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12. Thomas Bonnici Critica Feminista

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CNÍTICA FEMINISTA
Lícia Os ana Zolin
Os esruoos on cÊNBno E A LTTERATURA
Desde a décadade 1960, com o desenvolvimento do pensamento feminista, a mulher vem se
tornando objeto de estudo em diversas áreas de conhecimento, como a Sociologia, a Psicanálise, a
História e a Antropologia. Também no âmbito da Literatura e da Crítica Litetâria, a mulher vem
Íìgurando entre os temâs abordados em encontros, simpósios e congressos, bem como se constituindo
em motivo de inúmeros cursos' teses e trabalhos de pesquisa'
No entanto, tal presença não deve ser analisada como um fato que passa a despertar curiosidade
por estar ligado a esse momento de afirmação. Na verdade, é qry.3 p-t.t.tt9"-q,,9 9]1ry1n"S-3'!9t19"1
'. 
" 
."r.i." pa. ^çgjiqgar 4*!_o-do-gg_plocgsso históricõ-liiìa:i". M3t:_LryLorlarlqciq-qt"
ë-*C-t.úttd"-";;t-t-ds-mqvlgr""to-fga!{qta são qs efeitos prqvo-çados p-ol-g!e em sius
aCryf5--n41g4.,t U-gt-{.ïgl .{91L9:, e é o que nos interessa neste capítulo' está ligado a um
dos diversos instrument* d. ilè diipòúos hoje para ler e interpretar o te"1o literário: a,c-rítica ,:
feminista.
Desde a_qu4 olrge!q-e!c-1920, com a publicação, nos Estados lJnidos, da tese de doutorado ":,
de Kate Mifi.t, i"ut*"f"a, Seprd,pçliürs, ess-a.ly'ertçn-tq da ctíticahterâtiatem4.srqlnido g*p,1P-e-!de :
leitora e escritora é dúè;;;à J" Àrià"lr"a implicou ttgat!.rti"as mudança1 n-o,!-lmPo intelectual, ', "
ffi{"r:p.E'11bIry1q;;á1S-rt e pela descoberta de novòs horizontes -de expectatì1as
Nas últimas décadas, muitas facções críticas defendem a necessidade de se considerar o objeto de
estudo em relação ao contexto em que está inserido; de alguma forma, tudo parece estar interligado'
NoqueserefereàposiçãosocialdamulhereSuapreSençanouniverso1iterário,essavisãodevemuito
ao feminismo, que pôs a nu as circunstâncias sócio-históricas entendidas como determinantes na
produção literária. Dt 
-.r-o modo que {ezpe1qçb-q{,qgç-e-estçÍçórrpo-Íbru.ufr:r-o-!,.99glt"olU$i:l:lf'
difundido na literatura e no cinema, .onrtitui-re num considerável obstáculo na luta pelos direitos da
-il;*ìrtudo, 
^cerca 
de rextos literários canônicos mostram inqu911i-gn-1v-e51-o*r19spo-l,dÊneras
e-,]!f-e sgxp-e--p,oder: 3^s.Iqlaçõçs de poder ettre casais e-spelham "!,tfl;çõ-..t-éê- 
podãt .ttt.e ho.r4ep ' -
e.mulher n4 gq-.-i"d"ã.ç-ry-g.trl;"a lsfera privada acaba sendo un-r1e{enl,?o da.esfera púb!iC-a'.i
Ambas são construia,t *ui" 
"s 
aliceicei di p-o-ti1iç"'b-aseados ttas-telaçÕqs de-poder' 
.
m
ãI
il
t
OLIN
Se as relações entre os sexos se desenvolvem segundo uma orientação política e de poder, também
a crítica lìterária feminista é profundamente política na medida em que trabalha no sentido de interferir
ï:::*:::t{,Tia|a-se,9. |m -'9: d: ler.a literatura confessadamente empenhado, volrado paÍa a
fï:::'ï::"-'1:::u:.r discriminatório das ideologias de gônero, construídas, ," r""g"'a"";;;.;
iill'|'", lttfoftallto, um texto literário tomando como instrumento, o, .o,r..itor;.;ró".;il;il;pela crítica feminista (veja quadro a seguir) implica investigar o modo pelo qual tal texto esrá marcado --
R9]a.{iferença de género, num processo de desnudam.rrro q.r. irisa desp_e,-4ar ; ,"";; :;;
-rdi,'ç,,d;;.;;;il"des,ou,po'"o,,,,ohd;;ilË";"úïi;llìï.ïïï;fu;.ï::õt:ï::*ffff:iescntores(as) em
relação às convençóes sociais que, historicamenre, têm aprision"do 
" 
-jh... .1riaì ,.;*'oJil;;
Consideonsiderando as circunstâncias sócio-históricas como fatores determinantes na produção daliteratura, uma serie de críticos(as) feministas. principalmenre na França c Estados lJnidos, tem/' rLrrrulrL4ò' PrlrLrParrlrcrÌ[e Iìa ffança e nOS EStadOS UntdOS, tempromovido, desde a década de 1970, debates acerca do espaço relegado à mulher na sociedade, bem
como das. consequências, ou dos refleros daí advindor, pri" o âmbiiq li1erârio.
^.-, ,9 
ofjeyo desses debates' se os contemplarmos de modo amplo, é a rransformaçãg Qa çgndição de
uals aYudrè amulher ocupa, à sua revelia, um lugar secundário em relação ao lugar ocupado pelo homem, marcado pela
:ïïl:l|i1tlp,:1" submissão e pela resignação. Tàis discursos na"o só i,ri.rf...- ", -,iiì"'Jil;ï;,ersrlv r! rrurlttu.
::"t.:::::::i-!i.T o"rSndamenhr os cânones críricos e reóricos tradicionais. _r;;fi;.r;;,._._
::1,'rt^:t:::u_,i]ll:..r"*..Assim' acr.íticafeminista trabalha no sentido de desconstr"i. 
" ";-r;ç;ï;k/mulher e as demais oposições associadas a esta, numa espécie de versão do pós-estruturalismo.
Feminino
Termo empregado em dois senticios distintos; a determinação de cada um depende docontexto em que está ihserid^o: na maior parie das vezes, o term ofeminino apârece em
oposição a masculin-o e faz referência às cónvenções sociais, ou seja, â um conjunto cle
características (atribuídas à mulher) definidas culturalmen,., pJ.r"rrro em constanteprocesso de mudança. Pode referir-se, todavia, simpres e despo-ladamente ao sexofeminino. ao dado puramenre biológico. r.,n n.nhu-r."rrr.ï"áìaç;s - ì': ":';
Feminista
Trata-se de um termo que não é utilizado no senticio panfletário que costuma terentre nós, mas tal como é utilizado em lí'gua inglesa: como câtegoria política, enão pejorativa. relativa ao íeminismo.nr.niido.Ào moui'-,'.,.nro [r. pr..onir, 
^ampliação dos direitos civis e políticos da mulher, não apenas em termos legais, mastambém em termos da prátiòa social.
categoriatomadapela crítica.fe^miyt1.{e empqfsllmo à_ g:lmítica originariamenre, gênero
consiste no emprego de desinências difereniiiàa, q.r"írr- a.rigrrrii.ra-iduos de sexosdiferentes ou coisas sexuadas. A crítica feminista, tádania, f." .oã que o termo assumisse
outras tintas: toma-o como uúa relação-entre os atributos cuÌturais r.f.ièrrt.í ããít"-dos sexos e à dimensão biológica do, s.re, humanos. +r;; ;. ;;;;^"-, Oì 
"ì^;;;;que implica diferença sexual e curru_ral. o suleito-e constituíjo no gênero.-.rràã do
sexo â que pertence e, principalmente, em nzão de códigos linguístiãos e representaçoes
culturais que o matizam, estabelecidos de acordo com as È.r..qii", sociais.
Termo utilizado no sentido empregado por Jacques D,gLIida, seu cliadçr, para designaro pensamento canôni_co. num contexro marcado pèió 
"mpenho em desmonrí, .desqualificar 
" 
-iiiinirçeo implícita no discurso firosáfico ociientar.
Termo tomadoporalgumas escritoras e críticas francesas paradesafiara lógicapredominante
no pensamento ocidental, bem como a predominância da ordem 
-rrÀlirrr.
218 
- 
r E o R r A LrrERÁRra
I
L.
Patriarcalismo
Termo utilizado para designar uma espécie de organização familiar originária dos povos
antigos, na qual toda instituiçao iócial concentrava-se na figura de um chefe. o patriarca,
ïújâ autoridade era preponderante e incontestável. Esse conceito tem permeado a maioria
das discussões, trâvadas no conterto do pensamento feminista, que envolvem a questão
da opressão da mulher ao longo de sua história.
Desconstrução
Termo que provém da obra de Jacques Derrida, utilizado pelos teóricos da literatura
em uma espécie de crítica das oposições hierárquicas que estruturam o pensamento
_ocidental, tais como: modelo x imitação; dominador x dominado; forte x fraco; presença
x ausência; corpo x mente; homem x mulher. Tiata-se de se apoiar na convicção de que
oposições como essas não são absolutamente naturais, nem inevitáveis, mas construções
rde-qlggicas que podem ser desconstruídas, isto é, submetidas a estruturâ e funcionamerito
diferentes.
Alteridade
A dialética da identidade/alteridade foi originalmente elaborada pela filosofia (de Descartes
a Saitre). sendo que a "identidade foi concèbida como um nú.I.o e a alteridade como
ümãGterioridade', um'estranho', uma'negativa' do si-mesmo, orbitando ao seu redor"
(waooiNcroN, 1996, p.337). Tiazendo-a para o mundo das relações de poder na sociedade
patriarcal, o-nggleg_c_ogbe ao homem, "senhor darazão, da lei, da religião e proprietário das
riquezas" (walowcroN, 1996,p.337); a periferia, à mulhçr, erpropriada desses atributos.
Apanir desse conrexto da exterioridade. da estranheza e da negatividade. foi atribuída uma
alteridade à mulher, mas alteridade entendida como sinônimo de condição objetal e de
identidade em Falra. e não uma alteridade âutênticâ, intersubjeciva. Esta permaneceu por ser
conquistada. Qdçsnudamento da aheridade da literatura de autoria feminina constitui-se na
base da abordagem feminista na literatura. Isso implica dizer que a anáÌise das obras escritas
por mulhères é reàlizada visando promover o desnudamento da alteridade do discurso
feminino, de acordo com o princípio da diferença, ou seja, como um discurso "outro""em
relação ao "mesmo".
