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Nota de Aula - Perelman Rev 2014.1

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JUSTIÇA E ARGUMENTAÇÃO 
CHAÏM PERELMAN
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Se decido jantar no Waldorf Astoria ou ir à Itália, ou ainda se resolvo pedir certa moça em 
casamento, desde que se considere que minha decisão de fazer uma destas coisas não envolve romper uma 
obrigação ou compromisso, ninguém diria que eu estaria tendo um comportamento injusto. Na verdade, antes de 
caracterizar qualquer decisão, escolha ou julgamento - ou ainda qualquer lei ou regulamento - como injusto, 
devemos estar prontos para estabelecer as razões que justificam esta opinião, que devem ser aceitas pelo 
auditório a que se está endereçando. 
Seria um erro afirmar que baseamos nossos julgamentos em algum sentimento ou intuição, ou 
ainda em alguma qualidade indefinida que desperta simpatia ou antipatia, como acontece quando estamos 
apaixonados. A escolha dos adjetivos 'justo' ou 'injusto' pressupõe que estejamos recorrendo a algum critério 
estabelecido, a algum padrão comum, eventualmente até a um padrão aceito pela comunidade, e não 
simplesmente expressando um preconceito. 
Novamente, não seria suficiente mostrar que a ação que caracterizamos de injusta causou mal a 
alguém. Teríamos que ir além, mostrando que houve um ato culpável, no sentido de ruptura de alguma regra 
- seja ela explícita ou implícita, moral ou legal - e que há um nexo de causalidade entre o ato culpável e o mal 
causado. 
Se um homem diz ser vítima de um destino injusto, ele está implicitamente imputando a alguma 
divindade ou à própria natureza certos deveres não cumpridos, como, por exemplo, a obrigação de tratar 
 
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Texto traduzido por Ana Luísa Leão, ex-bolsista do PET-JUR, do original inglês do original inglês de “Law, Reason and 
Justice: Essays in Legal Philosophy. Organizado por Graham Hughes. Nova Iorque: New York University Press e Londres: 
University of London Press, 1969. 
DISCIPLINA: Filosofia 
Prof.: Nicodemos F. Maia 
CARGA HORÁRIA: 
80h / a 
GRAU DE ENSINO: 
GRADUAÇÃO (Bacharelado) CURSO DE DIREITO 
CÓDIGO: 
31076 
 
NOTA DE AULA 
DISCIPLINA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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seres semelhantes aproximadamente da mesma maneira. Na falta de pelo menos uma imputação implícita 
deste tipo, a vítima estaria apenas expressando o sentimento de que não merece aquilo que recaiu sobre ela 
e que aquele resultado causado por um agente responsável teria sido injustamente imposto. 
O sentimento de que alguém é vítima de injustiça resulta, inicialmente, de uma comparação com 
outras pessoas que acreditamos serem iguais a nós, e terem sido favorecidas. Achamos injusto qualquer 
infração à regra de justiça, que determina que as pessoas sejam tratadas igualmente e que situações 
similares sejam resolvidas da mesma maneira. 2 Quem obedece à regra de justiça ou segue um precedente 
apropriado, escapa, prima facie. a uma acusação de injustiça e não tem que justificar a sua conduta. Em 
contrapartida, a pessoa que é acusada de descumprir a regra de justiça ou de desviar-se de um precedente 
estabelecido deve apresentar uma justificativa, se não deseja que seu comportamento seja considerado 
injusto. Esta justificativa terá de consistir em motivos que considerem a existência de certos fatos e sua 
classificação. 
Se a impugnação é dos fatos alegados, então estamos preocupadois com a verdade e não com 
a justiça. Quando o estabelecimento dos fatos dá origem a problemas de prova, temos que distingüir os 
domínios da moral e do direito. No domínio da moral, qualquer um é livre para fazer uso de todos os meios 
de prova a fim de estabelecer os fatos relevantes ou oferecer uma nova versão dos mesmos. No direito, 
entretanto, uma série de presunções regula a questão do ônus da prova, e de diversas maneiras limita a 
admissibilidade de diferente tipos de provas. Portanto, sob a regra da presunção de inocência, os fatos em 
questão precisam ser provados pelo acusador ou pelo autor, e o réu pode valer-se de uma simples negação. 
