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0 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA - UNIPÊ PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EDUCAÇÃO CONTINUADA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM CRIMINOLOGIA E PSICOLOGIA INVESTIGATIVA CRIMINAL CÉLIA MARIA SILVA SANTOS A NEGOCIAÇÃO EM GERENCIAMENTO DE CRISE COM A INTERFERÊNCIA DA SÍNDROME DE ESTOCOLMO E OS REFLEXOS NO DIREITO PENAL JOÃO PESSOA 2015 1 CÉLIA MARIA SILVA SANTOS A NEGOCIAÇÃO EM GERENCIAMENTO DE CRISE COM A INTERFERÊNCIA DA SÍNDROME DE ESTOCOLMO E OS REFLEXOS NO DIREITO PENAL Monografia apresentada à Pró-Reitoria de Pós- Graduação e Educação Continuada do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, como exigência parcial para a conclusão do Curso de Especialização em Criminologia e Psicologia Investigativa Criminal. Orientador: Ten Cel PMPB Dr. Onivan Elias de Oliveira Área: Direito Penal João Pessoa 2015 2 S237n Santos, Célia Maria Silva. A negociação em gerenciamento de crise com a interferência da Síndrome de Estocolmo e os reflexos no direito penal / Célia Maria Silva Santos.- João Pessoa, 2015. 51f. Monografia (Curso de Especialização em Criminologia e Psicologia Investigativa Criminal) – Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ 1. Negociação. 2. Gerenciamento de crise. 3. Síndrome de Estocolmo. 4. Direito Penal. I. Título. UNIPÊ / BC CDU – 343.549 3 TERMO DE RESPONSABILIDADE Eu, CÉLIA MARIA SILVA SANTOS, discente devidamente matriculada no Curso de Especialização em Criminologia e Psicologia Investigativa Criminal, matrícula nº 1411010079, declaro para todos os fins de direito e para salvaguardar na pessoa do meu Professor Orientador, Ten Cel PMPB Dr. Onivan Elias de Oliveira, bem como do Centro Universitário de João Pessoa/UNIPÊ, que a monografia intitulada “A negociação em gerenciamento de crise com a interferência da Síndrome de Estocolmo e os reflexos no direito penal” é autêntica e foi por mim produzida, submetida à avaliação técnica, correções gramatical e ortográfica, não constituindo cópia ou plágio de qualquer outra pesquisa acadêmica anteriormente realizada. João Pessoa, 22 de outubro de 2015. __________________________________________________________ CÉLIA MARIA SILVA SANTOS RG 3.061.477-5 SSP/SE 4 AGRADECIMENTOS A Deus, pela força e proteção de cada dia. A meus pais, Vilomar e Lucivone, e a minhas irmãs, Juliana e Olga, por sempre acreditarem em meu potencial, pelo amor e pelo apoio imprescindíveis à concretização desta jornada. A meu orientador, Ten Cel PMPB Dr. Onivan Elias de Oliveira, pelos ensinamentos ao longo do curso de especialização, pela paciência e pela atenção dispensadas nessa última etapa. A Douglas, pela compreensão, pela perseverança, pelo estímulo e pelo amor indispensáveis aos longos períodos de aula e de elaboração da presente monografia. Aos colegas de sala, pela amizade construída ao longo desses quinze meses de estudo. Aos demais mestres do curso de especialização, pelo aprendizado concedido. Muito Obrigada. 5 RESUMO A temática abordada no presente trabalho monográfico se resume à importância da atividade do policial negociador na contenção e resolução de uma crise, inclusive quando da presença da Síndrome de Estocolmo na casuística surgida, a qual pode trazer consequencias positivas e/ou negativas. O interesse em trabalhar a questão adveio da crescente demanda no uso da negociação em um evento crítico, mais do que a conhecida força tática das polícias militares, com o fito de contornar, ao máximo, a situação por meios pacíficos, a fim de se garantir e preservar os direitos de todos os envolvidos, sejam os do causador da crise, os dos reféns ou das vítimas, ou os dos policiais. Nesse contexto de busca da preservação da vida, principalmente dos reféns subordinados ao julgo dos seus captores, é que surge a problemática da Síndrome de Estocolmo, vista, pela ótica do negociador, como importante garantia da preservação da integridade física das vítimas reféns, contudo, pela ótica do aplicador do direito, como, por vezes, um empecilho no efetivo cumprimento da lei, pelo envolvimento que os reféns tiveram com os causadores do risco, ao ponto de tentar protegê-los de qualquer imputação delituosa. Diante disso, objetivou-se demonstrar a interligação existente entre o direito e a psicologia, presente na resolução de uma crise, e necessária no impasse da aplicação do direito penal, quando da interferência da Síndrome de Estocolmo. Para tanto, procedeu-se à farta pesquisa doutrinária e jurisprudencial acerca da identificação de uma crise, da dinâmica desenvolvida pelas polícias militar e civil brasileiras, com o fito de gerenciar o evento crítico, ressaltando a atividade do negociador, e do enfrentamento da temática da Síndrome de Estocolmo, que se torna aliada na preservação da vida de reféns, mas que pode também obstaculizar o trabalho do policial negociador – ocultando a realidade que rodeia as vítimas no epicentro da crise – e do aplicador do direito – impedindo que se alcance a imputação de crime ao causador do evento crítico. Palavras-chave: Negociação. Gerenciamento de crise. Síndrome de Estocolmo. Direito Penal. 6 ABSTRACT This research is focused on the importance of the police as a negotiator to solve and control a crisis, even when the Stockholm Syndrome is involved in a situation, which can bring positives or negatives consequences.The interest of this work came from the growing demand using negotiation in critical cases, more used than the military strategies, this method has the purpose to preserve the rights of all the people involved in the situation, such as the person the criminal, victims or the police, always using peaceful solutions in the situation. Searching for life preservation, especially of the victims that are subordinate to the criminal, it is important to talk about the problem of the Stockholm Syndrome, seeing from the perspective of the negotiatior as a guarantee of the physical integrity of the victims, however for those that are responsible to apply the law, the Stockholm Syndrome causes an obstacle to the law, because of the relation between the victims and their kidnappers, always trying to protect them from the law. The purpose of this research is to demonstrate the interaction between the law and psychology used in the solution of a crisis and required to apply the law when the Stockholm Syndrome interferes in the situation. The research of this project was based on case law, jurisprudence and in the interaction developed by brazilian military and civil polices trying to solve the critical situation,as a negotiatior. It is also important to point out the Stockholm Syndrome that can help to preserve the life of the victims but can also create an obstacle to the negotiator and for the law because it can hide the reality of the victims in the crisis situation. Keywords: Negotiation. Crisis Management. Stockholm Syndrome. Criminal Law. 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................8 2 A SEGURANÇA PÚBLICA E OS GRUPAMENTOS OPERACIONAIS TÁTICOS POLICIAIS................................................................................................................10 2.1 AS POLÍCIAS MILITAR E CIVIL E SEUS FUNDAMENTOS .............................12 2.2 A FORMAÇÃO DOS GRUPAMENTOS OPERACIONAIS TÁTICOS DA POLÍCIA MILITAR....................................................................................................................13 3 O GERENCIAMENTO DE CRISE E A NEGOCIAÇÃO DE REFÉNS....................18 3.1 A INSTALAÇÃO DE UMA CRISE E OS SEUS PERSONAGENS.......................18 3.2 A ESTRUTURAÇÃO DO GERENCIAMENTO DE UMA CRISE..........................26 3.3 A NEGOCIAÇÃO COM REFÉNS.........................................................................29 4 A SÍNDROME DE ESTOCOLMO...........................................................................34 4.1 HISTÓRICO.........................................................................................................36 4.1.1 Assalto ao Kreditbank – Estocolmo, Suécia................................................36 4.1.2 Sequestro de Patty Hearst – Califórnia, Estados Unidos............................37 4.1.3 Sequestro de Natascha Kampusch – Viena, Áustria...................................37 4.1.4 Sequestro de Patrícia Abravanel – São Paulo, Brasil..................................38 4.2 CARACTERÍSTICAS E SINTOMAS PERCEPTÍVEIS DA SÍNDROME DE ESTOCOLMO............................................................................................................39 4.3 REPERCUSSÃO DA SÍNDROME NA SEARA JURÍDICO-PENAL.....................42 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................48 REFERÊNCIAS..........................................................................................................50 8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta a conjuntura envolta da negociação de reféns em uma crise, desde a estruturação da organização policial para lidar com o evento crítico, até o enfrentamento da questão da Síndrome de Estocolmo, cujos reflexos se dão desde a crise instalada até depois do seu fim. O interesse nessa abordagem temática