Mulher-sujeito
e
Mulher-objeto
Categorias utilizadas para caracterizar âs tintas do comportamento feminino em face dos
parâmetros estabelecidos pela sociedade patriarcal: amulhu-sujejtgé marcadlggllnsubgrdl15ãg
lgtçf.ldqlparadigmas, por seu poder de decisão, dominação e impósição; er.qlranto ãmulhe!-
.objeOâeftne-tepelasubmissão, pelaresignação e pelafaltadevoz.As oposições binárias subversão/
aceitação, inconfonnismo/resignação, atMdade/passividade, transcendênciúmanência, entre
outras, referem-se, respectivamente, a essas designações e as complementam.
Quadro 1. Conceitos operatórios da crítica feminista.
"-*..@ cnÍrrcA FËMrNrsrA
Fica mais claro entender o que vem a ser crítica literária feminista, e como ela funciona, quando
se tem conhecimento de algumas noções prévias acerca do feminismo entendido como o movimento
social e político que lhe deu origem. Emrazáodisso, passemos, de início, a uma espécie de mapeamento,
ainda que rápido, do contexto em que se desenvolveu essa facção da crítica literária, como origens,
precursores, reivindicações etc. para, posteriormente, de posse dessas informaçóes, determo-nos
propriamente em sua essência.
A qunsrÁo DA MULHER No sÉcur,o >(D(
Alguns teóricos(as), apoiados(as) na premissa de que se podem localizar na história inúmeras formas
de feminismo, entendidas como frentes de respostas para a "questão da mulher", deGndem a tese de que
Tsov,q.s BoNNIct I Luctr Os,lNr ZortN (oRGANÌzÂDORES) 219
OLIN
sua abrangência estende-se dos matriarcados neolíticos ao feminismo radical contemporâneo. Seja como
for, mesmo que se entenda que o feminismo esteja restrito aos últimos dois ou três séculos, trata-se de
um movimento político bastante.ampl_q qrç, alicerçado na crença de que, consciente e coletivamente, as
mulheres podem mudar a posição de inferioridade que ocupam no meig toii^I, abalc4 {!sde,r-e_Qrryas
culturais, legais e econômicas, referentes ao direito da mulher ao votol àeducação, à licença-maternidade, à
prâticade esportes, à igualdade de remuneração parafunção igual etc., até um4 lggrìi-feminista acadêmica,
voltada para reformas relacionadas ao modo de ler o terto literário.
' Algumas declarações públicas que descrevem "mulheres" como uma categoria social distinta, com
status social inferior, remontam ao século XVIIL É o ."to do documento Some reflections upon marriage
[Algumas reflexões sobre o casamento], de Mary Astell, datado de 1730, que ironiza a sabedoria
masculina e despoetiza as relações existentes na sociedade familiar. Ela questiona o fato de o poder
absoluto não ser aceito no estado político, por ser um método impróprio para governâr seres racionais
e livres, mas existir nafatníIia. Do mesmo modo que questiona o fato de todos os homens nâscerem
livres e todas as mulheres nascerem escravas. Até a construção social do sujeito feminino é discutida
por Astell, quando ela aÍìrma que Deus distribuiu a inteligência a ambos os sexos com imparcialidade,
mas que o conhecimento foi arrebatado pelos homens a fim de que eles se mantivessem no poder.
Na França, Marie Olympe Gouges, uma das ativistas da Revolução de 1789, apresenta à Assembléia
Nacional, ernlTgl,,asuacorajosaDéclarationdesdroítsdelafemmeetdelacitoyenne(Declaraçãodosdireitos
da mulher e da cídadã), em que defende a ideia de que as mulheres devem ter todos os direitos que o
homem tem ou quer para si, inclusive o de propriedade e de liberdade de expressão; em contrapartida,
devem assumir também toda sorte de responsabilidades que cabem aos cidadãos do sexo masculino,
como o pagamento de impostos, a punição por crimes cometidos e o cumprimento de todos os deveres
públicos cabíveis a um cidadão comum. Além disso, Gouges cobra das mulheres vigor nas reivindicações
de mais liberdade democrática para seu sexo. Em 1792, a inglesa MaryV/ollstonecraft escreve um dos
grandes clássicos da literatura feminista, AWndication of the Riglts o:f Woman (-ü reiuindicações dos direitos
da mulher), retomando as reivindicações da extensão dos ideais da Revolução Francesa às mulheres.
Baseada no argumento do dano econômico e psicológico sofrido pelas mulheres em decorrência de
sua dependência forçada do homem e da exclusão da esfera pública, ela defende uma educação mais
efetiva para elas, capaz de aproveitar-lhes o potencial humano e torná-las aptas para se libertarem da
pecha da submissão e da opressão, tornando-se, de fato, cidadãs, como thes é de direito.
No entanto, o feminismo organizado só entrou no cenário da política pública nos Estados Unidos
e na Inglaterra por volta cla segunda metade do s&ulo"XDÇ por meio das petições que reivindicavam
o súfrágio feminino e das campanhas pela igualdade legislativa.
Em 1840, as americanas Elizabeth Cady Stanton, Susan B. Anthony e Lucy Stone passaraÍn à
liderar um sólido movimento pelos direitos das mulheres. As duas primeiras criaram aNationalWoman
Sffiage Association (Associação nacional para o uoto das mulheres), que, além de reivindicar o voto feminino,
lutava pela igualdade legislativa, enquanto Stone criava aAmerícanWoman's Sufrage,Association (-Associação
americana para o uoto das mulheres), que somava às reivindicações sufragistas outras ligadas à reforma das
leis do divórcio. Essas duas organizaçóes foram fundidas em 1890 para formar a Nationat American
Woman's Sffiage Asociation (Nawsa) (-Associação nacional americana para o vlto das mulheres), que, contando
com o apoio de outras ativistas, conseguiu o direito de voto às mulheres americanas em 1.920.
Nalnglaterra,acondiçãosocialdamulhernaEraVitoriana (1.832-1.901) foitenazmentemarcadapor
diversos tipos de discriminações, justiÍìcadas com o argumento da suposta inferioridade intelectual das
mulheres, cujo cérebro pesaria2libras e 11 onças, contra as 3 libras e meia do cérebro masculino. Resulta
disso que a mulher que tentasse usar seu intelecto, ao invés de explorar sua delicadeza, compreensão,
submissão, afe ição ao lar, inocência e ausência de ambição, estaria violando a ordem natural das coisas,
bem como a tradição religiosa. Eram esses os valores apregoados pela rainha Vitória em suâs cartas e
por suâs súditas em guias vitorianos como The;female instructor (A professora), de autor anônimo, ouThe
women of Englarud (As mulheres da Inglaterra), de Sarah Stickney Ellis, publicado em 1839. O primeiro
relembra insistentemente à esposa sua condição de dependente e submissa, recomendando-lhe o uso
constânte da aliança de casamento, de modo que, quando se sentisse "perturbada", ela pudesse colocar
220-rEoRIÂ Ì, ITERARÌA
**@ cnÍrrcA FEMINISTA
os olhos sobre ela e lembrar-se de quem a dera para si. O segundo reitera que a condição de subjugada
da mulher deve ser tomada como sendo de vontade divina.
S-e- no âmbito da lei, as mulheres eram destituídas de poder, no âmbito das práticas sociais e
familiares a realidade era outra. A maioria delas, além de não ter interesse em se submeter a esse
tèndênciósó moàelo de organização social, não tinham condições para tal. Pesquisas mostram que
em meados do século XD( grande parte das mulheres inglesas trab_alhava fora como doméstióas,
.ôítütáii"r, operárias em {ábricas o., à- fazendas. De modo que o tédio que supostamente ntarcarií a
qxislênc14 {a mulher idealizadapela ideologia vitoriana não consistia, absolutamente, no seu princifial
problema: era prerrogativa de uma minória. Nesse sentido. a oposição erigida contra tal ideologia era
impelida por. pelo menos. duas razoes: uma referente a valores ideológicos. outra à necessidade de
sobrevivência.
Esse estado de coisas acabou por desencadear uma série de ações que caminharam no sentido
de iÈstituir o Feminismo como um movimento político organizado na Inglaterra. A partir de 1850,
começaram a ser encaminhadas às autoridades petições advogando o'statús 1egál da mulher, como o
direito âo voto, obtido em 1918; demandas solicitando permissão para âs mulheres casadas gerirem
seus bens, as quais culminaram na votação da Lei de propriedade da mulher casada (Married women's
propefiy acts,1870-1908); campanhas contra a Lei das doenças contagiosas (Contagious diseases acts, 1864),
que exigia exames médicos de mulheres suspeitas de serem prostitutas; além de obras feministas que
deram continuidade ao primeiro argumento pelos direitos da mulher, escrito no final do século XVIII
por V/ollstonecraft. É o .rro, por exempl o, de The subjection oJwomen (1869), deJohn Stuart Mill, e de
The Enfranchisement ofWomen, de Harriet Tâylor, que, partindo de argumentos utilitaristas e liberais por
uma sociedade que considerasse os interesses de todos e, ao mesmo tempo, os protegesse, põem em
cheque crenças estabelecidas há muito tempo acercâ do papel da mulher na sociedade, como aquelas
relacionadas a desigualdades na esfera política, na vida econômica, na educação etc. O direito ao voto
é tomado como uma daq p{nçip-als baqdeirag, já que consiste_no mecanismo por meiõã-õÇüãfõúias
reformas poderiam vir a ser 
_conseguidas (ABRAMS, 1979).
õ-dr"Ã;"-gr^rr.*.entista*por sua,vez, dese-nvolveu-çe- ao. !4{o- do,.s r-nov-lmgq-tos em-p;rol
da {9-f!ção!9:"SXI"y*q*-_da" pr9-çlau4çãq_dagepúb,lica. A republicana e abolicionista \íri:L-_Fl_olqlggJAlfbALÁugusÍâ-{+seudô+itp.o dç--D:q{Ìísia Gonçalves Pinto) 
.foi, tamb.ém, a primeira teórica do
fe-mlnismo no Brasil. Seu primeiro livro,Direitos das mulhe:res e injustiças dos homens (1832),inspirado no
Wndications of the rights of woman, de'V/ollstonecraft, põe em discussão, a pârtir de conceitos e doutrinas
do Iluminismo europeu, os ideais da mulher de igualdade e independência, configurados pelo direito à
educação e à vida profissional, bem como o de serem consideradas como de fato são: seres inteligentes
e capazes, portanto dignos de respeito. fteJ?:!e,no entanto, de uma manifestação isolada, já que não
s9.9::o!tl?-T*193:11ro9 de 9i1!191 _t9',t9s d; âãõ p;ËïiC"ï;ií"-ép;;, ."éeturndo-se algúns artigos
elpa{oj qrfr peJ!_odiqõs 
_qgqe-denunciiqúe Nfsia Floresta consistiu em uma exceção em meió às
rsl liïï.b:T 1l.l:T::ar9 
_" I :*::y j. Tp o
C*o,m-gcgnp_eqgência dessa primeira onda do feminismo, muitas mulheres tornaram-se escritoras,
p*{9!-s_s_?q.-?t_é,,g1-q,ã,9_r,eg_r-i.gq!tqme!te_-mascullna; mesmo que para isso tenham tido que se valer de
pseudônimos.mas-cul.inqs pâr4 escapar às prováveis retal!4çoes 4 seus romances, motiva-das por esse
..@.Éoca,o,porexemplo,deGeorgeEliot,p'euaó"iúodaingIeiaMary
Ann Evans, autora de The mill on thefloss e de Middlemarch; de George Sand, pseudônimo da francesa
Amandine Aurore Lucile Dupin, autora deValentine. Outras escritoras conseguiram impor seus nomes,
não sem muito esforço, no sério mundo dos homens letrados. Caso da inglesa Charlote Brontë,
autora de Shíiley eJane Eyre. No Brasil, diversas foram as vozes femininas que romperam o silêncio e
publicaram textos de alto valor literário, denunciadores da opressão da mulher, embora a crítica não os
tenha reconhecido na época. O primeiro romance brasileiro de autoria fe1ni4ip4 de-,clge- se tem notícia,
Úrsula (1859), de Maria Firmina dos Reis, foi seguido de muitos outros, dados, agora, ;.òrìh.;; p;i"
ã;i;iã-rmnti;lM UzART' lses) .
