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Direito da Família e das Sucessões I

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Direito da Família e das Sucessões
Horário de atendimento: 2ª-feira 11h-13h; 16h-18h.
E-mail: rpedro@direito.up.pt
Bibliografia: “Curso de direito da família, volume I, 5ª edição – Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, disponível online (site do centro de direito da família da universidade de Coimbra, publicações, publicações online). www.guilhermedeoliveira.pt – pré-publicação.
INTRODUÇÃO
Noção e objeto do Direito da Família. O problema da delimitação da noção jurídica da família. As fontes do direito da família.
V. PowerPoint Sigarra:
Art. 36.º/1 CRP: o conceito de família é mais amplo que o de casamento. Há mais família do que a que resulta do casamento (família matrimonial) – ex.: pais e filhos.
Art. 67.º CRP: dirigido à proteção da família. O legislador encara a família com duas vertentes: a vertente comunitária, institucional ou coletiva (enquanto grupo social de base, elemento fundamental da sociedade) e a vertente individual (como meio de realização pessoal dos seus membros). A família sempre resultou da articulação destes dois polos, podendo estar mais próxima de um ou outro. No início e até metade do séc. XX, a regulação jurídica aproximava-se mais do polo comunitário. A partir daí, deu-se prevalência ao polo individual – ex.: última reforma do divórcio, que faz com que seja simplificado e a sua obtenção mais fácil.
Art. 1576.º CC: este artigo merece muitas críticas. Fala de fontes como atos constitutivos das relações familiares, mas não diz quais são as relações familiares. A relação que nasce do casamento é a relação matrimonial. Quanto ao parentesco, este é uma relação familiar, não uma fonte. A fonte é a consanguinidade. Relativamente à afinidade, também esta é uma relação, tendo por fontes o parentesco e o casamento. Por fim, a última fonte é a adoção, sendo a relação familiar a adoção/relação adotiva. A adoção e o casamento são, portanto, simultaneamente fonte e relação. Será esta enunciação taxativa? Há aqui um “numerus clausus”?
Casamento:
O casamento é um negócio jurídico e, portanto, é uma fonte de relação familiar, sendo também ele próprio uma relação familiar. O casamento como negócio é um ato instantâneo que resulta do encontro de duas vontades – negócio jurídico bilateral/contrato.
Art. 1577.º: é uma noção inovadora. A generalidade dos ordenamentos não tem uma noção de casamento. A lei n.º 9/2010 deixou de exigir a diversidade de sexos.
É também um contrato bilateral (art. 1672.º), que gera obrigações para ambas as partes, ligadas por um nexo de sinalagmaticidade, não podendo, contudo, ser invocada a exceção de não cumprimento.
Podemos referir-nos depois ao casamento como um estado. O estado civil dos cônjuges muda, independentemente do regime de bens – ex.: respondem ambos pelas dívidas contraídas por um deles. Trata-se de um estado tendencialmente perpétuo. As relações familiares, ao contrário das obrigações, não nascem para se extinguir. Claro que as relações matrimoniais se podem extinguir. Pode acontecer que haja um vício originário (extinção por nulidade ou anulação). Esse vício pode ser posterior. Neste caso, abrem-se 3 hipóteses: morte, divórcio ou dispensa de casamento rato, mas não consumado (esta última aplica-se unicamente a casamentos católicos). O casamento como negócio jurídico pode ter uma forma civil ou uma forma religiosa. No que diz respeito à constituição do negócio, o regime inspira-se no Direito Canónico. A relação pode, no entanto, não se extinguir, mas modificar-se: separação de pessoas e bens (afeta parte pessoal e patrimonial) ou separação de bens (afeta apenas parte patrimonial).
Parentesco:
Parentesco – art. 1578.º CC. Esta é uma relação de consanguinidade. A fonte é o fenómeno biológico da procriação – tem de haver um laço biológico.
Logo nesta noção tem de ser feita uma distinção. Pode ser parentesco em linha reta (descendem uma da outra – art. 1580.º/1 primeira parte – ex.: avô e neto) ou colateral (descendem de progenitor comum – art. 1580.º/1 segunda parte). Dentro da linha reta, esta pode ser ascendente (ex.: avô é ascendente em relação ao neto – art. 1580.º/2 segunda parte) ou descendente (art. 1580.º/2 primeira parte). O conceito de ascendente ou descendente depende do sujeito considerado. Na linha colateral não se distingue descendente ou ascendente.
Exemplo do António: António, viúvo, falece deixando sobrevivos seus pais (Bernardo e Cláudia) e seus filhos (Diana e Eduardo). Quem é chamado à sucessão de António? Art. 2133.º CC. São todos parentes no 1º grau. Se houver descendentes, os ascendentes não são chamados – art. 2134.º: princípio de preferência de classes. Quem vai ser chamado é o D e o E.
O parentesco pode ser unilateral (só pela linha paterna ou materna) ou bilateral (por ambas). Isto é importante principalmente no que toca a irmãos. Se os irmãos forem parentes bilaterais (linha paterna e materna é comum) tomam o nome de irmãos germanos. Se for apenas o pai comum (linha paterna) tomam o nome de irmãos consanguíneos. Se tiverem em comum a linha da mãe serão uterinos. Estas distinções são também importantes em alguns institutos como a tutela e outros – art. 1952.º/3 (escolha dos vogais do Conselho de Família); art. 1955.º/2 (escolha do protutor).
Art. 2133.º/1/c): aqui são chamados os irmãos à sucessão. Art. 2146.º CC: (quinhão=quota). Um irmão germano recebe o dobro do irmão consanguíneo/uterino. Isto é em relação à sucessão de irmãos, porque quanto à sucessão do pai ou da mãe os filhos são tratados todos do mesmo modo. Seria proibida uma norma que dissesse o contrário – art. 36.º CRP.
Art. 1581.º: contagem de graus.
LINHA RETA – 1º Exemplo prático: Y é parente em linha reta de E porque este descende daquele – Y é bisavô e E é bisneto. Na linha de parentesco entre E e Y estão 4 pessoas. Contam-se todas as pessoas menos o progenitor – Y. Y e E são parentes em linha reta no 3.º grau. E é parente no 3º grau da linha reta descendente em relação a Y. Y é parente no 3º grau da linha reta ascendente em relação a E. 2º Exemplo prático: A e Y são pai e filho. São parentes no 1º grau da linha reta. 3º Exemplo prático: Y e D são parentes no 2º grau da linha reta.
LINHA COLATERAL – 1º Exemplo prático: A e B são irmãos. São parentes porque descendem de um progenitor comum – Y. São parentes no 2º grau da linha colateral. Na linha colateral, o grau mais próximo é o 2º. 2º Exemplo prático: B e C não descendem um do outro; descendem de progenitor comum – Y. Conta-se todas as pessoas menos o progenitor comum: C, A e B – são parentes no 3º grau da linha colateral. 3º Exemplo prático: B e E são parentes no 4º grau da linha colateral. 4º Exemplo prático: E e F são parentes no 4º grau da linha colateral. Contam-se todos os parentes que vão de E a F, menos o progenitor comum. 5º Exemplo prático: E e H são parentes no 5º grau da linha colateral. 6º Exemplo prático: G e H são parentes no 6º grau da linha colateral.
O art. 1582º diz quais são os limites do parentesco. Pode haver desvios na lei a esta regra. Juridicamente, em princípio, o parentesco na linha reta não tem limites e na linha colateral releva até ao 6º grau. Exs. de exceções: art. 2133.º/1/d) e arts. 2042.º e 2133.º/1/c).
