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O Classicismo Francês Beatriz Resende

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O Classicismo Francês 
 
Beatriz Resende 1
 
O classicismo francês costuma aparecer nos estudos literários como um 
momento que inspira um certo movimento de resistência. Enfrentá-lo é correr o risco 
de se deparar com a possível desconfiança de se estar diante de uma passagem 
pelo conservadorismo. Esta possível resistência ao estudo do classicismo (proposta 
artística do iluminismo francês, do século XVII e início do século XVIII) não se dá 
inteiramente sem razão. Trata-se de um movimento que tem muito de pedante, de 
intencionalmente rígido. Para agravar a situação, segue-se a ele o momento 
fascinante que é o da grande revolução, a revolução das revoluções, a Revolução 
Francesa. 
No entanto, de uma forma aparentemente contraditória, é este o grande 
momento do teatro francês, um teatro de completo sucesso, que permaneceu em 
sua integridade e que terá influências definitivas na arte dramática em geral. O 
estudo do classicismo evidencia o problema da ideia de evolução em literatura, 
como se cada momento artístico não servisse senão de degrau para a ascensão do 
momento seguinte que irá superá-lo. O teatro, no entanto, é excelente exemplo do 
movimento de ideias, de contaminações, de buscas, de retomadas que formam o 
universo das artes. A incógnita maior, então, é que tipode de influência terá esse 
movimento que aparece como algo de rígido a inspirar revoltas contra si próprio no 
caminho sempre desejado da modernização. 
Assim, cabe reconsiderar qualquer eventual implicância inicial de reconhecer 
que se trata de um fenômeno que merece atenção, sobretudo pelo que determinou 
de fundador na história da literatura dramática e da encenação. Além disso, gostaria 
de dar a esta leitura do classicismo um tom menos preocupado com o texto, o que 
não é fácil pois este é o carro-chefe do movimento, mas atento com a relação que 
1 Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - 
http://lattes.cnpq.br/6496587970042087 
O Classicismo francês. In: Tânia Brandão. (Org.). ​O Teatro através da história​. V. 1: O teatro 
ocidental. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil/Entourage, 1994, v. , p. 125-141. 
 