'i :
.-
^:a
,{ ca,!!â a" t"x"r literários representada
da literatura de autoria feminina na Europa
pela pequena amostragem acima deu início a gry1t1.1diç1o
e na América, que, de certa forma, reverteu os valores que
Tsoraas BoNNrcr / Lúctr OsaNa Zorrro (oncnNlzrnonrs) 
- 
221
,Z\
:l{Ìi
l
alicerçavam a tradição literária masculina no que tange à representação da mulher e aos valores a ela
referentes. Como se pode verificar com mais detalhes em um dos itens do Capítulo 18, intitulado
"Literatura de autoria feminina", deste volume, p-ersonagens femininas tradicionalmente construídas
como submissas, dependentes, econômica e psicologicamente do homem, reduplicando o estereótipo
patriarcal, passâm, paulatinamente, a ser engendradas como sendo conscientes de sua condição de
inferioridade e como càpazes de empreender mudanças em relação a esse estado de objetificação. Ou,
de outro lado, passam a ser inseridas em contextos que, de alguma íorma, trazern à baila discussões
àcer ca dessa proble mâtica.
O rsluNrsno oB VrncÍNre Woorr
A escritora e ensaísta inglesa Virgínia-Woolf (1882-1941), além de autora de romances que
rompem com o formalismo tradicional da ficção da E1a Vitoriana, sobretudo no que se referíao üso
de técnicas narrativas inovadoras como o monólogo interior e o fluxo da consciência, escreveu uma
série de ensaios sobre a escrita da mulher, sendo, por isso, considerada uma importante precursora
da crítica feminista. Em vista disso, passemos ã perscrutar aigumas de suas principais ideias, as quais
impulsionaram um novo olhar em relação ao tema "mulher e literatura", até então ma19-ado por toda
sorte de preconceitos e discriminações.
Em,4 ,oo,* o1 o,rr', o,rr, um de seus principais ensaios, publicado ern 1929, traduzido para o
português como (Jm teto todo seu, organtzàdo a partir de anotações que fez para conferências proferidas
em estabelecimentos de ensino para mulheres na Inglaterra, ela aborda o modo comQ as circunstâncias
atuam sobre o trabalho da mulher escritora e questões relativas à sua sujeição intelectual.
A ideia central desse importante ensaio gira em torno da tese de que para escrever {ìcção ou
poesia dc qualidade a mulher necessita de "um teto todo seu" em que possa trabalhar em paz e de
uma renda anual capaz de lhe garantir independência. A genialidade de Shakespeare e sua vultosa
produção liteiária são tomadas como .".-pio. Ela argumenta que se Shakespeare tivesse tido uma
irmã igualmente dotada, com talento para ficção e desejosa de obter erperiências a partir do contato
com vidas de homens e mulheres e do estudo de seus estilos, teria certamente enlouquecido e se
suicidado ou terminado sozinha e ridicularizada em algum reÍúgio. É qn. naturalmente ela não teria
sido mandada à escola, como ele, nem tido oportunidade de viajar para conhecer o mundo, nem
aprender Gramâttca eLógica, muito menos o latim para ler Horácio e Virgílio. Em vez disso, ter-lhe-
iam proibido de ler e escrever e feito dela a noiva de algum negociante importante, que â tornaria uma
resp.itá.rel "rainha do lar". Em face dessa realidade, a mulher que nascesse com o Yeig psçgçg*llo
sécrrlo X\{I, no entender de'V/oolí seria uma mulher infeliz e em conflito consigo mesma. O mesmo
aconteceria com as mulheres dos séculos seguintes. com igual inclinação para a arte. Mesmo no século
XD( tais mulheres, além de terem que enfrentar a hostilidade, a arrogância e toda sorte de sermões
e recriminaçóes sociais (que no caso de homens escritores da casta de um Flaubert, por exemplo,
se traduzia apenas como indiferença), tinham que enfrentar as diÍìculdades materiais e a questão da
dependênc-i". P"r" a maioria delas, ter Llm quarto próprio estava fora de questão; o mais comum era
aì"iait conjugados de sala e quarto com toda a família. O dinheiro para os "alfinetes" dependia da boa
vontade do pai e mal dava para mantê-las vestidas. A não ser que se tratasse de filha de pais muito ricos
ou muito nobres 
- 
raras exceções.
Outro aspecro fundamental da abordagem de Virgínia-Woolf acercado tema "mulher e 
-ficçag] gstá
ligado à quesìlo do ressentimento que marca a literatura escrita por mulheres e que, de certa forma,
inlerfere 
"- 
,.r" qualidade. Os poemas escritos por mulheres abastadas do século XVII, como os de
Anne Finch v/inchilsea (1661-1720) ou os da duqueza Margaret Newcastle (1623-1673), bem como
os romance s (escritos nas salas de estar comuns) de centenas de mulheres que, a partir do século XVIII,
começaram, gradativamente, a ganhar dinheiro com eles, são visivelmente marcados pela amargurâ'
222-rEoRIÂ LITERARIÁ
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*.@ cRÍrrcA FEMrNrsrÀ
pelo ódio e por ressentimentos em relação aos homens, seres odiados e temidos por deterem o poder
de barrar-lhes, entre tantas outras coisas, a liberdade de escrever.
Paraa ensaísta, essa revolta das mulheres escritoras dos séculosXVII eXVIII, espécie de "ervas
daninhas" a enredar-lhes o talento, consistiu no principal empecilho à emergência de uma literatura
de autoria feminina a que se pudesse atribuir valor. Apesar disso, tais escritoras consistiram em peças
fundamentais na tradição literária feminina que se consolidou nos séculos XD( e )C(:
Sem aquelas precursoras, Jane Austen e as Brontës e George Eliot não teriam tido maior
possibìlidade de escrever do que teria Shakespeare sem Marlowe, ou Marlowe sem Chaucer,
ou Chaucer sem aqueles poetas esquecidos que prepararam o terreno e domaram a selvageria
natural da língua. As obras-primas não são frutos isolados e solitários; são o resultado de muitos
anos de pensar em conjunto, de um pensar através do corpo das pessoas, de modo que a
erperiência da massa está por trás da voz isolada (V/OOLF, 1985, p. 87).
'V/oolf salienta, ainda, que mesmo os considerados "bons românces" (e raros) das escritoras
oitocentistas referidas no trecho acima, Villete, Emma, O morro dos uentos uiuantes, Middlemarch,Jane Eyre
etc., foram escritos nas salas de estar comuns, por mulheres pobres que mal podiam comprar o papel
onde escrever, privadas de experiência, intercâmbio e viagens. Daí persistir nesses livros, por mais
esplêndidos que sejam, um tom de rancor que os contrai; toda a sua estrutura está erigida por "uma
mente ligeiramente tirada do prumo e forçada a alterar sua visão clara em deferência à autoridade
externa" (V/OOLF, 1985, p. 97).
As reflexões da ensaísta em relação à escrita feminina avânçam até o momento presente da
produção do ensaio (1,929), momento em que ela constata que "talvez a mulher esteja começando
a usar a literatura como uma arte, não como um método de expressão pessoal" (-V/OOLF, 1985, p.
105). Por entender que os livros continuam uns aos outros, ela tece, agora, suas considerações a
partir de A auenturd da uida, provavelmente o primeiro livro da j ovem e desconhecida escritora Mary
Carmichael, publicado naquele mesmo ano, como se fosse o último da série que vem examinando.
O exame detalhado do volume apontâ um estilo mais conciso do que os de suas predecessoras,
parecendo evitar o tom sentimental, comumente atribuído aos escritos delas; a sequência esperada
da frase é quebrada, causando certo estranhamento em relação a temas como amor, morte etc.;
a mulher é representada com outros interesses, diferentes daqueles por tanto tempo enfocados,
referentes ao mundo doméstico e às relações amorosas; não i, sobretudo, representad a a parrir
do olhar do outro sexo e em relação ao outro sexo, conÌo tradicionalmente acontece na ficção,
mas é vista em relação à própria mulher; o homem não é mais a "facçã,o oposta"; do ódio e
do medo em relação a ele ficaram apenas uma alegria pela liberdade (mais acentuada do que o
desejável) e certo tom cáustico e satírico ao referir-lhe. Em resumo: a escritora desconhecida
escreve como mulher, sem a consciência disso. Mas, apesar de tantos avanços, falta-lhe conseguir
ctÃúii "com ó efêmero e o pessoal o duradouro ediÍïcio que permanece de pé" (V/OOLF, 1985,
p.123). Do ponto de vista da ensaísta, isso implica dizer que, para escrever um grande romance, é
necessário à escritora, ao se defrontar com uma "situação", mais que roçâr superfícies, "mergulhar
o olhar até as profundezas". Em vista disso, é preciso que a mulheres saltem, ainda, uma série de
obstáculos, ignorando o olhar de reprovação que emana dos bispos e deões, dos doutores e lentes,
dos patriarcas e pedagogos: "Deem-lhe mais uns cem anos [...]".
Para concluir suas ponderações acerca do tema "mulher e ficção", ao final dessas reflexões acerca
da trajetória da literatura de autoria feminina, Woolf discute os prejuízos acarretados, sobretudo
p_ïra:aficção, com o fato de pensar-se em cada um dos sexos sepâradamente, a seu ver, isso interfere
na unidade da mente. A partir do princípio da "androginia", frequentemente discutido pelo grupo
crítico-literário de Bloomsbury (Londres), que reunia a quinta-essência dos escritores britânicos
entre 1907 e 1930, ela pondera que é natural os sexos cooperarem entre si. Com Coleridge (1772-
IB34), ela afirma que as grandes mentes não pensam especialmente ou separadamente no sexo; são
andróginas, como era andrógina a mente de Shakespeare (1564-1616) ou de Proust (1,871,-1922).
