (ares externa, a coisa sem alma e consciência, cujas "leis" devem ser compreendidas como forma de instrumentalizá-la), entre o social e o natural. Toda a ciência moderna - inclusive a geografia, oficialmente nascida mais tarde, no século XIX - acabou reproduzindo essa dicotomia ocidental e capitalista entre o homem (ser produtor, criador, transformador) e a natureza (domínio a ser conquistado, explorado, submetido ao ritmo da produção - especialmente industrial, pois a fábrica viria a ser o protótipo das relações capitalistas). A diferenciação entre uma abordagem sistemática e outra regional, a nosso ver, não configura uma dicotomia (como a que há entre estudo da natureza e da sociedade), mas tão-só uma diferenciação metodológica que outras disciplinas "sem dicotomias estruturais" possuem (como a economia, a sociologia, etc.). E o problema crucial - que realmente ocasiona dicotomias - de estudar ou pretender estudar o social e o natural ao mesmo tempo, não é exclusivo da geografia (como muitos geógrafos pensam) e sim de todo ramo do conhecimento científico que se localize nessa interface. A antropologia, por exemplo, vive igualmente uma separação radical entre sua parte cultural e sua porção física. O distanciamento entre o geógrafo físico ou ambientalista e o geógrafo humano ou estudioso do social (mesmo que se trate do espaço social, construído) sempre foi sensível e nos nossos dias tende cada vez mais a crescer. Há os especialistas em cartografia, geomorfologia, climatologia, geografia urbana, geografia política, geografia da população, teoria e história do pensamento geográfico, etc., e a pretensa unidade ficando apenas uma justificativa acadêmica ou meramente de rótulos. E certo que há análise ambiental, o estudo do meio ambiente na perspectiva do impacto realizado pelo homem. E certo ainda que há expansões da análise economicista até a natureza, na questão da produção da segunda natureza pelo social. No entanto, tudo isso fica ainda marcado pela especialização do estudioso, e sempre há uma dicotomia entre natural e social por mais que as informações (sobre indústrias, poluição atmosférica, desmatamento e erosão das encostas, sobre expansão econômica irracional, desmatamentos de nascentes e assoreamento de rios com enchentes, etc.) se entrecruzem ou se justaponham. Isso porque há uma lógica do natural que é diversa da do social. Neste há dialética, contradição e lutas, vencedores e vencidos, ideologia, projetos políticos e dominação, indeterminação com contingências. As tentativas de se elevar ao natural a razão dialética, tão fértil na análise do social, sempre fracassaram. E o inverso também é verdadeiro: a natureza pode ser conhecida através de métodos- como as hipóteses, a testagem, a aplicabilidade, o princípio da não contradição (isto é, a lógica formal), as variáveis a serem isoladas e medidas, a matematização, etc. - que no estudo do social moderno geraram apenas aqueles tipos de aberração conhecidos tatu senso como positivismo. Razão analítica e razão dialética, para usar uma terminologia de Sartre (mas que pode ser encontrada de forma semelhante, com palavras diferentes, em outros importantes pensadores do social: Merleau-Ponty, Adorno, Horkheimer, Marcus, Castoriadis, etc.), parecem ser realmente diferentes e próprias para a compreensão de aspectos diversos do real. A clivagem que a modernidade implantou no real foi de fato eficaz, operacional e não meramente ideológica no sentido vulgar do termo. Existem tentativas de superar essa oposição. Elas inclusive se multiplicam, atualmente, em todos os campos do saber. É a economia alternativa, que tenta pensar a natureza não como recurso ou como "externalidades" e sim como limites e condição para a vida (cf., entre outros, Schumacher, 1982). É a física subatômica e mesmo a astronômica- a "nova física", nos dizeres de Capra, que procuraver o real 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 16 de forma não determinista, com o princípio da indeterminação, com a interpenetração sujeito-objeto, com a provável característica holística do real (o todo é mais importante que as partes, que em si nada significam), etc. E a agricultura alternativa ou ecológica, que procura combater as pragas com inimigos naturais, que evita adubos químicos e agrotóxicos, que condena as