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(1996) Re-significando a psicologia do desenvolvimento Em:
Kramer, S. & Leite, M. (orgs.), Infância: fios e desafios da pesquisa. Cam­pinas: Papirus.
	(l 994) Infância e Linguagem - Bakhtin, Vygotsky e Benjamin.
Campinas: Papirus.
	& RABELLO DE CASTRO (1997/8) Pesquisando com crian­
ças: subjetividade infantil, dialogismo e gênero discursivo. Em Psicologia
Clínica - Pós-graduação & pesquisa v. 9 - Departamento de Psicologia/
PUC-Rio.
LIPOVETSKY, G. (1983) A era do vazio. Antropos, Lisboa:Relógio
D'Água Editores Ltda.
PESSANHA, J. A. (1992.) As delícias do jardim. Em: Novaes, A. (org.)
Ética. São Paulo: Companhia das Letras.
POSTMAN, N. (1999) O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro:
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sumo. Rio de Janeiro: Nau.
RUSHKOFF, douglas. (1996) Playing th e future. Harper Collins Publishers, NewYork. SARLO, B. (1997) Cenas da Vida Pós-moderna. Rio de Janeiro: UFRJ.
 TUDO AO MESMO TEMPO AGORA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFÂNCIA NO PRESENTE
Rita Marisa Ribes Pereira
"... estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que
de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo
instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um
instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses
instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício
eles espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do
tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria
natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me
escapa, a atualidade sou eu no sempre-já."
Clarice Lispector
"Perdeu. Você Perdeu. Perdeu de novo."
CNN
Vivemos uma época marcada pela velocidade. O sucedâneo de informações com que nos deparamos a cada dia vai assumindo como que um ritmo próprio, desafiando nossa capacidade de compreen­são. O mundo inteiro ao alcance do mouse. Quinhentos canais de televisão e um controle remoto em permanente zapping. A tela da TV dividida em quatro e nossa míope liberdade de opção. Cada piscada de olho é um acontecimento perdido: "perdeu, você perdeu, perdeu de novo". Trabalho. Cuidar dos filhos. Escola. Dever de casa. Cuidar dos irmãos. Judô. Balet. Inglês. Informática. Copa do mundo. Reu­nião na escola. Final de semana em frente ao computador. Atraso e ansiedade. Somamos, ao final do dia, mais afazeres do que de fato ele comporta e acalentamos as frustrações das experiências não vividas protelando-as para um tempo que nem sabemos se virá - mesmo porque talvez uma vida inteira não bastaria para vivê-las todas...
 
 Nesse ritmo incessante, inaugurado pelo modo de produção ca­pitalista e exacerbado pelas revoluções tecnológicas contemporâneas, vamos construindo novos modos de experimentar a vida, pautados na dispersão, na simultaneidade, na superficialidade. Condenado a ser um eterno presente, o cotidiano parece abdicar de sua historicidade e o tempo vivido vai perdendo seu caráter processual. E como se acordássemos todo dia, anestesiados num contexto essencialmente novo, originariamente novo, sem marcas ou apelos do passado e como se nossos atos não contivessem uma força prospectiva.
Ítalo Calvino, em seu conto "As cidades contínuas l", ajuda-nos a dar visibilidade a essa avidez pela novidade:
"A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população acorda todas as manhas em lençóis frescos, lava-se com sabonetes recém-tirados da embalagem, veste roupões novíssimos, extrai das mais avançadas gela­deiras latas ainda intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos da Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais, recipientes, materiais de embalagem, mas também aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas ven­didas compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes, e não o de expelir, de afastar de si, expurgar uma impu­reza recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez apenas porque uma vez que são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longe; a imponência dos tri­butos aumentam e os impostos elevam-se, estratificam-se^estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quanto mais Leônia se su­pera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à fermentação e à combustão. E uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados como uma cadeia de montanhas.
 Quanto mais cresce em altura, maior é o perigo de desmoronamento: basta que um vasilhame, um pneu velho, um garrafão de vinho se precipitem do lado de Leônia e uma avalanche de sapatos desemparelhados, calendá­rios de anos decorridos e flores secas afunda a cidade no passado que em vão tentava repelir, misturando com o das cidades limítrofes, finalmente eliminadas — um cataclismo irá aplainar a sórdida cadeia montanhosa, cancelar qualquer vestígio da metrópole sempre vestida de novo. Já nas cidades vizinhas, estão prontos os rolos compressores para aplainar o solo, estender-se no novo território, alargar-se, afastar os novos depósitos de lixo.'
Em que medida, na sociedade de consumo em que estamos imer­sos, não nos transformamos em convictos cidadãos da fictícia Leônia? O que temos a dizer sobre nosso incondicional apreço pela novidade - as tendências de moda que se estendem do vestuário aos modos de ser? A geladeira que se torna velha antes mesmo de sair da loja. A roupa que "não estão usando mais". A vitrine que nomeia os utensílios de que "preciso". O "campeão de audiência" que ainda não foi lançado. Os autores que a academia glamouriza ou esquece.