surgiu em virtude dessa delicada casuística que mais frequentemente vem sendo apresentada às corporações policiais, demandando destas um preparo específico para enfrentar os provocadores da crise, garantindo a sobrevivência destes e dos reféns. A relevância social se dessume do fato de que, mesmo diante de um potencial transgressor da lei, a garantia dos direitos fundamentais deste deve ser mantida, buscando-se a solução de uma crise da forma mais pacífica possível, através da negociação, pois assim preservará também, e na mesma proporção, os direitos constitucionais dos policiais e das vítimas. Já quanto à relevância acadêmica, a pesquisa se mostra como uma linha interpretativa da necessidade de, cada vez mais, o Direito se interligar com outros ramos do saber, como a Psicologia. O cerne dessa pretensa pesquisa gira em torno da importância em primar pela atividade do policial negociador, que em seu mister tem a incumbência de ponderar, de forma equilibrada, o direito e a psicologia, principalmente quando se deparar com o desenvolvimento da Síndrome de Estocolmo entre as vítimas, a qual pode se tornar um obstáculo à aplicação da lei penal aos provocadores do evento crítico. Para tanto, tem-se por norte que o gerenciamento de crise é uma atividade complexa, que envolve diversos setores da corporação policial, exigindo-se de cada grupamento designado a atuar no evento crítico um estudo aprimorado da casuística apresentada, visando à correta aplicação do direito durante a crise, ante o reflexo que essa atuação pode promover após o seu término e, em especial, no presente estudo, quando da incidência da Síndrome de Estocolmo. Nesse contexto, o presente trabalho monográfico objetiva, de modo geral, analisar o aparato policial que é erguido e designado para conter um evento crítico, com realce na atuação do policial negociador; e de forma mais específica, objetiva abordar o aspecto da interação entre o direito e a psicologia, demonstrada na presença de psicólogos durante o gerenciamento de uma crise, até no exame da 9 Síndrome de Estocolmo, cujos efeitos se prolongam para além do evento crítico e interferem de modo relevante na análise processual dos participantes do conflito. A linha metodológica a ser seguida, quanto à abordagem, é a dedutiva, partindo-se de formulações gerais procedentes de princípios reconhecidos na dogmática, para se chegar à lógica particular implícita nessa generalidade, de modo puramente formal. Quanto ao procedimento, segue-se o histórico-interpretativo, através da investigação, baseado na linha doutrinária e jurisprudencial de uma interpretação das leis e dos princípios jurídicos. E, por fim, a técnica de pesquisa utilizada é a bibliográfica, com abordagem qualitativa, através de consulta à doutrina, a artigos publicados, à legislação e à jurisprudência pátrias. É importante que seja trazido mais essa abordagem sobre a temática da negociação e da Síndrome de Estocolmo porque as polícias militar e civil brasileiras vem, cada vez mais, inserindo esse proceder mais pacífico – negociação – nas suas atividades, em consonância com o que já vem sendo desenvolvido, há tempos, por polícias outras, como a norte-americana, e, na medida em que mais se aprofundam no assunto, ou mais acervo bibliográfico é posto à disposição da corporação policial, melhor se desenvolve a sua atividade, bem como lhe é apresentada e ressaltada as consequências advindas de incidentes que podem ocorrer durante a crise – Síndrome de Estocolmo – com reflexos para além da casuística em que se desenvolveu. Nesse ínterim, o estudo sobre a negociação presente no gerenciamento de crise, com a interferência da Síndrome de Estocolmo e as implicações desta no ordenamento jurídico brasileiro se dá em três capítulos, sendo que no primeiro capítulo será evidenciada a atividade policial, com seus fundamentos e princípios norteadores, e as adaptações e evoluções necessárias diante da atual conjuntura da criminalidade. No segundo capítulo será abordada as nuances envoltas de uma crise, seu significado, seus participantes, sua classificação em grau de ameaça, com enfoque no gerenciamento do evento crítico e na importante, e cada vez mais constante, atuação do policial negociador na contenção da ameaça. E o terceiro e último capítulo tratará do significado da Síndrome de Estocolmo, apresentando os casos internacionais que mais relevância trouxeram ao estudo da Síndrome, evidenciando a interferência dessa doença na persecução criminal ao causador da crise. 10 2 A SEGURANÇA PÚBLICA E OS GRUPAMENTOS OPERACIONAIS TÁTICOS POLICIAIS Direito constitucional e fundamental assegurado aos cidadãos, tornando-se dever do Estado a sua efetiva prestação, a segurança pública vem sendo objeto de repetidas políticas públicas organizacionais, haja vistao contexto extremamente dinâmico em que se consagra. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trata da segurança pública em seus artigos 5º, 6º e 144, a se ver: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes; [...] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição; [...] Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos. A crescente violência na sociedade brasileira, que tem suas raízes nos mais diversos motivos, dentre os quais a gritante desigualdade social que ainda impera na nação, vem “inovando” em cada nova constatação, seja em suas vítimas, seja nos gestos de atrocidades e meios aplicados. Soares (2003 apud DUARTE, 2014, p.16) assevera que: Hoje, o medo da sociedade não é ilusório nem fruto de manipulação midiática. O quadro nacional de insegurança é extraordinariamente grave, por diferentes razões, entre as quais devem ser sublinhadas as seguintes: (a) a magnitude das taxas de criminalidade e a intensidade da violência envolvida; (b) a exclusão de setores significativos da sociedade brasileira, que permanecem sem acesso aos benefícios mais elementares proporcionados pelo Estado Democrático de Direito, como liberdade de expressão e organização, e o direito trivial de ir e vir. (c) a degradação institucional a que se tem vinculado o crescimento da criminalidade: o crime se organiza, isto é, penetra cada vez mais nas instituições públicas, corrompendo-as, e as práticas policiais continuam marcadas pelos estigmas de classe, cor e sexo. E acrescenta: Indispensável é compreender que segurança pública é matéria de Estado, 11 não apenas de governo. Para ser responsabilidade superior precisa constituir-se como responsabilidade de todo o governo, não só das polícias e das secretarias de Segurança e de Justiça. A participação da sociedade civil é outro componente fundamental. (SOARES, 2003 apud DUARTE, 2014, p.16) Consoante se destaca, a insegurança que assola a sociedade, e que não é atual, além de lhe privar de um de seus direitos fundamentais, tem obstaculizado a concretização de diversos outros, igualmente fundamentais, como a moradia, a alimentação e o próprio direito de ir e vir. Esta situação não é difícil de se encontrar. No seio das comunidades mais carentes de cada estado brasileiro, facilmente se constata a presença da “lei do silêncio” ou do “toque de recolhida” impostos, geralmente, por traficantes de drogas que dominam determinadas comunidades, ou das grandes “gangues” que conseguem estender suas atuações de dentro dos presídios até as comunidades, ficando em prejuízo e à mercê do medo o cidadão de bem. A segurança da sociedade surge como o principal requisito à garantia de direitos e ao cumprimento de deveres, estabelecidos nos ordenamentos jurídicos. A segurança pública é considerada uma demanda social que necessita de estruturas estatais e demais organizações da sociedade para ser efetivada. Às instituições ou órgãos estatais, incumbidos de adotar ações voltadas para garantir a segurança da sociedade, denomina-se sistema de segurança pública, tendo como eixo político estratégico a política de segurança pública, ou seja, o conjunto de ações delineadas em planos e programas e implementados como forma de garantir a segurança individual e coletiva. (CARVALHO, 2011, p. 60) Diante desse quadro, muito embora assegure a Constituição da República brasileira de 1988 ser dever do Estado a garantia da segurança pública, necessário se faz o desligamento com o modelo tradicional de policiamento para, em contrapartida, entrar em cena a implementação de mais ações conjuntas da polícia, do poder judiciário e da própria sociedade, a mais interessada. Bengochea (2004 apud CARVALHO, et. al., 2011, p.62) afirma que: A segurança pública é um processo sistêmico e otimizado que envolve um conjunto de ações públicas e comunitárias, visando assegurar a proteção do indivíduo e da coletividade e a ampliação da justiça da punição, recuperação e tratamento dos que violam a lei, garantindo direitos e cidadania a todos. Um processo sistêmico porque envolve, num mesmo cenário, um conjunto de conhecimentos e ferramentas de competência dos poderes constituídos e ao alcance da comunidade organizada, interagindo e compartilhando visão, compromissos e objetivos comuns; e otimizado porque depende de decisões rápidas e de resultados imediatos. 