passa a se estabelecer com a sociedade, o público, a história do espetáculo e da 
encenação, procurando ver que há de inaugurador em relação à constituição do 
teatro como um todo. 
É no classicismo que uma companhia estabelece de forma definitiva na 
França em um espaço específico, como a de Alexandre Hardy, o primeiro ​playwriter​, 
o primeiro dramaturgo profissional que escreve espetáculos para um grupo de 
atores. Esta primeira companhia tem o privilégio, até hoje indesejável, de ter seu 
próprio espaço e, ao mencioná-la, podemos chamar atenção para uma 
característica desse tipo de teatro: o fato de que o palco francês nunca foi só de 
homens, mas desde o início já recebia belas jovens, o que não acontecia em outros 
palcos. Esta companhia se estabelece no Hôtel de Bourgogne, espaço importante 
na história do classicismo francês, e cabe destacar uma característica de 
fisicalidade: Paris nunca teve teatros sem teto como os de Londres ou Madri. A 
partir daí as peças já eram exercícios de retórica, pois cada ator avança para a 
frente do palco para declamar suas falas, depois se retirava, deixando a vez ao 
sucessor. 
Estamos então diante de outra herança fundamental: é a partir do classicismo 
que se impõe o ​teatro de texto ​. É o império de textocentrismo, que permanecerá 
como dominante até o final do século XIX, quando, a partir de Antoine e Stanislavski 
se impõe o teatro do ​encenador​. 
uma terceira característica fundadora é a que, ligada a esta valorização do 
texto, está a valorização do ator declamador. Os grandes textos trágicos de 
Corneille e Racine serão as provas de fogo de todos os grandes atores e atrizes, da 
grande Rachel a Sarah Bernhardt, até nossa Fernanda Montenegro e o desafio que 
se impôs com o papel de ​Fedra. 
Em quarto lugar, vemos que é com o classicismo que a comédia, com 
Molière, adquire ​status de grande obra. John Gassner diz que Molière é o segundo 
grande talento individual da dramaturgia de todos os tempo (nesse, ‘segundo’ fica 
uma referência ao conterrâneo do crítico, Shakespeare). Apesar de toda a 
importância das comédias de Shakespeare, é pelas tragédias que ele fica nume 
primeiro lugar. É curioso ver que é a comédia que dá organização ao teatro como 
atividade. Isto se deu pela necessidade maior de um trabalho coletivo existente mais 
na comédia do que na tragédia, onde brilhavam talentos individuais. Assim, a 
companhia oficial da França será chamada de Comédie Française, e a palavra do 
ator, em francês, é ​comédien​. Isto é curioso, porque a institucionalização do ator se 
dá por um gênero visto, até então, como menos nobre. 
Uma última característica geral: é no classicismo que se constitui uma platéia 
como público. Isto é, como público pagante, opinativo, que ajuda a definir o destino 
do espetáculo. 
Vemos, então, que aquilo que poderia parecer algo velho é, na verdade, 
inaugurador, deixando marcas definitivas no teatro. 
Antes de passar para um estudo dos momentos principais do classicismo, 
através ​de autores de destaque, poderíamos examinar algumas referências, para 
compreendermos o sentido de se falar em ‘estilo clássico’. 
A primeira delas é a tragédia grega, com dois conceitos decisivos, os de 
imitação (mimese) e catarse. A imitação é de tal forma valorizada durante o 
classicismo que as grandes tragédias escritas neste período são, na verdade, 
reescrituras das tragédias gregas, frequentemente, porém, atenuadas, como fazia 
Racine com Eurípedes. 
A ​Andrómaca ​de Racine, por exemplo, eleva ao palco muito menos 
crueldade, dureza, do que mostrava Eurípedes, mas, por outro lado, também muito 
menos preocupação com a sociedade. Uma segunda referência é a influência, por 
todo o continente, da ​commedia dell'arte​, de onde sai Molière, e cujos personagens 
continua usando, misturados aos do mundo do classicismo. 
Mas gostaria de destacar, ainda de forma especial, outras referências: a 
primeira funciona por oposição, é o teatro elisabetano, em especial o de 
Shakespeare. Um teatro visto como bárbaro, rebelde a Aristóteles grandiloquente, 
cru, capaz de dialogar com reis e lacaios. O teatro de Shakespeare, na verdade, é 
tudo aquilo que o teatro clássico não deve ser. A segunda é a do teatro dos 
corrales ​, o teatro espanhol, que estava no seu apogeu. É justamente com uma peça 
sobre o heróis nacional espanhol, O Cid, que o classicismo se instaura na França. 
Data de 1610 a fundação companhia permanente de Alexandre Hardy, Os 
Atores do Rei. A esta altura o conhecido cardeal Richelieu dos folhetins de capa e 
espada - um cardeal interessado em teatro - já era a eminência parda da França. 
Posteriormente, em 1629, é criada a companhia do Príncipede Orange, no Marais, 
em uma antiga quadra de tênis adaptada. 
Após uma experiência com quatro comédias, Pierre Corneille (nascido em 
1606) escreve sua primeira tragédia, Medéia, uma imitação clássica. Dedica-se 
então, ao estudo do teatro espanhol que vivia momentos de grande prestígio, em 
especial ​As aventuras do jovem Cid​, de Guillén Castro. O resultado foi a 
tragicomédia ​O Cid. ​O curioso aí é que o classicismo, como espírito da época, já se 
inaugura em sua plenitude e assim permanecerá até que o movimento filosófico da 
época devore suas próprias regras clássicas, em minha opinião ​O Cid é, juntamente 
com Fedra, de Racine, a grande obra clássica. 
O Cid foi encenado pela Companhia do Hôtel de Bourgogne no fim da 
temporada de 1636-37 e obteve retumbante sucesso. A corte e a população da 
cidade aclamam a peça, entusiasmadas com os difíceis moralistas amores de 
Ximena. Luís XIV e rainha cumprimentam o autor e dão uma patente de nobreza a 
seu pai. Sintomaticamente, não só o autor é festejado, mas também a sobrinha de 
Richelieu, a quem a peça fora dedicada. Fica já bastante evidente o sucesso de 
uma peça significa sucesso não só de público, mas também êxito junto à corte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Atores da Comédie Française. Os Olhos voltados para o céu e as atitudes ‘nobres’ 
dos atores nos quais podemos observar o luxo dos figurinos. Pintura de Watteau, 
Coleção Jules S. Bache (​Metropolitan Museum of Art, New York​). 
 