Nesse ritmo de vida, lembra-nos Konder (1995),
"o passado vem sendo, cada vez mais, reduzido a umas tantas imagens pitorescas, que não dizem nada de essencial ao olhar dos nossos contem­porâneos. As informações que o público recebe sobre o que aconteceu antes não consegue competir com o interesse desesperado pelas informações relativas ao que está acontecendo agora. E o resultado é um enfraqueci­mento, uma derrota da sensibilidade histórica."
A conseqüência disto, avisa-nos o autor, é a capacidade que o passado tem de, mesmo expulso da nossa consciência pela porta da frente, voltar pela porta dos fundos sob a máscara e a fantasia de uma falsa novidade, condenando-nos à sinistra e regular repetição da His­tória:
"Se nos tornamos anêmicos em nossa capacidade de rememoração, nossa identidade se torna rarefeita e empobrecemos a compreensão que precisa­mos ter de nós mesmos. Como dizia Goethe (e repetia Santayana): quem desconhece o passado condena-se a repeti-lo. A observação vale tanto para os indivíduos como para as coletividades. A pessoa que se recusa a fazer uma revisão crítica do caminho percorrido e de suas reações psicológicas
 
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acaba repetindo compulsivamente, neuroticamente, ao longo de sua vida, essas reações estratificadas, sem mudanças significativas. E os grupos hu­manos que insistem em ignorar as experiências vividas por seus predecessores acabam marcando passo, incorrendo em velhos erros e reiterando velhas besteiras, sempre na convicçãode que estão empreendendo algo novo" (Konder, 1995).
O que significa não reconhecer no tempo seu caráter histórico? Quais as conseqüências éticas a extrair de um sujeito que não se sabe pertencente a um contexto histórico e social mais amplo? Sob que princípios e valores orienta suas ações? Em que medida é possível recuperar ao presente sua dimensão histórica, processual?
"enquanto não enxergamos a dimensão histórica de um ser, de um objeto, de um fenômeno, de um acontecimento, não podemos aprofundar, de fato, a compreensão que temos deles. É o movimento histórico que passa por todas as coisas e permanentemente as modifica que as torna concretas. [...] Se o sujeito se abstrai do fluxo em que existe o objeto, em que se verifica o fenômeno, em que se dá o acontecimento, ele afinal se incapacita para conhecer aquilo com que se defronta. Falta-lhe a possibilidade de pensar a ligação particular que está percebendo e o seu não ser, isto é, aquilo que ele já foi (e não é mais) ou aquilo que ele ainda não é (mas vai se tornar). (Konder, 2001, p. 18.l)2
Buscando articular estas reflexões à experiência do ciclo da vida, vamos encontrar, no contexto contemporâneo, uma infância impelida precocemente à jovialidade e uma concepção de velhice tratada como exílio ou fínitude. Que implicações buscar entre a tão sonhada "eter­na juventude" e a eternização do presente? Como adultos e crianças se deparam com a experiência da temporalidade?
É certo que as inumeráveis atividades e situações cotidianas se apresentam indistintamente para adultos e crianças, posto que deri­vam de uma base social comum. Entretanto, o modo como cada gru­po dá sentidos a essas experiências é singular. Para o adultos.., estas se apresentam em forma de problema — prático ou filosófico — a resol­ver. Já para a criança, o desvendamento desse rrvundo, bem como a compreensão das transformações históricas - seja daquilo que a ante­cedeu, seja daquilo que testemunha em seu (curto) percurso de vida - encontra-se circunscrito na esfera do lúdico e é atuando nessa esfe-
 rã que originariamente a criança passa a tomar consciência das suas intervenções e a re-significar o lugar social que ocupa3. Assim, ocu­pando lugares sociais distintos, adultos e crianças constróem senti­dos em que se implicam mutuamente: como é constituído o mundo que o adulto oferece à criança? Por que o constitui de tal maneira? Quais seus objetivos? Qual o lugar da criança? E o mundo infantil, como se constitui? Qual o lugar, nele, reservado ao adulto? O que dizem um ao outro? O que esperam um do outro?
