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o ofício do historiador e a escrita da história dos annales à

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REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 
 
 
 
 
 
O ofício do historiador e a escrita da História: dos Annales à 
pós-modernidade, da História às “histórias”. 
Stanley Plácido da Rosa Silva (SME/SP – São Paulo/SP, Brasil)* 
 
 
Resumo: Um dos grandes problemas que se coloca para o historiador é até onde vai o 
seu grau de convencimento em relação ao público leitor após a realização de um 
trabalho historiográfico. Nesse ponto, abre-se uma grande discussão no meio acadêmico 
sobre o objeto mais utilizado pelo profissional de História na realização de seu ofício – 
as fontes – e sobre a forma de se transmitir esse objeto, ou seja, a narrativa. Iniciando 
com um breve histórico sobre a trajetória e as transformações por que passou a ciência 
histórica no século XX, este trabalho busca discutir e analisar o uso da narrativa na 
escrita e transmissão do conhecimento histórico. Focalizando o impacto do retorno da 
narrativa e a ampliação do “campo da História”, discutiremos essa “redução de 
fronteiras” entre História e Literatura bem como o impacto que o paradigma pós-
moderno tem tido atualmente no fazer historiográfico. 
Palavras-chave: Escola dos Annales; historiografia; nova história; narrativa; pós-
modernidade. 
 
Abstract: One of the major problems that appears to the historians is regarded to 
his/her degree of convincement in relation to the readers after the realization of a 
historiografical work. At this point, a huge discussion is taking place among the 
academical area about the most used object by the historian professional in the 
realization of his/her job – the sources – and about the way to convey this object, in 
other words, the narrative. Beginning with a short historic about the trajectory and the 
transformation which the 20
th
 century historic science has been through, this work seeks 
to discuss and analyze the use of narrative in the writing and how the historic 
knowledge is being passing forward. Focusing the impact of the narrative returns and 
the ampliation of the “history field”, we will discuss this “frontiers reduction” between 
History and Literature as well as the impact of the postmodern paradigm in the actual 
historiographical making process. 
Keywords: Annales School; historiography; new history; narrative; postmodernity 
 
*
 Licenciado em História pela Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO (Campus São 
Gonçalo/RJ). Especialista em História do Brasil Pós-1930 pela Universidade Federal Fluminense – UFF. 
Mestre em História Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ/FFP. Professor de 
Ensino Fundamental II e Médio da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo/SP – SME/SP. 
E-mail: stanleyplacido@hotmail.com 
 2 
 