Efeitos do parentesco (entre outros):
Efeitos Sucessórios legais: na sucessão legítima (art. 2133.º/1/a) a d)) e na sucessão legitimária (arts. 2157.º, 2159.º, 2160.º e 2161.º);
Transmissão da posição contratual de arrendatário (art. 1106.º/3);
Obrigação (legal) de alimentos (art. 2009.º/1/b) a e));
Na composição dos órgãos da tutela, para designação do Tutor (art. 1931.º/1) e para a escolha dos vogais do Conselho de Família (art. 1952.º/1);
Impedimentos Matrimoniais (arts. 1602.º/a) e c) e 1604.º/c));
Impedimento à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade (arts. 1809.º/a) e 1866.º/a), respetivamente);
Causas de impedimento (arts. 115.º/1/b), d), f), g) e 3 e 117.º CPC), fundamento de pedido de escusa (art. 119.º CPC) e motivo de suspeição (art. 120.º/a), b), c) e d) CPC) do juiz;
Impedimentos dos representantesdo Ministério Público (art. 118.º/1 CPC) e dos funcionários da secretaria do Tribunal (art. 118.º/2 CPC).
Filiação: relação de parentesco no primeiro grau da linha reta. Produtora de uma ampla eficácia jurídica. Regulada com pormenor no que respeita ao modo de estabelecimento (arts. 1796.º ss.) e aos efeitos (arts. 1874.º ss.). É a relação de parentesco mais importante.
Afinidade:
Afinidade – art. 1584.º. Trata-se de uma relação bidirecional. A fonte da afinidade é a conjugação do casamento e do parentesco. Existe afinidade na linha reta e na linha colateral, em função da linha de parentesco que lhe subjaz. F é afim do B no primeiro grau da linha reta. 1º Exemplo prático: D e A são afins no 1º grau da linha reta. 2º Exemplo prático: D e E são afins no 2º grau da linha colateral.
Afinidade não gera afinidade. Ex.: A e B são irmãos, filhos de X. A casa-se com D. D, ao casar-se com A, torna-se afim dos parentes de A. B casa-se com E. E torna-se afim dos parentes de B. D e E não são afins entre si. Com o casamento, torna-se afim dos parentes, não afim dos afins.
A afinidade, radicando no casamento, só nasce a partir da celebração do mesmo. Ex.: D casa-se com A em 2017. A teve um avô (Y), que morreu em 2000. D e Y não são afins. A afinidade só se cria a partir da celebração do casamento.
	A afinidade não se cria após a dissolução do casamento. Ex.: D e A casaram-se em 2001. Divorciam-se em 2015. B e E são casados e têm um filho que nasce em 2017. D e F não são afins.
A afinidade não cessa com a dissolução do casamento por morte. Ex.: o casamento de A e D dissolve-se por morte de A em 2016. D e B não deixam de ser afins.
Efeitos da afinidade (entre outros):
Obrigação legal de alimentos (art. 2009.º/1/f));
Transmissão da posição contratual de arrendatário (art. 1106.º/3);
A composição do órgão de tutela, na designação do Tutor (art. 1931.º/1) e escolha dos vogais do Conselho de Família (art. 1952.º/1);
Impedimento matrimonial (art.1602.ºd));
Impedimento à averiguação oficiosa da maternidade e da paternidade (arts. 1809.º/a) e 1866.º/a), respetivamente);
Causas de impedimento (arts. 115.º/1/b), d), f), g) e 3 e 117.º CPC), fundamento de pedido de escusa (art. 119.º CPC) e motivo de suspeição (art. 120.º/1/a), b), c) e d) CPC) do juiz;
Impedimentos dos representantes do Ministério Público (art. 118.º/1 CPC) e dos funcionários da secretaria do Tribunal (art. 118.º/2 CPC).
Adoção:
	A adoção constitui uma das fontes de relações familiares – art. 1576.º CC. A adoção pode ser entendida em dois sentidos: como fonte da relação familiar (ato constitutivo da relação adotiva) e como relação familiar (relação adotiva). A figura da adoção tem uma tradição longa no ordenamento jurídico português, que foi interrompida com o Código de Seabra. Foi o CC de 1966 que veio retomar a figura da adoção à luz de uma ideia romana – “adoptio natura imitatur”: a adoção imita a natureza. Há uma relação familiar que surge da natureza (parentesco) e a adoção imita o parentesco. Por isso, com frequência, dá-se à adoção o nome de parentesco legal – parentesco criado pela lei. O outro parentesco tem por fonte a relação de consanguinidade. A lei procura que a adoção replique o parentesco. O CC de 1966 só permitia que a adoção ocorresse por duas pessoas, que tinham de ser de sexos diferentes, conjuntamente. Só podiam adotar casais casados há pelo menos 10 anos e quando não tivesse filhos biologicamente. A adoção tinha uma natureza, então, subsidiária. Vários desvios a este paradigma foram sendo efetuados. Com a reforma de 1977, na vigência do princípio da igualdade na família na CRP, o legislador veio permitir a figura da adoção singular. Esta foi a primeira rutura com o modelo da natureza. Há uma segunda rutura do modelo da natureza muito importante, que ocorreu em 2016 – lei n.º 2/2016 de 29 de fevereiro: veio permitir a adoção por casais formados por pessoas do mesmo sexo.
	O regime da adoção é então um dos corolários dessa revolução. O regime da adoção vigente hoje revela uma rutura com o modelo originário da adoção também a outro nível – rutura com o modelo histórico da adoção. A adoção no direito romano e no direito medieval servia os interesses do adulto. Aliás, podiam adotar-se adultos, porque a adoção servia os interesses do adotante (quem adotava). A transformação dá-se no início do séc. XX, com a 1ª grande Guerra. Aí surgiram muitos órfãos, portanto, houve necessidade de cuidar dessas crianças e encontrar-lhes um lar alternativo. A adoção surgiu como um mecanismo que permitia salvaguardar estas crianças. Ao mesmo tempo, no séc. XX há uma transformação na conceção da criança: a criança é um sujeito de direito. Até então a criança era vista como um objeto de direito de outras pessoas, nomeadamente dos seus pais. Inclusivamente, o legislador tentou retirar o conceito “menor” da legislação, por induzir falta de capacidade, substituindo por “criança e jovem”. A adoção passou a visar os interesses do adotado – que é uma criança ou um jovem.
O regime jurídico da adoção encontra-se, desde logo, na CRP – art. 36.º/7 (proteção constitucional da adoção). No entanto, é apenas desde 1982, não desde a origem da CRP. A adoção é objeto de uma garantia constitucional – o legislador ordinário não pode descaracterizar este instituto. Em 1997, o legislador veio alterar o artigo para aditar uma ideia de celeridade. No CC, nos arts. 1973.º ss. temos o regime da adoção. O regime da adoção foi substancialmente alterado pela lei n.º 143/2015, de 8 de setembro. Por fim, temos o regime jurídico do processo da adoção, aprovado pelo mesmo diploma. Temos ainda a lei de proteção de crianças e jovens em perigo – lei n.º 147/99 de 1 de setembro.
A tendência evolutiva que se nota a partir da análise destes diplomas é, desde logo, uma redução dos requisitos previstos para a adoção, nomeadamente um alargamento das pessoas que podem adotar. A segunda tendência evolutiva é a aceleração do processo da adoção. A terceira linha evolutiva no regime da adoção é o fomento do superior interesse da criança. A última linha evolutiva, que se refletiu particularmente em 2015, é que o legislador tem procurado articular os vários regimes jurídicos aplicáveis às crianças e aos jovens.