Da mesma forma, a prova de fatos preclusos não pode mais ser produzida, bem como é inadmissível a prova 
difamatória. Certos atos jurídicos só podem ser provados mediante prova documental, enquanto que a prova 
negativa de paternidade, por exemplo, só pode ser fornecida por certas pessoas e dentro de determinados 
prazos. 
II 
 Para que os fatos provados possam constituir uma violação de uma regra moral ou jurídica, 
devem ser classificados de modo que possam subsumir-se a alguma norma. O que foi provado deve ser 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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imputado a alguém que é responsável por sua conduta, da qual poderia ter-se abstido. Ninguém pode ser 
responsabilizado por ter feito algo que era impossível evitar. Essa especial caracterização de um ato pode 
ser efetuada de duas maneiras: tratando o conjunto dos fatos novos como sendo essencialmente similares a 
um outro conjunto de fatos que já tenha sido julgado anteriormente (é a técnica do precedente), ou 
subsumindo-os a uma regra geral (aplicação de uma regra geral a um caso particular). A classificação, então, 
demandará uma avaliação do precedente que for citado, ou da regra escolhida. Este julgamento pode ser 
contestado, já que poder-se-ia argüir ser o precedente inaplicável ou que a regra usada deveria ter sido 
aplicada de maneira diferente, o que levaria a um outro resultado. 
O juiz que examina o caso também pode, por inúmeras razões, especialmente se estiver em um 
tribunal de última instância, recorrer a uma ficção. O instrumento da ficção, que é claramente uma recusa à 
aplicação da lei em determinadas situações, pode ser considerado realisticamente como uma modificação no 
campo de aplicação da norma por um órgão que não tem poderes legais para modificá-la expressamente. 
Isto explica, incidentalmente, por que a noção de ficção não existe no juízo moral, já que a prática da decisão 
moral não incorpora uma doutrina de separação de poderes. 
Uma outra forma de se contestar um julgamento ocorre quando os mesmos fatos podem ser 
vistos de ângulos diferentes. Um aspecto desses fatos pode parecer o mais significativo para certas pessoas, 
e isso pode levá-las a aproximar aqueles fatos de um precedente diferente do invocado pelo adversário, ou a 
julgá-los com base em uma norma diferente daquela aplicada por este. Esta situação - em que é possível a 
aplicação de dois precedentes ou duas regras para os mesmos fatos com igual plausibilidade - pode levar a 
antinomias dentro do sistema jurídico e a um conflito de deveres no campo da moralidade. Nesse caso, 
torna-se necessário apontar qual norma terá prioridade na solução da lide em questão. Em cada caso, para 
que a decisão não pareça arbitrária ou injusta, a interpretação ou aplicação adotada tem que ser justificada 
por um argumento que não precisa ser incontestável, mas sim razoável à luz de um bom número de opiniões. 
Estas opiniões serão normalmente teleológicas ou pragmáticas; ou seja, elas poderão invocar a política 
legislativa ou a discussão sobre as conseqüências práticas de decidir de uma maneira e não de outra.2
 V. Perelman, Ch. The Idea of Justice and the Problem of Arguments, 1965, pp. 79-87; Perelman, Ch. Justice, 1967, cap. 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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A escolha do ponto de vista sob o qual os fatos de um caso será avaliado contribui para fixar 
mais precisamente o campo de aplicação de uma norma ou o escopo de um precedente. Isto pode originar-
se de certas doutrinas gerais que se expressam em princípios como aqueles relacionados ao abuso de 
direito3, ou à ordem pública internacional4, e que incorporam noções sobre política pública que levam a uma 
limitação da esfera de alcance de uma determinada norma. 
Devemos notar que esses problemas de interpretação e aplicação surgem tanto no campo da 
moral como no direito, mas o processo de raciocínio envolvido é mais facilmente percebido na prática de 
decisões judiciais. Isso porque, em um sistema jurídico, a natureza da discussão, os argumentos, e as 
posições tomadas são controladas por normas processuais que obrigam as partes a responderem uma à 
outra já que os argumentos contrários e as conclusões precisam ser refutados e não podem ser 
simplesmente ignorados. 