A tarefa de “contar histórias”, isto é, repassar e/ou transmitir experiências de 
uma geração à outra existe há muito tempo na humanidade. Contudo, é a partir de 
Heródoto, “pai da História”, que se vislumbram formas de se escrever a História, 
variando-se os gêneros, mas dando-se ênfase a História político-militar, dos grandes 
feitos e dos grandes heróis, num caráter primordialmente narrativo (BURKE, 1997, p. 
17) De Heródoto até a Idade Contemporânea, mais especificamente até meados do séc. 
XIX, a História sobreviveu sem um método, sem uma forma “científica e organizada de 
ser feita, não sendo considerada por muitos, uma ciência no sentido estrito do termo.” 
Diante dessa dificuldade em ser reconhecida como ciência e no afã de alcançar 
tal status, alguns historiadores sentem a necessidade de estabelecer regras e parâmetros 
para a ciência histórica. Assim, a História enquanto disciplina autônoma, com seus 
métodos e regras surge, efetivamente, no século XIX, num processo concomitante à 
formação dos Estados nacionais. Tendo na Alemanha sua grande impulsionadora no que 
diz respeito a esse processo de cientifização do campo histórico, marcando claramente o 
fim da História meramente narrativa e dando início a História-pesquisa, chegando ao 
último quartel do século com um método baseado principalmente na importância 
atribuída á documentação escrita, preferencialmente a oficial Posteriormente, essa 
corrente historiográfica seria conhecida como positivista ou então historicista. 
(ARÓSTEGUI, 2006, pp. 100-116). 
É consenso entre os historiadores as linhas gerais desse período da ciência 
histórica: considerar que o historiador não deveria auferir qualquer tipo de juízo em 
relação às fontes, que seu papel deveria ser de neutralidade, cabendo a ele apenas narrar 
e reproduzir o que diziam as fontes, a busca por leis gerais da História e, 
principalmente, o caráter científico, empirista, oposto, portanto, à filosofia. 
O período conhecido como positivista/historicista terá seu final anunciado 
desde os anos inicias do século XX, sendo que o marco definitivo dessa ruptura seria a 
fundação, em 1929, da revista francesa Annales d’histoire economique et sociale, sob a 
direção de Marc Bloch e Lucien Febvre (BURKE, 1997, p. 17-37). 
A chamada Escola dos Annales, juntamente com o marxismo, representou o 
grande paradigma historiográfico no período compreendido entre as décadas de 1920 e 
1970, caracterizando-se, grosso modo, pela busca de uma história total, a crença na 
 3 
inexistência de fronteiras entre as Ciências Humanas, a vinculação da pesquisa histórica 
com a realidade presente do historiador e a necessidade de se fazer uma História-
problema (CARDOSO, 1997, p. 7-10). O projeto da escola dos Analles era, claramente, 
um projeto imperialista a favor da História como eixo das Ciências Humanas 
(RIBEIRO, 2006, p. 5). Entretanto, mais que impor um novo paradigma historiográfico, 
a grande contribuição dos Annales para a História foi, nas palavras de Burke, “expandir 
o campo da história por diversas áreas”(BURKE, 1997, p. 126). 
Todavia, após décadas de predomínio na tradição historiográfica mundial e, 
não obstante, ainda existam muitos historiadores que se identifiquem com as idéias do 
grupo, não é muito difícil perceber que o movimento, enquanto escola e paradigma, 
começou a declinar na década de 1970 (CARDOSO, 1997, p. 9-10), momento em que o 
mundo conhecia o chamado “fim da Era de Ouro”, numa analogia à prosperidade que o 
mundo conhecera do fim da Segunda Grande Guerra até a data do período em questão 
(HOBSBAWM, 1995, pp. 393-420). No entanto, como assinala Aróstegui, a crise 
analisada por Hobsbawm não atingiu somente os campos econômicos e políticos do 
mundo, mas teve alcance também no campo da intelectualidade, das Ciências Sociais e, 
consequentemente, no campo da História (2006, p.176). 
Assim, por influência dos Annales, começa a delinear-se o campo da História 
Social como recorte historiográfico autônomo frente à história como um todo. Desse 
fenômeno, surgem propostas diversas de se reestruturar o campo da História, indo desde 
a history from the below até a micro-história (CASTRO, 1997, pp. 45-54). 
A “história vista de baixo”1, teve seu centro de produção e difusão 
concentrado, principalmente, na historiografia anglo-saxônica, tendo sido E. P. 
Thompson seu principal expoente. Com uma proposta inovadora, interagindo com a 
antropologia e a literatura, essa corrente ampliou consideravelmente o campo da 
História, dando voz a agentes e sujeitos até então desprezados pela historiografia 
clássica, como por exemplo, setores subalternos da classe trabalhadora, mulheres, e 
demais tipos comuns (CASTRO, 1997, pp. 50-52). 
Já a micro-história surge fundada na redução da escala de análise, também 
como opção à crise já citada da disciplina histórica. Não existe nenhum texto fundantedessa nova corrente historiográfica que tem possivelmente em Carlo Ginzburg e 
 4 
Giovanni seus principais expoentes, cabendo a Revista Quaderni Storici o papel de 
veiculadora de sua produção. 
Para Revel, a abordagem micro-histórica, mais que mudar o foco, muda 
também as descobertas, isto é, não apenas diminui o foco, mas altera seu significado. 
Logo, “[...]se propõe enriquecer a análise social tornando suas variáveis mais 
numerosas, mais complexas e também mais móveis” (1998, p. 23). No entanto, as duas 
abordagens citadas são apenas exemplos proeminentes dos vários campos que se 
abriram com o advento da Nova História em seu sentido mais amplo e da História 
Social nela inserida (BURKE, 1992a, pp. 7-25) que, todavia, terá sua hegemonia 
ameaçada no início da década de 1990, com o advento do pós – modernismo na ciência 
e nos trabalhos historiográficos (CARDOSO, 1997, pp. 3-4) 
O pós-modernismo na História pode ser descrito resumidamente, como o fim 
da crença em uma História total, globalizante, dando lugar a histórias. Desse 
pensamento, surge o ideário de que as grandes utopias mostraram-se impraticáveis. No 
ofício do historiador stricto sensu, resulta num exagerado relativismo que põe em 
dúvida a validade do conhecimento histórico, seu estatuto de verdade e a própria 
profissão do historiador em cheque, haja vista que até o ensino de História nos bancos 
escolares é questionado. Como podemos observar no escrito de Janotti ao nos alertar 
sobre tais perspectivas, 
 