Quanto ao regime atual, a primeira ideia diz respeito às modalidades de adoção. Hoje, a grande distinção tem a ver com o n.º de adotantes: adoção conjunta/plural e adoção singular/isolada. A adoção é conjunta quando o número de adotantes é igual a 2 – 2 pessoas adotam uma mesma criança. A adoção singular existirá quando só uma pessoa adota uma criança. No passado, existia uma segunda distinção, quanto aos efeitos. Atualmente, só existe uma espécie de adoção quanto aos efeitos: a adoção com os efeitos previstos no art. 1986.º. A adoção que vigora hoje corresponde ao que no passado se denominava de adoção plena. No passado, ao lado da adoção plena existia a adoção restrita. A adoção plena produzia muitos mais efeitos do que a adoção restrita. A adoção restrita quase não era aplicada na prática, portanto, o legislador decidiu eliminá-la.
O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial (art. 1893.º/1), pressupondo um processo (de adoção) com uma natureza mista (administrativa e judicial).
Requisitos da adoção:
Requisitos gerais: dentro do 1º núcleo de requisitos gerais, importa analisar o art. 1974.º. Tratam-se de requisitos cumulativos.
Como requisitos gerais da adoção, temos em primeira linha que a adoção deve trazer reais vantagens para o adotando. Este é um corolário da ideia de que a adoção serve o superior interesse da criança. Assim sendo, tem de lhe trazer vantagens significativas. Aquela criança que vai ser adotada tem de ter um projeto biográfico mais positivo com aquela família do que sem ela. Em segundo lugar, tem de se fundar em motivos legítimos. Exemplos de motivos ilegítimos: vontade de transmitir riqueza àquela criança, fugindo de determinados encargos; dar à criança uma determinada nacionalidade. Em terceiro lugar, não pode envolversacrifícios para outros filhos do adotante. O último requisito é que seja razoável supor que entre os adotantes e o adotado se vai criar uma relação semelhante à da filiação. Quer dizer que é preciso fazer um duplo juízo: um juízo de prognose (previsão) e um juízo de razoabilidade (axiológico). As entidades que vão estar envolvidas no processo de adoção vão ver se entre adotantes e adotado vai existir essa relação semelhante à filiação e se é adequado do ponto de vista jurídico que se crie essa relação – ex.: avô que quer adotar um neto. Se o avô adotasse o neto, para além da diferença considerável de idades, o neto passaria a ser juridicamente filho do avô, com todos vínculos de parentesco que lhe são inerentes. O legislador, no art. 1974.º/2, exige que o adotado esteja ao cuidado do adotante, por isso, prevê-se uma fase de ajustamento, que compreende duas fases: período de transição e período de pré-adoção. É um intervalo temporal durante o qual se vai averiguar se é razoável supor que se vai estabelecer uma relação semelhante à da filiação. É preciso ainda que se decrete uma das medidas que estão previstas no art. 34.º/1 do regime jurídico do processo de adoção. Assim sendo, é preciso que estejam reunidos os requisitos gerais do número 1, que haja um período de ajustamento, que se decrete uma das medidas previstas no regime jurídico e que não vigore uma outra adoção relativamente à mesma criança, a menos que este segundo adotante seja casado ou viva em união de facto com o primeiro adotante.
Requisitos subjetivos (relativos aos sujeitos):
Requisitos relativos aos adotantes – art. 1979.º: quem pode adotar. Temos que distinguir duas situações.
Se a adoção for conjunta, nos termos do art. 1979.º/1/3, os adotantes podem ser um casal casado ou unido de facto, quer seja composto por duas pessoas de sexo diferente, quer seja composto por duas pessoas do mesmo sexo. Os adotantes têm de estar casados ou viver em união de facto há, pelo menos, 4 anos, de forma a garantir a estabilidade da relação, para dar ao adotado um ambiente onde haja paz, harmonia. Pode contabilizar-se o período de união de facto, adicionando ao período de casamento – art. 1979.º/6. Ambos têm de ter mais de 25 anos e menos de 60 anos de idade. Os requisitos de duração do casamento ou da união de facto e a idade mínima têm de estar respeitados no momento da apresentação da candidatura à adoção. A idade máxima é apreciada no momento em que a criança é confiada ao adotante.
	Se a adoção for singular, nos termos do art. 1979.º/2, o adotante singular tem de ter mais de 30 anos, à data da candidatura, e menos de 60 anos à data em que a criança lhe é confiada. Se a criança a adotar for filha do cônjuge ou do unido de facto do adotante, nesse caso, o limite etário mínimo é de 25 anos e não há limite máximo de idade.
Quer se trate de adoção singular, quer se trate de adoção conjunta, quando o adotante tenha mais de 50 anos, a diferença de idades em relação à criança a adotar não pode ultrapassar os 50 anos – art. 1979.º/3. O art. 1979.º/4 admite desvios a esta regra, nomeadamente quando está em causa a adoção de uma fratria.
Requisitos relativos aos adotandos – art. 1980.º: nos termos do número 2, o adotando tem de ter menos de 15 anos, ou, excecionalmente, pode ter menos de 18 anos em duas situações: se, por um lado, a criança tiver sido confiada aos adotantes em idade não superior aos 15 anos ou se for filha do cônjuge ou do unido de facto do adotante.
Consentimento:
Por fim, o último requisito é o consentimento: é preciso que um conjunto de pessoas consinta na adoção – art. 1981.º. Desde logo, o(s) adotante(s) tem/têm de consentir. A adoção é um ato complexo, porque pressupõe a intervenção de várias entidades públicas, mas também pressupõe as declarações de vontade dos adotantes. É um ato misto, com componente de entidades públicas, mas também a componente da autonomia privada. Ao lado deste consentimento matriz, têm que existir os assentimentos de outras pessoas. O consentimento dos adotantes é o mais importante, porque não pode faltar ou estar inquinado para haver adoção – art. 1990.º.
Os assentimentos podem ser dispensados. Art. 1981.º/1/a): o adotando maior de 12 anos tem de consentir. O adotando menor de 12 anos é ouvido, mas o seu assentimento não é exigido – arts. 5.º regime geral do processo tutelar cível e 84.º lei de proteção das crianças e dos jovens em perigo. No entanto, só com mais de 12 anos têm de consentir. Art. 1981.º/1/b): o cônjuge do adotante também tem de consentir. A lei só fala do consentimento do cônjuge do adotante. Se o adotante não for casado, mas viver em união de facto, há equiparação? O pai e a mãe biológicos da criança têm de consentir – art. 1981.º/1/c) –, a menos que já tenha sido decretada uma medida de promoção e proteção ou se se verificar uma das situações do art. 1981.º/2. Por fim, o último grupo de pessoas são outros parentes, nomeadamente ascendentes, colaterais até ao 3º grau ou o tutor – art. 1981.º/1/d). No caso de os pais biológico terem morrido, são estes parentes ou tutor que têm de consentir ou, nos termos do art. 1981.º/2, quando a criança esteja a viver com estas pessoas e se verifique alguma das situações do art. 1978.º (casos em que os pais põem em perigo a formação ou saúde das crianças). O consentimento destas pessoas (assentimentos) pode ser dispensado nos casos do art. 1981.º/3.
Quanto à forma de prestação do consentimento, o consentimento deve ser sempre prestado pessoalmente. Isto quer dizer que não pode haver prestação do consentimento através de representante. É pessoal, feito oralmente e perante o juiz, porque o juiz tem aqui deveres de informação. O juiz tem que se assegurar que o consentimento é puro (não está viciado) e simples (não lhe pode ser aposta uma cláusula acessória). O consentimento pode ser prestado já no próprio processo de adoção ou antes – art. 1982.º/2. O consentimento prévio (formulado independentemente de um processo de adoção) – art. 35.º regime jurídico do processo de adoção. Nos termos do art. 1983.º CC está previsto que o consentimento é irrevogável. Uma vez prestado o consentimento, ele não mais pode ser revogado. Mais uma razão para o consentimento ser prestado de forma livre. A novidade é que o consentimento não só é irrevogável, mas também não caduca – art. 1983.º/1. O que se impõe é um dever ao MP de atuar – art. 40.º RJPA.