Os mais interessantes problemas morais, políticos e filosóficos dizem respeito ao que é justo e 
injusto de uma maneira que vai além de questões de fato e classificação, alcançando a problematização 
mesma das normas que foram supostamente violadas. Nestes casos, os argumentos vão além de questões 
sobre aplicação de regras, submetendo à crítica os princípios concebidos para guiar os indivíduos e as 
sociedades. 
Enquanto a apreciação das norma ocorrer em um plano puramente jurídico, temos que levar em 
consideração as instituições que determinam essa separação, a hierarquia, e o equilíbrio dos poderes, 
porque não é qualquer um que tem o poder de mudar uma lei considerada injusta. Para que se aja como um 
juiz ou um legislador, há que se ter autoridade. Aqueles que não possuem essa autoridade podem, 
meramente, tentar influenciar os detentores do poder judiciário ou legislativo. Somente fora da perspectiva 
 
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 Por exemplo, uma pessoa pode ter o direito genérico de caçar na sua propriedade rural, mesmo se o barulho dos tiros 
puder causar algum aborrecimento a seus vizinhos. Todavia, se o juiz adotar o ponto de vista de que o objetivo 
predominante da caçada é interferir, com má intenção, na tranqüila fruição da propriedade do vizinho, pode vir a conceder 
indenização. V. o caso inglês do Hollywood Silver Fox Farm vs Emmett, 1936, 2 K.B. 468. 
4
 .A atuação deste principio pode ser ilustrada pelas leis sobre a bigamia. Se um marroquino casado poligamicamente fosse 
para a França, o direito criminal francês não teria a pretensão de estender sua jurisdição para processá-lo. Entretanto, se um 
marroquino solteiro fosse para a França, as autoridades desse país não aceitariam a lei do seu domicílio para oficializar uma 
cerimônia poligâmica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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jurídica - quando consideramos uma ação ou norma como moralmente ou politicamente injusta - é que 
podemos ignorar todas estas questões sobre competência e autoridade que são tão essenciais ao direito. 
III 
Quais são as técnicas de argumentação que tomam possível a crítica das normas em si? 
Em primeiro lugar, a crítica poderia, novamente, basear-se na regra de justiça. Não mais seria 
usada, porém, para demonstrar que algumas disposições jurídicas foram violadas ou que a lei não foi 
imparcialmente aplicada, segundo o princípio da igualdade perante o direito. Em vez disso, tal tipo de crítica 
estaria direcionada para as disposições do próprio direito, que estabelecem uma discriminação injustificada 
ou negligenciam distinções que são consideradas essenciais. A crítica estaria dirigida à ausência de uma 
relação proporcional entre ilícitos e sanções, ou poderia, ainda, sublinhar a crueldade desnecessária e a 
ineficácia de disposições jurídicas que não conseguem atender aos propósitos sociais para os quais teriam 
sido instituídas. 
Além da crítica que paira sobre a ineficiência das medidas legislativas e que aponta para a 
importância da sociologia jurídica para o legislador, qualquer outra crítica pressupõe uma concordância de 
juízos de valor relacionados com o caráter necessário ou trivial de distinções envolvendo a seriedade de 
ilícitos e sanções. O peso dado a certas distinções e à seriedade de certas ofensas pode ser estimado de 
várias maneiras, tendo em mente as condições político-sociais e econômicas de um país, bem como os 
conflitos ideológicos. 
Para que afirmemos ser uma norma injusta, não é suficiente demonstrar a injustiça da mesma 
apenas sob nossa própria perspectiva, porque do ponto de vista do adversário, pode parecer uma norma 
justa. Devemos estar prontos para explicar porque nossa perspectiva é preferível à do oponente. 
Precisamos, para tal, obter o apoio da opinião pública para a tese, e, mais especificamente, o apoio de boa 
parte dos que zelam pela ordem estabelecida. Isso explica a importância de todas as discussões ideológicas, 
sejam elas de natureza política, filosófica ou religiosa. Quando desacreditamos a ideologia do oponente, 
estamos enfraquecendo a autoridade moral de quem, através da mesma, detém poder, fazendo-os parecer 
meros porta-vozes de interesses particulares escondidos atrás de uma aparente respeitabilidade. Duvidar da 
justiça das normas freqüentemente leva à crítica de uma ideologia e à contestação da autoridade que esta 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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ideologia procura legitimar. Pessoas em posições de autoridade poderão parecer, assim, meras usurpadoras 
que, sem mais recursos, usam da coerção pura para manter o poder. 