12 Foi nesse contexto de rupturas, mudanças de paradigmas, sistematização de ações pontuais fundamentadas na valorização do ser humano em todos os aspectos, considerando os elevados e inovadores índices de criminalidade que a própria corporação da Polícia Militar também realizou ajustes internos, dentre os quais, o surgimento dos grupos operacionais táticos. 2.1 AS POLÍCIAS MILITAR E CIVIL E SEUS FUNDAMENTOS A Constituição da República brasileira de 1988 elenca como órgãos responsáveis pela segurança pública a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, discorrendo, igualmente, sobre as funções de cada um. Concentrando-se mais os estudos nas polícias militares e civis, classicamente, à Polícia Militar cabiam os papéis repressivo, preventivo e ostensivo, enquanto que à Polícia Civil cabia, tão-somente, o papel investigativo, como auxílio à justiça. Contudo, Greco (2014) leciona que essa diferenciação vem sendo aos poucos mitigada, quando da constatação da flexibilidade das funções destes profissionais, como a atuação investigativa dos policiais militares, em um primeiro momento, ao se depararem com uma ocorrência policial, ou mesmo no auxílio à justiça, quando da realização de escoltas a presos em audiências judiciais - papéis estes entendidos como cabíveis apenas à polícia civil; bem como a atuação dos policiais civis junto às blitz realizadas por todo Brasil, em uma atitude preventiva de crimes, tais como o tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo - papel este, em tese, exclusivo da polícia militar. Nesse contexto, Lazzarini (1996 apud GRECO, 2014, p. 6) ensina: A competência ampla da polícia militar na preservação da ordem pública engloba, inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de suas greves e outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, pois, a polícia militar é verdadeira força pública da sociedade. Todavia, seja na atividade repressiva, seja na preventiva, na ostensiva ou na 13 investigativa, os membros de uma corporação policial devem se nortear pela incondicional observância do princípio fundamental da dignidade humana e pelo fiel cumprimento da lei. De outra forma não se poderia esperar, haja vista seu dever constitucional de zelar pela segurança pública, muito embora a mídia, rotineiramente, tenha mostrado à população a escandalosa corrupção que também alcança as unidades policiais, como quando ocorre, por exemplo, a facilitação da entrada de materiais proibidos nas penitenciárias, a "troca de favores"com grupos criminosos e traficantes de drogas, ou mesmo a não prestação do serviço por propina. Fato é que, o respeito à dignidade da pessoa humana e, por extensão, aos direitos humanos, retira da corporação policial a imagem de combatentes violentos, de puro uso da força bruta, fazendo prevalecer o profissionalismo destes policiais, além de torná-los vistos como parte integrante da comunidade, desempenhando uma função social válida, e dando exemplo a demais membros da sociedade no que diz respeito ao cumprimento da lei. É nessa ótica que Lasso (2001 apud GRECO, 2014, p.15-16) assevera que: Pelo contrário, o respeito dos direitos humanos por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei reforça de fato a eficácia da atuação dessas autoridades. Neste sentido, o respeito da polícia pelos direitos humanos, além de ser um imperativo ético e legal, constitui também uma exigência prática em termos de aplicação da lei. [...] os agentes policiais e serviços responsáveis pela aplicação da lei que respeitam os direitos humanos colhem, pois, benefícios que servem os próprios objetivos da aplicação da lei, ao mesmo tempo que constroem uma estrutura de aplicação da lei que não se baseia no medo ou na força bruta, mas antes na honra, no profissionalismo e na dignidade". Afora estes princípios, a conduta policial também deve sempre ser pautada na eticidade, servindo a comunidade e protegendo as pessoas com base na legalidade, razoabilidade, proporcionalidade e necessidade. 2.2 A FORMAÇÃO DOS GRUPAMENTOS OPERACIONAIS TÁTICOS DA POLÍCIA MILITAR Em meados da década de 80, o Brasil começou a evoluir reconhecidamente para um Estado Democrático de Direito, após um longo período de recessão, com mudanças salutares e precisas à população que tanto sofreu com as agruras do 14 período militar, sendo um marco nesta década a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Contudo, aproveitando-se do terreno fértil de mudanças e evoluções, a criminalidade também se fez presente, com um “aperfeiçoamento” em suas ações, seja pelo poderoso armamento que começou a ser contrabandeado para as mãos dos criminosos, seja no modus operandi de suas intentadas, principalmente no que tange às sucessivas tomadas de reféns. Tornou-se notório tanto dentro das corporações policiais, quanto fora, na sociedade, que a polícia, ainda que com toda a sua prática e efetivo policial despendido, não estava obtendo êxito na contenção do crime, sendo surpreendidos com novos e mais potentes armamentos utilizados pelos bandidos, deixando à vista o despreparo físico e, por vezes, emocional daqueles combatentes, ante a inusitadas situações de violência que lhes apareciam. Pautados nessa nova ótica apresentada, bem como no anseio da população por maior segurança ante a violência urbana crescente, a qual disseminava mais a insegurança e intranquilidade, a própria polícia enxergou a necessidade de criação de um grupamento especial, no interior da corporação, o qual deveria ter um treinamento específico, incluindo materiais de combate mais tecnológicos, servindo de apoio residual às guarnições policiais, diante de novos enfrentamentos com criminosos. A diferença deste grupo especial já se iniciava pelo ingresso do candidato, o qual se dava pela voluntariedade. A vontade desvinculada de qualquer obrigatoriedade de adentrar em uma equipe onde a perseverança, equilíbrio emocional e comprometimento com os colegas de trabalho se tornariam o norte das atividades, incutia no candidato o sentimento de pertencimento que o fazia atravessar os pesados treinamentos, sempre com vista ao melhor preparo para o enfrentamento das circunstâncias em que seriam exigidas a presença desses grupos especiais, e ao êxito da equipe. Lucca (2014, p. 26-27) ressalta que esta consciência de estar em um grupo que lidará apenas com as situações mais inusitadas e que exigem muito mais do ser humano, encontra-se presente inclusive na Oração do Guerreiro do GATE, que diz: Ó Senhor meu Deus, dai-nos somente aquilo que vos resta, dai-nos a fome, dai-nos o frio, dai-nos o medo, mas dai-nos acima de tudo, ó Senhor; a fé, a coragem e a vontade de vencer. Uns têm, mas não podem, outros podem, 15 mas não tem. Nós que temos e podemos, agradecemos ao Senhor. E explica o significado da referida oração: Nessa oração estão contidos muitos atributos pertinentes e particulares de um homem de operações especiais. É no mínimo curioso pedir a Deus só algo que resta, uma vez que as coisas boas já foram pedidas pelos outros. Ao pedir a fome, a sede, o frio e o medo expressa-se de forma subliminar e alegórica estar preparado para qualquer adversidade. [...] Por outro lado, ao pedir a Deus a fé, a força, a coragem, a vontade de vencer, o guerreiro reconhece que há fatores não controláveis por ele, e que o risco é inevitável sendo, portanto, prudente manter o pé no chão e invocar o apoio de uma força superior ou pelo menos aceitar que ela exista. [...] o guerreiro reconhece a importância de seu pertencimento a um grupo que possui menos vagas em relação à quantidade de pessoas que desejam ingressar. Entre eles, apenas os melhores terão essa chance e, entre os melhores, só os que forem constantes em sua virtuosidade é que permanecerão. Não se trata de apenas querer, são necessários também alguns requisitos que nem todos possuem ou que nem todos podem desenvolver. (LUCCA, 2014, p. 27) Como toda e qualquer conduta policial, os militares pertencentes aos Grupos de Operações Especiais também pautam o seu servir em princípios, fundamentos e mandamentos éticos. Betini (2014 apud GRECO, 2014, p. 340-341) elenca seis princípios das Operações Especiais: o da segurança, da simplicidade, da surpresa, da rapidez, da repetição e o do propósito, os quais sintetizam os objetivos buscados em cada operação policial. Quanto aos fundamentos e mandamentos éticos estabelece: Os fundamentos éticos, comuns aos Grupos de Operações Especiais, são: responsabilidade coletiva; fidelidade aos princípios doutrinários; voluntariado; dever de silêncio (o operador deve ser discreto em sua vida profissional e particular) e comprometimento. Esses fundamentos precisam ser absorvidos integralmente para a manutenção dos pressupostos éticos e morais do indivíduo e do grupo como um todo. Além dos fundamentos éticos, os mandamentos das Operações Especiais ajudam a manter o moral elevado. São eles: 1º - Agressividade controlada; 2º - Controle emocional; 3º - Disciplina consciente; 4º - Espírito de corpo; 5º - Flexibilidade; 6º - Honestidade; 7º - Iniciativa; 8º - Lealdade; 9º - Liderança; 10º - Perseverança e 11º - Versatilidade. (grifo do autor) Como cediço, em virtude do caráter especial destes combatentes, de atuação em missões pontuais que exigem destes uma constante atualização das mais modernas táticas de ação, o