Audição:
Há certas pessoas cuja audição é obrigatória – art. 1984.º. Não têm de consentir, mas têm de ser ouvidas. Art. 1984.º/1/a): outros filhos dos adotantes, biológicos ou adotivos, menores de 12 anos. Art. 1984.º/1/b): se o outro progenitor já tiver falecido, são ouvidos os ascendentes ou então os irmãos maiores. O legislador quer garantir que as duas linhas familiares (materna e paterna) sejam ouvidas.
O art. 1985.º prevê que, em regra, a identidade do(s) adotante(s) não pode ser revelada aos pais biológicos, salvo se o(s) adotante(s) emitir(em) uma declaração expressa no sentido de permitirem essa revelação. Esta norma prevê ainda que a identidade dos pais biológicos pode ser revelada aos adotantes, mas os pais biológicos podem opor-se por declaração expressa a essa revelação.
O adotado pode conhecer as suas origens – art. 1990.º-A CC. Expressamente o legislador proclama o direito ao adotado em conhecer as suas origens. Isto poderia retirar-se da CRP – ex.: art. 36.º. atualmente, a legislação ordinária remete ainda para o art. 6.º do RJPA. Extrai-se do art. 6.º/1/2 que o adotado maior de 16 anos tem direito a obter informação as suas origens. O exercício deste direito ocorre mediante o acompanhamento de técnicos especializados. Entre os 16 e os 18 anos precisa da autorização dos pais adotivos ou de quem exerça as responsabilidades parentais. Os pais adotivos podem requerer informação: acesso a elementos da história pessoal do adotado enquanto ele é menor. No entanto, têm de fundamentar o pedido – apresentar uma razão ponderosa (art. 6.º/6 RJPA). Tem de haver uma intervenção do juiz que aprecia e decide.O legislador no art. 6.º/7 prevê que o MP possa requerer ao tribunal o acesso a elementos da história pessoal do adotado, enquanto ele for menor. O MP só pode fazer este requerimento com base em motivos ponderosos de saúde.
Efeitos da adoção:
	Em primeiro lugar, a adoção produz um efeito constitutivo que retiramos do art. 1986.º: o adotado adquire a situação jurídica de filho do(s) adotante(s) – efeito constitutivo específico – e integra-se com os seus descendentes na família do(s) adotante(s) – efeito constitutivo geral. Para além disso, há uma rutura com a família biológica. Ressalvam-se só duas situações: impedimentos matrimoniais (arts. 1602.º-1604.º) e hipótese de se tratar de uma adoção do filho do cônjuge ou do unido de facto (art. 1986.º/2). Ex.: o António é casado com a Maria. O António vai adotar o filho da Maria. Ao fazê-lo, o filho da Maria passará a ser tratado como filho de António e vai integrar-se na família do António. Isso não significa que se dá um corte com a Maria e com a família da Maria.
	Uma novidade introduzida em 2015 está prevista no art. 1986.º/3: apesar deste corte jurídico com a família biológica, há a possibilidade de se manterem contactos pessoais com elementos da família biológica, nomeadamente com os irmãos.
	A adoção produz efeitos quanto ao nome, nos termos do art. 1988.º, porque são alterados os apelidos. Excecionalmente pode ser alterado o nome próprio.
	A criança adotada por pais portugueses pode adquirir a nacionalidade portuguesa – art. 5.º lei da nacionalidade.
	Estabelecida a adoção não é mais possível estabelecer a filiação natural do adotado ou fazer prova dessa filiação natural. Só se ressalva o processo preliminar do casamento – arts. 1987.º e 1986.º/1 parte final. Durante muito tempo questionou-se se esta norma seria contrária à CRP, por violação do princípio da identidade pessoal. Pode conhecê-los (art. 6.º RJPA); não pode é estabelecer ou fazer prova da filiação. As crianças que nascem fruto da procriação medicamente assistida não podem conhecer a filiação natural. Uma vez decretada a adoção ela é irrevogável – art. 1989.º. Pode, no entanto, excecionalmente, a decisão que decreta a adoção ser revista, nos termos do art. 1990.º.
	Por fim, a adoção tem de ser registada. A adoção é averbada ao assento de nascimento, nos termos do art. 69.º/1 Código do Registo Civil. Nos termos do art. 123.º do mesmo Código pode o adotado requerer que seja elaborado um novo assento, de onde não conste a identificação dos pais biológicos.
Características do Direito (objetivo) da família:
Uma das primeiras características é a forte permeabilidade às alterações sociais. O direito da família, diferentemente do direito das obrigações, tem sofrido ao longo dos séculos alterações em função das alterações que se verificam na sociedade. O exemplo maior é o da reforma de 1977 – o DL n.º 496/77 de 25 de novembro alterou profundamente o ordenamento.
Uma segunda característica é a forte ligação entre o direito da família e o conhecimento produzido noutras áreas científicas. A configuração das soluções adotadas pelo direito da família não pode ficar indiferente ao conhecimento produzido noutras áreas científicas. Exs.: medicina e genética para estabelecer a filiação (art. 1798.º); sociologia que determina as relações familiares que merecem a atenção do direito.
A terceira é a natureza institucional. A família é uma realidade que pré-existe em relação ao Estado. O legislador deve lembrar-se de que está a regular uma realidade pré-jurídica e muitas vezes meta-jurídica. É uma realidade que existe a montante; antes do direito. Esta natureza institucional, no entanto, tem vindo a atenuar-se. Fala-se de uma dupla desinstitucionalização: primeiro no plano dos factos e depois no plano do direito.
Relacionada com a natureza institucional está outra característica – a forte presença de normas imperativas. Mais uma vez, aqui, denota-se uma diferença em relação ao direito das obrigações. Este é apresentado como o reino da autonomia privado; o direito da família foi durante muito tempo hostil à autonomia privada. O poder de conformação dos particulares era diminuto. Isto porque o direito da família não serve o interesse de cada um dos particulares; tem também por fim a satisfação do interessa da família, realidade que ultrapassa o interesse dos seus membros. No entanto, uma das características do direito da família é o da promoção da autonomia privada no âmbito da relação familiar.
A última característica é a coexistência de direito estadual com direito canónico. Temos direito emanado por outras entidades que não apenas o Estado. A verdade é que antes do direito emanado pelo Estado para proteger a família, tínhamos direito religioso. O direito estadual relativo ao casamento, nomeadamente no que diz respeito à formação do contrato de casamento, é fortemente influenciado pelo direito canónico. O Estado português, ao abrigo da Concordata de 2004, reconhece eficácia jurídica aos casamentos celebrados à luz das regras da concordata. Reconhece também eficácia às decisões que sejam proferidas, em certas matérias, pelos tribunais eclesiásticos. No entanto, a lei da liberdade religiosa (lei n.º 16/2001) reconhece importantes manifestações da liberdade religiosa no âmbito familiar.
Características dos direitos subjetivos familiares:
Uma primeira característica, que está a perder força, é a de que os direitos subjetivos familiares são poderes-deveres, ou seja, são poderes funcionais. Estes poderes têm uma forte componente deveral. Em vez de serem posições ativas que traduzem uma soberania da vontade, são fortemente marcadas por limites, restrições – têm uma forte componente passiva. Os direitos familiares, para além da componente ativa, têm uma forte componente passiva – de dever, de vinculação. Os direitos estão desde logo limitados pelo abuso do direito. Assim, os direitos subjetivos não são plena expressão da vontade. Aqui os limites são mais acentuados. Há alguns direitos cujo modo de exercício é regulado na lei – responsabilidades parentais.
Questiona-se se os direitos familiares subjetivos são absolutos ou relativos. Costuma dizer-se que os direitos familiares são direitos relativos, ou seja, aproximam-se dos direitos de crédito e afastam-se dos direitos reais. No entanto, admite-se que, em alguns casos, tenha eficácia erga omnes – exs.: arts. 495.º e 496.º.