Na interface dessas indagações, adultos e crianças estabelecem entre si uma relação por natureza alteritária: impossível compreen­der isoladamente as transformações dos modos de ser adulto ou de ser criança, uma vez que pensar os desígnios da infância implica ne­cessariamente pensar as condições e os projetos específicos da vida adulta e vice-versa. Essa relação alteritária envolve um processo his­tórico e social, cuja origem situa-se na consciência da diferenciação entre a infância e a vida adulta e cujos desdobramentos se expressam nas transformações dos modos como adultos e crianças se posicionam frente a essa diferenciação. Recuperar a processualidade dessas trans­formações demanda uma recontextualização histórica da infância onde se possa
"...buscar dentro de cada formação social, a contribuição prevalente de significados atribuídos à infância, articulando-os ao leque das representa­ções que, no imaginário social, se relacionam com os diferentes momen­tos da existência humana na sua trajetória de vida, desde a concepção até a morte. Desse modo, as representações sociais sobre a infância têm a ver com as representações sobre os outros momentos da existência, assim como, com aquelas imagens e representações que, de um modo mais amplo, di­zem respeito ao sentido da Vida, da Morte, da .passagem do Tempo, das relações com os outros. Outrossim, emprestar um sentido de construção histórica à infância implica analisar como as práticas socioculturais (se­jam elas os discursos, as ações e as instituições) possibilitam, circunscre­vem e determinam certos tipos de experiência durante a infância" (Cas­tro, 1998, p. 23).
O que significa pensar a infância, buscando manter vivas as con­tradições do seu devir? Em que contextos a infância nasce e "desapa­rece" enquanto categoria social específica? Em que contexto renasce
 
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cm forma de questão? É nesse sentido que a visada histórica à con­cepção de infância se apresenta como possibilidade de aferição de um sentido histórico e político para o presente. Como se apresenta a ex­periência contemporânea da infância? Como adultos e crianças vêm desenhando sua inalienável relação?
A INFÂNCIA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL
A construção de um conceito de infância pauta-se prioritariamen­te na diferenciação frente ao mundo do adulto e está ligada à tomada de consciência, por parte do adulto, dessa diferenciação. Essa cons­trução deu-se de maneira articulada a toda uma conjuntura que es­boçou a chamada época moderna bem como o surgimento e a con­solidação dos modos de produção capitalista, dito de outro modo, junto ao nascimento de um novo conceito de homem, caracterizado por Konder4 como um sujeito autônomo, empreendedor e competitivo. O conceito de infância tomou forma, portanto, testemunhando amplas e profundas transformações: a organização de agrupamentos familiares mais restritos, os processos de individualização e o surgi­mento da dicotomia indivíduo-comunidade, a delimitação entre as práticas públicas e as privadas, a substituição das solidariedades cole­tivas por práticas individualizadas e segmentadas, o desenvolvimen­to de uma arquitetura voltada ao recolhimento e à introspecção, a hegemonia da leitura e da escrita como tecnologias de comunicação, o pensamento científico assumido como critério de verdade, o deslo­camento de uma ontologia pautada na transcendência cristã para uma epistemologia onde o homem definitivamente coloca-se como cen­tro do universo e também do conhecimento (Aries, 1981, 1993).
Nesse contexto, o olhar então metódico lançado para a criança surge como metáfora de uma investigação que os homens faziam so­bre si mesmos. Na medida em que a razão/ciência despontara como critério de verdade e definidora das possibilidades de conhecimento, o próprio homem tornou-se objeto a espera de unia explicação e a infância, momento da vida em que a razão confunde-se à instância mítica, passou a ser vista como objeto privilegiado para uma ciência comprometida com o desencantamento do mundo e seus projetos
 educativos para a nova sociedade em formação. No recorte específico deste estudo, poder-se-ia contextualizar estas transformações na Eu­ropa dos séculos XVI a XIX. Entretanto, compreendendo que a his­tória não se desenvolve numa perspectiva homogênea e linear, como bem nos mostra a filosofia benjaminiana (Benjamin, 1987), há que ponderar que cada sociedade vai colocar-se de maneira particular fren­te a essas transformações.
Se a concepção de infância remete a uma construção histórica, cabe frisar, ainda, que os próprios conceitos (todos eles) são também historicamente produzidos, marcados pelo contexto que lhes vê nas­cer e constantemente postos em xeque pelas épocas vindouras e as novas exigências por elas desencadeadas. Por isso mesmo, toda cons­trução conceituai é datada e, por natureza, cercada de problemas, uma vez que implica a nomeação/delimitação abstrata de fenômenos que - à margem da tarefa conceituadora - se mantêm em permanente devir. Todo conceito representa uma vontade de compreensão e não o esgotamento compreensivo dos fenômenos. Nesse sentido, a conceituação da infância apresenta também os seus problemas, entre os quais merece destaque a recorrência vigente a um conceito único de infância, insuficiente para abarcar a multiplicidade das experiências da infância. Dessa nova demanda conceituai vão se circunscrevendo novas variáveis a serem assimiladas pelos pesquisadores da infância -diferenças de classe sociale de culturas, relação com os modos de produção, escolarização e trabalho, legislação etc.