treinamento dos policiais é preparado com o fito de jamais estes combatentes agirem com base em “achismos”, com precipitações ou improviso, mas sim, de forma audaz, engenhosa, furtiva, com objetivo definido, 16 sempre com a seriedade e rigor técnico necessários, inclusive com o apoio sempre presente do grupo de Inteligência. Essa especificidade no treinamento já se inicia pela própria estruturação da sede do grupamento, a exemplo do COT – Comando de Operações Táticas da Polícia Federal, cuja sede dispõe de [...] estande de tiro iluminado com extensão de cem metros, estande de tiro coberto, pista de Cooper com 900 metros e múltiplas estações de atividade física, muro especial para treinamento com explosivos, pista de cordas, pista de obstáculos, heliponto, caixade areia, casa de tiro, torre para treinamento de técnicas em ambiente vertical, sala de recarga, auditório, setor de operações táticas (SOT), setor de estratégias táticas (SET), setor de inteligência, sala do grupo de assalto, sala de atiradores de precisão, academia de musculação, tatame, alojamento e setor administrativo. Existe, ainda, uma série de edificações em construção, como a cidade cenográfica com 1200m² e o tanque tático para treinamento de mergulho e operações anfíbias. (BETINI, 2014 apud GRECO, 2014, p. 336) O curso para formação de combatentes do COT, por exemplo, contempla diversas matérias, a se ver: Primeiros socorros; resgate de feridos; armamento e tiro; uso progressivo da força; combate corpo a corpo; Estágio de Combatente de Montanha do Exército Brasileiro em São João Del Rey, Minas Gerais; orientação e navegação terrestre; técnicas de abertura; técnicas em ambiente vertical; Curso Expedito de Operações Ribeirinhas da Marinha do Brasil, em Manaus, Amazonas; direção ofensiva; controle de distúrbios civis; técnicas e tecnologias menos letais; gerenciamento de crises; negociação; noções de tiro de precisão; retomada de edificações; retomada de ônibus; retomada de trem e metrô; retomada de navio (Rio de Janeiro); retomada de aeronaves (São Paulo); Estágio de Adaptação à Caatinga na CIOSAC, Polícia Militar de Pernambuco; abordagem e condução de cidadãos infratores; operações aéreas; paraquedismo; combate e sobrevivência na selva; salvamento aquático; sobrevivência na água; Estágio de Aplicações Táticas no BOPE, Polícia Militar do Rio de Janeiro; radiocomunicações; antiterrorismo e contraterrorismo; patrulha rural; patrulha urbana; noções de chefia e liderança; planejamento operacional e explosivos. (BETINI, 2014 apud GRECO, 2014, p. 339) Consoante se expõe, o policial integrante de um grupo de operações especiais deve, antes de qualquer coisa, ter muita disciplina e aptidão para enfrentar um longo aprendizado físico e mental, desenvolvendo um alto controle emocional para o êxito das operações críticas a que são chamados, não esquecendo de sempre enaltecer o trabalho em equipe. Em linhas gerais, a gestão de pessoas nas tropas especiais é baseada em quatro requisitos: potencial, desempenho, competência e comprometimento. 17 Potencial e desempenho estão ligados à capacidade de entrega e às possibilidades de encarar novos desafios e até, no limite, de permanecer no grupo. Assim, quem tem alto potencial e alto desempenho está em condição, não só de permanecer no grupo, mas de se tornar sério candidato a uma promoção ou a um desafio maior. [...] entende-se por competência a capacidade de saber fazer, e por comprometimento, a virtude de querer fazer. (LUCCA, 2014, p. 58-59) Treinados, organizados e devidamente fiéis aos preceitos que norteiam a sua corporação, o policial integrante de um grupo operacional tático está apto a enfrentar agruras maiores e circunstâncias as mais complicadas possíveis, dentre as quais, a instalação de uma crise com a conseguinte tomada de refém por criminosos. 18 3 O GERENCIAMENTO DE CRISE E A NEGOCIAÇÃO DE REFÉNS Um evento crítico, ou simplesmente crise, no passado remoto, não se caracterizava como uma situação apta a merecer um estudo e preparo singular por parte da Polícia, vez que se configurava de maneira esporádica e pontual, sendo contida, na maioria das vezes de maneira não muito efetiva, pelos policiais que eram, praticamente, "jogados" para a ocorrência com o objetivo único de findá-la, sem a estipulação de critério algum para a ocasião. Ocorreu que, com a crescente democratização dos Estados, e isso a nível internacional, não se tratando apenas do Brasil, os próprios criminosos acompanharam a devida adequação que a Polícia se enquadraria no que tange à preservação dos direitos de todo cidadão, aí se incluindo também o criminoso, sendo a "ordem maior" a garantia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Com isso, um efeito inverso também se fez presente, qual seja o aumento da criminalidade e, consequentemente dos eventos críticos, devido a uma maior confiança dos transgressores das leis de que sairiam vivos das situações que deram causa, ainda que tivessem uma relativa perda de outros direitos a que lhes assistissem, vez que o próprio Estado lhes garantiria isso, devendo ser estritamente obedecido pelos comandos policiais. 3.1 A INSTALAÇÃO DE UMA CRISE E OS SEUS PERSONAGENS O termo “crise”, segundo o Federal Bureau of Investigation (FBI), diz respeito a um “evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável” (GRECO, 2014, p. 152), ou também em bom português, “manifestação violenta e repentina de ruptura de equilíbrio” (FERREIRA, 1999, p. 581). Destas sucintas descrições se verifica que uma crise se configura como um estado momentâneo, de duração não precisa e casuística, de ruptura de uma zona de conforto ou de equilíbrio de um ou mais indivíduos, que acarreta a mobilização de setores institucionais do Estado com o fim de conter o evento e garantir, na medida do possível, a volta da estabilidade que antes persistia. É importante ressaltar que, apesar de a grande maioria dos exemplos de crise vivenciados por autoridades policiais, bem como os mais corriqueiros exemplos 19 didáticos de um evento crítico, envolver um cidadão que, através dos mais variados meios e artefatos materiais, mantém um número variável de indivíduos sob o seu poder de comando, sejam estes reféns ou vítimas, durante um determinado lapso temporal, não só se entende por crise esta situação. Casos de iminente suicídio de uma pessoa, ou mesmo movimentos reivindicatórios dos mais variados pleitos, também são reconhecidos como potenciais situações de crise. Isso se dá ao fato de que o objetivo primordial do gerenciamento de crise, além da busca pelo equilíbrio anteriormente constatado, é preservação da vida dos cidadãos, sejam eles as vítimas, os reféns, terceiros não afeitos ao evento crítico, policiais pertencentes ao grupo de gerenciamento de crise, ou mesmo os próprios provocadores do evento crítico, e a aplicação correta da lei. A atuação do policial negociador ou gerenciador de crises, desde muito deixou de se voltar exclusivamente para criminosos contumazes, meliantes. Casos de suicídios, pessoas portadoras de psicopatologias graves, movimentos reivindicatórios que, por qualquer motivo, descambam para a violência ou o confronto, enfim, estão em sua área de atuação – e nesses casos, não cabe rotular como “bandidos” os causadores ou provocadores do evento crítico. (SALIGNAC, 2011, p.16) Nesse contexto, a crise se caracteriza através da presença de alguns elementos em comum, quais sejam a imprevisibilidade, a compressão de tempo e a ameaça à vida ou à integridade física das pessoas. A imprevisibilidade diz respeito ao elemento surpresa tão presente nas crises, muito embora haja ocasiões em que as autoridades competentes tenham condições de prenunciar a instauração de uma crise, como é o caso de rebeliões em presídios, onde há tempos os detentos não veem garantidos seus direitos enquanto encarcerados, situação que inevitavelmente levará a uma insatisfação parcial ou geral dos apenados, que pode descambar para uma crise. A compressão de tempo está intrinsecamente relacionada a outra característica essencial da crise: a ameaça à vida ou à integridade física das pessoas. Trata-se da urgência na resolução do conflito, justamente por envolver o tenso limiarentre a vida ou a morte de um ou alguns dos envolvidos no evento crítico. Quanto mais tempo se prolongar o gerenciamento e a negociação de uma crise, mais riscos correm todos os envolvidos, e a isto recaem as responsabilidades penal, civil e administrativa pelos resultados obtidos. 