Luís XIII, Richelieu e Ana da Áustria assistindo à montagem inaugural do Palais-Cardinal 
(1641). O espaço do ​parterre ​encontra-se reservado aos espectadores reais enquanto os 
nobres ocupam seus lugares nas galerias laterais. Pintura de Abraham Bosse (​Museu de 
Artes Decorativas, Paris). 
 
O Cid ​, porém, é um último tributo à individualidade e a época pede algo mais 
diverso. O tempo do herói individual es´ta terminando, como vai ser consagrado pelo 
teatro de Molière, um teatro que possui, sim, indivíduos, heróis e heroínas, mas 
onde se movem grupos de pessoas, conjuntos de elementos dos diversos 
segmentos sociais. Corneille, depois deste grande sucesso, por conta de intrigas da 
corte, enfrenta restrições e volta ‘domado’. A peça seguinte, ​Horácio​, aceita uma 
definição mais rígida das regras das três unidades. A dramaturgia de Corneille se 
torna progressivamente mais rígida. A propósito cito John Gassner, crítico sempre 
delicioso quando fala dos franceses: 
 
A verdadeira deficiência de Corneille é a crescente rigidez técnica 
imposta a ele pela moda literária do classicismo francês, dando que o 
princípio da ‘ordem’ em todas as coisas já invadira por essa época o 
terreno da construção dramática … esse elisabetano de coração 
estava infelizmente engaiolado na era de Luís XIV. 
 
Em seguida Corneille escreve, ​Cina, Polyeucte, O mentiroso, ​todos grandes 
sucessos. Depois vai se retirando aos poucos. 
Em 1661 Luís XIV tem pleno controle da França, e a única arte com 
possibilidade de êxito era aquela que divertia a sociedade ’polida’ no mais polido 
dos estilos literários. É o momento dos palácios e salões, gerenciados por 
importantes amantes de nobres. A polidez do discurso literário, o aspecto do 
cuidado, capricho, ligado à artificialidade, evidente na moda rococó com suas 
perucas, aparecia na lapidação dos versos escritos em hexâmetros rimados, com 
acentuação fixa, seguindo regras cada vez mais rígidas de recusa do prosaísmo. 
É ainda Gassner quem bem define: 
 
O teatro e a dramaturgia deviam possuir a beleza formal de um 
camafeu cravejado de pedras. A peça devia mostrar o mínimo de 
ação possível; os acontecimentos deviam ser relatados mensageiros; 
as personagens deviam revelar suas emoções conversando com 
essas chaturas do teatro francês, os confidentes ou as confidentas; e 
o drama devia ser confinado a uma situação central. 
 