Casos bem diferentes daqueles observados em escritores oitocentistas da casta de um Tolstoi
--
Tuouas BoNNrcr / Lúcra OsaNa ZorrN (oncaNrzalonxs\ 
- 
223
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õÌ!
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OLiN
(1828-1910), por exemplo, que, ao escreverem apenas com o lado masculino do cérebro, parecem
criar obstáculos na comunicação: a emoção que lhes permeia a ficção é incompreensível à mulher.
Tiata-se de livros que carecem do poder da sugestão e que por isso não atingem â mente em
sua totalidade. Daí defender a necessidade de se ser masculinamente feminina e femininamente
masculino para que a arte se realize e comunique experiências com integridade.
O rumrNrsnno ExISTENCIALISTA lp SruoNB oB BEauvorn
Antes de nos determos, Íìnalmente, no trabalho de estudiosas que aliam, a partir de 1970, feminismo
e literatura, dando origem à crítica literária feminista, perscrutemos as ideias disseminadas por Simone
de Beauvoir, ernLe deuxième sexe (1949), acerca da situação da mulher na sociedade, publicado em
português como O segundo -rexo, em 1980. Isso porque o modo de Beauvoir encarar a relação erÌtre os
,."or, qnrl seja, a mulher sempre como escrava (o Outro) e o homem sempre como senhor, vem sendo
problematizado ao longo da trajetória dos estudos de gênero: em alguns aspectos, contribuiu com os
estudos empreendidos pela nova geração de femtnistas; em outros, foi rejeitado, conforme veremos.
Beauvoir (19S0) discute a situação da mulher por meio de uma perspectiva existencialista, numa
espécie de resposta ao marxismo, que, segundo ela, não explicou o sexismo a contento; não o tendo
f.ito, to.rrorr-se incapaz de elaborar um programa adequado para a libertação das mulheres. De sua ótica,
não basta apontar as relações de propriedade como responsáveis pela opressão feminina; é necessário,
também, erplicar po, qr. 
^, 
rel"çOes de propriedade foram instituídas contra a comunidade e entre
os homens.
O feminismo existencialista da pensadora pode, de um lado, oferecer um estudo da opressão
das mulheres e, de outro, sugerir formas de emancipá-las dessa opressão. No que tange ao primeiro
aspecto, ela analisa a problemática íeminina de modo a salientar que não existe absolutamente uma
essência Gminina, responsável peia marginalidade damulher; eriste apenas o que ela chama dé situãçáo
da mulher: o fato de a mulher dar à luz é tomado como a matriz das diferenças entre os sexos. Estando
impossibilitada de ir à caça e de dedicar-se a trabalhos pesados em razão das limitaçoes fisicas e dos
cuidados com o bebê, ela foi privada de afìrmar-se em relação à natureza, como fizetant os homens.
Como a superioridade, explica Beauvoir (1980), é dada não ao sexo que dâàluz, mas ao sexo que mata,
a mulher é tomada como o Outro, contra quem os sujeitos masculinos se afirmam.
O privilégiomaior do homem, portanto, reside no fato de a sua "vocação de ser humano"
(transcendência) não se chocar com seu "destino de macho"; em contrapartida, a mulher vive dividida
entre essâ mesma vocação e o seu "destino de mulher" (imanência). Tâ1 destino, no entender de
Beauvoir (1980), não está ligado apenas à questão da maternidade; a sexualidade feminina também
concorre para a.perda de suJsubjeiirrid"d.. 
^O 
ato sexual, por si, a obriga a cumprir_o papel de olrjcto
passivo, o qual 
"iaba 
por contaminar todos os seus trâtos não sexuais com o mundo.Já no que se refere
ào ho-.-, ,.t ,.. sexual é congruente com sua transcendência.
Desse modo, a situação da mulher no mundo (a de oprimida) lhe nega a expressão normal de
humanidade e frustra seu projeto humano de autoafirmação e autocriação. Enquanto os homens são
encarregados de "remodelar a face da Terra", apropriando-se dela, impondo-lhe sua marca, à mulher é
vedada a possibilidade de ação. Além de estar aí, sua opressão está também, e principalmente, na crença
d" qu. o destino da mulher é ser passiva, uma vez que a passividade integra, irremediavelmente, sua
natttreza. Em vista disso, e não podendo rebelar-se contra a';latl:;reza, o mundo não lhe pertence e
sua energia é canalizadapara o narcisismo, o fo!1a4,!1*sm-o -o-U 4 tqligião. O acesso a elevados valores
humanos, como o hqroismg, 4 lnvenção e a criação lhe é vedado'
partindo do pressuposto de que o sujeito humano deve ser livre, Beauvoir (1980) questiona as
razões que levam, 
-.rl^h., 
" 
r. ,.rb-.rer à opressão. Para etplicá-lai, ela invoca a noção sartreana de
224 tEoRtA LITERARIA
;à
-* *{3 Cnt t t' q FLMINI) rA
"mífé", um dos pontos mâis intrigântes do livro deJean-Paul Sartre sobre filosoÍìa existencialista
O ser e 0 nada, publicado em 1943: er 
-se,,tes humanos são livres, mas podem enganar-se, fingindo
não sê-lo. No caso da mulher, os meios são mais favoráveis para que esse processo se realize: sua
fraque)a é estimulada. No entanto, a má fé dos outros em anular-ihe a liberdade 
- 
que é inerente
à sua condiÇ1o de ser humano 
- 
não é suficiente para a plena realização dessa empreitada; a mulher
mesma aceita a opressão que lhe é imputada, tornando-se cúmplice da própria escravização.
Isso posto, a filósofa parte para a proposição de uma maneira de reverter esse estado de coisas:
cabe à mulher inverter os papéis. Ao recusar os desmandos que lhe são impostos pelo homem, ela se
fõina o sujeito e o opressor torna-se a "coisa". f{á que se aprender a ser I'Hommc-, sobretudo atrãvés
da conquista de uma p1ofissão. A armadilha do casamento e, consequentemente, dos filhos deve 
_ser
èvitada; ao inwés da â-iti". ela deve assumir seu lugar no mundo em meio aos homens.
Nesse sentido, a noção de igualdade e semelhança de todos os seres humanos consiste na pedra
fundamentaldo feminismo existencialista de Beauvoir (1980). Trata-se do principal aspecto que afasta
seu Gminismo daquele defendido pela nova geração do feminismo francês. Segundo Moi (1985), as
teó_ricas pós-Beauvoir teriam abandonado o anseio liberal dela de obter igualdade com os homens para
enfatizar a diferença, isto é, exaltar o direito de a mulher proteger os valorés especificamente femininos
. ..3èirrr a ièGiida "igualdade", entendida como disfarce para forçar as mulheres â se tornarem-como
homens.
No entanto, a despeito dessa divergê nçia, aamplidão dos temas tratados em O segundosÕco prepârou o
caminho para muitas das alegações dos adeptos do feminismo radical, uma das correntes que integram o
movimento, ao lado da liberal e da socialista (veja Quadro 2). Nye (1995) arrola as principais delas:
o patriarcado é a constante universal em todos os sistemas políticos e econômicos;
o sexismo data dos inícios da história;
o a sociedade é um repertório de manobras nas quais os sujeitos masculinos firmam o poder
sobre objetos femininos:
o violaçóes, pornografia, prostituição, casamento e heterossexualidade são imposições do poder
masculino sobre as mulheres;
. a aquiescência das mulheres é uma indisposição de má Íé de enfrentar suâ própria falta de
poder.
Feminismo
radical
(dois sentidos)
1) Tendência do feminismo que, inspirada em Beauvoir, toma â divisão sexual, e não a
de classe. como central na análise do social. A luta pela libertaçâo da mulher dirige-se ao
combate de seu papel como reprodutora (gestação, criaçáo e educação dos filhos).
2) Têndência do feminismo que. aliada à desconstrução de Derrida, visa destruir a supremacia
llasculina, por meio da desconstrução das oposiçóes binárias que mântêm a dominação das
mulheres pelos homens. Isso porque entende-se que as releridas oposições nada mais são
do que linguagem. e a linguagem exorbita a realidade. Ao desconsrruir a oposição binária
homem x mulhel essa facção do feminismo coloca no seu lugar o andrógino, o ser humano
acima das diferenças de sexo.
Feminismo
libetal
Tendência do feminismo que atribui a causa da opressão feminina à ausôncia de igualdade de
direitos entre os sexos; em vista disso, defende uma sociedade em que homens e muÌhêres
tènham oportunidades iguais garantidas pela legislação.
Feminismo
socialista
Tèndência do feminismo que pârte da premissa de que todos os antagonismos sociais passam
pela questão da hierarquia de classes, onde se locahzam todas as relações de poder. Nesse
sentido, essa facção defende a tese de que a liberação feminina está atrelada a uma sociedade
socialist.a, em que os princípios igualitários se estendam à sociedade como um todo.
Quadro 2. As principais facções do movimento feminista.
Tsola,rs BoNNrcr / Lucta OsaNa ZorrN (oacaNrzaoonzs! 
- 
225
OLIN
O rnurNrsuo polÍrrco or Kars Mru-Er
A crítica feminista propriamente dita tem seu marco inicial com a publicação de Sexual politics,
de Kate Millet, em 1970. Como já antecipa o título, a obra suplanta o âspecto puramente literário
e, com uma agu(áda consciência política, traz à tona discussões acerca da posição secundária
ocupada pelas heroínas dos romances de autoria masculina, como também pelas escritoras e
críticas literárias. Millet (1977 apud SELDEN, 1988; BENNETT; ROYLE, 1999) discute-ag
causis da opressão feminina a partir do conceito de patriarcado - a lei do pai. Nos limites desse
s'istema, o. ser feminino é subordinado ao masculino ou tratado como um masculino inferior;
o poder ó exercido na vida civil e doméstica de modo a submeter a mulher, que, a despeito dos
avanços democráticos, tem continuâdo a ser dominada, desde muito cedo, por um sistema rígido
de papéis sexuais.
Ao lado de outras feministas, Millet (1977 apú SELDEN, 19BB; BENNETï ROYLE,1999) ataca
os estudiosos sociais que tomam esses papéis femininos culturalmente ensinados como próprios da
naturez^feminina. Esse modo de pensar é perpetuado não só por homens, mas também pelas própri4s
mulheres. Concordando com Sartre (1957) e Beauvoir (1980), Millet acredita que toda manifestação
-de 
poder exige o consentimento por parte do oprimido. No caso da mulher, tal consentimento é
obtido atra,réi de instituições de sàcializaçáo, como a família, ou através de leis que punem o aborto
ou a violência à esposa, afìrmando, às avessas, o poder masculino.