Quando uma linha de raciocínio nasce de premissas que são aceitas como verdadeiras e conduz 
a uma conclusão necessária, não há como recorrer à autoridade ou à força para apoiar ou atacar qualquer 
das partes. No entanto, quando as premissas são contestadas ou fornecem razões parcialmente 
constringentes em favor de um argumento, ou ainda quando argumentos contrários se contrapõem 
razoavelmente e nenhuma conclusão única se impõe, então o papel da autoridade e até do legítimo uso da 
força se toma crucial para assegurar-se o assentimento à ordem existente. 
Nesse sentido, devemos observar que as técnicas jurídicas podem tentar limitar o uso da força 
através das instituições judiciais e legislativas que fornecem procedimentos aceitos para a elaboração de 
normas e solução de conflitos. Se, no entanto, estas instituições puderem, sem maiores dificuldades, 
solucionar os conflitos através de sua autoridade, será necessário, ainda, que exista um reconhecimento da 
legitimidade daqueles que tomam as decisões. Mas o papel desses decision-makers autorizados não é tão 
vital quando se trata, não de intervir em reivindicações conflituosas, mas de reconhecer os costumes e 
princípios gerais que formam parte da cultura de uma civilização, e são, além do mais, aceitas como tal. 
Na verdade, existe uma relação complementar entre o caráter dúbio das normas e a autoridade 
daqueles que tentam impor sua aceitação. Quanto mais essas normas e decisões forem questionáveis e 
questionadas, maiorterá que ser a autoridade daqueles que querem vê-las aceitas pela comunidade, Não há 
necessidade de essas autoridades assegurarem a aceitação de princípios morais geralmente admitidos ou 
inculcar respeito por valores e instituições tradicionalmente reconhecidas, princípios e valores aos quais as 
autoridades não poderiam se opor sem minar seu próprio prestígio e sem provocar desobediência. 
Este é o significado da oposição que a ordem de Creonte - que violou leis divinas 
tradicionalmente respeitadas - desperta em Antígona. Este é o significado e o peso das afirmações dos que 
advogam direitos naturais, segundo quem os direitos do homem não derivam de uma autoridade positiva, 
que poderia, então, revogá-los a seu arbítrio, mas existem independentemente de autoridade positiva, cuja 
missão é simplesmente respeitá-las e protegê-las. No entanto, mesmo neste campo onde a existência de 
normas genericamente aceitas numa sociedade ou civilização não dependem da decisão de uma autoridade 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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positiva, estas autoridades têm um inegável papel na sua interpretação e na determinação da sua 
aplicabilidade. Essas normas fundamentais não devem ser comparadas com premissas matemáticas, que 
são evidentes em si mesmas e inequívocas, mas sim com "lugares-comuns", isto é, princípios vagos, mas 
comumente aceitos, que requerem um esclarecimento acerca do modo de sua aplicação, que pode, em 
alguns casos, entrar em conflito com outros princípios. O papel das autoridades é determinar o alcance de 
cada um destes princípios e sua hierarquia, para solucionar os conflitos oriundos de sua aplicação aos casos 
concretos. 
A que tipo de raciocínio poder-se-ia recorrer, a fim de justificar decisões tomadas em tais casos? 
Pode-se descrevê-lo como raciocínio dialético, porque há de se recorrer a uma variedade de argumentos que 
não podem ser reduzidos a esquemas dedutivos ou a simples indução. Eles freqüentemente conjugam 
raciocínio analógico e argumentos pragmáticos, recorrendo à regra de justiça do tratamento equivalente 
entre iguais. 