monoculturas, etc. E a medicina alternativa que evita os remédios químicos e propõe uma nova visão de saúde. Isso tudo sem falar na psicologia alternativa, na pedagogia, na tecnologia branda ou "ecológica". Um novo "paradigma" Alguns pensam que disso resultaria um "novo paradigma", diferente daquele cartesiano-newtoniana típico da "ciência moderna" (cf. Capra, s/d, entre outros), onde não haveria mais uma nítida oposição homem-natureza. Talvez. Não custa envidar esforços nessa direção, pois estamos sem rumos definidos, com forte indeterminação e perplexidade. Mas é forçoso reconhecer que as tentativas de sistematizar esse "conhecimento holístico" (cf. Capra, s/d, e, de forma menos ambiciosa, referindo-se em particular à geografia, Monteiro, 1984) redundaram pura e simplesmente em especulações semirreligiosas (na linha do taoísmo, uma mistura de filosofia com religião). Tais especulações pretendem ver uma "verdade trans-histórica e trans-empírica" nos ensinamentos do pensamento chinês (Yin e Yang, visão cíclica da história e da natureza, caminhos ou alternativas quase que já traçados, independentes dos projetos e lutas sociais, etc.), que acaba servindo como elemento unificador (de forma arbitrária e espúria, diga-se de passagem, pois a crítica da tecnologia "dura", a esperança na energia solar, os métodos ecológicos na agricultura, etc., nas- ceram e se desenvolvem de forma independente do taoísmo, do budismo, do hinduísmo ou do zen), como um pretenso cimento que daria coesão a essas interessantes práticas (ou teorias) ditas alternativas. Esta visão chega a lembrar até a dialética da natureza na sua versão stalinista (com a necessária ressalva de que não há um Stalin e um poder estatal para oficializar esse saber). Para comprovar isso, atente-se para a euforia com que muitos velhos e renitentes marxistas- leninistas recebem essa ideia do pensamento chinês (que, segundo eles, "é semelhante à dialética") como "essência" do movimento da realidade (social e natural). Pensamos que uma compreensão mais eficaz das razões da dicotomia na geografia deve retomar sua institucionalização no século XIX, intimamente ligada à legitimação dos Estados-nações e à expansão do sistema escolar. A geografia moderna nasceu na Alemanha, em meados do século passado, a partir de interesses específicos de conhecimento de territórios (no próprio país e no exterior, na África especialmente, palco da colonização naquele momento) e de inculcação, via sistema escolar, de uma ideologia patriótica e nacionalista. Seu paradigma tradicional, "A Terra e o Homem", decorreu provavelmente da visão da Pátria - do Estado-nação recém-construído e ainda praticando o etnocídio (homogeneização cultural) para unificar o povo e legitimar o poder estatal. Tal visão era necessária para fins de inculcação: o "país" se define em especial pelo território, pelo contorno que figura nos mapas, local onde se corporifica um "espírito nacional" e no qual o homem irá ocupar e se organizar economicamente. Foi esse paradigma, decorrente de uma necessidade ideológica, que criou a ideia de unidade, de "ciência de síntese", de "ponte" entre o natural e o social. Temos de admitir que a preocupação com a unidade, as queixas (e tentativas de resolução) da dicotomia física-humana, só têm sentido com vistas à legitimação da geografia no sistema escolar. Somente nesse nível se torna imprescindível unir ou justapor geografia física e humana. Sociedade moderna e natureza Serge Moscovitti (1968) fez uma afirmação que nos parece essencial para entendermos a contemporaneidade: o século XVIII colocou a questão política (da liberdade e da República), o século XIX a social (socialismo, movimento operário) e o século XX a problemática ambiental-ecológica. Devemos entender essa afirmativa com reservas. Não como a substituição de um problema por outro, mas como superposição de questões entrelaçadas, uma delas ganhando ênfase num momento da história: o século XVIII não resolveu o problema da liberdade, o século XIX não equacionou a questão social - econômica. Mas as problemáticas se refazem, permanecem dentro de uma nova (mesmo adquirindo novo sentido), e, por esse motivo, a questão ecológica hoje, igualmente o problema da liberdade e os reclamos por justiça social. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 17 A natureza como questão De fato, não é possível em nossos dias qualquer projeto de reestruturação societária radical que não leve em conta as relações entre sociedade e natureza. Qualquer utopia ou projeto revolucionário ao estilo de Rousseau ou Marx, entre outros, deve incorporar a natureza como questão (e não como ideal romântico, como em Rousseau, ou como recurso instrumental, como em Marx), como dilema a ser pensa- do em conjunto com o futuro do social, como fator que coloca objetivamente limites ao ideal de progresso e à própria noção de consumo e necessidades. Uma série de indicadores, em grande parte ausentes até há poucas décadas (e podendo assim ser ignorados pelos grandes teóricos do social), mostram-nos esse fato com clareza: a) O planeta foi completamente unificado e ficou "pequeno" pela primeira vez na história da humanidade, mostrando-se como sistema fechado (e não mais aberto ou "infinito") e com limites bem tangíveis. A própria fotografia da Terra vista do espaço possui um significado simbólico enorme, de clara percepção: ocupamos uma mesma "nave espacial" onde existem condições para a vida e recursos que, no entanto, podem vir a ser rompidos. Somando-se a isso os elementos complementares de encadeamento da vida e do ambiente (ecossistemas, biosfera), e da interdependência- acima dos limites das soberanias nacionais - de fatores planetários como a circulação atmosférica, os oceanos, etc. (cf. Dubos e Ward, 1973), percebemos como a natureza hoje exige novos conceitos e formas de abordagem e como o futuro da humanidade liga-se à preservação da biosfera. b) O sistema produtivo e militar da humanidade pode em nossos dias - e isso também pela primeira vez na história - destruir ou exterminar toda a vida humana sobre o planeta. A lógica do desenvolvi- mento econômico que é adotada há alguns séculos - desde, pelo menos, a Revolução Industrial do final do século XVIII e do século XIX - está centrada numa concepção ultrapassada de natureza enquanto recurso infinito e inesgotável. Há nela uma ênfase na grande escala (enormes unidades produtivas, usinas hidrelétricas, metrópoles, etc.; cf. Schumacher, 1982) e na militarização crescente. Aliás, como mostramos com mais detalhes (Vesentini, 1987), evolução tecnológica e produção bélica são elementos indissociáveis desde a década de 1930. A multiplicação das centrais nucleares amplia os riscos de acidentes e contaminações radioativas do ambiente, sendo um processo explicado somente por fatores geopolíticos (ligações com o armamentismo, concepção militar de superpotência). Cerca de um trilhão de dólares são gastos atualmente (dados de 1988), em todo o mundo, na produção bélica. Deixando-se de lado a irracionalidade (social) desse dispêndio improdutivo de recursos- e o tato de que gasto de outra forma ele poderia, talvez eliminar os problemas de tome e subnutrição-, o que se evidencia é o acúmulo incessante de meios de destruição com a possibilidade cada vez maior decatástrofes inclusive não desejadas por ninguém. Leia-se, a propósito, Thompson e outros, 1985; também Gorbachev (1987) chama a atenção para os perigos de guerras e catástrofes "acidentais" com a multiplicação atual- e o aperfeiçoa- mento contínuo- dos armamentos. c) A falência da ideia secular e capitalista (reproduzida igualmente no "socialismo real") de progresso enquanto produção sempre maior e em grande escala, às custas de uma despreocupação com a natureza. Uma série de degradações no meio ambiente colocou em pauta a necessidade de se repensar as bases da economia (que nunca incorporou a natureza, a não ser como "externalidades" ou como "custos", como demonstram Castoriadis, 1987 e Schumacher, 1982), do desenvolvimento econômico: - os desmatamentos e os riscos de elevação da temperatura pelo "efeito estufa"; - o aumento no buraco da camada de ozônio; - o gigantismo urbano e os problemas ambientais (e sociais) a eles interligados; - a desertificação em certas áreas (por exemplo, ao sul do Saara, onde contribui para agravar as tomes endêmicas); - a extinção de inúmeras espécies vegetais e animais; - a poluição crescente dos oceanos e rios; - a contaminação de alimentos por agrotóxicos; - o fracasso de programas de "desenvolvimento"- como a "revolução verde na Índia - em eliminar (ou sequer em diminuir sensivelmente) a tome e subnutrição de milhões de pessoas no Terceiro Mundo. 