A desqualificação do passado, como experiência político-social, foi absorvida 
até por grupos influentes de intelectuais que passaram a vê-lo, quase 
exclusivamente, como um conjunto de discursos dominados pos 
improbabilidades, inverdades, versões e memórias (2005, p. 43). 
 
O grande e principal objetivo da ciência histórica é a busca pela versão 
verdadeira, a mais plausível possível sobre um determinado período ou acontecimento 
histórico, procurando, dessa forma, uma melhor apreensão do que realmente aconteceu. 
Tal objetivo está explícito na própria etimologia da palavra que dá nome à ciência, isto 
é, a prática investigativa. 
Várias discussões surgem acerca da História enquanto ciência acadêmica. Uma 
dessas discussões que sempre vêm à tona é sobre sua forma de transmissão. Sendo esta 
transmissão desse conhecimento efetuada através, principalmente, de textos narrativos, 
alguns chegam a afirmar que entre um trabalho historiográfico e uma narrativa existem 
 5 
apenas diferenças sutis, com ambos sendo úteis na obtenção do conhecimento sobre o 
passado. 
Em interessante artigo, David Lowenthal procura discernir as congruências e 
incongruências existentes entre a história e a memória, afirmando que enquanto a 
primeira possui, certamente, algum grau de confiabilidade, haja vista as formas de 
confirmação do trabalho historiográfico, a segunda pode induzir a erros, pois ela pode – 
e frequentemente o faz – nos levar a enganos (1998, p. 104). 
No desenvolvimento de seu texto, Lowenthal acaba por chegar a um 
relativismo que, se não o é, beira o pós – modernismo, pois ao afirmar categoricamente 
que “[...] é impossível recuperar ou recontar mais do que uma pequenina fração do que 
ocorreu [...]” e que [...] nenhum relato histórico consegue recuperar a totalidade de 
qualquer acontecimento passado” (Ibidem, p. 111,) mais do que negar a existência de 
uma história total, nos moldes dos Annales, o autor nega a possibilidade de um 
conhecimento global sobre o passado, indo de encontro ao que Cardoso defende como 
não só perfeitamente possível como necessária (1997, passim). 
Após fazer um balanço bibliográfico acerca de estudos e escritos existentes no 
campo das relações entre historiadores e romancistas, Lowenthal enumera algumas 
razões para a validade tanto dos trabalhos historiográficos, propriamente ditos, como 
dos romances. O autor demonstrando simpatizar com os romancistas históricos e suas 
visões sobre o processo histórico, concorda com estes quando afirmam que também dão 
sua contribuição ao conhecimento histórico do “cidadão comum”, afirmando que, para o 
conhecimento destes “cidadãos” sobre a história, “o anacronismo ficcional é tanto 
desejável quanto essencial”(1998, p. 133). Neste sentido, o autor observa que 
 