20 Além dessas características essenciais, uma crise pode apresentar outras características peculiares: a) Necessidade de muitos recursos para sua solução; b) É um evento caótico, de baixa probabilidade de ocorrência, mas graves consequências; c) Acompanhamento próximo e detalhado, tanto pelas autoridades como pela comunidade e pela mídia. (SALIGNAC, 2011, p.22) Verificando-se a presença das características elementares de uma crise, determinados critérios basilares devem ser apreciados e adotados durante a tomada de decisões para a contenção do evento crítico. A Academia Nacional do FBI, costumeiramente, elenca três critérios fundamentais: a necessidade, a validade do risco e a aceitabilidade. A necessidade diz respeito à tomada de decisões que sejam realmente indispensáveis ao bom andamento da negociação, ou mesmo da resolução do conflito. A validade do risco traz em si a ideia de ponderação entre os riscos advindos da decisão e os resultados obtidos. E a aceitabilidade traz consigo três elementares: a legal, a moral e a ética, assim sendo, as condutas praticadas pelos responsáveis no gerenciamento da crise devem ter um respaldo e aceitação legal, moral – no que tange a não ir de encontro à moralidade e aos bons costumes daquela sociedade – e ética – referente aos ditames das organizações policiais. Identificadas as características do evento crítico e os critérios de ação frente a este, didaticamente se passou a estabelecer uma classificação do risco de determinada crise e do correspondente nível de resposta, a fim de uma melhor dinâmica entre os envolvidos no gerenciamento da crise. O Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado da Paraíba, Onivan Elias de Oliveira, doutrinariamente discorre acerca dos graus de risco de uma crise, como sendo o primeiro grau, ou alto risco, aquele em que a única vida em risco evidente é apenas a do causador; o segundo grau, ou altíssimo risco, aquele em que existe a presença de reféns; o terceiro grau, ou ameaça extraordinária, aquele em que existe a presença de explosivos independente da presença de reféns; e o quarto grau, ou ameaça exótica, aquela em que existe a presença de elementos químicos, biológicos, bacteriológicos, radiológicos, nucleares ou fenômeno da natureza. Correspondente a cada grau de risco, há o que o FBI adotou como níveis de resposta: 21 a) NÍVEL UM (correspondente à crise de ALTO RISCO): A crise pode ser debelada com recursos locais. b) NÍVEL DOIS (correspondente à crise de ALTÍSSIMO RISCO): A solução da crise exige recursos locais especializados (emprego do grupo tático). c) NÍVEL TRÊS (correspondente à AMEAÇA EXTRAORDINÁRIA): A crise exige recursos locais especializados e, também, no nosso caso, recursos da sede. d) NÍVEL QUATRO (correspondente à AMEAÇA EXÓTICA): A solução da crise requer o emprego dos recursos do nível três e outros, inclusive de organismos de outros países. (SALIGNAC, 2011, p. 30) Identificado o grau de risco de uma crise, bem como a resposta a ser dada, de acordo com os níveis estabelecidos, insta delimitar o papel de cada personagem envolto ao gerenciamento de crise. Greco (2014) elencou como sendo três os elementos fundamentais envoltos a um evento crítico: o perpetrador da crise, os reféns e os elementos operacionais. Dentro da categoria elementos operacionais estariam o negociador, o gerente da crise e o grupo tático. O perpetrador da crise nada mais é do que o indivíduo que, normalmente, vendo frustrada sua intentada delitiva, por qualquer razão, modifica seu objetivo primário e se volta para terceiros que passarão a ser seu alicerce na garantia de sua sobrevivência – ressaltando que há casos de crise instalada com apenas o perpetrador figurando no meio, como é o caso de suicídio. Os reféns seriam aqueles “que possuem valor real para o captor” (SALIGNAC, 2011, p. 16) e “não tem nenhum valor como pessoa para o sequestrador” (SOUZA, 2010, p. 66). Os indivíduos tomados como reféns não são, em regra, previamente delimitados e escolhidos, mas sim, fruto do inusitado, do elemento surpresa não esperado ou, ao menos, não devidamente evitado pelo causador da crise, quando de seu objetivo primário, a exemplo de um assalto a uma farmácia interrompido pela ação da polícia. Contudo, convém ressaltar que também há situações em que, isolada ou conjuntamente com os reféns, as vítimas também se fazem presentes e, em relação àqueles, guardam uma tênue diferença. “Vítimas” formam uma categoria que diz respeito àquelas pessoas capturadas e que não têm valor para os captores, sendo antes objeto de seu ódio: o captor busca eliminação física dessas pessoas ou danos à sua integridade. Uma vítima não tem outro valor para quem a captura, exceto o da realização dos desejos de seu captor. Diferenciar entre uma e outra categoria muda radicalmente os rumos táticos e técnicos de uma negociação. (SALIGNAC, 2011, p. 16) 22 É que, diferentemente dos reféns, as vítimas, quando não são a “moeda de troca” dos seus captores, são o próprio objetivo destes, o fim a que suas ações se destinam. Geralmente são exemplificadas por familiares do captor, companheira (o), desafeto, e são os “figurantes” do evento crítico que mais causam tensão entre as autoridades responsáveis pelo gerenciamento, principalmente pelo fato do menosprezo do perpetrador da crise em relação à vítima, quando não o ódio a esta, o que pode acarretar em consequências drásticas ao bom andamento das negociações. O negociador é o que se pode dizer de peça-chave da primeira fase do gerenciamento de crise. É quem intermedeia o causador da crise e o gerente desta, não se confundindo com a própria pessoa do gerenciador do evento crítico. Por vezes se faz auxiliar por um segundo negociador, ou negociador secundário, a quem incumbiria a produção de relatórios acerca do andamento das negociações, tomando por nota todos os sucessos e empecilhos constatados durante a tratativa com os perpetradores, e disso tudo dando ciência ao Grupo de Negociação. Fuselier (1988 apud SALIGNAC, 2011, p. 191-192) elenca as características fundamentais de um bom negociador: a) O negociador deve ser voluntário, preferencialmente um policial experiente e em excelente estado físico e mental; b) Deve ter facilidade para desempenhar tarefas cognitivas em estado de tensão; c) Deve possuir maturidade emocional, aceitar ser exposto a abusos, ridículo ou declarações insultuosas sem respostas temperamentais; d) Deve manter a serenidade quando os circundantes a tiverem perdido; e) Deve ser bom ouvinte; f) Deve ter excelente habilidade como entrevistador; g) Deve ser o tipo de pessoa que facilmente se torna digno de crédito; h) Deve ter habilidade para convencer os outros de que seu ponto de vista é aceitável e racional; i) Deve ter facilidade para se comunicar com pessoas de variados estratos sociais e econômicos; j) Deve ter bom raciocínio lógico, senso comum e ser experiente com o trabalho operacional (das ruas); k) Deve ter habilidade para manipular situações de incertezas e aceitar responsabilidades mesmo sem poder de mando; l) Deve concordar inteiramente com a doutrina básica da negociação; m) Deve aceitar o fato de que, se a negociação técnica por qualquer motivo não prosperar, e havendo risco de vida para envolvidos no evento crítico, deverá auxiliar na preparação daação tática. 23 Como já mencionado, ao negociador cabe a intermediação entre integrantes da crise, o que não se confunde com poder de mando, devendo sempre se ater às decisões e delimitações dadas pelo gerente de crise. Por demandar dessa autorização do gerente da crise, dos constantes envios e recebimentos de informações referentes aos indivíduos presentes no ponto crítico, a negociação se torna uma atividade dinâmica e, para tanto, necessita de um aparato especial, qual seja, o Grupo de Negociação. O grupo de negociação é composto pelo negociador principal, pelo negociados secundário – um auxiliar do negociador principal, podendo substituí-lo –, pelos consultores, sejam estes psicólogos ou psiquiatras, e pelo chefe de equipe. Aos consultores cabe a difícil tarefa de repetidas vezes avaliar o negociador, vez que o mesmo se encontra em uma situação de tensão, suscetível a humilhações, que podem propiciar uma fraqueza e derrubar toda a sistemática do gerenciamento e negociação em crise. Ao chefe de equipe caberia o mister de organizar o grupo, delimitando tarefas e mantendo contato com os demais grupos presentes no evento crítico. O gerente da crise, como bem assevera Greco (2014, p. 158): É o encarregado de comandar todas as operações necessárias ao desfecho de evento crítico. Sua função é de extrema importância, pois é ele quem detém o poder de decisão. Todas as ordens deverão partir do gerente da crise. Uma decisão equivocada poderá até mesmo fazer com que seja responsabilizado administrativa, civil e penalmente. E assevera que: [...] também deverá se preocupar com a manutenção dos perímetros interno e externo, evitando a presença de curiosos no local; em fornecer dados para a imprensa, que não prejudiquem o andamento das negociações; em manter contato com a família dos reféns, vítimas e do próprio causador da crise; acionar as equipes de resgate (ambulância, bombeiros etc.); em traçar os planos para uma possível rendição do produtor da crise (ritual de rendição) ou, que seria a mais drástica das posições, elaborar o plano de ação do grupo tático, incluído, aqui, o tiro de comprometimento. (GRECO, 2014, p. 158) Em suma, o gerente da crise é a pessoa responsável por planejar toda a operação, coordenando-a e a organizando, sabendo quais grupos atuarão no caso concreto, gerenciando, por fim, as decisões a serem tomadas por aqueles. O grupo tático se constitui de uma parcela de policiais que recebe um 24 treinamento mais severo e voltado a determinadas atividades pontuais, tornando os componentes deste grupo especialistas nestas, assim sendo, atiradores de precisão, explosivistas, grupos de assalto, entre outros. São