Se continuássemos de forma cronológica falariamos de Molière, mas antes 
vamos tratar Racine, que foi, antes de mais nada, uma grande poeta. 
Racine foi capaz de transformar as restrições clássicas em vantagens, 
conseguindo um dom de refinamento que resulta na música verbal de um poeta 
verdadeiro. Juntando este talento a uma compreensão do ‘coração feminino’, 
produziu uma obra que é o deleite de grandes atrizes, todas as que, para sê-lo 
deviam representar Racine com toda emoção. 
Nascido em 1639, Racine foi educado com muita rigidez pelos jansenistas de 
Port-Royal e cedo se ligou ao principal crítico da época, Nicolas Boileau. O início de 
sua carreira aconteceu com o amparo de Molière, que encenou sua segunda peça. 
A tabelada​, em 1664, com sua companhia Comédiens du Roi. Neste período havia 
forte rivalidade entre esta companhia e ado Hôtel Bourgogne. Na encenação de sua 
terceira peça, ​Andrômaca​, Racine, no entanto, não hesitou em cometer uma 
‘traição’, opinando por levá-lo para o Hôtel de Bourgogne, que naquele momento 
estava com melhores atores. 
Andrômaca mostra bem que a principal diferença entre as peças de Racine e 
as de Eurípedes está de fato de as do grego serem mais vinculadas à vida e 
preocupadas com a humanidade, e as de Racine serem dramas psicológicos e, 
como tal, muito bem realizados. Em seguida faz ​Britânico​, uma pintura forte de Nero 
e sua corte. Com esta peça já entra em competição com Corneille. É então eleito 
para a Academia Francesa, que o escolhe ai invés de Molière, que se recusa a 
abandonar a profissão de ator. O envolvimento com as artes cênicas de um autor, 
mas a postura em relação ao ator era outra. Duas maldições pesavam sobre 
Molière: a primeira era o gosto por ser ator; e a segunda, a irreverência para com a 
Igreja. 
Em seguida Racine escreve Ifigénia e outro lance de dramaturgia euripidiana, 
Fedra ​. Este é o ponto áureo de sua carreira. Dentro dos limites do classicismo 
francês, com suas regras de contenção, esta peça se afirma como um tremendo ​tour 
de ​force de atuação, pois que é extraordinária por sua exploração das profundezas 
de uma mente obcecada pela paixão. Criar, dentro de tais regras de contenção, uma 
história de tal paixão proibida é um êxito da criação artística desenvolvida 
justamente a partir de princípios de oposição interna. A mente obcecada de Fedra, 
uma mulher capaz de tudo, de qualquer crime, pela paixão, fez a história desta peça 
que não é elaborada como um teatro de catarse, de transbordamento ou de 
dilaceramento romântico. Tudo isto tem que ser revelado de forma absolutamente 
contida, rígida, metrificada e rimada. Sem dúvida alguma o resultado só podia 
mesmo ser o grande desafio que uma atriz pode se impor . 
As intrigas da corte acabam com o seu sucesso e após ​Fedra volta ao 
jansenismo . Escreve ainda ​Berenice, Ester e Atalia​. 
Molière um pupilo de Cyrano de Bergerac, é considerado o maior dramaturgo 
cômico da França e talvez, junto com Aristófanes,um dos maiores do teatro 
europeu. Sua grande estréia se dá em 1658, no Louvre, diante do jovem Luís XIV (e 
sua corte), que fica fascinado com a irreverência do autor. A companhia de Molière 
se exibiu com sucesso ininterrupto. O dramaturgo foi também responsável por 
suntuosos divertimentos em Versalhes, apresentando regularmente peças 
representadas para a corte. 
É Molière quem leva para a França a influência do desenho de cena italiano, 
com seus cenários pintados e a maquinaria elaborada. Na realidade, estabelece, na 
prática, uma ligação entre os dois grandes tragediógrafos, atuando em ​Nicomede de 
Corneille e encenando ​A tebaida de Racine. Fez sua última apresentação no palco 
do Palais-Royal: ​O doente Imaginário. 
A trajetória de Molière como homem de teatro se completa depois de sua 
morte, quando sua companhia sob a direção de mulher e de um segundo marido 
ator, uniu-se, por ordem de Luís XIV a duas outras para formar a Comédie Française 
- o Teatro Nacional da França -, a Casa de Molière. 