Ao serem perpetuados, os papéis femininos tornam-se repressivos; a necessidade de representí- -
los, que se impõe no âmbito da relação entre homem e mulher, caracterizada pela dominância de
ho-en, e subordinação de mulheres, é o que Millet chama de "política sexual".
Essa política de força, segundo a teórica, afeta a literatura na medida em que os valores literários
têm sido moldados pelo homem. Ela pondera que, nas narrativas de autoria masculina, as convenções
dão forma às aventuras e moldam as conquistas românticas segundo um direcionamento mascqljr-io.
Além disso, são construídas como se seus leitores fossem sempre homens, ou de modo a controlar a
leitora pâra que ela leia, inconscientemente, comoum homem.
A fim de opor resistência a essa doutrinação da leitora, Millet (1977 apú SELDEN, 19BB;
BENNETT; ROYLE, 1999) erpõe exemplos dessas constatações retirados da ficção canônica
masculina, enfatizando a exploração e a repressão feminina que permeiam as descrições dos papéis
sexuais nas novelas de escritores como D. H. Lawrence, Henry Miller, Norman Mailer eJean Genet,
tidos em alta conta por muitos críticos pela ousadia e liberdade no relato de relações eróticas.
Essas discussões empreendidas por Kate Millet ilustram o que hoje se classifica como sendo uma
vertente mais tradicional da crítica Gminista. Concentrando-se na mulher como leitora, tal vertente
busca responder a questões como: Que tipo de papéis as personagens femininas representam? Com
que tipo de temas elas são associadas? Quais âs pressuposições implícitas contidas num dado texto em
relação ao(à) seu (sua) leitor(a)?
Ao trabalhar no sentido de responder a essas questões, as(os) crítica(os) feministas mostram como
é recorrente o fato de as obras literárias canônicas representarem a mulher a partir de repetições de
estereótipos culturais, como, por exemplo, o da mulher sedutora, perigosa e imoral, o da mulher
-o-o 
-"g.ra, o da mulher indefesa eíncapaz e, entre outros, o da mulher como anjo capaz de se
sacrificar pelos que a cercam. Sendo que à representação da mulher como incapaz e impotente subjaz
uma conotação positiva; a independência feminina vislumbrada na megeÍa e na adúltera remete à
rejeição e à antipatia.
Na literatura brasileira, muitas sáo as obras que retratam a mulher segundo esses estereótipos.
Em Lucíola. de José de Alencar, Lúcia transita da menina inocente à prostituta imoral, para
posteriormente regenerar-se, encarnando a mulher-anj o, càpaz de sacrificar-se pelo bem dos que a
cercam. EmDom Casmurro,de Machado de Assis, Capitu é, na visão do marido Bento, uma sedutora
imoral e dissimula da, capaz de traí-lo com seu melhor amigo. Tàmbém na literaturâ portuguesa
j
226 TEoRIA LrrEnÁnra
***@ cnÍrrcA FEMTNISTÂ
são abundantes âs figuras estereotipadas. Em Amor de perdiçã0, Teresa encarna a mocinha indefesa
afastada de seu grande âmor, em razão das rivalidades reinantes entre as duas famílias. Em O primo
Basílio,Eça de Queiroz põe em cena â megera chantagista, na pele deJuliana, e a adúltera imoral na
pele de Luísa.
O exame cuidadoso das relações de gênero na representação de personagens femininas'
tarefa dessa primeira vertente da crítica feminista, aponta claramente para as construções sociais
padrão, edificadàs, não necessariamente por seus autores. mas pela cultura a que eles pertencem,
para seruir ao propósito da dominação social e cultural masculina. {ssim, o feminismo mostra a
nrrur"r" construída das relações de gênero, além de mostrar, também, que muito frequentemente
as referências sexuais aparentemente neutras são, na verdade, engendradas em consonância com
a ideologia dominante: o engendramento masculino possui conotações positivas; o feminino,
negativas.
ESTEREÓTIPOS
FEMININOS EXEMPLO NA LITERATURA
CONO-
TAçAO
Mulher sedutora e/ou
perigosa e/ou imoral
Lúcia (Lucíola, de José de Alencar); Capitu (Dom Casmurto,
de Machado de Âssis); Erna (Madame Bouary, de Gustave
Flaubert); Luísa (O primo Basílio, de Eça de Queiroz)
Negativa
Mulher como megerâ Juliana (O primo Basílio, de Eça de Queiroz) Negativa
Mulher-anjo e/ou
indefesa el ou incapaz e/ ou
impotente
Tèresa (Amor de perdíção , de Camilo Castelo Branco). Positiva
Quadro 3. O modo tradicional de representaçío da mulher na literatura.
As rExoÊNcrAs DA cúrrce FEMrNrsrA coNtnuponÂnEa
Ngry"_{ef pqs-terior a essa, preocupada essencialmente em 4gq!-rai.çafar a-mipogi4-!4-d;4,p1átticalitetií, a, íliiica feminista expandiu-se segundo outros direcionamentos: ao invés de se ocupar dos
tçxtos masculinos, pâssou a investigar a literaturâ feita pOf mulh91e5, enfatrzando quatro enfoques
pii".ip"ii'ãblologi.o,olinguístico,opsicanalíticoeopolítico-cultural.
Tâis enfoques emergem da ênfase dada a certos aspectos, em detrimento de outros. Mas todos
são constituídos a partir da ideia básica do pensamento feminista: desnudar os fundamentos culturais
das construções de gênero (opondo-se às perspectivas essencialistas e ontológicas dos estudos que
a*bãfdã- a qqestãc da mulher).e promover a derrocada das bases da dominação de um gênero sobre
outro.
A crítica que se vale de ârgumentos que tratâm abiologia como fundamental tem sido ttlliztda, de
um lado, por homens, que, baseados na máíma "a mülhèr não é nada além de um útero", desejam
manter as mulheres em seus "lugares". Tiata-se de tomar o corpo da mulher como o seu destino e,
portanto, de aceitar os papéis a ela atribuídos como sendo da ordem danattreza. De outro lado, algumas
feministas radicais celebram os atributos biológicos da mulher como atributos de superioridade, ao
invés de inferioridade. A anatomia física é entendida como sendo textualidade, e o corpo, como fonte
-de 
imaginação.
Tsou,ls BoNNtct / Lú.1A OsaNa ZorIN (oncaNtz,Llonnsl 
- 
227
n
YÌ
ti
l
OLIN
O enfoque linguístico, ou textual, encerÍa discussões àcerca de problemas Íìlosóficos,
linguísticos e práticos do uso da linguagem pela mulher. Tâis discussões buscam responder
se homens e mulheres usam â língua de forma diferente; se tais diferenças, no caso de uma
resposta afirmativa, seriam teorizadas em termos de biologia, de socializaçáo ou de cultura;
se as mulheres podem criar novas linguagens, próprias, e se a fala, a leitura e a e scrita são
marcadas por diferenças de gênero. Esse enfoque privilegia ainda questões relacionadas
à ideologia dominante: partindo do argumento de Foucault de que a verdade depende de
quem controla o discurso, e alimentados pela crença de que o domínio dos homens sobre o
discurso tem aprisionado as mulheres nas armadilhas da verdade masculina, alguns estudos
têm se ocupado em contestar o controle da linguagem pelos homens, ao invés de meramente
recuarem-se no gueto do discurso feminino. Estudiosas francesas defendem a reinvenção da
linguagem, ou seja, a adoção de uma linguagem feminina revolucionârra, capaz de romper
com a ditadura do discurso patriarcal, de estrutura falocêntrica, falando não apenas contra
ele, mas fora dele.
As teorias psicanalíticas consistem em um terceiro enfoque, e incorporam os modelos biológico e
linguístico, situando a diferença na psique do autor 
- 
moldada pelo corpo, pelo desenvolvimento da
linguagem e pela socialtzação do papel sexual 
- 
e n? relação do gênero com o processo criativo.
Inicialmente, a críticapsicanalítica tomou os postulados de Freud do complexo de castração
e da fase edipiana para definir a relação da mulher com a escrita; mais recentemente, tem-se
orientado pela metáfora da desvantagem linguística e literária feminina proposta por Lacan.
Segundo o psicanalista, o fato de a aquisição da linguagem e o ingresso na sua ordem simbólica
ocorrerem na fase edipiana, em que a criança aceita sua identidade sexual, implica a aceitação
do falo como uma significação privilegiada. Sendo a linguagem da ordem do masculino, porque
'são 
os valores do mundo masculino que ela veicula, a criança adere a ela pela Lei do Pai: ao
dizer "eu sou", distinguindo essa frase de outras como "você é" ou "ele é", a criança estaria
assumindo sua posição na Ordem Simbólica e abandonando o direito à identidade imaginária
com a mãe e com todas as outras posições possíveis. Assim, o acesso da menina à linguagem é
problemático, já que ela só se tornã capaz de exprimir-se por meio de frases condizentes com o
polo masculino da cultura.
Tendo em vista essas considerações, a.crítica feminista, psicanaliticamente orientada, estuda
as especificidades da escrita feminina em relação à problemática da identidade da mulher. Aí,
um certo sentimento de inferioridade marca a sua luta pela afirmação como artista, ao mesmo
tempo em que diferenciaseus esforços de criação daqueles empreendidos pelos escritores.
O enfoque político-cultural da crítica feminista engloba linhas diversas: tendências matxistas
que estabelecem â relação entre gênero e classe social como categoria de análise, enfatizando
formas de cultura popular, relatando mudanças sociais, condições econômicas e transformaçõcs
relacionadas ao equilíbrio de força entre os sexos, tendências que tomam a noção de experiência
ligada às práticas culturais dos sujeitos femininos na sua relação com a produção literária;
tendências que analisam a arte literária da mulher tendo em vista o contexto histórico-cultural no
qual se insere.
Esses quatro enfoques referidos podem sobrepor-se, de modo que cada um incorpore o anterior.
Eles estão contidos em duas grandes vertentes da crítica feminista: a anglo-americana e a francesa.
Ambas estão articuladas em torno de um eixo fundamental, o da investigação e contestação da estrutura
patriarcal que sustenta o nosso sistema social.
No entanto, há que se considerar que mesmo no interior de cada uma dessas vertentes existem
diferenças e antagonismos de pensamento, configurados em termos de oposiçóes binárias, como:
mulher/gônero, igualdade/diferença, privilégio/opressão, centralidade/ marginalidade e essencialismo/
antiessencialismo.