Todos os relatos sobre o passado contam histórias sobre ele, e 
consequentemente, são parcialmente inventados; [...] Ao mesmo tempo, toda 
ficção é parcialmente “fiel” ao passado; [...] A verdade na história não é a 
única verdade sobre o passado; cada história é verdadeira em infinitas 
maneiras, maneiras estas que são mais específicas na história e mais gerais na 
ficção. (1998, 134) 
 
Como se pode perceber, o autor relativiza o status de verdade do conhecimento 
produzido especificamente por historiadores, dando a entender que a narrativa literária 
também está perto de fazê-lo. Embora esteja se referindo diretamente a romances 
 6 
históricos, sua interpretação dá margem a crer que “conhecer o passado” não cabe 
somente à ciência histórica. 
Se para o autor “A diferença entre história e ficção reside mais no propósito 
que no conteúdo.”(Ibidem, 134), não seria fora de propósito invocar as palavras de Peter 
Burke para demarcar claramente a diferença fundamental entre a História e a literatura. 
Segundo este autor “[...] os historiadores não são livres para inventar seus personagens, 
ou mesmo as palavras e os pensamentos de seus personagens”(1992b, p. 340). Assim, o 
objetivo último do historiador é a verdade, sendo que numa narrativa histórica é 
fundamental que a história tenha acontecido. (VEYNE, 1998, pp. 24-25) Logo, entre 
narrativa histórica e ficção com fundo histórico há um abismo mais que perceptível. 
A principal arma usada para desqualificar este conhecimento é o fato de que a 
História, como estuda o passado, não tem como conhecê-lo, isto é, apenas especula de 
que forma este, o passado, foi. Ora, sobre esse assunto Marc Bloch já comentava. 
Escrevendo sobre as características gerais da observação histórica ele, sutilmente, ataca 
quem ousa desqualificar o conhecimento histórico por ele ser “indireto”. 
De forma alguma Bloch questiona o fato do conhecimento histórico ser obtido 
de forma indireta, contudo, citando o exemplo do relatório de uma batalha que um 
general viesse a escrever, pondera que, mesmo presenciando globalmente a batalha em 
questão, para fazer um relatório completo este general precisaria dos relatórios de seus 
tenentes. Assim, na visão do autor, 
 
Todo conhecimento da humanidade, qualquer que seja, no tempo, seu ponto 
de aplicação, irá beber sempre nos testemunhos dos outros uma grande parte 
de sua substância [O investigador do presente não é, quanto a isso, melhor 
aquinhoado do que o historiador do passado.] (2001, p. 70). 
 