Uma análise sistemática das relações entre as normas do direito positivo, os princípios gerais do 
direito, as regras da moral, e as técnicas usadas pelos legisladores e juízes para fundamentar suas 
afirmações e decisões, possibilita a enumeração, classificação, e sistematização dos modelos de argumentos 
empregados pelos advogados quando lhes é necessário raciocinar em termos de justiça. Se, então, à luz do 
resultado de tais investigações, os filósofos da moral refletissem sobre a função que deles se espera 
desempenhem, perceberiam que não deveriam limitar-se ao estabelecimento de princípios gerais, que os 
levaria a uma multiplicidade de interpretações. Eles não devem evitar o estudo de situações concretas ou 
desconsiderar técnicas de argumentação as quais se deve necessariamente recorrer caso se pretenda que a 
razão prática tenha sucesso em conduzir os homens de bem e limitar, em alguma medida, o recurso irrestrito 
à arbitrariedade e a violência. 
Texto da Professora: Maria Geralda de Miranda 
2.2.3 — A "Teoria da Argumentação" de Chaïm Perelman 
Além da mencionada "lógica do razoável", outra teoria questiona os paradigmas do 
"formalismo-silogístico" e do "pluralismo". Trata-se da chamada Teoria da Argumentação, 
que tem sua base em Chaïm Perelman,12 e trabalha basicamente com a questão da argu-
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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mentação, como método a ser adotado na busca de uma decisão judicial " razoável". 
Perelman fornece as bases da Teoria da Argumentação, através da distinção entre 
demonstração e argumentação. 
2.2.3.1 — Demonstração x Argumentação 
Para que se possa compreender melhor a Teoria da Argumentação de Chaïm Perelman é 
fundamental que se conheça bem a distinção entre argumentação e demonstração, que 
representa um de seus pilares. A demonstração é típica de uma lógica formal, que 
adquiriu grande projeção no Século XIX, com a ascensão do paradigma positivista, que 
defendia a adoção, no estudo das ciências sociais e humanas, do mesmo método 
utilizado nas ciências naturais e exatas. Segundo essa visão, os fenômenos sociais 
poderiam ser analisados sob os mesmos parâmetros metodológicos da física ou da 
química, por exemplo. Quando se trata de demonstração, as conclusões resultam de um 
cruzamento entre juízos hipotéticos e mecanismos de comprovação prática. Tais 
mecanismos seguem uma receita predeterminada de operações lógicas, que independem 
do campo de estudo (matemática, física, antropologia, direito ou biologia, por exemplo). O 
importante é exatamente a comprovação de que, com a repetição de certos procedimen-
tos, previamente determinados, serão observadas certas consequências necessárias, a 
partir das quais se formarão regras. Segundo Perelman, demonstração é "um cálculo feito 
de acordo com normas previamente estabelecidas". A chamada prova demonstrativa 
normalmente é imutável, desde que mantidas as mesmas condições ambientais e 
adotados os procedimentos previamente estabelecidos. Em função disso, essa prova 
independe de qualquer tipo de adesão por parte daqueles perante os quais ela se realiza, 
sendo válida por si só. Em um processo de demonstração, basta indicar os pressupostos 
metodológicos que levaram a uma determinada conclusão, sem uma preocupação maior 
com os conteúdos axiológicos e de experiência que possam porventura tê-la influenciado. 
Este é um princípio perfeitamente aplicável às ciências naturais e exatas, pois tanto a 
demonstração de uma fórmula matemática, quanto a realização de uma reação química 
independem dos conteúdos valorativos ou padrões culturais daqueles que as observam. 