Antes de voltar a Molière a partir do estudo da relação entre a cidade e a 
corte e a formação do público, gostaria de citar alguns autores nem sempre 
enfocados no estudo da dramaturgia do classicismo. O primeiro é o importante 
nome do iluminismo francê, Voltaire, que criou tragédias como ​Oedipe, Brutus, Zaire 
e A morte de César​, escritas entre 1718 e 1732, que não ombreiam em importância 
com o resto de sua obra. São obras cheias de versos filosóficos e anticlericais. 
Também chamo a atenção para dois autores que não são clássico da época. O 
primeiro é Marivaux (1688-1763), dramaturgo prolífico que lutava contra o 
formalismo, antecipando recursos do romantismo e do sentimentalismo. Marivaux só 
será mais aceito quando a obrigação de seguir as rígidas regras clássicas for 
atenuada, e terminará sendo um autor muitíssimo encenado, garantia de sucesso de 
público para diversas companhias até hoje. 
Outro que passa despercebido é Beaumarchais, que entrará na história do 
espetáculo por arte de ilustres compositores. Num momento em que as óperas de 
segunda categoria alcançavam grande popularidade, em que o ​vaudeville ​começava 
na França justamente com a ‘comédia sentimental’, que os franceses chamavam de 
comédie larmoyante​, o espírito irreverente de Molière parece ter-se encarnado, às 
vésperas da Revolução Francesa, em Pierre Augustin Beaumarchais. É justamente 
às vésperas da Revolução que Beaumarchais garatuja às presas ​O barbeiro de 
Sevilha​, comédia transformada em ópera-bufa por Giovanni Paisiello e mais tarde 
celebrizada por Rossini. Em seguida escreve ​O casamento de Fígaro, obra 
imortalizada ao dar origem a ​As bodas de Fígaro​, ópera em quatro atos de Mozart. 
Nestas histórias em que nobres e lacaios se misturam em seus amores, 
Beaumarchais derrama todo o desprezo e irreverência pela arrogante nobreza dos 
agonizantes anos da monarquia do Bourbon. 
Gostaria agora de passar, também inevitavelmente de forma rápida, pelo 
pensamento crítico da dramaturgia da época, pela ​Arte poética que resuma a 
proposta estética desse princípio de articulação harmonioso que é a obra de Nicolas 
Boileau (1639-1711). Boileau é o teórico desta época literária de grandes vultos sob 
a proteção do Rei Sol. 
Quando sua ​Arte poética é publicada, em 1674, Molière já morrera, o que não 
o poupa de críticas, e Racine já escrevera suas principais obras. Boileau é, portanto 
um definidor da chamada doutrina clássica , que dá letras às regras de bem 
escrever, que bom gosto e bom senso que pautaram a produção artística da época. 
Vale a pena conhecê-la como uma forma de melhor compreender - ​a posteriori - o 
espírito da época. 
Boileau reitera, em especial, os princípios da ​Arte poética de Aristóteles, 
especialmente o conceito de verossimilhança. Na verdade, ele estreita o conceito 
aristotélico de mimese, o que deixou aos que seguiram uma longa discussão. Diz 
Boileau: “Nunca ofereça algo de inacreditável ao espectador: a verdade pode, às 
vezes, não ser verossímil. Uma maravilha absurda é para mim sem atrativos, o 
espírito não se emociona com aquilo em que não crê.” Isto restringe a afirmativa de 
Aristóteles de que é preferível o impossível crível ao possível incrível. Ao longo de 
sua ​Arte poética, ​Boileau irá fazendo a defesa da razão e do bom senso, mas é 
sobretudo o ​belo ​a condição indispensável à existência da obra de arte. Na verdade, 
esta estética do ​belo só será rompida pelo Romantismo, quando Victor Hugo, no 
prefácio à peça ​Cromwell, coloca o grotesco ao lado do sublime, princípio que não 
apenas expressa teoricamente, mas realiza, em obras como O corcunda de 
Notre-Dame​. De acordo com Boileau:”Não existe serpente nem monstro odioso que, 
imitados pela arte, não possam agradar ao olhos: a habilidade agradável de um 
pincel delicado transforma o mais horrendo objeto num objeto fascinante.” 
Importante ainda é ver de que forma o teórico reafirma regra as três unidades 
desqualificando o teatro que não as cumpra. 
 