Outra característica é o seu caráter duradouro. Aqui distinguem-se dos direitos de crédito – as obrigações nascem para se extinguir. Os direitos familiares nascem para perdurar; são duradouros. Isto tem grandes repercussões em vários pontos do regime.
Outra característica é a tipicidade dos direitos familiares – aqui aproximam-se dos direitos reais. Tanto os direitos familiares como as fontes das relações familiares seguem este princípio.
Outra das características é a fragilidade da garantia, ou seja, o seu incumprimento permanecia, em larga medida, sem sanção. Isto leva à temática da recusa do funcionamento da responsabilidade civil no âmbito familiar. A responsabilidade civil está a emergir com força no âmbito familiar. A fragilidade tem vindo a esmorecer e a garantia a ganhar força – a lei n.º 61/2008 de 31 de outubro com a nova redação do art. 1792.º veio permitir a conclusão de que essa fragilidade foi ultrapassada no âmbito matrimonial.
Outras formas familiares:
Há família para além do art. 1576.º do CC?
Art. 1576.º: relações jurídico-familiares. No entanto, cada vez mais há outras relações: união de facto, economia comum, promessa de casamento, apadrinhamento civil, tutela, ex-cônjuges.
União de facto:
A união de facto caracteriza-se por uma comunhão de leito, mesa e habitação. É uma comunhão muito próxima do casamento. O próprio legislador refere-se à união de facto como uma convivência em condições análogas às dos cônjuges. As pessoas vivem como se fossem casadas sem o serem – não estão ligadas pelo vínculo jurídico do casamento. A união de facto não se confunde com o concubinato duradouro– relação que tem uma componente sexual, mas que não é acompanhada da comunhão de mesa e habitação. Materialmente, a relação é próxima ao casamento; formalmente não o é. A similitude com o casamento faz com que a união de facto tenha de ter alguma duração, estabilidade, para ter relevância jurídica e caracteriza-se pela unidade ou exclusividade – uma pessoa só pode estar em união de facto com outra pessoa. Gera-se, neste caso, uma aparência de casamento, que pode conduzir a que, sob o ponto de vista jurídico, tenhamos que proteger terceiros que contratam com estas pessoas.
Proteção constitucional:
A CRP não prevê diretamente proteção para a união de facto. Não estando diretamente contemplada na CRP, importa saber se conseguimos retirar dela a conclusão de que a união de facto deve ser juridicamente protegida.
O entendimento que podia ser seguido, mas que deve ser afastado, é o de que se poderia retirar do art. 36.º (direito a contrair casamento). No entanto, a vertente negativa do direito a contrair casamento é o direito a não contrair casamento e não o direito à união de facto.
Parte da doutrina entende que a proteção da união de facto se deve extrair da previsão de um direito a constituir família – art. 36.º/1. Entendem que no direito a constituir se insere a união de facto. Este direito a constituir família é, para estes autores, a abertura constitucional, se não mesmo, a obrigação para conferir o devido relevo jurídico às uniões de facto.
Não é, no entanto, um entendimento unânime. Há várias vozes que recusam este entendimento, não por recusarem a união de facto como família, mas porque entendem que a sede constitucional da união de facto é o direito ao livre desenvolvimento da personalidade – art. 26.º. Dizem que a união de facto é uma forma de exercício desse direito. Cada indivíduo pode traçar o seu projeto biográfico, que pode passar pela vivência em união de facto.
Assim sendo, não há unanimidade quanto à sede constitucional da união de facto, mas de todos os entendimentos se retira que não se pode proibir ou sancionar a união de facto (art. 18.º), mas também não se pode equiparar ao casamento, porque isso violaria a garantia institucional que a CRP dá ao casamento. Para além disso, também não pode o intérprete fazer uma extensão do regime do casamento à união de facto. Para que possa fazê-lo, terão que estar verificados os requisitos da aplicação analógica: tem de haver uma lacuna e tem que se verificar uma analogia substancial entre as situações para que a situação que valha para o casamento também possa valer para a união de facto. A aplicação indiferenciada do regime do casamento à união de facto violaria o direito a casar na sua vertente negativa. Em princípio, as normas excecionais não podem ser aplicadas por analogia – art. 11.º.
Regime jurídico:
As primeiras referências ao termo “união de facto” pelo legislador foram em 1977, no art. 2020.º. Em 1999, pela lei n.º 135/99 de 28 de agosto, o legislador veio coligir, num único diploma, a eficácia jurídica fragmentada da união de facto. Em 2001, a lei n.º 7/2001 de 11 de maio, que revogou a anterior, continuou a ser um repositório sintético da eficácia jurídica da união de facto, mas com um alargamento da proteção. Ex.: previu-se a possibilidade de adoção conjunta. Esta lei fez uma equiparação parcial entre as uniões de facto heterossexual e homossexual. Houve exemplos em que não houve equiparação – adoção conjunta. Depois temos a lei n.º 61/2008 de 26 de outubro, que alterou o regime da união de facto no que diz respeito às responsabilidades parentais. A partir daí, as responsabilidades parentais passaram a ser equiparadas às que resultam do regime do casamento. A lei n.º 23/2010 de 30 de agosto veio alterar a lei de 2001. Reforçou-se a proteção dos unidos de facto. Uma última alteração foi produzida pela lei n.º 2/2016 de 29 de fevereiro, que veio permitir a adoção conjunta mesmo por unidos de facto do mesmo sexo. Há quem diga que este é um caminho de institucionalização da união de facto.
Características da relação jurídica da união de facto – Lei n.º 7/2001 de 11 de maio, com as alterações da lei n.º 23/2010, de 30 de agosto:
Art. 1.º/1: tem de haver uma comunhão de leito, mesa e habitação. Comunhão de leito: tem de ter uma relação com uma componente sexual. Comunhão de mesa: tem que haver uma partilha de recursos, ou, pelo menos, uma entreajuda em termos económicos. Comunhão de habitação: o local onde residem é o mesmo. Uma das dificuldades que pode existir é a prova. Por isso, o legislador, no art. 2.º-A, previu um regime para a prova da união de facto. O segundo requisito é uma duração mínima – art. 1.º/2: a união de facto deve durar, pelo menos, dois anos. Questiona-se a articulação deste prazo com outros prazos – são cumulatórios ou não? O entendimento maioritário é o de que, quando há prazos especiais, devem ser esses a aplicar-se.
Para além disso, hoje não se exige a diversidade de sexos dos membros da união de facto. Hoje há uma tendencial equiparação das uniões de facto, quer sejam homossexuais ou heterossexuais. É uma equiparação tendencial, porque a lei n.º 32/2006 só prevê o acesso a estas técnicas a casais casados ou unidos de facto de sexo diferente ou casais formados por duas mulheres. Outro aspeto onde pode haver uma diferença de regime – art. 1871.º/1/c) (v. 1798.º): para aplicarmos esta presunção de paternidade a união de facto tem de ser heterossexual.
Para que a união de facto seja eficaz, para além dos elementos constitutivos referidos, é preciso que não se verifique nenhum impedimento à eficácia da união de facto. Não se podem verificar nenhum dos factos impeditivos – art. 2.º. O art. 2.º é muito similar aos arts. 1601.º e 1602.º CC (impedimentos matrimoniais), com uma diferença principal – art. 2.º/c) vs. art. 1601.º/c). Ex.: António e Bernardete são casados e separam-se de facto. António requere a separação de pessoas e bens (art. 1795.º-A). Continuam casados, mas deixam de estar vinculados pelo dever de coabitação e assistência, sem prejuízo da obrigação de alimentos. No entanto, mantêm-se os cônjuges vinculados pelos deveres de respeito, cooperação e fidelidade. Se o António quiser casar com a Margarida não pode, mas pode viver em união de facto, o que pressupõe a relação sexual. O legislador reconhece efeitos à união de facto adulterina.