Frente à multiplicidade dessas variáveis, opta-se, no presente tex­to, por uma abordagem da experiência da infância - vista aqui como diferenciação do mundo adulto - que toma, para fins de demarcação histórica, dois contextos distintos: um, o seu clássico "surgimento (Aries, 1983), entendido como construção social moderna atrelada às demandas da constituição dos modos de produção capitalista pau­tados na esfera da produção; outro, o seu suposto "desaparecimento" (Postman, 1999), visto como construção pós-moderna atrelada à expansão do capitalismo em escala planetária deslocada para a esfera do consumo, que, de uma maneira geral, tem sido localizado a partir da segunda metade do século XX.
 
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No primeiro contexto apresentado, a criança é vista como de­pendente do adulto, na medida em que não está, de fato, inserida no processo de produção — central nesse momento do capitalismo. Por isso mesmo, é tratada como ser incompleto que precisa ser educado sob a lógica desse sistema econômico/cultural. Nessa perspectiva, ainda hoje vigente, a infância passa a ser vista de maneira paradoxal: por um lado, é tratada como símbolo de pureza, livre ainda das implica­ções trazidas pelo mundo do trabalho; por outro, é associada à idéia de futuro e passa a ser olhada a partir daquilo que ainda não é, mas que, supostamente, se tornará, orientado, ainda, pela lógica do tra­balho e da produção. Essa visão da infância como uma realidade a constituir-se no amanhã encontra respaldo na ideologia do progres­so e suas promessas de felicidade difundidas principalmente a partir da revolução industrial. O que você vai ser quando crescer!'A pergunta tantas vezes repetida pelos adultos ajuda a perceber o quanto a infân­cia tem se apresentado como uma experiência prospectiva, esvaziada de sentido no seu presente.
As mudanças nos modos de compreender a vida não podem ser descoladas das transformações tecnológicas, nascidas da insatisfação com os instrumentos vigentes e desenvolvidas a partir da vontade de uma nova forma de percepção. Desse modo, as transformações tec­nológicas não fornecem de imediato a consciência do seu significado àqueles que a produziram, na medida em que são almejadas por eles ainda na sua condição de técnica. Entretanto, para as gerações futu­ras, as transformações possibilitadas por essa técnica já se apresentam sob a forma de cultura, permitindo, por isso mesmo, uma visada até então impossível aos olhos de quem a engendrou. Exemplo disto, a dificuldade com que os adultos lidam com muitos aparatos tecnológicos por eles construídos e a desenvoltura das crianças frente a esses mesmos aparatos. De forma lúdica, tornam-se tradutoras, para o adulto, de um novo tipo de cultura, engendrada pelo adulto, po­rém, a ele ainda estranha.
No contexto em que vivemos, onde as novas tecnologias têm sido tema recorrente no campo educacional, talvez seja oportuno ponde­rar que cada época engendra aquilo que, ao seu tempo, pensa ser a
 mais avançada das invenções. A criação da imprensa, por exemplo, hoje assimilada e até mesmo esquecida, teve papel primordial na cons­trução desse novo homem trazido à luz pela época moderna, trazendo junto dele, os elementos para consolidação de uma compreensão de infância. Nesse sentido,
"uma máquina pode nos fornecer um novo conceito de tempo, como fez o relógio mecânico. Ou de espaço e escala, como fez o telescópio. Ou de conhecimento, como fez o alfabeto. Ou das possibilidades de aprimorar a biologia humana, como fizeram os óculos. Como ousou dizer James Carey, podemos descobrir que a estrutura de nossa consciência vem sendo remo­delada para corresponder à estrutura da comunicação; e que nos torna­mos aquilo que fizemos." (Postman, 1999, p. 37)5
A exigência de uma aprendizagem específica para a leitura e a escrita, desencadeada pela criação da imprensa- prática assumida pela escola e amplamente difundida na época moderna, tornada univer­sal principalmente a partir da revolução francesa - não somente aju­dou a dar consciência ao adulto da sua diferenciação frente à criança, como também fez por reafirmar seu compromisso com a sua educa­ção, educação esta compartilhada pela família e pela escola (Postman, 1999). Isto implica dizer que junto com a modelação de um conceito de infância, tomaram forma também outros conceitos de família, de escola e de educação, vista a partir de então como um investimento numa nova sociedade em formação. No que se refere especificamen­te à escola, um dos grandes diferenciais que se pode perceber diz res­peito à organização das turmas que gradativamente passou a obede­cer critérios etários, substituindo as antigas "classes" em que adultos e crianças aprendiam juntamente. Esse novo tipo de agrupamento — hoje posto em questão uma vez mais — pode ser visto como expressão de uma época que não somente começava a perceber a diferenciação entre adultos e crianças, mas que passava a construir um compreen­são do que hoje chamamos de desenvolvimento infantil.