228 
- 
r E o R I A LITERARIA
Enfoque biológico
1) De um lado, a tradição patriarcal defende a ideia de que,o corpo da mulher é seu
destino, ou seja, os papéis sociais a ela atribuídos são tomados como sendo da ordem
do natural;
2) De outro, as feministas celebram os atributos biológicos da mulher como atributos
de superioridade: o corpo como textualidade e fonte de imaginação.
Enfoque
linguístico ou
textual
1) Tenta responder se as diferenças de gênero implicam o uso da linguagem de forma
diferente por cada um dos sexos;
2) Contesta o controle masculino da linguagem;
3) Propõe a adoção de uma linguagem feminina revolucionária.
Enfoque
psicanalítico
1) Incorpora os modelos anteriores;
2) Debruça-se sobre as especificidades da escrita feminina (écriturefeminine) àluz da
tçoria d4 fase pré-edipiana de Lacan.
Enfoque político-
cultural
1) Tendê_ncia marxis.ta como categoria de análise (relação entre gênero e classe
social);
2) Estabelece analogias entre a noção de experiência e a produção literârra da mulher;
3) Analisa a literatura de autoria feminina tendo em vista o contexto histórico-cultural
no qual essa produção se insere.
Quadro 4. Principais enfoques da crítica feminista contemporânea.
*@ CnÍrrc,r FEMTNISTÂ
A cnÍrrca FEMrNrsrA ANGLo-AMERTcANA
A crítica norte-americana Showalter (i985) sistematiza os estudos sobre mulher e literatura
identificando dois tipos de crítíca: a "critica feminista", que se dedica a mulheres como leitoras,
ocupando-se da análise dos estereótipos femininos, do sexismo subjacènte à crítica literária tradicional
e da pouca representatividade da mulher na história literâria; e o que ela chama de "ginocrítica", que
se dedica a mu1h91qs cgmo escritolas, qglslituindo-se num discurso crífco especializado na mulher,
aLicerçado çm modelos teóricos desenvol,ridos a partir de sua eryeriência, conhecida por meio do
eslqdo de obras de sua autoria.
Ao centrar-se genuinamente na mulher, coníìgurando-se como corrente crítica independente
e intelectualmente coerente, a-glnocrítica colo_ca-se nLtma postura de oposição às tendências que
continuaram a alimentar-se da tradição crítica androcêntrica, do "discurso dos mestres", numa espécie
de revisionismo, que. no fim, rorna-se uma homenagem. A questão essencial, portanto. nessa segunda
vertente crítica, não é mais tentar reconciliar pluralismos revisionistas, mas discutir a diferença por
meio do estudo da mulher como escritora, plivilegia1lda a história, os estilos, os temas, os gêneros
e âs estruturls 
.dos escritos de mulheres; a psicodinâmica da criatividade feminina; a trajetória da
carreira feminina individual ou coletivâ; e a evolução e as leis de uma tradição literâria de mulheres
(SHowArrER. ree4).
A ginocrítica é tornada por Showalter (1994) como um instrumento capaz de possibilitar o
conhecimento de "algo sólido, dúia{guto e real sobre a relação da mulhei com a cultura hterâiia".
Dos quatro principais modelos da dife.ença ãos escritos femininos de que atualmente as teorias
feministas fazem usò, quais sejim, ò biológico, o linguístico, o psicanalítico e o cultural, Showalter
defende o último como sendo o mais capaz de proporcionar umi maneira satisfatória de discorrer
Tsouls BoNNlcr / Lúctt osaNa ZorIN (onc,tNlz.roonls) 229
OLIN
sobre o tema. lJma teoria da cultura admite as ideias relacionadas ao "corpo, à linguagem e à psique
da mulher, mas as interpreta em relação aos contex-tos sociais nos quais elas ocorrem" (1994,p.44).
Em vista disso, são consideradas as diferenças existentes entre as próprias mulheres escritoras, como
classe, raça, nacionalidade e história, as quais são tomadas como sendo determinantes literárias tão
importantes quanto a própria noção de gênero.
Além de privilegiar o estudo da literatura de autoria feminina, a crítica feminista anglo-americana,
nesse segundo momento, ou 4 ginocrítica (SHOV/ALIER, 1985), passaram a se dedicar, também,
a uma revisão dos conceitos básicos dos estudos literários, formulados pela tradição masculina. O
côntato da vertente norte-âmericana com a inglesa e a francesa contribuiu p"r, ã crescimento do
intcresse em relação às teorias:
A crítica inglesa, ao estabelecer a relação entre gênero e classe social como categoria de análise,
enfatiza formas de cultura popular e dá origem à versão feminista da teoria literária mancista.
A escola francesa com seu interesse pelo feminino, pelo modo como é definido, representado
:,ï:ilT:lï Jï,ii:ï:'.;-i?ffi ,i: Ëcril;Í;, f :"ïïu"" e da a*e' reraciona a
Em face desse panorama, 
^ 
crítica Gminista contemporânea nos Estados Unidos ocupa-se de
uma gama bastante variada de questões. As mais debatidas referem-se a: 1) noçoes de gênero, classe
e raça, discutidas em confronto com a noção de essencialidade da mulher; 2) noção de experiência,
que enfoca as práticas culturais da mulher relacionadas com sua produção literária, a fim de recúperar
uma "identidade feminina" e rejeitar a repetição dos pressupostos da crítica literária tradicional; 3)
noções de representação literária, de autoria e de leitor/leitora; 4) noção do cânone literário e crítico,
discutindo a legitimidade do que é, ou não, considerado literário e denunciando a ideologia patriarcal
que o permeia e determina sua constituição; 5) discute, por fim, a problematização do projeto crítico
feminista, no que tange às possibilidades de interuenções nas relações sociais (QUEIROZ,1995).
Em relação ao tópico que contempla os estudos âcerca do modo de representação da mulher
na literatura de autoria feminina, há que se salientar aí a preocupação em reconhecer-se uma
tradição que lhe seja específica. Estudos mostram que também a escrita de autoria feminina
pode ser .trg.trdrrJ", no sentido de refletir a experiência da mulher. Veja-se, por exemplo. a
obra das críticas feministas Sandra Gilbert e Susan Gubar, The madwoman in the attic: the woman
writer and the nineteenth-century literary imagination, publicado em 1979. Nesse livro sobre a criaçáo
literâria, mais especificamente sobre o ato da escrita como prâtica masculina por excelência, elas
caracterizam a mulher escritora como uma Íìgura dividida entre as imagens de "anjo" e "monstro",
construídas pelo imaginário masculino. Em vista disso, a criação literária só seria possível se essas
Critica
feminista
A mulher como leitora:
1) Análise dos estereótipos Gmininos na literatura canônica;
2) Análise do sexismo subjacente à críticaliterâria tradicional;
3) Análise da pouca representatividade da mulher na história literária.
Ginocrítica A mulher como escritora:
1) Estudo da história, do estilo, dostemas, dos gêneros e da estrutura dos tertos literários
de autoria feminina;
2) Estudo da psicodinâmica da criatividade feminina;
3) Estudo da trajetória da carreira literária da mulher, tanto individual quanto coletiva;
4) Estudo da evolução e das leis da tradição literária de mulheres.
Quadro 5. Os estágios da crítica literária feminista segundo Elaine Showalter (1994).
230 TEoRr LITERARIA
,tï\{ï(12) Cn r t rcn FFMI NI\r\\-zl
imagens fossem destruídas, ou seja, se essa identidade fabricada e polarizada fosse desestabrlizada.
Dada a força da cultura sobre as identidades, os trabalhos literários das escritoras do século XD(
apresentam um forte interesse por certas limitações impostas às mulheres. Tàl interesse expressa-
se numa "série de imagens obsessivas de confinamento que revela a maneira com que essas artistas
sentiam-se presas e 'doentes' tanto pelas alternativas sufocantes quanto pela cultura que as criara
e impusera" (GILBERT; GUBAR, 1979, p. 64).
Um exemplo desse comportamento dos textos escritos por mulheres que sucumbiram às
armações das representações estereotipadas pode ser reconhecido em Úrsula (1859), de Maria
Firmina dos Reis. Tiata-se de um dos primeiros romances escritos por mulher brasileira, em
que a heroína enlouquece em consequência das atrocidades que sofre: é raptada após assistir ao
assassinato do noivo à porta da igreja. Tâmbém em D. Narcisa de Vílar, romance contemporâneo
de Úrsula, escrito pela catarinense Ana Luísa de Azevedo Castro, a trajetória da protagonista segue
urnscript parecido: na noite em que ia se casâr, por conveniência, com um rico coronel português,
é raptada pelo homem que ama; após uma fuga permeada de adversidades, são encontrados e
assassinados. Outra faceta dessa casta de romances pode ser reconhecida em Afalência, deJúlia
Lopes de Almeida, cuja protagonista Camila encarna o estereótipo da mulher prendada, boa mãe
e boa esposa que se degenera ao tornar-se amante do médico da família, mas depois se redime
em busca da felicidade conjugal, equacionada em termos de honestidade, trabalho, obediência,
sujeição e servidão ao marido.
Por outro lado, a crítica feminista tem mostrado que a produção literâria de mulheres após a
década de 1960 tem seguido outros direcionamentos. Âs escritoras, partindo de suas experiências
pessoais, e não mais dos papéis sexuais atribuídos a elas pela ideologia patriarcal, debruçam-se
progressivamente sobre a sexualidade, identidade e angústia femininas, bem como sobre outros
temas especificamente Gmininosl como nascimento, maternidade, estupro etc.
Veja-se, à guisa de exemplo, textos de Clarice Lispector, como Perto do coração seluagem, em que
Joana, a heroína problemática do terto, não consegue adaptar-se à estereotipia dos papéis femininos
predeterminados pela famíiia pequeno-burguesa. Ela se incompatibiliza com a imagem da boa filha
e da boa dona de casa, optando pela errância por entre a memória, o presente e as projeções do
desejo, a fìm de trarÌspor as limitações impostas pela ideologia vigente. En Uma aprendizagem ou O
líuro dos prazeres, ao narrar o romance entre Lóri, uma profe ssora primária, e lJlisses, um professor
universitário, Lispector também põe em discussão questões ligadas ao modo de a mulher estâr no
mundo. O namoro dos protagonistas estabelece-se como uma relação de ensino-aprendizagem
voltada para o relacionamento amoroso, em que Lóri é a aprendiz. Terminado o aprendizado, ela
se entrega ao professor, revelando-lhe, durante o ato amoroso, que sabe mais que ele. Por fim
recebe uma proposta de casamento, mâs a história termina em aberto, com a protagonista dividida
entre dois extremos: a independência feminina, caracterrzadapela liberdade sexual, entre outras, e
a alienação de si que o vínculo matrimonial oficializado pela ideologia patriarcal implica.