Neste ponto, Bloch certamente foi feliz em sua definição, já que tudo que 
sabemos e vivemos, compreendemos graças aos estudos históricos. Todavia, é sabido 
que o historiador jamais reconstitui o passado; no máximo, o representa e, não obstante, 
está em melhores condições de representá-lo do que aquele que vive o momento, pois 
este está impregnado pela situação e dispõe de um ângulo limitado para sua análise 
(GADDIS, 2003, pp. 15-22). 
Tendo isso em vista, cabe analisar os usos que o historiador faz de suas fontes, 
pois se conhecemos o passado de forma indireta, este conhecimento baseia-se, 
 7 
parafraseando Bloch, em vestígios (2001, p. 73) Logo, um artigo de E. P. Thompson 
ilustra de forma bastante esclarecedora os cuidados que devemos ter com nosso objeto 
de trabalho – as fontes – e, mais do que isso, como devemos narrar um “acontecimento” 
histórico. 
Em “Folclore,Antropologia e História Social”, Thompson propõe um diálogo 
sobre a importância do folclore e da antropologia no estudo e na pesquisa em História 
Social. Para isso, ele inicia sua interlocução criticando o uso de alguns costumes 
folclóricos em estudos antropológicos que adotam o ângulo, o prisma das classes 
dominantes, isto é, enxergam tais práticas a partir de suas concepções de cultura (2001, 
p. 227-230). 
Em seguida, para demonstrar sua tese, o autor utiliza um ritual inglês, muito 
disseminado entre trabalhadores, fazendeiros e outros, que ocorria por volta dos séc. 
XVIII e XIX e consistia na “venda” das esposas por parte destes. Neste ritual, as 
esposas eram expostas a público, com uma coleira em sua cintura ou pescoço e a pessoa 
que desse o maior lance a levaria consigo. 
Num primeiro momento, constatado através de relatos colhidos em jornais, 
percebe-se uma classe média constrangida com tal barbárie, e essa foi a posição aceita 
por alguns antropólogos. No entanto, após uma pesquisa mais apurada, a autor percebe 
que na verdade, o ritual consistia num divórcio, na maioria das vezes de um casamento 
já arruinado e contava com o consentimento da esposa, sendo que o comprador já havia 
combinado o preço com antecedência. Na opinião do autor, o gesto era uma forma de 
poupar o marido da vergonha do divórcio, havendo uma “suposta” venda e um gesto de 
benevolência por parte do marido, onde não havia nenhuma outra forma de dissolução 
do casamento. Mais ainda, tal ritual era mais humano que muitos dos atuais processos 
de separação em curso na atualidade (Ibidem, pp. 236-237). 
Ao inverter sua análise e considerar fontes não – clássicas, o autor consegue 
demonstrar que a escolha das fontes também pode alterar, decisivamente, o resultado de 
uma pesquisa histórica e sua narrativa. Não obstante, para uma melhor compreensão 
sobre a problemática da narrativa, torna-se importante discutir a opção que se faz entre 
História e histórias, ou seja, existe uma História, com H maiúsculo ou existem apenas 
histórias, diversas, casuais e distintas entre si. 
 8 
Quando Braudel escreve o artigo História e Ciências Sociais. A longa duração, 
ele faz claramente uma apologia da longa duração em detrimento da curta duração, dos 
eventos (1992, passim) Para o autor, ao que parece, os eventos seriam como os vaga-
lumes a brilhar durante a noite, ao passo que esta, longa, densa e contínua, equivaleria à 
História. Este artigo de Braudel, que pode ser interpretado como um desenvolvimento 
metodológico de seu livro sobre o Mar Mediterrâneo e Filipe II tem uma opção clara de 
História: a busca pela história total, tributária dos Annales. (Cf. ROJAS, 2003) 
Paul Veyne afirma que a História não tem linhas gerais, chegando a afirmar 
que os homens são os agentes maiores de sua história, através de sua liberdade. Com 
esta afirmação, o autor acaba polemizando, ainda que indiretamente, com o 
materialismo marxista que, ao atribuir às causas materiais papel central nas relações 
humanas e na produção social, desconsidera a própria vontade humana (1996, pp. 86-
89) Logo, na visão do autor, 
 
[...] a história é cheia de possibilidades frustradas, de acontecimentos que não 
se realizaram; ninguém será historiador se não perceber, em torno da história 
que se produz realmente, uma multidão indefinida de histórias compossíveis, 
de “coisas que podem ser de outra maneira” (Ibidem, p. 94). 
 
No concernente à forma de escrever, tal perspectiva leva o autor a afirmar que 
esta – a narrativa – depende do período, do objeto, da intenção, enfim, é permitido 
suprimir ou se alongar em determinados temas, pois a história depende 
fundamentalmente do que se quer contar. (Ibidem, p. 25-27) Todavia, como o próprio 
autor afirma, mais que narrar, a História tem também a tarefa de explicar (Ibidem, p. 
81), o que não chega a ser uma preocupação da literatura. 
A tendência atual é de utilizar a narrativa como forma de “atrair” mais leitores 
ao conhecimento da História, sob a alegação de que o romance seria mais interessante 
que uma obra historiográfica. Nesse sentido, ganha força a crença de que romances 
históricos têm muito mais a contribuir para o aprendizado histórico que um livro de 
História escrito por um historiador. Logo, uma tendência à história do cotidiano toma 
conta dos romancistas, com Sônia Sant‟Anna, ao justificar o porquê de escrever um 
romance histórico sobre a Inconfidência Mineira, afirmando que 
 
O que mais me fascina é o romance humano, pois, esquecem-se muitos, os 
personagens históricos foram também pessoas, e prefiro surpreendê-los no 
momento em que não sabem que serão um dia “personagens”. Trazer algo de 
 9 
novo sobre a Inconfidência, nunca foi minha intenção. Apenas tentei resumi-
la para atrair um público que não tem o hábito de ler História (SANT‟ANNA, 
2005. pp. 48-49). 
 