O sistema resultante de tais processos apresenta uma absoluta coerência entre suas 
premissas e conclusões, sendo, portanto, concebido como um sistema formal.Todavia, 
quando se trata das chamadas ciências humanas e sociais, os resultados obtidos são 
profundamente influenciados pelo meio em que a pesquisa é realizada. Justamente neste 
ponto, se observa a grande limitação do uso da demonstração, como método de 
abordagem das ciências sociais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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O processo argumentativo apresenta natureza bastante diversa do processo 
demonstrativo, a começar pelo fato de que a demonstração prescinde de um interlocutor 
para que suas premissas sejam tidas como válidas. Seguidas as regras fixadas, a 
demonstração é tida como eficaz, desde que os resultados atendam à hipótese 
previamente estabelecida. Daí dizer-se que o processo pertinente à demonstração pode 
ser realizado até por uma máquina. Por outro lado, a argumentação pressupõe um "en-
contro de mentes", no dizer de Perelman, isto é, uma relação entre atores diferentes, para 
que se torne efetiva. Daí surgem as figuras do orador e do auditório. O orador é aquele 
que se dirige, oralmente ou mesmo por escrito, a um interlocutor determinado, o chamado 
auditório ou audiência, que pode ser formado por uma ou mais pessoas, das quais se 
busca a adesão a uma ideia proposta. Essa adesão é a finalidade maior do processo 
argumentativo, estando a eficácia do mesmo ligada diretamente a ela. Só há que sefalar 
em argumentação quando há uma inequívoca identidade entre a tese proposta e o 
auditório, de modo a criar um vínculo entre o orador e seus interlocutores. 
A argumentação se mostra bem mais adequada ao estudo das ciências humanas e 
sociais, por não trabalhar com uma lógica puramente formal, adotando procedimentos 
flexíveis, fundados em uma necessária interação entre o orador e o auditório. 
Diferentemente da demonstração, o discurso argumentativo destina-se a um auditório 
específico, cuja adesão é de vital importância. Em consequência disso, a argumentação 
tende a variar, conforme a composição do auditório e a natureza dos valores nele 
dominantes. 
2.2.3.2 — Requisitos da Argumentação 
 
a) REGRAS BÁSICAS — na argumentação é necessário que se estabeleçam 
determinadas normas que disciplinem a relação entre o orador e o auditório, a fim de que 
o processo de comunicação possa acontecer de maneira tal que permita uma efetiva 
troca de informações e uma satisfatória compreensão pelo auditório da tese proposta pelo 
orador. As normas podem até fazer parte do cotidiano daquele grupo, sendo 
implicitamente aceitas por todos, apesar de não expressamente formuladas; contudo, a 
sua existência é fundamental. 
 
b) LINGUAGEM COMUM — a linguagem utilizada deve ser compreensível por todos os 
membros do auditório. A argumentação lança mão da linguagem falada ou escrita, de 
complexidade variável, conforme o tipo de auditório a que se destina. Já a linguagem 
demonstrativa se apresenta de maneira puramente formal, dedutiva, podendo ser 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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simbólica (fórmulas físicas e matemáticas, por exemplo), mas certamente padronizada e 
continuamente reproduzida de modo idêntico, em face de qualquer auditório. 
 
c) TRIUNFO DE UMA CAUSA — enquanto a demonstração tem a pretensão de formar 
um conhecimento "verdadeiro", a argumentação tem como finalidade precípua a 
aceitação hegemônica de uma tese, por parte do auditório. A tradição formalista ocidental 
da "unicidade da verdade"15 mergulhou a retórica no ostracismo a partir da Era Moderna, 
sobretudo em razão de uma tendência racionalista de restringir a abordagem científica a 
esquemas matemáticos e de lógica formal. A Teoria da Argumentação reabilita a retórica, 
dentro do debate científico e principalmente no campo do Direito. Segundo Perelman, um 
argumento não é aceito por ser verdadeiro e sim porque é socialmente útil, justo ou 
razoável. O processo argumentativo também difere do demonstrativo, quando este último 
admite a existência de conhecimentos imutáveis e dotados de uma certeza científica. As 
teses argumentativas normalmente são admitidas em um local determinado, durante um 
certo período de tempo. Assim sendo, todo conhecimento resultante desse tipo de 
processo pode ser a qualquer momento contraposto de maneira eficiente, perdendo o seu 
caráter hegemônico. Na esfera da argumentação não existem teses falsas ou 
verdadeiras, uma vez que não se trata de um "jogo de soma-zero", em que há 
proposições absolutamente coerentes e proposições totalmente falsas. Em verdade, teses 
opostas podem estar interligadas em alguns aspectos ou até mesmo apresentar uma 
esfera de complementação, em relação àqueles pontos em que não se contradizem. 