Buscando não perder de vista a dimensão política dessas trans­formações institucionais, Guattari (1987) pondera que vamos encon­trar tanto na família quanto na escola — ao longo de suas histórias — um compromisso sistemático com a formação de um tipo de socie-
 
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dade. Assim, encontramos não somente índices de um projeto emancipatório mas também diferenciados sistemas de coerção física e material entendidos como ensinamentos necessários ao mundo da vida industrial naquele momento em expansão — desde o castigo e a palmatória até práticas mais amenas como o falar apenas quando solicitado, a fila, a hierarquia etc. Assim, segundo o autor, os rituais de iniciação à vida adulta eram também os rituais de preparação para o mundo capitalista da produção, bem como para o mapeamento cultural da divisão social do trabalho e das relações de poder — pre­sentes também na relação entre adultos e crianças.
Reservadas as particularidades das diferentes sociedades e das maneiras como cada uma vem se relacionando com os processos de globalização da economia e da cultura, podemos dizer que, no con­texto contemporâneo das sociedades ocidentais, a relação entre adul­tos e crianças tem sido marcada por um desconforto oriundo da im­precisão dos lugares ocupados por cada um. Deparamo-nos hoje com uma crescente dificuldade em precisar a linha divisória que separa a infância da idade adulta: por um lado, percebemos a infância marcada por um amadurecimento precoce, adultizada, envolvida em práticas até então próprias ao adulto, quer seja o trabalho, a erotização ou a criminalidade. Por outro lado, percebemos um adulto que recusa-se a amadurecer, respaldado nas promessas da eterna juventude procla­mada pela estética do consumo (Kehl, 1998)6. Como desdobramen­to disso, temos um esvaziamento do lugar do adulto no que se refere às suas responsabilidades frente à criança, que, por sua vez, experi­menta a controvertida aventura do "virar-se sozinho". Nesse contex­to, paradoxalmente, a criança é impelida a tornar-se "superpoderosa" ao mesmo tempo em que é também a "esquecida" (Kincheloe, 2001; Jobim e Souza, 2000).
O desconforto que permeia a relação adulto/crianca na contemporaneidade, no entanto, não se constitui numa experiência isolada, mas traz no seu entorno os contornos sociopolíticos da lógica do ca­pitalismo tardio ou pós-industrial: a desterritorialização do capitalis­mo e a centralização na esfera do consumo, os novos agrupamentos familiares distintos dos arranjos nucleares tradicionais, a fragmenta-
 cão da vida cotidiana, a inversão das instâncias públicas e privadas, a centralidade da mídia, a hegemonia das tecnologias eletrônicas e vir­tuais nos processos de comunicação, a pulverização dos espaços de saber (Jameson, 1996; Sarlo, 1997).
Na sociedade de consumo (Baudrillard, 1995), a criança não mais é colocada como dependente do adulto, seja no âmbito mais amplo da esfera econômico-política, seja no plano mais restritoda vida fa­miliar e escolar, mesmo porque, o lugar que o mercado concedeu para a criança tem sua história intimamente ligada às transformações das relações entre adultos e crianças. Olhada inicialmente como filho de cliente para quem eram destinados principalmente bens materiais e culturais que se ofereciam a ela à margem da sua opinião, a criança aos poucos foi elevada ao status de cliente, isto é, um sujeito que com­pra, gasta, consome e, sobretudo, é muito exigente. Tão exigente quê" o mercado se moldou a ela, em nome de formar, desde cedo, um cli­ente fiel: carrinhos de supermercados em tamanho pequeno, shoppings dedicados somente à crianças, espaços destinados para festas, o "re­conhecimento" do seu lugar privilegiado de ser protagonista e espec­tador dos anúncios publicitários (Capparelli In: Garcia et alii, 1996). Tais transformações dos modos de ser e de relacionar-se, segun­do Guattari (1987), deve-se ao fato de que a modelagem da infância pelo mundo adulto tem sido pautada cada vez mais pelas semióticas dominantes por ele engendradas e tem se limitado ao nível do domí­nio das técnicas — de aquisição da linguagem, escrita, desenho etc— sem levar em consideração as questões micropolíticas que lhe consti­tuem. Com isso, os rituais de iniciação aos meandros da vida adulta não mais se circunscrevem a períodos precisos ou cerimoniais, mas efetivam-se em tempo integral. O autor salienta que a iniciação deixa de ser uma experiência interpessoal orientada pelas demandas da vida adulta e pelas aprendizagens por elas implicadas e se transforma num processo de
"iniciação ao sistema de representação e de valores do capitalismo que não mais põe em jogo somente pessoas, mas que passa cada vez mais pelos audiovisuais que modelam as crianças aos códigos perceptivos, aos códigos de linguagem, aos modos de relações interpessoais, à autoridade, a 
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hierarquia, à toda a tecnologia capitalista das relações dominantes" (Guattari, 1987, p. 51).