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 18 Socialismo e ecologia As utopias dos séculos XVIII e XIX- especialmente o socialismo e o marxismo- não levaram em consideração a dimensão ecológica em sua plenitude (e talvez nem pudessem incorporar de fato tal problemática, que só no nosso século adquiriu contornos mais nítidos). ' A problemática ecológica era considerada como "contradição secundária", a ser solucionada quase automaticamente após a resolução da contradição essencial: capital-trabalho, expresso pela "socialização dos meios de produção". Como sabemos hoje, essa "socialização" (ou melhor, estatização) dos meios de produção não eliminou nem diminuiu o problema ambiental, nos países que dizem seguir os ensina- mentos do marxismo. Um dos articuladores do movimento verde na URSS, o estoniano Tiit Made, comentou os inúmeros problemas ambientais nesse país: desde a poluição nos mares Arai e Báltico até inúmeros casos de crianças nascidas com cérebro deformado devido à elevada poluição atmosférica em Abovian (Armênia}, ressecamento de solos devido a desvios de cursos de rios (visando facilitar a extração de fosforita) na Estônia, etc. (in Folha de S. Paulo, de 09/10/88). E o sindicato Solidariedade, (Polônia) colocou em seu programa muitos itens relativos à melhoria do meio ambiente, mostrando como a industrialização do país se fez às custas de poluições que muitas vezes ultrapassam os limites máximos toleráveis pela vida humana. Thompson (1985), com fundamento em ecologistas soviéticos, cita inúmeros problemas ecológicos na URSS ligados ao gigantismo do é complexo industrial-militar, à experimentação de guerra química, etc. Não poucos estudiosos (Gorz e outros, 1980; Pignon e outros, 1976; Foucault, 1979; Castoriadis, 1987) já assinalaram o fato de que o "socialismo real" não conseguiu produzir uma outra tecnologia diferente da "ocidental", fato que demonstra seu modelo societário semelhante ao capitalismo. Também na concepção de natureza podemos dizer que existe algo parecido. A concepção de natureza dessas sociedades (e do próprio Marx, e principalmente do marxismo posterior) é a mesma engendrada pelo desenvolvimento do capitalismo (e da civilização ocidental no seu ato de expandir-se e dominar o globo terrestre), em especial a partir do século XVI. Gostaríamos de nos deter mais na construção de um conceito instrumental de natureza pelo pensamento ocidental, conceito esse acriticamente incorporado até mesmo pelos grandes teóricos que questionavam o modo de produção capitalista e propunham alternativas radicais de reestruturação societária. Pensamos que retomar essa ideia - esse conceito no seu processo social de construção, comparando-o inclusive com outras noções de natureza: da Grécia antiga, dos chineses (taoísmo), das sociedades indígenas, etc.- pode ser de grande valia para uma compreensão mais profunda das razões do atual desequilíbrio ecológico e da interligação indissociável entre o futuro da humanidade e a preocupação ambiental. Tanto a concepção de natureza como a de sociedade que são interligadas, pois uma se define, pelo menos na nossa civilização, em oposição à outra não são naturais e sim históricas e sociais. A ideia de natureza, normalmente, possui um duplo significado: a) Uma concepção de mundo (realidade, universo e, especialmente, meio circundante do homem, excluindo-se os artefatos por ele fabricados); e b) Relações práticas da sociedade com o seu habitat, nas quais se incluem a produção econômica, a organização do espaço e até mesmo as relações simbólicas com as coisas e com os deuses. A civilização ocidental, ao se mundializar e unificar povos de pontos extremos do planeta, processo iniciado no século XV com a expansão marítimo-comercial, se impôs (mesmo se mesclando com outras culturas, mas sendo hegemônica) a nível mundial em nome do progresso (identificado ao desenvolvimento do capitalismo, da produção de mercadorias em grande escala e com base na intensa divisão do trabalho e na tecnologia a ela associada). Em termos prático-operacionais, pode-se dizer que a mundialização da civilização ocidental (ou do capitalismo) significou a imposição a outros povos e regiões dos seguintes imperativos: 1. Trabalho exaustivo e "produtivo" (o