A inauguração do Teatro Real de Turim (1740). Foi retirado o espaço do ​parierre. ​Pintura de 
Pietro Domenico Olivero (​Museu Cívico, Turim) 
 
 
Assim, afirma no terceiro canto que 
 
um versificador para além dos Pireneus encerra, no teatro, muitos 
ano em um dia: lá, com frequência, o herói de um espetáculo 
grosseiro é criança no primeiro ato e velho no último (está aludindo a 
Lope de Vega e seus seguidores). ​Nós que a ​razão engaja às suas 
regras, queremos que a ação se desenvolva com arte: ​em um lugar, 
em um dia, um único fato​, acabado, mantenha até o fim do teatro 
repleto (grifos meus). 
 
E a verdade é que conseguiam tal intento. 
Mas o que pare mais importante em Boileau, como algo definidor de sua 
proposta de teatro, é justamente a reflexão final sobre o público, onde se refere a 
Molière. Diz o crítico, ainda uma vez numa referência a esta realidade dupla que é a 
corte e a cidade: 
 
Estudem a corte e conheçam a cidade: uma e outra são sempre 
fecundas em modelos. Com elas é que Molière, dando brilho a seus 
escritos, teria talvez ganho o prêmio por sua arte (refere-se aqui à 
entrada para a Academia de Letras, onde o comediólogo foi 
preterido) se, menos amigo do povo, em suas doutas pinturas muitas 
vezes não tivesse feito caretear suas personagens, abandonando o 
tom agradável e fino para adotar o bufo. 
 
Trata aqui, segundo a ideia tradicional, de dividir os franceses entre homens 
da corte e burgueses, ignorando o povo, que não merece atenção dos artista da 
época. Cabe lembrar que 1672 a Corte tinha sido transferida para Versalhes, 
aumentando ainda mais a distância entre ela e a cidade. Este cuidado extremo em 
afastar dos nobres o cheiro do povo terminará por lhes custar as cabeças. 
E, finalmente, agrava-se o desprezo pela arte que se aproxime do popularquando declara que: 
 
No teatro, gosto de ver um autor que, sem rebaixar-se aos olhos do 
espectador, satisfaz somente pela razão e nunca contraria. Mas 
quando um falso cômico, amante de equívocos grosseiros, não utiliza 
senão a sujeira para divertir-me, que ele se v, se quiser, sobre dois 
tablados (refere-se aos saltimbancos) divertir o Pont-Neuf e os 
lacaios lá reunidos. 
 