Os sistemas de coerção hoje se colocam no plano simbólico e se revelam, segundo o autor, tanto pela inibição da capacidade de ex­pressão quanto pela adaptação aos valores e comportamentos domi­nantes, iniciação esta que se dá no campo da linguagem e se apresen­ta à criança cada vez mais cedo. Essa educação não mais se restringe à família e à escola — embora também aconteça no interior destas —, mas expande-se a todas as esferas da vida cotidiana, desde os discur­sos interpessoais até às formas tecnológicas rnais complexas da comu­nicação humana, entre as quais, especificamente, destacamos as ima­gens técnicas e os audiovisuais em geral. Diferentemente da lingua­gem escrita, pautada numa lógica linear e num modelo de abstração conceituai, cuja aprendizagem situa a criança como dependente do ensinamento do adulto, o mundo das imagens técnicas e dos audio­visuais não exige nenhuma formação prévia para o seu desvendamento, ainda que impliquem maneiras novas de produção e recepção. Isto significa dizer que a imagem — ela mesma — nos educa, independentizando-se do sujeito mediador, condição imprescindível à aprendi­zagem da escrita.
É nesse contexto que podemos perceber a mídia adquirindo o status de um saber institucionalizado que informa sobre diversifica­dos temas e, entre eles, a infância, seja de modo explícito nos discur­sos sistematizados, seja implicitamente, nas imagens ou mesmo pelas técnicas utilizadas. Vem mostrando, com isso, instigantes interfaces com outras áreas do saber, dentre as quais, a psicologia e a pedagogia. Isto implica pensar de maneira mais ampla o próprio conceito de educação e as condições de produção e divulgação do conhecimento na contemporaneidade.
Proferida e educada pelo mundo das imagens, a criança experi­menta a seriação, o choque, a descontinuidade, a sobreposição, a simultaneidade, a virtualidade, a hiper-realidade etc.,_elementos para­digmáticos da cultura desencadeados pela fotografia e pelo cinema mas cujas mudanças operadas talvez só se façam perceber hoje com as tecnologias eletrônicas e digitais, seja na televisão ou no ciberespaço
 
 (Machado In: Flusser, 1998). Enquanto para o adulto tais transfor­mações tecnológicas se apresentam filosoficamente como um proble­ma e implicam sempre uma readequação dos modos de pensar e de viver, para a criança elas se apresentam como constituintes quase que imediatas da sua vida psíquica e tomam a forma de brinquedo a ser explorado de maneira lúdica (Flusser, 1998; Jobim e Souza, 2000). 
A desenvoltura com que a criança lida com as "eternamente no­vas" tecnologias audiovisuais não somente coloca a criança numa posição de independência frente ao adulto, como a transforma na tradutora, para o adulto, dos significados de uma criação que é sua (adulto) mas que a ele próprio ainda soa como estranha. É certo que isto pode ser compreendido como uma forma nova de diálogo entre adultos e crianças para além da histórica relação de dominação. En­tretanto, não se pode deixar de considerar que juntamente com isso, está sendo colocado em xeque o próprio conceito de experiência, que , tende a desvincular-se da tradição e a associar-se cada vez mais ao domínio das técnicas, como se a própria técnica fosse uma constru­ção alienada das relações sociais. Em seu texto Experiência e Pobreza, datado de 1933, Walter Benjamin (1987) já chamava a nossa aten­ção a esse respeito. O texto se inicia com o relato de uma parábola onde um velho no momento da morte revela aos filhos o segredo de um tesouro enterrado em seus vinhedos. Depois de muito escavar e com a chegada da próxima vindima, os filhos descobrem que a rique­za não se encontrava num suposto ouro por eles tão procurado, mas no próprio trabalho que tornara a colheita tão próspera: revirando a terra tornaram-na mais fértil.
Com essa parábola, Benjamin desenha seu conceito de experiên­cia, misto de tradição e escavação. A experiência é o que uma geração pode deixar a outra como herança em forma de conselho, compondo aquilo que se chama tradição. Ao mesmo tempo é algo que somente ganha significado na geração mais jovem no instante em que é reapropriado, respondendo, assim, a questões originais, pois seu pro­pósito não é a cristalização do já existente, mas a sua constante reno­vação. Há que ponderar que o conceito de tradição utilizado por Ben­jamin não se encontra encapsulado na ótica do conservadorismo, mas
 
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vincula-se à própria etimologia do termo - o passar de mão em mão —, onde a permanência é um atributo conferido pela renovação.