que significa trabalho voltado para a produção de mercadorias, dentro da lógica da acumulação do capital): daí a ideia de que os indígenas, por exemplo, eram "preguiçosos", já que só um tipo de trabalho é considerado como produtivo nessa lógica; 2. O Esta- do como 'a organização política "normal", que deve existir em toda sociedade "civilizada" (só os povos com Estado são interlocutores, são reconhecidos); e, 3. Uma concepção de natureza como recurso, como instrumento para o desenvolvimento econômico. Raízes da concepção pragmática As raízes dessa organização civilizatória- e especialmente dessa concepção pragmática de natureza - vêm desde a Grécia antiga. Elas incluem o antropocentrismo, a geometria supervalorizada, a natureza 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 19 - physis - como processo ligado à causalidade do real, etc. e o pensamento judaico-cristão (a dicotomia corpo/espírito - ou matéria/razão, o homem como criatura privilegiada, a única a ter alma, sendo as outras criaturas e coisas apenas complementos, que ele pode utilizar à vontade, o enaltecimento do trabalho exaustivo como finalidade da vida e aprimoramento do espírito e sacrifício, etc.). Mas o impulso decisivo ocorreu com a revolução Tecnocientífica dos séculos XVI e XVII, ligada ao desenvolvimento do capitalismo. Os séculos XVI e XVII conheceram uma verdadeira revolução no pensamento ocidental, com o advento da chamada “ciência moderna" e suas relações íntimas com uma nova concepção de natureza enquanto recurso. Inúmeros autores (Koyre, 1979, em especial, embora também Capra, s/d, Moscovitti, 1968, Collingwood, s/d, e Casini, 1979) já se detiveram nas diversas etapas ou capítulos desse processo, dessa construção de um saber e uma nova ideia de natureza com Giordano Bruno, Copérnico, Kepler, Galileu Galilei, Bacon e Descartes. Deixando-se de lado, por ora, as contradições e reviravoltas C:esse rico processo de engendramento de um novo saber, básico para uma nova tecnologia, o que cabe realçar são seus resultados teóricos - e até axiológicos - mais significativos. Entre estescertamente que existe uma nova concepção de saber, ou melhor de conhecimento (sistematizado, científico, pragmático), que passa a ser definido em termos de dominação da natureza. Como afirmou Descartes, a função da ciência é permitir que nos assenhoremos da natureza. A vida contemplativa, tradicional dos gregos, por exemplo, cede lugar à vida ativa: a prática é mais importante que a teoria, a ciência instrumental é mais importante que a reflexão filosófica. A separação sujeito/objeto se aprofunda, assim como a dicotomia entre fatos e interpretação. O universo vai sendo concebido à imagem da máquina, com o abandono do modelo organicista ou antropomorfo. Do cosmos fechado passamos ao universo infinito, e uma grande mudança ocorre quando o infinito - que era até então apenas um virtual - invade este mundo, a realidade com que nos relacionamos: Uma vez que não há limites para a progressão de nosso poder (e de nossa riqueza); ou, dizendo de outro modo, os limites, onde quer que se apresentem, têm um valor negativo e devem ser ultrapassados. Certamente, o que é infinito é inesgotável, de modo que jamais atingiremos, talvez, o conhecimento, absoluto e o poder absoluto; mas aproximamo-nos deles sem cessar Em suma, o movimento se dirige para o cada vez mais; mais mercadorias, mais anos de vida, mais casas decimais nos valores numéricos das constantes universais, mais publicações científicas, mais pessoas com o título de doutor- e o mais é o bom. Não cabe "classistizar" esse saber e essa nova concepção de natureza, tornando-o instrumento da burguesia. Estaríamos assim dentro de uma visão mecanicista que pretendemos ultrapassar, de relações unívocas de causalidade. Mas é fato que houve uma inter-relação entre o desenvolvimento do racionalismo ocidental e a ascensão progressiva do capitalismo. Não que um seja o instrumento de outro, nem causa e efeito. Mas sim que o desenvolvimento do capitalismo - que não é um processo linear centrado numa lógica econômica transcendente aos conflitos e contradições dos homens, às contingências afinal - deu-se a partir de lutas, projetos alternativos onde houve vencedores e venci- dos, contradições e reviravoltas. E nesse contexto social a "ciência moderna", o