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Quais os fundamentos do caráter obrigatório do Direito Internacional Público? Inicialmente, é importante abordamos o que seria esse Direito Internacional Público (DIP), para isso, podemos utilizar o conceito de Valerio Mazzuoli ao dizer que é a ordem jurídica da Sociedade Internacional, ou seja, são normas, diretrizes, costumes, princípios, que norteiam a forma com a qual a Sociedade Internacional deve se comportar. Frente a esta compreensão, fica explícito a existência dessa sociedade internacional, divergente da sociedade nacional, por exemplo a brasileira em que existe um reconhecimento com identidade, sendo então na verdade uma comunidade (MELLO, p 47), na internacional há um reconhecimento com tolerância às diferenças entre as populações de vários países, não havendo uma identidade, o que seria bem difícil no meio internacional. O Direito Internacional Público surge justamente para coordenar essa sociedade, visto que não há uma entidade acima das outras capaz de ter uma jurisdição internacional, não existe um tribunal que seja responsável por julgar todos os atos dos atores da sociedade internacional. Há doutrinadores que defendem a necessidade de haver uma entidade que acabe subordinando as entidades internacionais, mas atualmente, isso não existe. O que ocorre é um equilíbrio de poder - “Balance of Power”, em que o interesse de uma nação poderosa será freado pelo interesse de outra nação. É importante ressaltar que hoje a Sociedade Internacional é composta não somente dos estados, mas também de indivíduos, como ONGs, Organização Internacional, etc. Este ramo do direito viria para alcançar a buscada paz mundial, entre outros objetivos. Dito isto, podemos apontar as fases do Direito Internacional, uma perspectiva acerca de sua evolução histórica. Ele tem origem no direito consuetudinário, ou seja, era pautado nos costumes, logo após vem uma fase jusnaturalista. Um dos primeiros autores a abordar sobre o que hoje se conhece como Direito Internacional foi Francisco de Vitório. Em sua época o comum era que as discussões entre os países fossem através de guerras, ele entendia que essa não era uma situação ideal, não poderíamos conviver com a guerra sendo uma normalidade, sendo assim, ele aborda a existência de uma sociedade natural. Na visão de Francisco Vitório, todo sujeito tinha o direito de ir a qualquer lugar e de ser bem recebido, de estar naquele local, seria uma autonomia do indivíduo. E que os estados deveriam garantir esse direito, havendo uma comunicação entre eles para assegurar essa liberdade. É a primeira vez que um autor iria tratar sobre o que seria cosmopolita. Para ele, resumidamente, haveria este direito natural, intocável; o direito de guerra, que só existe se for apontado um motivo para isso; e o direito das gentes (como alguns autores chamam o Direito Internacional), que regularia justamente as relações internacionais, em que todos teriam os direitos anteriormente citados, com os estados vinculados entre si. Dessa forma, Francisco de Vitória traz uma fase jus naturalista ao Direito Internacional. Outro autor muito importante quando falamos desse assunto é Hugo Grócio, tratado como o pai do Direito Internacional, mas ao analisarmos sua obra, percebe-se que este cita Francisco de Vitória, como sendo uma forma de base para suas ideias. Diferente de Vitória, ele não era teórico, viveu na prática o momento em que de fato a diplomacia entre os países funcionou, na época da guerra dos 30 anos, ao qual foi finalizada com o tratado da Paz de Vestfália. Hugo Grócio inaugura a etapa positivista através de seu trabalho, juntamente com o citado tratado. E, neste momento, o DI surge como um ramo autônomo. Na Guerra dos 30 Anos não adiantava apenas um país declarar paz, pois era uma guerra generalizada. Foi a primeira vez que através de tratados as relações deixaram de ser bilaterais e nasce um pensamento de multilateralidade. Após este tratado, a religião, através da Igreja Católica, deixa de ser o motivo para do poder monárquico, o que surge