O século XVII introduz duas novas expressões no vocabulário que trata da 
produção artística. São expressões ligadas à organização de uma sociedade que se 
encontra à beira da grande crise que culmina com a Revolução Francesa, em 1789. 
Trata-se da palavra ‘público’, que entra em cena neste século, e da expressão ​la 
cour et la ville (a corte e a cidade, magnificamente estudada por Erich Auerbach em 
ensaio com este título). 
Em ​Horácio ​, de Corneille, público aparece significando ‘corpo político’, 
Estado. A palavra aparece, em seguida, em documentos e correspondência, como 
‘platéia de teatro’. A palavra ‘povo’, que já existia, designa parte deste público: as 
pessoas sem nobreza da platéia. 
Boileau, em sua ​Arte poética, ​como já vimos, designa a corte e a cidade 
como o público literário. A corte é a ​entourage do rei, a população palaciana que 
assiste aos espetáculos que lhe são oferecidos. Este fenômeno do autor teatral, que 
surge a partir dos espetáculos palacianos, aparece em manifestação mais próxima 
de nossa cultura com Gil Vicente. O autor português celebriza-se pelos espetáculos 
apresentados com sucesso à corte de Portugal em festejos da casa real. Já ​ville é a 
cidade ocupada pelos burgueses. 
Gostaria de chamar atenção para o fato de que a história do teatro é a 
história da cidade. É impossível considerarmos a evolução de um sem acompanhar 
o movimento da outra, do teatro da Grécia antiga - espaço de surgimento da ​pólis - 
aos espetáculos medievais nos burgos que se organizam dando origem às cidades 
da Europa moderna. 
Com Molière de todos os dramaturgos do classicismo o mais preocupado 
com a organização da sociedade como um todo, a palavra cidade deixa de se 
referir, como acontecia ainda com Corneille, nos membros de uma elite urbana que 
se reunia nos salões para discutir arte e toma o significado de ‘a sociedade de 
Paris’. 
Molière é o caso, extremamente interessante, de um autor que teve, de saída 
corte e o ‘público’ a seu lado. Opunham-se a ele, no entanto, forças poderosas das 
quais se vingava através de suas obras. Dentre estes estão os próprios membros 
dos salões, satirizados, por exemplo, pelos personagens de ​As preciosas ridículas, 
com especial destaque para a personagem do marquês. A figura deste marquês 
aparece como recorrente do personagem Dorante que, consistentemente, expressa 
em suas falas desprezo pelos ocupantes do ​parierre​. O ​parierre era a parte mais 
barata do teatro do classicismo, onde as pessoas ficavam de pé, pagando por seus 
lugares não mais de 15 ​sous​. Sem dúvida um ótimo lugar para os que estavam 
interessados em ver um espetáculo do que ​serem vistos​, preocupação do elegantes 
aristocratas, mas espaço onde agiam os ladrões e ocorriam brigas constantes. 
Os ‘preciosos’ eram sempre nobres que os burgueses enriquecidos imitavam. 
A peça e o filme ​Cyrano de Bergerac mostram bem como esta crítica se dá dentro 
do próprio teatro, com a sátira ao famoso ator Montfleury, do Hôtel de Bourgogne, 
cuja atuação apresentava um ​phatos ​pedante e exagerado, mas admirado pelos 
marqueses e pela sociedade dos salões das preciosas. 
A dramaturgia de Molière vai descrever uma sensação que demonstra bom 
senso e bom gosto se encontram-se tanto no ​parierre ​como na corte, cabendo ao 
artista agradar a ambos. Os mais duros inimigos de Molière aparecem em ​Tartufo. 
São os carolas. A crítica a estes empostados religiosos resultou na proibição da 
peça e foram necessários cinco anos para que o rei, a quem a obra agradava, 
conseguisse a liberação da peça, satisfazendo, com este ato, a si mesmo e aos 
parisienses. 
O desprezo pelo ​parierre ​, expresso por personagens como o marquês e 
Dorante, baseava-se no entendimento de que ali poucas pessoas poderiam 
compreender as regras que determinavam a qualidade de uma obra teatral. O que 
importa, porém, é ver que o espírito de época do classicismo não foi determinado 
simplesmente pela corte e pela aristocracia, mas também pelo gosto popular. A 
platéia de lacaios, soldados, pajens e pequenos funcionários foi sendo completada - 
e em parte substituída - pela média burguesia formada pelos comerciantes 