A cnrrrca FEMrNrsrA FRANCESA
Hélène Cixous e Julia Kristeva são algumas das principais representantes da teoria feminista
francesa. Diferentemente dos estudiosos da vertente anglo-americana, todavia, elas não se detêm
explicitamente sobre o câmpo literário, mas no da Linguística, da Semiótica e da Psicanálise. Tiabalham
no sentido de identiÍìcar uma possível linguagem feminina.
A fim de reunirem argumentos capazes de desmistificar e deslegitimar a discriminação do
sexo feminino, as referidas estudiosas puseram em xeque, a partir de uma abordagem psicanalítica,
o conceito tradicional dos gêneros masculino e feminino enquanto categorias absolutas, cujas
.----
(âo ,,,.,
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Y
i dif...nr"s são sistem atizadas a partir de rígidos aparatos conceituais. A tese que defendem é a dei O,r. 
", 
iif.."nçrs sexuais são construídas psicologicamente, dentro de um dado contexto social'
Nesta ordem de ideias, ao contrário das feministas americanas dos anos 1960, que se insurgrram contra
o falocentrismo freudiano, as francesas tomam a Psicanálise como sendo capaz de fornecer uma teoria sobre
as origens e a formação dos gêneros. Isso porque elas a entendem como sendo um método emancipador'
capaz deer<aminar r.onrr..rção do sujeito humano em todos os seus aspectos. Seu pressuposto mais básico
é à d. qu. tal sujeito.onrirt. .- u-, entidade complexa, 9u1 ablanSe desejos' impulsos, ímpetos infantis
reprimidos, além de fatores materiais, sociais, políticos e ideológicos de que estamos apenas parcialmente
conscientes. Na esteira de discussões desta .-plit.rd., são trazidos à tona questionamentos mais especí{ìcos
sobre a mulher e suas relações com a socieclade e a linguagem (cIr\RKE, 1998).
Essa facção do feminismo. cujas bases são constituídas a pârtir do pensamento pós-estruturalista de
Derrida e Lacan, trabalha basicamente com os conceitos de difirdnce e de lmagiryino. o prirneiro consiste
no éônceito-chave da crítica da desconstrução da lógica binária próposto por Derrida, a base da crítica
feminista radical; o segundo, relaciona-se à teoria da fase pré-edipiana de Lacan, q": !"t-9" a definição
de uma écrítureféminini.-fr^ta-rede investigar as ligações entre se>malidade e textualidade, bem como de
eraminar o câmpo de articulaçõe s do desejo na linguagem (HOLLANDA,l'992)-
para a escritora e crítica literária Hélène Cixous, a oposição homem/mulher (ou macho e Íêmea)
consiste em um elemento fundamental na cultura ocidental e está presente, subjacentcmente, a
todos os tipos de oposições que aparentemente não têm relação com ela' Nessa ordem de ideias'
o termo "inferior" é sempre associado com o elemento feminino; o ternro que ocupa a posição
privilegiada, com o 
-"r.,rlino, trata-se da "solidariedade do logocentrismo ao falocentrismo"'
No polêmico ensaio Rire de la Méduse (1975), publicado no Brasil como O sorriso dd medusa, Cirous
(1988), 
"trarró, 
do estilo da "não-racionalidade", que aíìrma ser próprio da mulher, defende a tese de
qug g cg-rpo desta e sua esctita, se não policiados pela heterossex-ualidade lalllcal' constituem-se em
armas desconstrutoras dos valores faiocêntricos, capazes de promover sua libertação. Expliquemos:
partindo da recusa da falta que a Psicanálise atribui à mulher e considerando que seu corpo representa
i-prrlro, instintivos e desejos que surgem do inconsciente, ela o toma como o instrumento da
,r.scritur" feminina". O corpo fala e, ao falar, "inscreve o que a mulher diz em si e por si, nas marcas
biológicas de uma natureza que irrompe em arritmias sintáticas, vazios, ilogicidade, sopro, respiração
advinda da relação com o corpo da mãe, que nunca cessa" (QUEIROZ ,1'995, p. 150).
Seguindo na trilha da desconstrução de Derrida, Cixous abole as dicotomias escrita/sujeito e
ercrítJf^l^,liberando tais conceitos das hierarquias binárias. Assim, a distância entre escrita e ,sujeito
que escreve é abolida, de modo Qye o discurso produzido pela mulher passa.a ser.entendido como
úma espécie de mêtonímia dela. Nessa mesma ordem de ideias, a mesma escrita dei-xa de ser tomada
como um ato governado porfatores e\.ternos e limitadores' para aproximar-se da fala, entendida como
um veículo de erpressão da interioridade'
De sua ótica. há na mulher um imaginário inesgotável propulsor de um texto subvelsiv6' Fsse
te)do, ou essa escrita feminina, no entanto, não pode ser sistematizado ou defi|do rigidamgnte; não
implica absolutamente, segundo a teórica, uma prática fechada, o que não significa que ela não exista'
Não só existe como .ri,."i"rr^ o discurso que regula o sistema falocêntrico e patriarcal masculino,
tomando lugar em áreas que não estão suboidinadas a ele'
Cixous (1988) não reconhece a "escritura feminina", subversora do falocentrismo e do
patriarcalismo, apenas como sendo oriunda do ser biológico feminino. Embora ela considere a
mulher privilegiada ao seu acesso, homens também podem eventualmente produzi-l" ìl -"9-Lq..?'d"'
ela chama de femininaa escrita subversiva que ela tem em mente, porque aquela 
marcada pela opressão
é claramente masculina.
Jâ a crítícaliterária e psicanalista Julia Kristeva (1,g7 4), seguindo na trilha da Psicanálise 
lacaniana'
integranre do que ,lgrnì chamam àe crítica pós-feminista, combinando Linguística, Literatura e
232 rEoRÌA LITERARIA
li\
--.. .-{dl 2) Cnr r rc c l LMr NIsr{\-/
Psicanálise, também problematiza, nadécada de 7970, as questões referentes à sexualidade, identidade,
escrita e linguagem femininas, mas nega uma fala ou uma escrita específica da mulher.
fol colsiderar q-ue é através da linguagem que o indivíduo ex?ressa a instabilidade que lhe é
inerente como ser humano, Kristeva (1,974) a toma como o ponto central de seus estudos,
detetrdo-tË, sobretudo, na proble mâtíca que â envolve e no modo pelo qual se define . Ëla
considera a Linguística moderna autoritíria e repressiva, uma vez que suas investigaçoes têm
co"mo alicerce estrururas monolíticas e monogêneas. Do seu ponto de vista. a linguagem deve
ser analisada como um processo heterogêneo, complexo, em que o sujeito falante (dividido,
descentralizado e instável) é tomado como objeto central na investigação.
Visando melhor definir essas características que integram o ser humano, Kristeva criou
o termo "sujeito em processol', qãg 3.Pen_q! lo- sgnlldo de "sujeito em curso", mas também
cõmo prõ-èssò de lei, já que o indivíduo está constantemente em julgamento, ou seja, seu
comportamento está sempre sendo posto à prova.
Tendo em vista os três registros essenciais que Lacan distingue, no campo da Psicanálise
(o Simbólico que aproxima a estrutura do inconsciente à da linguagem e mostra como o sujeito
humano se insere numâ ordem preestabelecida; o Imaginário, caracterizado pela preponderância
da relação com a imagem do semelhante, e o Real), Kristeva explica as raízes do termo acima
referidopormeiodedoisconceitos:oSemióticoeoSímbólíro.Porqqtç-n-d-*Q!eoSimbólico
e.st4. cgmpr.ometido com o polo masculino da cultura, ela redefine os conceitos de Imaginário
e de Simbólico, deslocando a força que Lacan imprime à ordem deste último para a ordem :
do Imáginário. Tiata-se de localizar na fase pré-edípica, anterior à entrada do Simbólico, um
{fg=T93!_o-e,m- que a gyiança ç a mãe falam num discurso próprio, que pode ser considerado a
matrtz da linguagem sequestrada da mulher. A esse lugar do Imaginário, Kristeva chama de
Semiótígo,como mo_do de significação alternativo ao Simbólico.
O_\.y1(_tíyor_p_ortan!o, retorna às fases pré-linguísticas da inÍância, em que a c1aLç1!albgc!a i
or ."${ú{gu"é, tentando imitar o mundo que a rodeia, sem, no enãnto, póirülr or iinais
linguísticos necessários para que haja, na linguagem, o sentido lógico e convencional. Tlata-
se de um momento anterior à crise edipal já referida, eloSue não se possui identidade estávél :
nenhuma, e'sim padrões e quadros flutuantes.
49, integrar,- atravé,s de aquisiçáo da linguagem, o universo social definido pelo polo
masculino da cultura, a criança passa a ser definida por ele, ficando privada de ser um sujeito
pletro, ..àlir^do . uniÍìcado. E_1gssa fase da trajetória humana que o desejo e o inconsciente são
ciiaciõii e oiáo.- razão dessa faita. O1-nso^nsciente, nesse sentidg, çonsistq em úma e-spécie de
repositório de tudo o que deve ser reprimido por chocar-se com a posição assumida pelo sujeito
nã íociedade.
--
Kristeva emprega a imagem do khóra, um vocábulo grego, retirado do Timeu de Platão, que
significa receptáculo, espaço fechado, útero, para descrever o conteúdo essencial do inconsciente.
Tiata-se de uma "instância do pré-Édipo e do pré-verbal que se define como o locus onde o
mundo é percebido pela criança como iítmico, intonacional, melódico" (QUEIROZ, t995. p.
152), o,qua-l_.1a_m,ais pode ser eliminado ou reprimido plenamente.
Em vista d!_qs-o', o s,qiçi!q, para Kristeva, é constitconstituído em linguagem na interação entre o
Semiótico e o Simbólico, como um llgq.Jetlg.em.p_rocesso".D.ú
o em lrnguagem na rnteraçao entre o
D úgl,a_açfè n d èf a im-p.o.s.s ibi I i d-a d e d e
,íeÏãlï-sê a mulher: ei, 
"Ç-lhè uma essencialidadè biólógica, do mesmo rnodo que negâ uma
especificidide da fala ou d" escrita feminina. Do seu ponto de vista, 4 mulher, ao liberar-se da
rigidez da ordem simbólica. é capaz, sim. dc produzir textos peculiares. Mas as peculiaridades que
os caracteri zam não podem ser atribuídas nem à especificidade feminina, nem à marginalidade
social, mas a ligações com o locus onginal dakhóra.