é a ideia de estado nação, sentimento nacional. Agora não há mais uma influência religiosa, e sim, a vontade da população, que legitima o governante para lhe representar. Através desse tratado, que seria um instrumento jurídico, foi dado materialidade ao DI. Hugo Grócio defendia que havia sim o direito da guerra, mas este deveria ser pautado em uma justa causa, que poderia ser: defesa do território e ameaça ao país, sendo a guerra um ato juŕidico. A partir da Paz de Vestfália, passa a ser comum o positivismo através de tratados, demonstrando uma obrigatoriedade desse ordenamento jurídico internacional. Um outro tratado que se passa no contexto histórico da época de Napoleão, é a Convenção de Viena, que tem a função de ainda mais consolidar a fase positiva do DI, criando a função de diplomacia dos países. Esse foi o período chamado de “Concerto Europeu”, um período de paz, sustentado juridicamente pelos tratados. Posteriormente, temos a evolução do DI, com o surgimento de uma escola positivista bastante importante, que é a voluntarista. Podemos citar, por exemplo, autores como Hans Kelsen e Emmer de Vattel. Estes, passam a analisar essa fase de paz vivida na Europa e se questionam o porquê dos estados terem que cumprir o DI, já que eram soberanos. Por que eram obrigados a cumprir com o que a Convenção de Viena determinava? A resposta que encontraram, resumidamente, estava pautada no princípio pact sunt servanda, ou seja, o Estado deveria cumprir com o acordo de vontades ao qual assinaram. Sobre o tema, o autor Marcelo Maurício aponta: A resposta para essa questão é uma construção doutrinária. Por via do pensamento de Kelsen (1881-1973), pode-se perceber a teoria jurídica conhecida como positivista-voluntarista; tal concepção responde à indagação acima positivamente e atribui a obrigação de cumprimento nacional aos mandos advindos da ordem jurídica internacional ao próprio consentimento estatal em sujeitar-se ao DIP. Ainda nessa corrente, Kelsen argumentava que os costumes seriam uma concordância tácita, enquanto os tratados eram uma concordância expressa. Há um reconhecimento da validade do DI, com a obrigatoriedade dele ser cumprido. Nesse contexto histórico, há a existência de duas fontes: os tratados e os costumes. Na SI atual o voluntarismo ainda tem o seu momento, pois os países continuam assinando tratado nos tempos atuais. Sempre que os tratados são assinados e descumpridos, uma das primeiras cartas que vêm à mesa é o Pact Sunt Servanda, com a exigência de seu cumprimento. Dando continuidade ao contexto histórico do DI, após o Congresso de Viena (Concerto Europeu), alguns países se fortalecem, como a Inglaterra e Rússia, dando justificativa a 1ª Guerra Mundial, esta só foi encerrada com o Tratado de Versalhes. Inicia-se então uma nova fase do DI, durante o entre guerras, com a 2 ª Guerra Mundial, vem o declínio da Teoria Voluntarista e o advento da Teoria Positivista Objetivista. Há a pergunta de como um país, que não assinou um determinado tratado, seria obrigado a mesmo assim seguí-lo. Nessa corrente temos outros autores, como Duguit, Scelle e Dupuy. A Teoria Positivista Voluntarista se preocupa principalmente com a forma, com os critérios que devem ser seguidos, por uma guerra, por exemplo. Os autores da corrente objetivista, voltam a beber da fonte que Franscisco de Vitória abordava, que era o que é ser justo, então, o que importa não é a forma, e sim, o conteúdo. Isso foi levantado justamente com a barbárie realizada pelos nazistas. Sendo assim, há a busca novamente pelo o que é ético, moral, pelo direito natural. Ainda há a obrigatoriedade, a forma, mas principalmente surge a necessidade proteger os direitos humanos, em alta na época. Juntamente com essa busca acima mencionada, agora tem a possibilidade de indivíduos, pessoas físicas, participarem das relações internacionais, não somente os Estados. Como exemplo é o caso do Tribunal de Nuremberg, em que nazistas foram condenados no tribunal internacional. Essacorrente, prega que no DI existe diretrizes que os países devem cumprir, independente