parisienses, além de artistas e jovens escritores, a quem, como costuma acontecer 
com a maioria dos intelectuais, agrada estar próximo ao povo. Deste modo, ao falar 
de ‘público’, no correr do século XVII, terminaremos englobando corte e cidade. Com 
o sucesso que obtém, o teatro de Molière torna-se o mais forte expoente desta 
expressão de um gosto homogêneo, de um ideal cultural comum. 
Para concluir, gostaria de mostrar como o classicismo conteve, em si próprio, 
sua crítica e como o caminho que leva do iluminismo até a Revolução Francesa é 
pavimentado por intelectuais clássicos que passam, para usar uma expressão 
contemporânea, a se preocupar com a democratização do saber. É a 
intelectualidade bem formada do iluminismo que vai produzir a reação à era clássica 
e, mais do que isso, o ideários de Liberdade-Igualdade-Fraternidade. Dentre estes 
pensadores iluministas já no século XVII, um se ocupará de formar toda especial 
com as questões teatrais: Denis Diderot. 
Em 1758, Diderot já é célebre na Europa, dirige a ​Encyclopédie​, signo 
máximo do iluminismo, e O discurso sobre a poesia dramática, espécie de ​Arte 
poética​. Mas não é nem esta peça, nem a anterior, ​O filho natural ​, que irão 
modificar o panorama teatral, mas justamente o que irá de revolucionário em seu 
texto teórico. A ideia centro própri Diderot: “A submissão às regras é a morte do 
gênio.” Esta ideia se juntaria a outra que se ocupa do aspecto necessariamente de 
‘utilidade’ da filosofia. Segundo Diredot, o filósofo é um homem que quer agradar e 
se tornar útil. E é assim que o filósofo , naquele momento, ganha os salões, os 
cafés, as salas de espetáculo, tentando mostrar a conexão entre a filosofia e a 
sociedade é a mais estreita possível. E justamente a esta finalidade deveria servir a 
Encyclopédie ​: tornar o saber mais acessível. 
Para além da alternativa de propostas teóricas que giram sempre em torno 
das ideias de verossimilhança e da importância ou não das regras das três 
unidades, o mais decisivo na proposta de Diderot é sua vontade de resgatar o 
espetáculo no teatro. É de sua importância como manifestação espetacular que o 
pensador se ocupa, e para isso irá combater o textocentrismo que se impusera com 
o classicismo francês.Combate assim um teatro de grandes poetas, seduzidos por 
achados poéticos e grandes feitos declaratórios. Desta forma, é preciso romper a 
servilidade do teatro à teoria clássica dos gêneros. 
Este processo sem razão que, a propósito da ‘comédia séria’, afirma: “A 
platéia da comédia é o único lugar onde se confundem as lágrimas do homem 
virtuoso e do perverso.” 
Desejando libertar o teatro das regras arbitrárias que o ‘engaiolavam’, 
devolvendo no dramaturgo a liberdade de criação e introduzindo um conceito mais 
amplo de verossimilhança, que contém em si a noção de ‘ilusão’, Diderot formula 
uma teoria antecessora de um grande momento renovador das artes cênicas, o 
naturalismo (entendido o termo em sua acepção propriamente teatral) quando afirma 
que: “Quer compondo, quer representando, fazei de conta que espectador não 
existe e não penseis nele me nenhum dos casos. Imaginai no proscênio uma grande 
parede que vos separa da plateia e representai como se a cortina não estivesse 
aberta” Este é o conceito de quarta parede, que dará ao ator, por exemplo, a 
liberdade de virar-se de costas para a platéia. 
O fundamental é que tais formulações pressupõem nova ideia de público, 
conceito que foi forjado no decorrer do classicismo, e deverá expressar um ideário 
que não deve ser mais controlador do gosto, mas sim a expressão de visão de 
muitos dos recém-chegados no circuito da cultura bem-pensante. 
 
Bibliografia 
 
Auerbach, Erich. “La cour et la ville”, em: Lima, Luiz Cosia. ​Teoria da literatura em 
suas fontes​. Rio de Janeirom Francisco Alves, vol. II, 1983 
 
Boileau-Despréaux, Nicolas. ​A arte poética.​ São Paulo, Perspectiva, 1979. 
 
Diderot, Denis. ​Discurso sobre a poesia dramática​. São Paulo, Brasiliense, 1986. 
 
Gassner, John. ​Mestre do teatro I. ​São Paulo, Perspectiva, 1974.

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