 
d) PERMEABILIDADE DO AUDITÓRIO — é importante, ainda, que exista uma 
permeabilidade do auditório, para o conhecimento da tese proposta pelo orador. Se não 
há, por parte do auditório, qualquer ânimo de permitir a exposição de ideias pelo orador 
ou mesmo disposição para o seu conhecimento, torna-se impossível o estabelecimento 
de qualquer processo retórico. Nenhum argumento se estabelece sem a aceitação do 
auditório ou apenas através do uso da força. Nessa última hipótese, sequer se poderia 
cogitar de um processo argumentativo, mas apenas de uma imposição de ideias, pois é 
da essência da argumentação a contraposição de teses, a dúvida, o questionamento.Já 
no caso da demonstração, se trabalha com uma pretensão de certeza, sendo totalmente 
irrelevante a forma como se dá a relação entre emissor e receptor de certa informação. 
 
e) DISCURSO COMPATÍVEL COM O AUDITÓRIO — deve-se estar atento para o fato 
de que o processo decisório está submetido a outras variáveis, além do simples exercício 
retórico. A própria argumentação sofre limitações de ordem institucional e cultural, de vez 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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que o sucesso desse tipo de prática pressupõe a aceitação da decisão por parte daqueles 
a quem ela se destina e, para tanto, torna-se necessário que o discurso utilizado esteja de 
acordo com as expectativas dos ouvintes. Daí, a relevância de uma incursão pelas con-
dições psicológicas e sociais do ambiente onde se trava o processo argumentativo, a fim 
de buscar as razões que justificam o triunfo de determinada tese. E fundamental que o 
orador funde o seu discurso em premissas majoritariamente aceitas pelo auditório, 
mesmo que suas conclusões venham a ser diferentes daquelas nele dominantes. Esta 
exigência está intimamente ligada à permeabilidade da audiência ao discurso do orador. 
Sem que se estabeleça plenamente a comunicação entre os agentes, não há como 
persuadir o auditório da conveniência da proposta do orador. Em se tratando de 
argumentação, a receptividade do auditório é imprescindível e, para tanto, a tese proposta 
deve ser compatível com os valores dominantes naquele grupo cultural, mesmo que a sua 
eventual aceitação posterior resulte na mudança de tais valores. Em função disso, a 
argumentação é dotada de flexibilidade, podendo ser encurtada, ampliada ou mesmo 
modificada, a partir das reações daqueles a quem se destina o discurso. Por outro lado, 
quando se fala de demonstração, as conclusões são postas de modo imutável e sua 
essência independe de qualquer forma de manifestação da audiência. 
 
TEXTO DO PROFESSOR: NICODEMOS FABRÍCIO MAIA – PUBLICADO NA REVISTA DO 
MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – 
PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO NO ESTADO D1O CEARÁ 
 
NOTAS SOBRE AXIARQUISMO, AXIOLOGIA E IDEOLOGIA 
 
O Dicionário OXFORD de Filosofia define AXIARQUISMO como ponto de vista que sustenta a 
ideia de ordem natural governada ou explicada por intermédio de valores. As coisas são como são. 