O que foi feito de tudo isso? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração:1 Quem é ajudado hoje por um provérbio oportuno? Quem tenta­rá, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência:1 (Benjamin, 1987, p. 114). Tais questões são formuladas por Benjamin a partir de um olhar lançado para sua época e para a sua geração, ainda perplexa com as conseqüências da Primeira Guerra. A experiência da guerra -tanto quanto a da fome ou a da inflação —, longe de tornar esses ho­mens mais ricos, deixou-os mais pobres, transformando a volta silen­ciosa dos sobreviventes numa metáfora da experiência que perde sua característica constitutiva de ser contável, uma vez que é desmoralizadora. Isto aponta, segundo o autor, para o surgimento de uma nova forma de miséria, uma nova barbárie, originada por um avanço no desenvolvimento da técnica sobreposto aos valores reivindicativos da dignidade humana. Por isso ficamos mais pobres, porque concebemos esse avanço técnico separadamente dos princípios éticos, fundando uma cultura que não mais se vincula a nós pela experiência. Reco­nhecer esse empobrecimento é o caminho apontado por Benjamin para a fomentação de um conceito positivo de barbárie: a horrível mixórdia de estilos e concepções de mundo do século passado mostrou-nos com tanta clareza aonde esses valores culturais podem nos conduzir quando a experiência nos é subtraída, hipócrita ou sorrateiramente, que hoje em dia é uma prova de honradez confessarque essa pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade (p. 115). O que resul­ta, pois, desse reconhecimento é que ele nos impele a ir para a frente, a começar de novo, a contentar-se com pouco, a construir com pouco (p. 116).
Não tão próximos do contexto traduzido na reflexão de Benja­min, a descartabilidade hoje tornou-se, talvez, o elemento que me­lhor representa nossa maneira de inserção no mundo; mais que acu­mular - mercadorias, informações, modos de ser - a lógica imperati­va passa a ser a de consumir e desfazer-se, a fim de suscitar um novo consumo. Com o deslocamento da economia da esfera da produção para a esfera do consumo, não somente se estabeleceu uma nova for-
 ma de relação com que é produzido, mas criou-se, de fato, uma cul­tura do consumo (Baudrillard, 1995), redefinidora das relações que mantemos com as coisas e também das próprias relações humanas, notadamente mais efêmeras e superficiais. Com isso, a relação entre a tradição e o novo se recoloca sobre novas bases, não somente no que se refere a produção/consumo de mercadorias e serviços, mas na própria experiência da temporalidade: a busca do eternamente novo como metáfora de um sujeito que recusa-se a envelhecer, a experiên­cia acumulada como fonte de vergonha, a memória como elemento impessoal.
Em sua acepção contemporânea, a experiência recusa-se a vincu­lar-se ao passado; ela se pretende suspensa num édem livre de crono­logias. Exemplo disso, o surgimento do termo adultescência, termo cunhado pela imprensa de moda que aglutina as idéias de "vida adul­ta" e adolescência, reapresentando o movimento do curso da vida não mais como um "crescer" que se iniciava na infância e culminava na velhice, mas agora como um "adolescer", isto é, o curso da vida ini­ciado com a infância, apressado e congelado numa eterna adolescên­cia - período da vida correspondente à jovialidade, imagem e garan­tia da liberdade, como tempo da livre escolha, do acesso aberto a uma diversidade de identidades possíveis (Caligaris, 1998). "Estar adultescente", nesse sentido,
"é um traço normal da vida adulta. É uma maneira de afirmar a possibi­lidade de ainda vir a ser outro. Deste ponto de vista, pouco importa se a adolescência idealizada e perseguida é a nossa mesma, a de nossas crianças ou a de nossos netos. Pouco importam os traços da cultura-adolescente que podemos adotar. Pois, por meio dessas referências variadas, idealizar a adolescência é um gesto celebrador de nossa própria cultura, uma ma­neira de tecer o elogio da liberdade. (Caligaris, 1998)"7
Essa nova forma de encarar a vida não pode ser analisada separa­damente do contexto econômico e cultural mais amplo, onde mere­cem destaque a cultura do consumo e a cultura de massas, dois fenô­menos gerados e difundidos ao longo do século XX, principalmente na sua segunda metade. Sevcenko (1998) ajuda-nos a melhor olhar para esse fenômeno a partir do cinema e da publicidade. O autor lem-
 
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bra que o século XX inicia-se reconhecendo a autoridade da vida adulta c d i fundindo-a como sinônimo de seriedade e respeito. Tornar-se velho, nesse contexto, era tornar-se respeitado pelo acúmulo das ex­periências vividas e se apresentava, para os mais jovens, como um projeto de vida a ser construído desde muito cedo. Para tanto, conta­vam — desde então — com algum auxílio dos produtos de sua época, destinados a manifestar sua veneranda austeridade: bengalas, chapéus, cartolas, óculos de vidros grossos. E também tônicos para encorpar e ganhar peso, pomada amareladora de unhas e dentes, corantes para barbas e bigodes: "Somente o Creme Brabalho/Tornará todo grisa­lho/Vosso cabelo juvenil;/Garantindo-lhe o respeito/De um ar sisu­do e senil/Em cargos de grande efeito!"