conhecidos como Special Weapons and Tactics (S.W.A.T.) e seguem uma doutrina com fundamentos rígidos: a) Unidade paramilitar de pequeno porte (sete a dez homens em cada equipe); b) Fundamenta-se na hierarquia, na disciplina e na lealdade; c) O recrutamento é feito na base do voluntariado, sendo a escolha pautada na conduta, na coragem e na experiência do candidato em situações de crise; d) O grupo é submetido a treinamentos constantes e tão assemelhados quanto possível à realidade; e) Os seus integrantes trabalham em regime de dedicação exclusiva ao grupo; f) Todos assumem o compromisso de matar (commitment to kill, no dizer dos norte-americanos). (SALIGNAC, 2011, p. 67) É um grupo seleto, que prima pela voluntariedade em seu recrutamento, ante ao fiel e irrestrito seguimento aos seus princípios. São os responsáveis por ficar no aguardo da decisão do gerenciador da crise e da conseguinte ordem do comandante do grupo para entrarem em ação. Geralmente são acionados quando a crise tomou proporções mais drásticas, não reversíveis com a negociação. As ações, ou “assaltos”, do grupo tático são pontuais e rápidas, em virtude da situação alarmante que se tornou a atitude do perpetrador da crise com os reféns, ou vítimas. Qualquer excesso que venha a ser praticado por um dos policiais pertencentes a este grupo estará sujeito a punição. Sendo os GT dotados de tão delicados encargos e sujeitos aos riscos decorrentes dessa condição, impõe-se como inafastável princípio moral que eles sejam dotados de rígidos fundamentos éticos. [...] a) A responsabilidade coletiva; b) A fidelidade aos objetivos doutrinários; c) O voluntariado; d) O dever do silêncio. (SALIGNAC, 2011, p. 70) A responsabilidade coletiva sintetiza a unicidade do seleto grupo: o ato praticado por um dos integrantes a todos os demais alcança. Não é por menos que dentre o fardamento utilizado pelos agentes do grupo tático está a “balacava”, espécie de capuz que possui abertura para os olhos, em um sinal de uniformidade do grupo, o qual, quando entra em ação, não está individualizado na pessoa de um 25 determinado integrante. Como indissociável consequência da responsabilidade coletiva, há o dever do silêncio entre os integrantes, ou seja, “ainda que observe erros graves dos seus pares durante as operações, o integrante de um grupo tático especial não os deve divulgar nem revelar” (SALIGNAC, 2011, p. 71). A fidelidade aos objetivos doutrinários é reflexo da rigidez com que são treinados, em decorrência da atuação precisa que necessita ter quando autorizado a agir em um evento crítico. A efetiva atuação do grupo tático deve ser o máximo possível eivada de erros, em virtude, principalmente, do risco que um movimento estranho sequer pode trazer para a vida ou integridade física de reféns ou vítimas. Napoleão (2014 apud GRECO, 2014, p. 161) bem elucida essa fidelidade ao tratar do sniper, ou atirador de precisão: Não é suficiente que o indivíduo seja um exímio atirador para ser um Sniper. As habilidades necessárias à qualificação do Sniper, principalmente o “Sniper Policial”, envolvem, obrigatoriamente, altíssimas doses de paciência e disciplina, inteligência, vontade, confiança no grupo, não beber, fumar ou usar narcóticos, possuir equilíbrio mental e emocional, ser calmo e ponderado, não ser suscetível a ansiedade e remorsos, e tudo isso, aliado a um alto grau de discernimento, capacidade de julgamento, e, finalmente, sujeitar-se hierárquica e disciplinadamente ao seu Comandante de maneira inconteste. Em decorrência dos demais fundamentos, há o voluntariado, o qual prega a não obrigatoriedade de pertencimento de qualquer policial a um grupo tático, pois “essa deve ser uma opção de livre escolha dele. Por outro lado, se ingressou no grupo voluntariamente, mas tempos depois, buscou seu desligamento, da mesma forma não será obrigado a nele permanecer” (GRECO, 2014, p. 160). Mas, os “componentes” de um evento crítico não se resumem única e exclusivamente nestes – perpetrador da crise, reféns, negociador, gerente de crise e grupo tático –, há que se dar o devido valor aos que trabalham com a mídia. Muito embora passe a imagem de mais atrapalhar que ajudar, posto que por vezes deturpam informações sobre o evento crítico, as quais podem ser acompanhadas, inclusive, pelos próprios causadores da crise – a depender se no local onde se encontra enclausurado há televisor e energia ainda –, os funcionários que trabalham para a imprensa podem ser de grande valia, no que tange a dar uma resposta à sociedade do andamento das investidas policiais, bem como a suprir os cadastros que o gerenciador da crise possui sobre a personalidade e interesses do 26 provocador do evento crítico e dos reféns ali presentes. Assim como a imprensa, as autoridades judiciais, por vezes, fazem-se presentes no local da crise. Aliás, é aconselhável a presença destes para que seja dadoo respaldo necessário à atuação dos policiais, desde que não venham a interferir diretamente, quando não autorizados, no processo de gerenciamento do evento crítico, encabeçado pelo gerente da crise. De igual forma, governantes ou autoridades do Poder Executivo ou Legislativo podem se fazer presentes nessas circunstâncias. Por vezes, a permanência destes próximo ao local do evento é exigência dos causadores da crise, como forma de direcionar seus pleitos e anseios a determinado dirigente do município ou do Estado, ou ainda, autoridade legislativa. Ressalta-se que, muito embora se façam presentes em meio à crise instalada, esses governantes não costumam ser postos para falar diretamente com os perpetradores da crise, para uma maior segurança deles próprios e, principalmente, para não desvirtuar a linha de pensamento adotada pelo negociador e gerente de crise, já que essas autoridades não receberam treinamento específico para lidar com a referenciada circunstância. Por fim, há ainda a possibilidade da presença de familiares do causador do evento crítico, muito embora seja essa probabilidade mais remota, haja vista a carga emotiva excessiva com que estes parentes chegam ao local e, principalmente, pela reação que o perpetrador terá ao tomar ciência da presença de seus entes próximos, os quais, em alguns casos, são o ponto crucial para a existência de determinada crise, ou seja, por vezes são os únicos alvos que o causador da crise quer atingir, em uma clara expressão de revolta ao relacionamento familiar que possui. 3.2 A ESTRUTURAÇÃO DO GERENCIAMENTO DE UMA CRISE É certo que um evento crítico, seja de pequenas proporções, seja de grandes dimensões, necessita de todo um aparelhamento para a sua contenção, isolamento e início das estratégias negociais e táticas para a sua resolução. Assim, quando da chegada de informação da instalação de uma crise, o que primeiro se procura delimitar são os perímetros interno e externo. O perímetro interno constitui-se de um cordão de isolamento ao redor do 27 epicentro do evento crítico, amplamente resguardados por policiais designados para este mister, com o fito de evitar a proximidade de curiosos que possam interferir negativamente em todo o planejamento do gerente de crise e dos grupos operacionais essenciais com ele coadunados. O perímetro externo é a área logo em seguida ao perímetro interno, o entremeio entre este e o público em geral, composta, em regra, pelo posto de comando, pelo centro de operações táticas, pelo centro de negociação e pelo centro de operações de emergência. O posto de comando é onde se instala o grupo de gerenciamento de crise, encabeçado pelo gerente da crise, de onde saem as diretrizes e instruções para o bom andamento da resolução do evento crítico. É importante que essa estrutura esteja o mais próximo possível, resguardados os devidos cuidados na segurança de todos que fazem parte do grupo de gerenciamento de crise, do epicentro do evento, a fim de dar um maior campo de visão, com riqueza de detalhes, para o gerente da crise, evitando, inclusive, que se faça o uso excessivo de informantes e dos meios de comunicação, que podem retardar mais o procedimento de neutralização da crise. O centro de operações táticas é onde permanece o grupo tático apenas à espera do efetivo comando para dar início ao assalto ao local da crise. É importante destacar que, ainda que a fase da negociação já esteja obtendo êxito para uma rendição, ou mesmo que o perpetrador da crise já tenha dado início à rendição, o grupo tático nunca deve baixar a guarda, uma vez que nunca se sabe se o perpetrador da crise desistirá da rendição e retornará ao seu local de enclausuramento com os reféns, ou ainda, voltar-se-á contra algum dos agentes do gerenciamento da crise. O centro de negociações é onde fica o grupo de negociação, constituído pelo negociador principal, negociador secundário e chefe do grupo, além de auxiliares. Tanto o centro de negociações, quanto o de operações táticas e o posto de comando devem estar os mais próximos possíveis, para uma melhor estruturação da atuação de cada agente responsável por seu respectivo setor, inclusive o grupo de negociação e o grupo de operações táticas, em virtude de uma das estratégias, por vezes, utilizadas, qual seja, a tática do medo: É permanentemente utilizada durante o gerenciamento da