saber instrumental e racional engendrado e aprimorado nesses dois séculos (e melhor sistematizado e matematizado no século seguinte, com Newton), foi básico para o desenvolvimento da produção capitalista. As ideias capitalistas de trabalho e de natureza, sem dúvida que muito devem (e se entrelaçam) com a: definição de um conhecimento "objetivo" e "racional" enquanto instrumento de domínio do homem- do social- sobre o natural, a matéria inerte ou os seres sem inteligência. "A história dos esforços humanos para subjugar a natureza é também a história da subjugação do homem pelo homem", afirmou com propriedade Horkheimer (1976). Existe na realidade uma interligação estreita entre o novo significado de natureza com a modernidade, com o processo capitalista de criar uma divisão internacional do trabalho, uma dominação sobre a natureza e, ao mesmo tempo, uma ampliação do leque das desigualdades sociais. As desigualdades e a exportação do homem pelo homem não são criações do capitalismo, mas este, ao gerar enormes potencialidades de enriquecimento, ao erigir o trabalho exaustivo (destinado em grande parte a modificar a natureza, a humanizá-la) como valor máximo, como critério de progresso, criou um padrão de vida elevadíssimo por um lado (em classes privilegiadas e minoritárias e em certos países do chamado Primeiro Mundo) e, também (de forma complementar), gerou uma enorme massa de superexplorados, de pessoas vivendo com padrões de vida que não possuem antecedentes nem nas sociedades mais tradicionais. Não é por acaso que a intensa degradação ambiental que vivemos em nossos dias (e que muitas vezes nos leva até a colocar em dúvida o futuro do social tal como o conhecemos hoje) seja coeva de um desenvolvimento material ímpar, por um lado (com aviões 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 20 supersônicos, mísseis que podem percorrer 12 mil km em menos de 10 minutos, satélites que dão informações detalhadas sobre aspectos do planeta, engenharia genética que aprimora plantas e animais, etc.), e de uma situação crônica de miséria e subnutrição em escala nunca vista anteriormente pela humanidade, por outro lado. A concepção moderna de natureza- e de conhecimento científico, que se enleia com essa ideia instrumental de natureza- dessa forma, representou uma ruptura com noções anteriores: com o antropocentrismo antigo, com o pensamento mágico, com a natureza organizada e hominizada. A metáfora com a máquina industrial passou a imperar as partes são vistas separadamente, de forma analítica, o que importa é a funcionalidade de cada uma delas em relação ao maquinismo geral. Em outras palavras: A natureza desqualificada torna-se a matéria caótica para uma simples classificação, e o eu todo poderoso torna-se o mero ter, a identidade abstrata (...) O homem da ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las. E assim que o seu em - si torna-se para - ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação. Essa identidade constitui a unidade da natureza (...) O animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisifica as almas." (Adorno e Horkheimer, 1985). Esse coisificar as almas, cabe notar, possui um significado pro- fundo: conhecer na perspectiva do objetivismo significa apartar-se enquanto sujeito (Razão). O critério para a cientificidade do saber é a sua eficácia, sua instrumentalidade para prever/reproduzir/dominar o real. A noção de objetividade, portanto, vincula-se à ideia de poder: conhecer é exercer um poder, é estabelecer as leis do objeto que, como tal, é oposto ao sujeito e "morto" no sentido de não dotado de "vida", de espírito próprio, de vontade e consciência. O escopo do saber passa a ser a manipulação do objeto, o seu conhecimento à imagem do cavalo de Tróia que penetra "nas linhas inimigas" para, de seu interior, conquistar a vitória sobre esse real A ciência moderna e o homem A ciência moderna de uma forma geral - e a geografia em particular- sempre teve dificuldades em tratar do homem. Por um lado ele é espírito, ser congnoscente, sujeito histórico e do saber, dotado de arbítrio, de livre vontade; e por outro lado ele é organismo biológico, ser natural submetido a "leis" físico- químicas... Sempre houve, desde o advento do objetivismo e do pragmatismo no pensamento ocidental, uma dicotomia no homem: espírito e matéria, alma e corpo, sujeito (mente, inteligência) e objeto (corpo, organismo). Sabemos que o desenvolvimento do capitalismo operou uma mudança de valores, de ideologia, afinal, a crença no trabalho exaustivo e redentor (revalorização do trabalho, desprestigiado na Antiguidade e mesmo na Idade Média ocidentais), a correlata condenação do ócio, o enaltecimento do progresso, o individualismo possessivo (a ideia de propriedade definindo os direitos humanos), e a nova percepção não apenas da natureza mas, em seu interior, também do tempo (que passa a se "gastar'' e não mais ser vivido, que passa de valor de uso para valor de troca, sendo ipso facto matematizado) e do espaço (que se torna funcional, geometrizado, lócus da divisão de trabalho a nível territorial). Mas paralela e complementarmente a essa transformação nas mentalidades, houve igualmente um adestramento do corpo, uma fabricação de corpos dóceis, nos dizeres de Foucault (1977, 1979). Especialmente no século XVIII ocorreu a "descoberta" do corpo como objeto e alvo do poder. O corpo que se manipula, se modela, se treina, obedece, responde, se torna hábil. É a ideia do homem-máquina, que tem seu protótipo inicial (e fundante) na instituiçãomilitar, tão importante para o desenvolvimento (e os rumos) da sociedade moderna ou capitalista: Houve, durante a época clássica, a descoberta do corpo (...) em qualquer sociedade o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas entretanto são novas nessas técnicas [do final do século XVIII em diante]. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê- lo ao nível mesmo da mecânica (...) O objeto, em seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna (...) A disciplina fabrica assim corpos submissos e dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). O próprio corpo humano, nesses termos, acaba por expressar e subsumir a oposição moderna de Razão (ou saber científico) versus natureza (ou objeto inerte, a ser instrumentalizado). É por isso que as diferenças que existem entre percepções alternativas de natureza, por exemplo: entre a nossa, ocidental 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 21 e moderna, com o pensamento tradicional chinês do taoísmo, confucionismo e budismo; ou com relação à sociedade indígena caiapó, passam também por diferenciadas leituras do corpo, das doenças, das ideias de saúde, vida e morte. A medicina tradicional chinesa, fundamentada numa ideia de organismo com a busca da harmonia entre o Yin e o Yang, possui técnicas e for- mas de encarar as doenças que são bastante diferentes da ocidental e alopática (cf. Capra, s/d). E também a percepção que os indígenas em geral possuem tanto sobre uma natureza integrada à vida humana (cf. Posey e Anderson, 1987), como uma noção de saúde, doença e morte onde o ser humano faz parte de uma natureza animista na qual um tempo mágico e cíclico integra o sentido da vida de cada um e da possível cura dos males por ervas acompanhadas de rituais destinados a convocar ou exorcizar espíritos (cf. Lévi-Strauss, 1976). Um importante pensador da modernidade (e, num certo sentido, também seu crítico) percebeu com muita acuidade esse paralelo entre natureza bruta ou "virgem", de um lado, inspirando (por conter odes- conhecido) medo e hostilidade, além de um certo fascínio, e humanizada ou organizada (ou dominada) de outro lado, inspirando - por ser conhecida e (ré) produzida pela ação humana - confiança e senso de poder e de segurança e consciência ou mente humana, interligada evidentemente ao corpo como um todo. Sigmund Freud assinalou que: a criação do domínio mental da fantasia encontra um paralelo no estabelecimento de reservas ou parques naturais em lugares onde as exigências da agricultura, das comunicações e da indústria ameaçam ocasionar mudanças na face original da terra que logo a tornarão irreconhecível. Uma reserva natural conserva o estado original que em todas as outras partes foi, para nosso pesar, sacrificado à necessidade. Todas as coisas, incluindo o que é inútil ou mesmo nocivo, nela podem crescer e proliferar livremente. A industrialização da natureza muda o seu estado original, toma o espaço geográfico um todo cada vez mais homogêneo, interligado de ponta a ponta, sem "mistérios" ou elementos desconhecidos, sem "perigos" advindos