Q.fgmlnino, para Kristeva, como para Cixous, não implica a mulher real, pois, no que diz
respeito à escrita, sujeitos biologicamente masculinos podem ocupâr uma posição de sujeito
Tsouas BoNNrcr / Luctt OsaNr ZorIN (onc.r.Ntzroonrs) 233
feminino na ordem simbólica, conforme
Joyce e Mallarmé, entre outros. F.la vê no
na escritura feminina, uma força capaz de
ela observa nas obras de artistas de vanguarda como
feminino a negação do fálico e , mais especificamente,
quebrar a ordem simbólica restritiva.
l
II
I
lr
A atitude de desconstrução em relação à oposição homem,/mulher que a crítica feminista francesa
pressupõe pode ser mais facilmente reconhecida em textos de escritoras(es) contemporâneas(os) do que
"o 
lorio da histOria da literatura. Tomem-se, por exemplo, os romances da primeira fase da produção
literária de Nélida Piíon, como Madeírafeita nuz (1963) ouA casa dd paixão (1'972)-
No primeiro, a trajetória de Ana, a personagem central, trazàtonaa discussão acerc dos conflitos
da mulher gerados pelo choque de ideologias: uma que lhe é própria, outra que the é imposta pelo modo
de pensar dominante. O conflito se instaura na medida em que ela adquire uma profunda consciência
de sua realidade corpórea e de seus desejos e, ao mesmo tempo, da realidade do cristianismo, em que
a sexualidade é marca do pecado original.
A solução se dá com â protâgonista reinventando um cristianismo mais humano, uma
espécie de "evangelho" próprio: após uma "viagem de aprendizado", concretizada por meio
de uma caminhada pela floresta, na qual se dá a descoberta solitária de seu próprio corpo e a
felicidade daí advinda, â personagem toma o machado e destrói a imagem de madeira de Cristo
na parede, num gesto de destruição dos modelos canônicos e de reinvenção dos conceitos do
Bem e do Mal.
ErnA casa da paixão, a atitude da escritora de "subverter a sintaxe oficial", no que se refere à
tradição dos papéis conferidos à mulher, atinge um de seus pontos mais altos. O romance é, de certa
-"n.irr, .r-" g."rd. discussáo aceïca da tradição cristã e da tradição cultural no Ocidente, sobretudo
no que diz respeito à normatização da sexualidade apenas nos limites do casamento, com fins
de reprodução, e a consequente eliminação da legitimidade do desejo Íïsico. Segundo a autora,
234 
-TEoRIA LITERARIA
Hélène
Cixous
(1e88)
1 ) Ârgumento pós -estruturali sta : dífér an ce (De rrida) ; imagináti o (Lacan) ;
2) O pensamento funciona por meio de oposições duais e hierarquizadas, de modoque a oposição
homËm/mulher (superior/inferior) está presente em todos os tipos de oposições (solidariedade
do logocentrismo ao falocentrismo);
3) Essa oposição repressorâ pode ser deruída â partir da escrita da mulher;
4) Écriturefeminine : terto subversivo;
5) Homens também podem produzir essaécriturefeminine.
Julia
Kristeva
(1e74)
1 ) Àrgumento pós-estruturalista: imaginário (Lacan) ;
2) Criao conceito de "sujeito em processo" a partir da definição de duas modalidades'. o Simbólico
e o Semiótico',
3) Toma a linguagem como ponto central de seus estudos;
4) A escritura da mulher é examinada a partir de uma perspectiva antiessencialista e anti-
humanista;
5) O que foi reprimido e consignado ao Semiótico encontra possibilidades de maniíestâção em
todos os tipos de linguagem que, por qualquer raziao, nío estão totâlmente sob o controle do
falante ou do escritor, cujas estruturas de linguagem acham-se restritas aos códigos linguísticos
do poder patriarcal;
6) As escritoras são câpazes de construir textos que oferecem resistência às regras da linguagem
convencional, assim como a linguagem não totalmente regulada das crianças e da doença
mental.
Quadro 6. Representantes do Gminismo francês.
**@ ctÍrrcA FEMINISTÁ
"é um texto em que talvez o discurso feminino alcance umâ proeminência muito grande. E a
história da relação âmorosâ de uma mulher. Como ela inaugura o corpo. E como o corpo, uma
vez inaugurado amorosamente, erotizado, altera o pensamento- (PINON, 1988 apud PROENÇA
FILHO, 1998,p.4).
Marta, a protagonista, tem como meta tomar a palavra, falar e nomear, torrÌar-se uma mulher-
sujeito âtravés do domínio do próprio corpo, entendido não como o templo de Deus, como quer o
cristianismo, mas como a casa da pakão, desvestido de qualquer ideologia de natureza espiritual.
O estado inicial da narrativa é de uma aparente harmonia: de um lado, o pai como chefe incontestável
e natural, exercendo sua função de proteger a Íìlha contrâ a cobiça dos homens; de outro, Antônia,
servâ e governanta, aquela que ocupâ o papel subalterno e hipotético de mãe, a ajudar, à sua moda, a
filha a tornar-se mulher.
Ao atingir a idade adulta, através da revelação de sua sexualidade, Marta, todavia, reage contra as
imposições paternas. Thl reação se dá através da exibição de seu desejo carnal, num gesto que a torna
autora de seu projeto de vida e, consequentemente, subversora do código que rege o comportamento
feminino.
Diante desse estado de coisas, o pai traz para casaJerônimo, o homem que deverá ser o parceiro da
Íìlha, numa relação ofr.cializada- "Se é de macho que ela precisa, eu lhe darei" (p.44).
AssimJerônimo e Marta desempenhariam os papéis que a cultura ocidental convencionou como
sendo masculinos e femininos: enquanto ele, subordinado à ideologia patriarcal e ao cristianismo,
é marcado pelarazáo, pela disciplina, pela organizaçáo e hierarquia; ela é rnarcada pelo desejo, pelo
inconsciente e pela intuição. Correspondem, respectivamente, aos pares dicotômicos: atividade e
passividade, intelecto e sentimento, espírito e corpo, cultura e ïÌatureza etc.
A narrativa, todavia, se resolve com o surgimento de uma descoberta a partír do confronto entre
esses dois polos: trata-se de uma espécie de reinvenção da relação homem-mulher, a qual vai acabar
por permitir que tais personagens relacionem-se entre si sem que uma tolha a essência da outra.
Ambos deverão despojar-se de suas antigas formas de entender a realidade para inaugurar uma outra,
numa tentativa de conciliar os dois ideais, ou seja, equilibrar as forças antagônicas do masculino e do
feminino. Marta insereJerônimo no universo feminino por elavivenciado, ao mesmo tempo em que
resgata o seu lado masculino com â ajuda deJerônimo.
O que Nélida Piflon propõe, portanto, em A casa da paixã0, é, em certo sentido, destruir os
contornos nítidos das diferenças serüais, com vistas à afirmação do direito da mulher de usufruir sua
sexualidade. Sem tais adaptações, certamente não seria possível a Marta alcançar a plenitude, já que ela
não se adapta ao modelo Gminino consagrado pela ideologia. O par amoroso, aqui, aproxima-se de
uma situação ideal no que se refere à relação homem-mulher, por meio da masculinização de uma e
da Gminilização do outro: ele abre mão dos preceitos patriarcais, que relegam a mulher à passividade
e lhe impõem a submissão, para aproximar-se do verdadeiro modo de ser de Marta, vivenciando-o ao
lado dela; ela complementa a nova situação (que lhe é favorável) através da experimentação do papel
masculino, como o entende Jerônimo.
PnosrnMAs E NovAS pERspEcrÍvAs ta cúTrce FEMIMSTA: MULTIPLICIDADE E HETEROGENEIDADE
O conceito de gênero, considerado por Showalter (1985) "uma dâs mudanças mais mârcantes
dentro das ciências humanas e das letras na década de 80", passou a ser amplamente usado pela
crítica literária feminista com o objetivo de evitar algumas armadilhas ou ambiguidades contidas
nos conceitos de identidadefenlinina e lugar da diferença. A procura da definição desses conceitos é',a
THoMÂs BoNNtcI / LúcIA OsaNa ZorIN (oncaNtzaoonrs; 
- 
235
rigor, a preocupação central das duas principais vertentes da crítíca feminista, conforme discutimos
nos itens anteriores.
A tendência anglo-americana empenha-se na deÍìnição de uma identídade feminina e do lugar da
dferença por entender que tais deÍìnições são fundamentais na luta contra as instituiçoes patriarcais
dominantes. Nessa ordem de ideias, trabalha no sentido de: 1) denunciar a ideologia patriarcal que
permeia a críticatradicional e determina a constituição do cânone na série literária; 2) empreender uma
arqueologia literária para Íesgâtar obras de mulheres que foram ercluídas da história da literatura; 3)
estudar a produção literária da mulher contemporânea, particularrzando-acomo um lugar privilegiado
para a experiência social feminina.
A noção de ídentidade, eÍÌtretanto, está comprometida com a estrutura da lógica patriarcal: ao
reforçar a noção de mulher como o outro, o pensamento Gminista anglo-americano corre o risco de
apenas legitimar e garântir a supremacia masculina, ou seja, a supremacia do mesmo.
Em relação à tendência francesa, também são registrados problemas estruturais, na medida
em que seus defensores preocupam-se com a especificidade de uma linguagem essencialmente
feminina, investigando as relaçóes entre sexualidade e tertualidade e proclamando urna escrita do
corpy l sem, no entanto, explicitar as relações concretas que as determinam, as práticas sociais que
as constituem.
Além disso, essa polêmica teoria da escríta do corpo, proposta, principalmente, por Hélène
Cixous, acaba por entrar em choque com os caminhos teóricos da différance, os quais buscam a
desconstrução das oposições binárias que regulam o logocentrismo. A esse propósito, Castello
Branco (1994) assinala que considerar que o feminino se constrói em oposição ao masculino
implica o risco de mergulhar-se num raciocínio simétrico e antinômico. E, sendo assim, ao invés
de suspenderem-se as dicotomias e os maniqueísmos que envolvem as relações de sexo, está-se
reiterando essas relações.
E só no entrecruzar desse duplo movimento 
- 
daquele que parte com aquele que fica, daquele
que rompe com aquele que repete, daquele que é o outro com aquele que é o mesmo - que
se pode vislumbrar essa especificidade feminina do discurso. Aí o seu traço, aí o seu rastro, aí
t sua diferência (CASTELLO BRANCO, 1994, p. 49).
Na verdade, ao proclamar a existência de uma linguagem Jeminina, o feminismo francês
tenciona valorizar e potencializar a obscuridade e a falá que caracterizariam essa linguagem,
em oposição à racionalidade e à implacabilidade da linguagem hegemônica masculina. Segundo
Hollanda, "é inegável que os discursos marginalizados das mulheres, [...] to momento em
que desenvolvem suas 'sensibilidades experimentais' e definem espaços alternativos ou
possíveis de expressão, tendem a produzir

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