crise. A 28 movimentação da Polícia produz uma sensação de aflição nos seqüestradores. Deve ser utilizada com eficiência para que dela possa ser tirado proveito na busca da solução negociada. Desde o primeiro contato, o negociador dirá que a Polícia não vai invadir, mas eles devem saber que ela está ali e pode invadir. O negociador, assim, estará fortalecido, pois, ele é a maior garantia de que não haverá solução extrema. A habilidade do negociador é justamente demonstrar que ele é mais importante que os reféns e, ao mesmo tempo, pressioná-los de todas as maneiras, sem aumentar a tensão do ambiente e exercendo um cerrado controle de suas emoções, mantendo-os e fazendo-os sentirem-se completamente isolados do mundo. Buscar mecanismos que proporcionem situações que repercutam cansaço físico e mental são exemplos comumente utilizados. (SOUZA, 2010, p.117) E o centro de operações de emergência é aquele destinado a atender situações emergenciais, possuindo em seu encalço o próprio apoio policial, unidades de bombeiros, equipes médicas e de inteligência e equipes de serviço público. Como já ressaltado, o aparelhamento elaborado para gerenciar um evento crítico dependerá da amplitude, maior ou menor, da crise, razão pela qual é indispensável a instalação de um posto de comando: a) Quando o número de pessoas envolvidas numa operação de campo exceder a capacidade de controle do gerente da crise. Por capacidade de controle entende-se o número máximo de pessoas que um indivíduo pode pessoalmente dirigir e controlar, de uma maneira eficiente e eficaz. Essa capacidade pode ser reduzida pelo efeito do estresse. b) Numa operação de campo que requeira coordenação entre várias unidades de uma mesma entidade policial, ou entre organizações policiais diferentes. c) Numa operação de campo que exija atividades múltiplas. (SALIGNAC, 2011, p. 56) Além de todos estes agentes, há que se relembrar do importante papel da imprensa, quanto às informações levadas à sociedade do andamento das negociações e estratégias, bem como buscando informações mais afincas e céleres sobre todos os que se encontram sob o julgo do perpetrador da crise, e deste também. Todavia, a imprensa costuma ficar em local apartado do perímetro externo, apenas podendo nele ingressar com autorização do posto de comando, caso contrário, ser-lhe-á explicado e designado o momento e o agente responsável por dar as informações essenciais e pontuais a serem apresentadas à sociedade, tudo com o máximo de cuidado para não dar margem ao causador da crise tomar ciência dos passos conseguintes que serão dados pelo gerente da crise, pelo negociador ou 29 mesmo pelo grupo tático, vez que há sempre a possibilidade de o perpetrador ter perto de si aparelhos de comunicação e radiodifusão, a fim de se inteirar acerca da proporção que o evento crítico tomou. É necessário esclarecer que nem sempre, e na grande maioria das vezes não o é, a instalação do posto de comando e dos centros de negociação, de operações táticas e demais se fazem através de vans equipadas e especialmente fabricadas para ocasiões como as de um evento crítico. Por vezes, pela urgência, pela localidade em que se desenvolveu a crise, pela proporção que o evento já alcançou, o gerenteda crise e os grupos de negociação e de operações táticas, principalmente, instalam-se em residências, empresariais, ou mesmo em construções que estejam próximas do local da crise, guardadas as devidas proporções com o que se estabeleceria de dimensão do perímetro interno e externo. Nesse ínterim é que se prima também pela presença de servidores públicos que estejam aptos a realocar famílias, temporariamente, de suas residências que serão utilizadas para o gerenciamento de uma crise, bem como calcular possíveis indenizações por parte do Estado, em virtude de algum dano que os agentes policiais venham a causar nos bens daquelas. 3.3 A NEGOCIAÇÃO COM REFÉNS Instalado um evento crítico e estando as organizações policiais cientes, urge a designação de um gerente de crise para as medidas iniciais, assim também identificada como “resposta imediata”. Como medida primordial, o controlador da crise deve conter a casuística apresentada, delimitando o perímetro interno, restringindo o provocador do evento crítico a um pequeno espaço terrestre, conseguindo com isso, também, controlar os agentes e pessoas autorizados a naquele espaço adentrar ou transitar. Nesse mesmo intervalo, já são delimitados os grupos operacionais essenciais, no interior do chamado perímetro externo, bem como mantido o primeiro contato com o causador da crise, através do negociador. Toda essa sistemática decorre de um plano específico traçado pelo gerenciador da crise. A ponderação sobre qual grupo operacional agirá em determinada ocasião é incumbência do gerenciador, o qual deve verificar que a 30 atuação do grupo tático, na grande maioria das vezes, é célere, porém, além de demandar um gasto ao poder público, é arriscado no que tange à integridade física do perpetrador da crise, dos reféns ou vítimas, e dos próprios agentes policiais; já a negociação, muito embora possa demandar um longo período de tempo, é a solução mais viável e pacífica, logo, a mais aceita. Negociar: opção cuja maior e principal vantagem é a de salvar vidas, projetar uma imagem de eficiência e modernidade e proteger os policiais dos riscos da atuação tática. As desvantagens são, por vezes, o excessivo consumo de tempo, a enorme quantidade de trabalho que exige e o treinamento necessário. (SALIGNAC, 2011, p.118) Todavia, a praticidade e a participação do negociador foi, e ainda é, trabalhada constantemente no meio policial, pois ainda permanece enraizado nas organizações policiais o exclusivo uso da força, tendo sido o negociador visto como um mero intermediário entre o provocador e o gerenciador da crise. Tudo isso se transforma em óbice para o profissional negociador. Encarado como elemento coadjuvante no processo do gerenciamento, tende a ser tratado como um mero transmissor de recados entre o GGC e o PEC, não se admitindo sequer que estabeleça estratégias e táticas de condução do processo de negociação, que fica a cargo do humor do encarregado do GGC. (SALIGNAC, 2011, p. 101) Mas, com a evolução das dinâmicas das polícias de todos os estados, o negociador ganhou mais notoriedade, tornando-se uma peça chave que demanda um curso didático e aperfeiçoador, um acompanhamento clínico por especialistas das áreas de psicologia e psiquiatria, e que, principalmente, necessita de um trabalho em equipe do grupo de gerenciamento de crise, do grupo tático e do setor de inteligência da corporação, recebendo os comandos necessários, tendo a sua guarda protegida e uma equipe de prontidão a “assaltar” quando viável, e sendo alimentado de todas as informações possíveis acerca dos presentes no epicentro da ameaça, respectivamente. Certificado de tudo que lhe rodeia e resguarda, o negociador deve manter o primeiro contato com o provocador da crise apresentando-se. Esta atitude primária visa a uma quebra de barreiras entre ambos os personagens, e, principalmente, um impactante desarme do causador da ameaça, o qual se encontra encurralado, temerário da ação tática policial de confronto. A partir dessa atitude, a negociação deve se pautar pela atenção ativa por 31 parte do policial negociador, que nada mais é do que pôr em prática o saber ouvir, o esperar a manifestação do causador, não sem o deixar ciente da existência de uma relação mútua e de contínua troca, tentando dessa forma identificar se aquele evento se trata de uma crise negociável, com base nas oito características apontadas pela polícia federal norte-americana: a) O PEC deve desejar manter-se vivo; b) Deve haver ameaça do uso de força pelas autoridades; c) O PEC deve ter feito exigências realísticas; d) O negociador deve ter sido percebido pelo PEC como uma fonte potencial de ameaça, mas que deseja ajudá-lo; e) Deve haver tempo disponível para a negociação; f) Um canal de comunicação confiável deve ter sido estabelecido entre o PEC e o negociador; g) Tanto a localização do incidente crítico como as comunicações entre PEC e negociador devem estar claramente delimitadas e restringidas; h) O negociador deve ser capaz de identificar e de atuar em conjunto com o PEC que é responsável pela tomada de decisões. (SALIGNAC, 2011, p. 121-122) Em caso de se verificar uma situação não solucionável através da negociação, o policial negociador cientificará o chefe do grupo de negociação, o qual, prontamente, informará ao gerente da crise e ao chefe do grupo tático, para que seja providenciada a “saída” que resta: o “assalto” tático. Mas, como já ressaltado, busca-se em eventos críticos a rendição do causador da ameaça e, para alcançar isto, o negociador se valerá de todos os meios possíveis, desde o uso da linguagem adequada, com as tratativas feitas, até a troca de negociador. O policial negociador sempre procurará não apresentar respostas negativas ao provocador da crise ante às exigências deste, principalmente nas primeiras horas de controle da ameaça, momento em que, geralmente, há muita tensão por parte do causador do evento, o que o leva a fazer pedidos aviltantes e incabíveis. De igual forma, não é