Efeitos da relação jurídica da união de facto:
Quanto aos efeitos pessoais, a união de facto não gera deveres pessoais entre os unidos de facto, ou seja, os unidos de facto não se vinculam reciprocamente a quaisquer deveres pessoais específicos, nomeadamente aos deveres previstos no art. 1672.º. Estão, claro, vinculados a um dever jurídico geral de respeito, mas isso traduz uma obrigação passiva universal. A união de facto não produz efeitos quanto ao nome. Há sim efeitos quanto à possibilidade de aquisição da nacionalidade. Um estrangeiro que viva em união de facto há mais de 3 anos com um cidadão português pode adquirir nacionalidade portuguesa – art. 3.º/3 lei da nacionalidade. Outro efeito é o facto de os unidos de facto poderem adotar conjuntamente, nos termos do art. 1979.º, sem prejuízo de poderem adotar singularmente.
Relativamente aos efeitos quanto aos filhos, no âmbito da ação de investigação de paternidade, pode aplicar-se uma presunção de paternidade, prevista no art. 1871.º/1/c). Quanto ao exercício das responsabilidades parentais, aplica-se o regime especial previsto no art. 1911.º. Quando existe união de facto, o exercício das responsabilidades parentais rege-se pelas disposições do casamento (arts. 1901.º ss.). Em caso de rutura, rege-se pelas normas dos arts. 1905.º-1907.º, previstas para a rutura do casamento.
Quanto ao direito de marcação e gozo de férias vale o art. 241.º/7 Código do Trabalho.
Previsão do crime de violência doméstica – art. 152.º/1/b).
É possível faltar justificadamente para assistir ou acompanhar o outro membro da união de facto – arts. 134.º/2/i) e 3 lei geral do trabalho em funções públicas (lei n.º 35/2014).Quanto ao Código de Trabalho esta possibilidade está prevista no art. 252.º.
Quanto à componente pessoal, há uma forte limitação à autonomia privada. Os unidos de facto não podem exercer amplamente a sua autonomia privada no que diz respeito à conformação da sua relação pessoal – art. 1699.º/1/b). Este artigo impede que haja uma conformação dos deveres, sob pena de tirar o valor à institucionalização do casamento.
No que diz respeito aos efeitos patrimoniais, entre os unidos de facto não vigora um regime de bens em sentido estrito nem o regime primário de bens. O regime de bens é um conjunto de normas, de fonte legal ou convencional, que vão disciplinar a composição das massas patrimoniais no casamento. São normas que vão permitir a definição da titularidade dos bens dos cônjuges ao tempo da celebração do casamento e os adquiridos posteriormente. Não há casamento sem regime de bens. Quem vive em união de facto não está sujeito a um regime de bens. O regime primário de bens é um conjunto de regras que disciplinam as matérias da administração dos bens, das ilegitimidades conjugais, da responsabilidade por dívidas, que se aplica a todos os casamentos, qualquer que seja o regime de bens que vigore no casamento – arts. 1678.º ss. (regras imperativas). Aos unidos de facto, em princípio, aplica-se o regime comum de direito civil (direito das obrigações e direito das coisas). Isto quer dizer que quanto aos unidos de facto vigora uma ampla autonomia privada relativamente aos aspetos patrimoniais. Há limites – arts. 280.º e 2196.º.
Os unidos de facto podem celebrar entre si um pacto de coabitação. Um pacto de coabitação pode ser qualificado como uma união de contratos. Os unidos de facto podem, num mesmo instrumento negocial, agregar vários negócios jurídicos que estão conexionados uns com os outros e que têm na causa a união de facto que existe entre eles. Podem determinar que os bens móveis que forem adquiridos na constância da união de facto presumem-se detidos em compropriedade. Podem clausular um mandato – atribuir poderes a um para praticar atos por conta de outro. Podem convencionar direitos de preferência. Assim, podem congregar num mesmo documento vários negócios jurídicos. Cada um vai ser apreciado isoladamente, ainda que seja elemento de uma união de contratos. Se uma cláusula da união de contratos prevê um negócio nulo, há uma redução nos termos do art. 292.º.
Há pontualmente a possibilidade de, quando haja analogia de situações, aplicar o regime matrimonial. Ex.: art. 1691.º/1/b) – grande parte da doutrina diz que quando haja uma dívida de um dos unidos de facto para acorrer aos encargos normais da vida familiar, essa dívida responsabiliza não só quem a contraiu, mas também o seu companheiro, por aplicação analógica desta norma. A dívida deixa de ser singular, passando a ser plural. Sendo plural, a dívida pode ser solidária ou conjunta. A regra é a conjunção – art. 513.º. Não prescrevendo a lei ou as partes a solidariedade, a dívida será conjunta. Por outro lado, retiramos a aplicação da conjunção do art. 1695.º/2: se aplicamos a conjunção a quem está casado por separação de bens, por maioria de razão aplicamos a conjunção a quem nem sequer está casado.
Extinção da relação de união de facto:
A união de facto pode extinguir-se por várias formas – art. 8.º: porque um ou os dois unidos de facto morre(m), porque rompem a relação, unilateralmente ou por acordo. A extinção tem consequências, porque, ainda que não haja um regime de bens, há uma interpenetração patrimonial. A confusão patrimonial tinha uma causa – a vivência em união de facto. Essa causa desaparece quando a união de facto se extingue. Temos primeiro que ver se há alguma regra de pacto de coabitação que se aplique. Se não houver, temos que recorrer a normas de direito civil comum. Pode aplicar-se o regime das sociedades de facto, por termos uma situação fáctica que se reconduz a essa entidade societária. Noutros casos podemos aplicar as regras da compropriedade – há muitos bens apreendidos pelos dois unidos de facto. Podemos ainda afirmar, por comportamentos concludentes a celebração de contratos, nomeadamente tacitamente (ex.: mútuo). Outro regime é o enriquecimento sem causa – arts. 473.º ss. Se se identificar que o património de um dos unidos de facto se enriqueceu, por, por exemplo, se ter integrado o direito de propriedade sobre um determinado bem, à custa de outrem, isto é, se se comprovar que o outro contribuiu para pagar o preço relativo à propriedade daquele bem, haverá um empobrecimento. A esta deslocação patrimonial faltará uma causa. Em muitos casos, a causa existiu, mas com a rutura da união de facto deixa de existir. Nascerá uma obrigação de restituir, cujo montante é definido segundo as regras do enriquecimento sem causa. Nestes casos, os tribunais determinam apenas restituição por equivalente. Noutros ordenamentos pode acontecer que as decisões judiciais neste caso apontem para a constituição de uma compropriedade sobre o bem.
Há um risco da aplicação do enriquecimento sem causa. À luz da reta posição dos interesses, só deve ser aplicado quando aquela deslocação patrimonial não tenha causa. Com frequência, a rutura da relação familiar não é extinção da causa.