Parecer ter mais idade, segundo a análise de Sevcenko (1998), era o desejo dos recém- enriquecidos e beneficiários da revolução tec­nológica da virada do século (do XIX para o XX) e tornou-se um imperativo social desenhado à imagem do burguês, com o qual dese­javam parecer-se, garantindo assim poder e privilégios sem precisar expor sua obscura origem ou o caráter repentino de sua arribação. Esse imperativo, entretanto, começou a ser posto em xeque com o cine­ma, principalmente com a sua técnica de dose up, onde, ampliado na tela gigante e redimensionado pelos mágicos efeitos de luz, o rosto que aparecia era o rosto jovem. Com isso, não somente o jovem tor­nou-se a imagem exemplar, mas os efeitos de maquiagem passaram a permitir ver no adulto essa jovialidade. Da tela às prateleiras das perfumarias e às bolsas das mulheres, inaugurou-se uma revolução que desencadearia um novo imperativo social: ser jovem, imperativo este que, somado à história do cinema, ganha força hoje nos meios de comunicação de massas, sobretudo na televisão e na publicidade. Aos poucos,
no contexto da expansão das comunicações, a imagem se libertou dos sen­tidos. A cultura se diluiu em entretenimento e publicidade. A juventude, a rebeldia, a autenticidade são traduzidas em imagens que se podem com­prar e vestir. Assim também a seriedade, a empáfia. O melhor portanto, é compor um bocadinho de cada uma, a receita ideal para a admiração e o sucesso. Adultescente: o melhor dos dois mundos, sem mais compromis­sos além da nota fiscal. (Sevcenko, 1998)8
 É certo que, do ponto de vista do conceito de experiência benjaminiano, a vontade de "parecer velho" não se desdobra num real ganho de experiência, do mesmo modo que o desejo de ser eterna­mente jovem não significa a total ausência dela, assim como a sabe­doria também não se restringe a uma questão meramente etária. Não se trata de caricaturizar momentos da vida ou transformações sociais, nem de desmerecer as conquistas que significaram no contexto da vida cotidiana. O que se apresenta como questão - principalmente ao se pensar o lugar que ocupam hoje família e escola enquanto institui­ções educativas - é o fato de que o adulto deixa de apresentar-se como um possível lugar onde a criança busca suas respostas, na medida em que ele próprio se permite ser uma "eterna pergunta". É certo que a própria vida é uma constante indagação; é certo também que muitos caminhos apontados pelas gerações passadas não encontraram eco nas questões fundamentais das novas gerações. Ainda assim, eram incor­porados, mesmo que em forma de desobediência, gerando com isso, novas perspectivas — uma história onde o novo é construído impeli­do por um sopro do passado. Trata-se, aqui, pois, de buscar compre­ender como, ao longo de um século, construímos esse deslocamento dos lugares da experiência, daquilo que é trabalho da história humana acumulada num percurso de vida para o domínio de aparatos técni­cos passíveis de ser convertidos em "manual".
Quais as conseqüências éticas que podemos extrair dessa nova condição? Que princípios filosóficos, econômicos e sociais estão lhe servindo de base? Como se constituem a alteridade, a identidade, o afeto? Como se põe em questão a incompletude do nosso- olhar, a necessidade de um outro que nos confirme e nos desafie? Se uma das características da cultura humana é a transmissão das descobertas da humanidade para as gerações vindouras para que estas possam colocá-las sob o crivo de sua época e lançar-se a novos desafios, o que pode­mos esperar de uma geração condenada a buscar por si própria suas respostas? Que novos papéis se desenham à família e à escola? Que intervenções se fazem necessárias? Em que lugares encontrar essas respostas?
notas: .
|l ' As cidades contínuas l . In: As cidades invisíveis. São Paulo, Companhia das Letras, ^1990.
' KONDER, Leandro. A questão da. ideologia. Rio de Janeiro, 200 1 . (mimeo). Obs. A paginaçáo do texto obedece à versão preliminar.
' Estas reflexões acerca das transformações da relação criança/adulto e suas interfaces com a cultura midiática encontram-se mais detalhadamente apresentadas em PEREIRA, R. M.. R. Infância., televisão e publicidade: uma metodologia de pesquisa em construção". Cadernos de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas, (noPrelo)
4	Caracterização extraída das reflexões expostas pelo autor no Curso "Filosofia da
Educação I", do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, l a semestre
1999.
5	Postman refere-se a ensaio inédito de James Carey, decano da Escola de Comunicação
da Universidade de Illinois: Canadian Comunication Theory: Extensions and
interpretations of Harold Innis. (Explicitação trazida em nota de rodapé.)
6	"Adultescência" . Folha de São Paulo. Caderno Mais! 20/09/98. www.uol.com.br/
fsp
7	A sedução dos jovens. Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 20/09/1998.
www.uol.com.br/fsp
8	O grande motim. Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 20/09/ 1 998. www.uol.com.br/
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