recomendável que o negociador procure se comunicar com o perpetrador da ameaça utilizando-se das gírias deste, pois este pode entender como uma ofensa, pelo modo forçado que soa, o que já traz mais dificuldade para o enfretamento da situação, além da possibilidade de o policial empregar um determinado termo de forma equivocada, no entender do causador, por desconhecer das gírias utilizadas, como o relatado por Lucca (2014, p. 101-102) em uma de suas ocorrências na contenção de uma rebelião na antiga FEBEM de 32 Franco da Rocha: Parecia que as coisas estavam indo bem quando um terceiro grupo, com uma outra liderança, passou a se manifestar, nitidamente querendo sobrepujar os demais sem, contudo, apresentar alguma ideia que não tivesse sido discutida anteriormente. Foi nesse instante que cometi um erro. Na intenção de colocar um mínimo de ordem no tumulto, usei uma expressão da qual iria me arrepender: “Aí, moçada, desse jeito não vai dar!” Há quem diga que três coisas não voltam atrás: a palavra falada, a flecha lançada e a oportunidade perdida. Se eu pudesse voltar atrás... A reação dos jovens foi péssima: começaram a me apedrejar. Não me restou alternativa se não descer rapidamente pela escada e me proteger das pedras mantendo o corpo encostado na parede externa da muralha. Não entendi o que havia acontecido, mas percebi um certo constrangimento do diretor do presídio, que me dez um sinal de que queria conversar comigo em particular. Terminada a chuva de pedras pude me aproximar dele para manter o seguinte e, para mim, surpreendente diálogo: – Comandante, o senhor falouuma palavra que não podia falar. – Que palavra? – O senhor disse “moçada” que para eles significa um grupo de moças e por isso se revoltaram. Melhor teria sido falar “rapaziada”. Assim, ainda que perplexo com o que julgava ser um detalhe banal, dirigi- me novamente à escada, subi os degraus e, ao alcançar novamente a muralha disse-lhes: – Aí, rapaziada, podemos conversar novamente? Por incrível que possa parecer todos acolheram a nova abordagem e assumiram uma atitude que tinha um sentido duplo: aceitação de um pedido de desculpas e permissão para continuarmos as tratativas. É por casuísticas como essa que o negociador nunca deve deixar de se valer do auxílio do gerente da crise, do setor de inteligência, e de terceiros que convivam com o causador. Inclusive no momento da rendição, que simbologicamente corresponde ao sucesso da negociação, o policial negociador deve se valer do auxílio do grupo tático, para o caso de ação de extrema urgência, vez que o causador pode mudar de ideia a qualquer momento. E, nessa situação, o grupo tático deve se valer dos seus fundamentos teóricos de atuação: a rapidez, a surpresa e a agressividade da ação. Em uma rápida avaliação, recomenda-se que, na rendição, todos os envolvidos sejam algemados, tentando-se, desta forma, evitar que um criminoso escape misturando-se aos capturados, ou produza algum comportamento violento e inesperado. (SALIGNAC, 2011, p. 201) Mas, talvez, um dos objetivos principais, se é que é possível subdividi-los desta forma, buscados pelo negociador seja a obtenção do rapport, ou seja, uma aproximação maior, de cunho psicológico, com o causador da crise. 33 Através do rapport, o negociador pode extrair do próprio causador se as pessoas que se encontram sob seu julgo são reféns ou vítimas e a situação em que os mesmos se encontram, conseguindo, inclusive, em determinadas ocasiões, ter contato com um destes reféns ou vítimas para poder arrancar maiores e precisas informações. Todavia, essas informações sobre os reféns ou vítimas devem ser obtidas com o máximo de cautela, posto que, uma vez percebendo o provocador do evento crítico que o negociador e o aparato policial externo se encontram bastante preocupados com os reféns, e menos com o próprio causador, este pode se sentir acuado e passar a ameaçar mais seus subjugados, como uma medida a seu favor. Ainda assim, o negociador e o gerente de crise devem ficar atentos a uma casuística que pode acontecer e que pode, por um lado, trazer benefícios, como também trazer malefícios: a Síndrome de Estocolmo. A Síndrome de Estocolmo é vista, por parte do negociador, como uma peça chave na sua atuação, pois quanto mais afeto for desenvolvido entre o captor e os seus capturados, menos possibilidade há de prática de violência contra estes. O desenvolvimento da Síndrome produz uma importante garantia de proteção aos capturados. Embora relativa, esta proteção deve ser buscada de todas as formas possíveis pelo negociador. A criatividade do profissional será posta em prova, pois não há um método absolutamente sistematizado de procedimentos, os quais poderão variar entre as diversas situações críticas que se apresentam. (SALIGNAC, 2011, p. 167) Contudo, esse mesmo vínculo afetivo pode desvirtuar as informações colhidas através dos próprios capturados, vez que estes procurarão defender e proteger seu captor, dificultando mais a atuação dos policiais. Ademais, os efeitos da Síndrome persistem para além do fim do evento crítico e, a partir deste momento, a sua perpetuação pode não ser muito favorável ao ordenamento jurídico, logo, não muito bem quista, quando da aplicação necessária do direito, no que tange aos crimes praticados pelo causador da crise. 34 4 A SÍNDROME DE ESTOCOLMO Identificada como um dos vários danos psíquicos que acometem vítimas submetidas a estados de extrema violência ou de agressões de cunho físico e/ou psicológico, em que a sua sobrevivência é posta em risco, a Síndrome de Estocolmo retrata uma situação que evidencia a necessidade cada vez maior de interdisciplinaridade entre os vários ramos do conhecimento, para a manutenção do melhor convívio social dos cidadãos, bem como para propiciar a reestruturação de ordem psíquica dessas vítimas, e para a aplicação das normas do nosso ordenamento jurídico. Cunhada como síndrome pela primeira vez pelo criminólogo e psicólogo Nils Bejerot, quando de sua atuação como conselheiro psicólogo no caso policial que deu notoriedade a referida Síndrome, o comportamento envolto da Síndrome de Estocolmo se caracteriza por um transtorno involuntário de ordem psicológica, originário da própria vítima, quando esta se vê em risco provocado por um agressor, no qual ela, a vítima, acaba por se projetar neste, ou seja, “colocando-se no lugar do agressor”, e enxergando um melhor meio de sair daquela situação de risco, com o fito de não mais se prejudicar. Essa identificação da vítima com o causador do risco desencadeia uma relação de afeto com consequências relevantes em dois grandes ramos do saber: a Psicologia, mais especificamente na sua subdivisão da Psicologia Jurídica, e o Direito, mais especificamente na esfera do Direito Penal. A Psicologia, como toda ciência, configura-se como um conhecimento acerca de uma realidade, expresso através de uma linguagem específica. Seu diferencial consiste em ser uma ciência humana, assim sendo, estuda o ser humano, porém, não objetiva e isoladamente, mas sim, sob uma ótica eclética de múltiplas perspectivas, tais como a comportamental, a psicanalítica, a biológica, a subjetivista e a cognitiva. A Psicologia Jurídica é um dos ramos da Psicologia que interrelaciona o saber psicológico com as situações de aplicação do direito e, segundo Leal (2008, p. 182- 183) tem vasta aplicação, a se ver: Psicologia Jurídica e as Questões da Infância e Juventude (adoção, conselho tutelar, criança e adolescente em situação de risco, intervenção junto a crianças abrigadas, infração e medidas sócio-educativas); Psicologia 35 Jurídica e o Direito de Família (separação, paternidade, disputa de guarda, acompanhamento de visitas); Psicologia Jurídica e Direito Civil (interdições, indenizações, dano psíquico); Psicologia Jurídica do Trabalho (acidente de trabalho, indenizações, dano psíquico); Psicologia Jurídica e o Direito Penal (perícia, insanidade mental e crime, delinquência); Psicologia Judicial ou do Testemunho (estudo do testemunho, falsas memórias); Psicologia Penitenciária (penas alternativas, intervenção junto ao recluso, egressos, trabalho com agentes de segurança); Psicologia Policial e das Forças Armadas (seleção e formação da polícia civil e militar, atendimento psicológico); Mediação (mediador nas questões de Direito de Família e Penal); Psicologia Jurídica e Direitos Humanos (defesa e promoção dos Direitos Humanos); Proteção a Testemunhas (existem no Brasil programas de Apoio e Proteção a Testemunhas); Formação e Atendimento aos Juízes e Promotores (avaliação psicológica na seleção de juízes e promotores, consultoria e atendimento psicológico aos juízes e promotores); Vitimologia (violência doméstica, atendimento a vítimas de violência e seus familiares) e Autópsia Psicológica (avaliação de características psicológicas mediante informações de terceiros). O Direito, como ciência social, é o estudo de um conjunto de regramentos especificamente determinados para o convívio social dos indivíduos em sua melhor forma harmoniosa, e vê-se muito atuante nos chamados Estados Democráticos de Direito, os quais têm por pressuposto fundamentador o respeito à dignidade humana. O Direito
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