Extinção voluntária – rutura:
Os unidos de facto têm total liberdade para pôr fim à relação de união de facto. Isto é uma decorrência de que os unidos de facto não assumem entre eles qualquer compromisso jurídico. ao fazê-lo, não está a violar qualquer direito do outro, nem sequer está a violar qualquer norma de proteção. Por consequência, a rutura da união de facto por um dos unidos de facto não gera, em princípio, uma obrigação de indemnizar, ou seja, o ato de rutura não consubstancia um ato de responsabilidade civil. Não existe responsabilidade obrigacional porque as partes não estão vinculadas a nenhuma obrigação. Também não existe responsabilidade extracontratual porque esta pressupõe a verificação dos requisitos do art. 483.º/1. É necessário que exista a prática de um ato ilícito, culposo e que cause danos ao outro unido de facto. A dificuldade surge logo ao nível do requisito da ilicitude. Existem 3 modalidades de ilicitude: violação de um direito absoluto (que não se verifica), violação de uma norma de proteção (também não existe neste caso). Resta averiguar se poderá haver um exercício abusivo da liberdade de rutura. Discute-se se poderá aplicar-se a figura do abuso de direito. é preciso que estejam verificados os requisitos do art. 334.º, o que só pode ser apreciado casuisticamente. Há casos em que o abuso de direito pode estar presente. Ex.: união de facto que durou várias décadas. A mulher decide deixar de trabalhar para acompanhar o homem, que tem uma vida profissional muito ativa. Este senhor é um médico de renome e presta os seus serviços, sobretudo, a pessoas estrangeiras. A mulher, com preparação estrangeira, é quem lhe prepara os papeis da sua clínica. Um dia, o unido de facto homem informa, por escrito, que tem de sair imediatamente de casa e tem uma semana para ir buscar as cosias dela e muda a fechadura. São pessoas de idade já avançada. Este é um caso paradigmático que tem surgido – um caso inesperado criado pela contraparte poderá constituir um ato ilícito à luz do art. 334.º. A consequência é a obrigação de indemnizar.
O efeito principal diz respeito à proteção da casa de morada de família – art. 4.º lei n.º 7/2001. Temos que distinguir duas situações. Por um lado, a situação em que a casa em que os unidos de facto vivem é propriedade de um deles ou é compropriedade dos dois. Nesse caso, é de aplicar o art. 1793.º CC. Esta é uma norma prevista para o casamento. Esta norma permite que um dos cônjuges requeira a atribuição da casa de morada de família a título de arrendamento. Ou seja, um dos unidos de facto, em caso de rutura de união de facto, pode requerer ao tribunal que a casa lhe seja atribuída por arrendamento. Isto aplica-se quer a casa seja só de um dos cônjuges ou em compropriedade. Se a casa for propriedade de ambos,o unido de facto só tem de pagar metade da renda, porque se dá o fenómeno da confusão: é simultaneamente devedora da renda e credora de metade da renda. Atualmente, o legislador não faz depender a aplicação deste regime da existência de filhos comuns.
Por outro lado, devemos considerar o caso de os unidos de facto viverem numa casa arrendada. Neste caso, nos termos do art. 4.º deve aplicar-se o art. 1105.º CC. Esta norma é também prevista para o casamento. Dita que os unidos de facto podem acordar entre si quem ocupará a posição de arrendatário. Não precisam do consentimento do senhorio. Se os dois unidos de facto eram arrendatários, podem decidir que a posição contratual se concentra num deles. Podem acordar que a posição contratual se transfere de um para o outro. Se não acordarem, qualquer dos unidos de facto pode requerer à autoridade pública que a posição de arrendatário lhe seja atribuída. Quer o art. 1793.º quer o art. 1105.º referem-se a uma intervenção do tribunal – a um pedido formulado perante o tribunal e decidido por este. Com o DL n.º 272/2001, de 13 de outubro, esta competência foi transferida dos tribunais para as conservatórias de registo civil, no seu art. 5.º. Arts. 1793.º e 1105.º v. 5.º DL.
Extinção por morte de um dos unidos de facto:
Há um direito a alimentos previsto no art. 2020.º CC. Em 1977, o direito a alimentos era subsidiário; em primeiro lugar, aplicar-se-ia o art. 2009.º. A subsidiariedade desapareceu em 2010. Pode exercer este direito sem tentar obter alimentos de outras pessoas. Prevê-se um direito de alimentos do unido de facto sobrevivo em relação à herança do unido de facto falecido. A medida de alimentos afere-se por aplicação dos critérios gerais – arts. 2003.º e 2004.º: o indispensável ao vestuário, sustento e habitação. Este direito está sujeito a um prazo de caducidade previsto no art. 2020.º/3: 2 anos.
A proteção da casa de morada de família, em caso de morte, está prevista no art. 5.º da lei da união de facto. Temos mais uma vez que distinguir consoante a casa seja propriedade de um dos unidos de facto ou compropriedade de ambos ou caso seja arrendada. Quanto ao primeiro caso, as regras a aplicar são as do art. 5.º/1 a 9. Esta proteção foi reforçada em 2010. Destas normas resulta uma cascata de direitos que se interligam e que surgem na sequência uns dos outros. O primeiro direito é um direito de habitação sobre o imóvel que foi casa de morada de família – direito real de habitação – e um direito de uso sobre o respetivo recheio, durante, no mínimo, 5 anos a contar da data da morte do unido de facto. Estes direitos estão regulados nos arts. 1484.º ss. CC. Se a união de facto for eficaz estes direitos vão perdurar por, pelo menos, 5 anos. Se a união de facto tiver durado mais de 5 anos, estes direitos perduram pelo mesmo período em que a união de facto se manteve. Para além desta vigência, o art. 5.º/4 prevê que, excecionalmente, o tribunal possa alargar o período de vigência destes direitos. Estes direitos (de natureza real), atendendo às suas características, nomeadamente a sequela, vão onerar o direito real e essa oneração mantém-se mesmo que haja transferência a terceiros. Esgotado o prazo por que estes direitos vigoraram, o unido de facto sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário – tem o direito potestativo à celebração de um contrato de arrendamento (art. 5.º/7). Por fim, o unido de facto tem um direito de preferência quanto à alienação do imóvel, durante todo o período por que permanecer no imóvel. É um direito legal de preferência, dotado do caráter de imperatividade. Art. 1410.º.
Caso a casa de morada de família seja arrendada, aplica-se, nos termos do art. 5.º/10, o regime do art. 1106.º CC. É uma exceção à caducidade do arrendamento por morte do arrendamento. Se existir alguma das pessoas aqui previstas, a posição de arrendatário não se extingue; transmite-se a essas pessoas. Art. 1106.º/1/b) – unido de facto.
Outro efeito é a possibilidade de o unido de facto sobrevivo ser ressarcido pelos danos que a morte do unido de facto falecido lhe tenha causado. Esta possibilidade pressupõe que a morte do unido de facto falecido seja imputável a um terceiro. Nesse caso, o unido de facto sobrevivo pode solicitar uma indemnização por danos morais – art. 495.º/3.
Entre os unidos de facto não existe uma obrigação legal de alimentos. Pode existir uma obrigação negocial de alimentos – obrigação civil de alimentos. No entanto, normalmente, a comunhão de vida é acompanhada de prestação de alimentos um ao outro. Esta será uma obrigação de alimentos meramente natural. Estão reunidos os requisitos que o art. 402.º prevê para a obrigação natural. Demonstrando-se que havia esta obrigação natural, a morte do unido de facto imputável a um terceiro fará com que tenha que indemnizar o unido de facto sobrevivo pelos danos patrimoniais decorrentes da impossibilidade de cumprimento da obrigação de alimentos. Esta será uma das situações de previsão de eficácia externa das obrigações, que será uma exceção ao princípio geral. A obrigação natural converte-se em obrigação civil – pode ser exigível a terceiro. Por força do disposto no art. 496.º/3, em caso de morte do unido de facto por facto imputável a terceiro, o unido de facto sobrevivo pode ser compensado pelos danos morais que dele decorram. E se o unido de facto sofrer uma lesão corporal perpetrada por terceiro que não lhe causa a morte, mas o deixa numa situação de grande gravidade? Nesse caso, estes danos não patrimoniais reflexos podem ser ressarcidos? E se houver casamento, podem ser ressarcidos estes danos? A questão é saber se o art. 496.º/2 e 3 se refere apenas aos danos não patrimoniais reflexos da morte ou não. Há quem entenda que, em princípio, os danos não patrimoniais reflexos não são ressarcíveis, daí que o legislador tenha previsto o caso excecional da morte. No entanto, tem vindo a surgir um entendimento que o ressarcimento pode surgir inclusivamente do art. 496.º/1. Os números 2 e 3 há um conjunto de pessoas que tendencialmente sofrem. Não se trata de restrição de ressarcimento, mas sim a definição, naquele caso comum, de quem tem direito a ressarcimento. Há um acórdão de uniformização de jurisprudência de 6 de 2014 de 9 de janeiro: podem ser ressarcíveis os danos não patrimoniais particularmente graves sofridos pelo cônjuge da vítima sobrevivente, atingida de forma particularmente grave. Subsiste a questão em relação às pessoas dos números 2 e 3.