de terem assinado tratados ou não. Como exemplo, podemos citar a Coréia do Norte, ela nunca assinou um tratado abrindo mão de produzir armas nucleares, entretanto, vem sofrendo embargos, que seria um tipo de sanção, por conta de suas atitudes acerca do assunto. É a busca pela paz mundial, que está acima da vontade de apenas um Estado. Ao falarmos sobre a corrente objetivista, é importante abordamos o tema de Jus Cogens, que seria algo como direito cogente, algo imperativo. Diante do que falamos acima, é totalmente plausível fazer essa ligação. O autor Accioly em sua obra, aponta que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados acolhe a noção de Jus Cogens em seus artigos 53 e 64, em que, resumidamente, declara que uma norma de DI deve ser cumprida e não pode haver outra que a revogue, podendo apenas ser modificada por outra norma de DI. Se algum Estado descumprir algum direito considerado muito importante, como direitos humanos, a SI iria intervir de alguma maneira. Sendo assim, analisando o que tudo foi dito anteriormente, o DI tem sua obrigatoriedade diferente em cada um dos seguintes pilares. No jusnaturalismo, com Francisco de Vitória, havia a obrigatoriedade pautada nos valores que envolvem o direito natural, por exemplo, no que seria uma guerra justa. Na corrente voluntarista, o DI é obrigatório porque é positivista e aquele que estaria vinculado a um tratado, deveria cumprí-lo. Já na corrente objetivista, há uma repaginação, o que importa não é somente a forma, mas a ética, a moral, o direito natural, ou seja, o conteúdo. Os valores da SI ressurge. Ainda sobre o caráter obrigatória do DI, podemos citar doutrinadores que pensam o contrário de tudo que foi dito até agora. Que pare eles o Estado diante de sua soberania, não precisa cumprir com aquilo que o DI determina, o direito interno nacional seria a máxima forma de organização a ser seguida, não cumprindo com os princípios do DI. Seria uma visão de um constitucionalista. Em que a CF estaria acima do DI, de uma norma Jus Cogens. Mas, para a doutrina internacionalista, a visão é diferente, seria justamente o contrário, uma CF que afronte uma norma considerada Jus Cogens, não deveria ser considerada. Surge então uma primazia do DI, em que este estaria acima de uma norma de direito interno. É o caso da influência de OIT, por exemplo, em nosso ordenamento. Diante dessa primazia, o que pode-se concluir é que o DI tornou-se um princípio geral aos olhos dos internacionalistas. Ao falarmos sobre essa primazia, temos duas correntes: dualismo e monismo. O primeiro, adotado pelo Brasil, considera a existência de um direito interno e outro externo, sendo estes independentes. Dessa forma, a norma internacional deveria ser incorporada pelo direito nacional. Já o monismo, defende a primazia de fato do DI, defendido por Kelsen, não haveria a necessidade de incorporação, já que o direito é um só. Entretanto, mesmo o Brasil sendo dualista, fica claro que é um dualismo moderado e que existe sim a obrigatoriedade de cumprir o DI, visto que em nossa Constituição Federal há determinação expressa para tal em seus artigos 4ª e 5. Ou seja, é o direito interno reconhecendo a existência do direito externo, não só a influência, como também a sua aplicação. Fica claro, diante de tudo exposto, a obrigatoriedade do DI, bem como sua a relação entre direito interno e externo. Bibliografia ACCIOLY, Hidelbrando. Manual do direito internacional público. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BIANCHINI, ALICE; GOMES, Luiz Flávio. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2012. MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. SALES, Antonio Patatativa de. Bartolomé de las Casas e Francisco de Vitoria: filosofia política e moral no debate sobre o direito natural e o direito das gentes no Novo Mundo. Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 28, maio-ago. 2012. SILVA, Marcelo Mauricio da. Integração e trabalho decente. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2016.
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