São assim porque devem ser e nem poderiam ser de outro modo. A referência é ao objetivismo 
axiológico. Neste caso, a interferência humana nessa esfera seria irrelevante na construção de 
valores, visto que eles seriam dados. Quanto às origens, fundamentos, desenvolvimento e 
parâmetros sistêmicos, são funções inerentes à AXIOLOGIA. É fato que o Direito contemporâneo 
namora com os valores. Obras monumentais foram consagradas ao estudo dos valores na Filosofia, 
como a de JOHANNES HESSEN, Filosofia dos Valores, e o clássico nacional de ARTUR 
MACHADO PAUPÉRIO, Introdução Axiológica ao Direito, cuja primeira edição é de 1977. Não 
se devem definir valores, é a lição deixada pelos clássicos. A expansão valorativa da Carta Política 
brasileira é incontestável. Proposições jurídicas constitucionais, de natureza prescritiva, cedem 
espaço às axiológicas. Tudo isto tem sérias implicações na teoria da interpretação jurídica e sua 
paradoxal exigência, a neutralidade reclamada pela Ciência do Direito. O mundo natural está 
coberto de valores e o homem éum animal axiológico e ainda essencialmente hermenêutico, como 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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produto da natureza que é, tudo abalizado por HUSSERL e HEIDEGGER. É notável que a 
condição humana tenha como eixo central a consagração de valores fundamentais, arquétipos da 
existência terreal, por exemplo, o valor à vida, o desapreço e à fuga da morte, o amor ao sexo e a 
sanha pelo poder. Vem dos gregos a expressão PROAÍRESIS que quer dizer, segundo 
ARISTÓTELES, a escolha racional de uma ação pela avaliação de seu valor ético. Para PLATÃO 
esse signo remetia a princípios pelos quais se guiam as ações éticas e políticas. Já se sabe que o 
homem é um animal axiológico, um ser hermenêutico e agora é visto como animal social e 
político. Diante dessas afirmações indaga-se: o fenômeno processual da imparcialidade do julgador 
seria uma quimera? O Direito repousa sobre bases sociais verdadeiramente axiológicas. O 
intérprete do Direito estaria livre de suas convicções, crenças e valores? Comunga-se, como 
ZAFFARONI, com a definição de que “o juiz asséptico, imparcial, objetivo ou incondicionado é 
uma impossibilidade antropológica.” É na argumentação dialética que os valores vêm à luz. A 
verdade jurídica é puramente discursiva. O discurso somente vale dentro de contextos sociais. O 
debate tudo esclarece e leva ao consenso, base do contratualismo hodierno. O homem é corpo, 
mente e linguagem, já se disse alhures. O discurso dialógico é fundamental no processo judicial. 
Temos, neste ponto, uma forte vinculação entre axiologia jurídica e a semiótica do Direito da qual 
o intérprete não pode fugir. Invoca-se no contexto hermenêutico atual a chamada SOPHROSÝNE 
que, segundo MARILENA CHAUÍ, vem de SOPHRONÍZO que significa: tornar temperante, 
moderado, prudente, capaz de conter desejos, impulsos, paixões e de SOPHRONÉO que remete à 
sobriedade, temperança e modéstia. Não se pode abdicar de valores no processo de compreensão, 
interpretação e aplicação do Direito, pois eles formam a base da condição humana. O hermeneuta 
deve pautar sua formação nas chamadas virtudes cardeais, dentre as quais, destacam-se: a justiça, a 
sabedoria, a prudência e a coragem. Coragem de criar, de mudar, de ousar, de ficar na história. A 
razão é uma força criadora. Só o justo ficará em memória eterna. Toda tibieza será castigada! 
Acredita-se que os homens recebem e transmitem valores as gerações futuras. Parte desses valores 
é dada e nunca se deve saber de onde vem o que se sabe, dizia NIETZSCHE. A outra parte é 
construída e abre o caminho para onde vamos (relativismo axiológico). É também como base nos 
valores que criamos nossas ideologias. Crê-se que ainda que uma medida de valores é atribuída as 
nossas necessidades e outra as estimativas humanas. As estimativas baseiam-se em cálculos. 
Cálculos exigem compreensão e ponderação. Valores se chocam e valores dividem a humanidade. 
É indubitável também que o homem é um ser ideológico. Vivemos segundo nossas ideologias. 
Ideologias se constroem com base em valores. O Direito tem raiz ideológica. Para NIETZSCHE, o 
homem é um animal múltiplo, mentiroso, falso e impenetrável, sinistro e amedrontador para todos 
os outros animais por sua inteligência e astúcia. Duras palavras! Todos os elementos analisados 
participam, em proporções variadas, dessa mistura que se apresenta diariamente nos tribunais. Para 
CARDOZO, não há um só intérprete que não tenha participado de seu preparo. Os elementos não 
se misturam por acaso, algum princípio, ainda que não declarado, não articulado e inconsciente, 
pauta o resultado dessa infusão. Sempre há uma escolha calculada em valores. As forças 
conscientes podem ser classificadas e são reconhecidas como princípios que orientam condutas. É 
em razão dessas forças inconscientes que o intérprete mantém a coerência consigo e a incoerência 
com o Outro. É também nessa configuração mental que cada solução jurídica encontra seu 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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contexto de aplicação e permanência. O Direito é, nesse cenário, a arte da prudência, da moderação 
e da modéstia!

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