do medo frente ao não conhecido, ao não dominado e subjugado. Mas o fascínio pelo "selvagem" permanece, pois ele é não só externo a nós mas parte mesmo de nosso ser (como assinalou Freud a propósito do inconsciente ou do id). Assim como a modernidade (ré) produz, a natureza, no sentido industrial do termo ela igualmente fabrica os corpos humanos e até as mentes. Daí a ênfase de Freud na sublimação, na repressão e no superego como "guardião" das normas sociais interiorizadas. Assim como a necessidade de "reservas naturais" se coloca como uma forma de evitar e atenuar a massificação e industrialização da natureza, como forma de permitir e incentivar (mas dentro de certos limites) a existência das "coisas inúteis" ou "nocivas", também a busca da fantasia e os próprios sonhos seriam formas individuais de atenuar o predomínio do social, do artificial (que Freud de- fendia, diga-se de passagem) frente ao "espontâneo" ou "selvagem" do inconsciente, que deve igualmente ter o seu lugar. Movimentos alternativos Iremos agora nos ocupar dos movimentos alternativos da natureza ecológica ou ambientalista, nascidos a partir das preocupações com a degradação da natureza e suas leituras e perspectivas. O historiador Keith Thomas (1988) registra que essa preocupação, "ecológica" ou conservacionista existe no mundo ocidental e capitalista pelo menos desde o século XVIII, tendo surgido na Inglaterra justamente porque esse país foi pioneiro na industrialização e na degradação ambiental que a acompanha. Nesse mesmo século os ingleses se orgulhavam de ser o único país europeu a não ter mais preocupações com os lobos, exterminados pelos caçadores. Paralelamente, porém, à extinção não só do lobo mas também de inúmeras espécies vegetais e animais, crescia nos centros urbanos - especialmente em Londres - a preocupação com a poluição crescente. Assinala esse autor que desde o século XIII existem estatutos, editos e leis de caça destinados a proteger, por uma certa estação, animais como os cervos, gamos, lontras, lebres, falcões, etc., durante o período de sua procriação, sendo que o próprio termo conservation surgiu - no final da Idade Média -para designar os "guardiães" (especialmente o prefeito e os vereadores de Londres) do rio Tâmisa, que já naquele momento conhecia uma poluição e um progressivo desaparecimento de sua fauna ictiológica. Mas a multiplicação dessas leis, dos reclamos populares e da imprensa pela questão ambiental, tem seu momento decisivo no final do século XVIII, justamente o momento em que a Revolução Industrial inglesa se inicia em grande escala. Todavia, foi somente no nosso século- após a Segunda Guerra Mundial - que a denominada "consciência ecológica" alcança a sua plenitude. Isso porque a humanidade percebeu, nesse momento, que pode se autodestruir, que pode afetar seriamente a biosfera e exterminar não somente inúmeras espécies animais e vegetais (como o século XVIII já começara a perceber) mas também a própria vida humana, a espécie humana como um todo. A "consciência" ou "crise" ecológica é, assim, contemporânea da era nuclear, do crescimento dos complexos industriais-militares e da corrida armamentista, da difusão 1165766 E-book gerado especialmente para JOAB CARDOSO MAGALHAES . 22 da produção industrial a quase que todos os países do globo através das multinacionais, da nova divisão internacional do trabalho que reloca na “periferia” do capitalismo internacional certa indústrias que antes eram explosivas dos “centros”. As décadas de 1960 e, principalmente, 1970, forma importantíssimas para esse crescimento conservacionista em todo o mundo. Diversidade de atuação e organização As diversidades de formas de atuação e organização nos movimentos ecológicos são notórias. Existem as "comunidades alternativas" isoladas, normalmente vivendo no campo, numa propriedade específica onde os indivíduos tentam implementar um outro modo de vida, uma tecnologia doce ou alternativa (biogás, agricultura ecológica, educação informal e diferente da escola oficial, artesanato, alimentação naturalista ou vegetariana, piscicultura, aquecimento de água por energia solar, ausência de plásticos e detergentes não biodegradáveis, medicina alternativa com ervas, produtos alimentícios naturais, etc.).
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