Nessa perspectiva, Jacques Revel declara-se contra os modelos engessantes da 
narrativa histórica, mostrando-se aberto a novas formas de se transmitir o conhecimento 
adquirido na pesquisa (1998, pp. 24-26). Observa que no campo da micro-história, 
alguns historiadores adotam técnicas narrativas que se opõem à maneira tradicional dos 
historiadores escreverem história. 
Dessa forma, o autor aponta que, nesse ponto, os historiadores dessa corrente 
historiográfica inovaram também na forma que o leitor experimentará esse 
conhecimento, dando a entender que, assim como o romance literário conheceu 
mudanças na sua escrita, com a história também deveria ocorrer o mesmo (Ibidem, p. 
34-38). 
Inegavelmente, a preocupação com a escrita da História e com o uso da 
narrativa tem seu marco inicial diretamente ligado ao movimento conhecido como Nova 
História. Surge como alternativa e crítica ao modelo por eles denominado estruturalista. 
Todavia, essa forma de escrever história é criticada por não dar conta da totalidade da 
História, isto é, abranger as múltiplas facetas de um período ou acontecimento histórico. 
Assim, visto desse modo, a opção ou não pela narrativa estaria no confronto entre 
analistas e narradores (BURKE, 1992b, pp. 327-333). 
No bojo dessa discussão não há como esquecer as palavras de Bloch, onde este 
escreve que não há para um escritor, “elogio mais belo do que saber falar, no mesmo 
tom, aos doutos e aos escolares.”(2001, p. 41). Todavia, a história não está fadada, para 
se fazer inteligível, a optar pela narratividade, não sendo a narrativa a única forma de 
representar a estrutura do processo histórico. Concordamos com Aróstegui quando este 
afirma que o ideal do discurso historiográfico é a busca pela explicação, ainda que esta 
não dê conta de todo o processo histórico. Como bem afirma o autor, “fazer 
historiografia não é „contar histórias‟”(2006, p. 415). 
A discussão é intensa e envolve, mais do que a escrita da história, o futuro da 
própria historiografia. A opção pela narratividade tem implicações claras sobre o 
trabalho e a reflexão do historiador que vão além do simples fato de escolher a melhor 
forma de transmitir o conhecimento histórico. O afã de obter uma “história bem 
contada”, privilegiando a narrativa literária, pode levar o profissional da história a 
 10 
deixar de fazer História e transformá-lo, na prática, em um romancista. Portanto, cabe 
ao historiador decidir a qual ciência irá se dedicar. 
História não é literatura, muito menos romance sobre o passado. Embora 
existam romances que procurem ter certa “fidelidade histórica”, o certo é que a tentativa 
de igualá-los não é frutífera. Não obstante, o uso da narrativa por historiadores também 
é algo muito complicado, pois nesta perde-se muito em qualidade histórica para se 
ganhar em qualidade literária, ouseja, escreve-se uma boa trama e esquece-se o 
compromisso que o trabalho historiográfico tem: a busca incessante pela verdade 
histórica “dos homens no tempo”, independente de sua beleza ou explicabilidade. 
 
1
 O termo, embora popular, apresenta algumas dubiedades que atrapalham uma conceituação específica 
sobre o que seria, exatamente, uma história vista de baixo. No entanto, seu uso mais comum está 
associado a uma historiografia voltada para as classes subalternas. Cf. BURKE, 1992a, p. 22. 
 
 
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