Há direito a prestações sociais decorrentes da morte de um dos unidos de facto: subsídio por morte ou pensão de sobrevivência. Há também direito a prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional – arts. 3.º/1/f) e g) e 6.º. Há ainda a possibilidade de faltar justificadamente ao trabalho durante 5 dias consecutivos – arts. 251.º/2 CT, 134.º/2/b) Lei geral do trabalho em funções públicas.[1: Há um acórdão de uniformização de jurisprudência – acórdão 3 de 2013, de 15 de março de 2012.]
	
Atualmente, há quem entenda que a união de facto é uma verdadeira relação familiar.
Apadrinhamento civil:
O apadrinhamento civil é uma relação jurídica que foi criada pela lei n.º 103/2009 de 11 de setembro, mais tarde regulamentada pelo DL n.º 121/2010 de 27 de outubro. A lei n.º 2/2016 de 29 de fevereiro veio admitir que um grupo familiar formado por duas pessoas do mesmo sexo possa apadrinhar. O apadrinhamento civil é uma figura intermédia entre alguns institutos jurídicos: adoção e tutela. É uma figura pensada para responder ao drama da institucionalização de crianças e jovens. Há crianças que não podem beneficiar de apoio e acompanhamento dos seus pais biológicos, mas que também não são suscetíveis de ser adotadas. A institucionalização não pode ser a única resposta. O apadrinhamento é caracterizado pela unidade – não podem existir vários apadrinhamentos civis relativos à mesma pessoa. O art. 6.º prevê um alargamento do apadrinhamento que tenha sido constituído – alarga-se a mais pessoas.Quem pode apadrinhar:
Os padrinhos são as pessoas previstas no art. 4.º: pessoas com mais de 25 anos, desde que tenham sido habilitadas para o efeito. A habilitação está regulamentada no art. 12.º. A candidatura ao apadrinhamento está prevista no art. 2.º DL. Art. 11.º/5: podem também ser pessoas idóneas ou famílias de acolhimento a quem a criança já tenha sido confiada em processo de promoção e proteção.
Quem pode ser apadrinhado:
Pode ser apadrinhada qualquer criança ou jovem menor de 18 anos, desde que se encontre numa das situações previstas no art. 5.º/1 e desde que não se verifiquem os pressupostos da confiança com vista à adoção (art. 5.º/2). Uma pessoa só é apadrinhada quando a adoção não é viável. O objetivo do apadrinhamento é o de criar vínculos afetivos com outras pessoas que não a família biológica que permitam à criança ou ao jovem desenvolver-se de forma harmoniosa e integral. É uma medida que promove os direitos das crianças e dos jovens. Por isso, o art. 5.º/1 prevê que o apadrinhamento só pode ser determinado se trouxer reais vantagens para a criança. Um quadro afetivo que não pode passar pela adoção. Este quadro afetivo não importa a rutura com a família biológica. A lógica do apadrinhamento é diferente da da adoção – lógica cooperativa/compromissória. O apoio proporcionado pelos padrinhos deve articular-se com o apoio que a família biológica possa proporcionar.
Efeitos do apadrinhamento:
Quanto à eficácia da relação de apadrinhamento, o apadrinhamento não constitui uma relação de filiação – não pressupõe o corte com a família biológica. Os pais biológicos conservam um conjunto extenso de direitos, desde logo, aqueles que sejam previstos no compromisso de apadrinhamento civil, mas também aqueles que resultam da lei, nos termos do art. 8.º/1. O apadrinhamento não produz efeitos sucessórios legais. Por disposição testamentária, os padrinhos e afilhados podem dispor do seu património para depois da morte nos termos gerais.
Os padrinhos passam a exercer os poderes-deveres que cabem aos pais, desde logo, um conjunto de deveres que podem ser agrupados sob a designação responsabilidades parentais, nos termos do art. 7.º/1. Nos termos do art. 7.º/2, o exercício das responsabilidades parentais pelos padrinhos está sujeito a alguns limites previstos para os tutores – v. arts. 1936.º-1941.º. O exercício das responsabilidades parentais pelos padrinhos cessa nos termos do art. 24.º: nos mesmos termos em que cessam as responsabilidades parentais dos pais.
Quanto aos efeitos de alimentos, nos termos do art. 21.º, preveem-se direitos e obrigações de alimentos recíprocos. Em princípio, são os pais biológicos que prestam alimentos. Se eles não tiverem possibilidade, são os padrinhos – art. 21.º/1. Nos termos do art. 21.º/2, os afilhados consideram-se e são tratados como filhos. Esta obrigação de alimentos cessa nos termos do art. 24.º.
O apadrinhamento produz efeitos de natureza social e tributária. A lei prevê direitos de caráter social e tributário no art. 23.º. Os direitos dos padrinhos estão previstos no art. 23.º/2. Os direitos do afilhado estão previstos no art. 23.º/3. No art. 23.º/1 preveem-se direitos comuns a uns e outros.
O apadrinhamento civil gera um impedimento matrimonial, nos termos do art. 22.º. Art. 1604.º CC: impedimentos impedientes matrimoniais. Para além destes, existe, pelo menos, o impedimento que resulta do art. 22.º. Art. 1604.º v. 22.º. É um impedimento meramente impediente: significa que o padrinho e o afilhado não podem casar. No entanto, se casarem, o casamento é válido. Aplica-se apenas a sanção prevista no art. 22.º/3. O padrinho ou a madrinha não podem receber qualquer benefício do seu consorte nem por doação nem por testamento. A sanção é unidirecional – o afilhado pode receber. Este impedimento é relativo, porque diz respeito apenas a estas duas pessoas (padrinho e afilhado). O tratamento dado a este impedimento é muito diferente do tratamento que resulta ao exercício das responsabilidades parentais – art. 1602.º/b) CC.
Forma de constituição:
A relação de apadrinhamento pode ser constituída ou por homologação de um compromisso de apadrinhamento, nos termos do art. 13.º/2, ou por decisão do tribunal, nos casos previstos no art. 13.º/1. O tribunal competente para a constituição do apadrinhamento é o Tribunal de família e menores – art. 18.º. A constituição da relação de apadrinhamento pressupõe o consentimento de algumas pessoas – art. 14.º. O consentimento pode ser dispensado nos termos do art. 14.º/4. O compromisso de apadrinhamento ou a decisão judicial de apadrinhamento tem de conter as menções previstas no art. 16.º - conteúdo mínimo obrigatório.
A relação de apadrinhamento é uma relação tendencialmente perpétua e de natureza permanente, nos termos do art. 24.º/1. Art. 24.º/2: há certos efeitos, os relacionados com as responsabilidades parentais e obrigação de alimentos, que cessam antes.
O apadrinhamento, ao contrário da adoção, pode ser revogado nos termos do art. 25.º. Pode ser revogado porque já não segue os interesses que o apadrinhamento visa prosseguir, mas também por mútuo consentimento dos intervenientes no compromisso do apadrinhamento. Revogado o apadrinhamento, produz efeitos ex nunc – só para futuro. Isto não significa que os padrinhos não conservem alguns direitos – art. 26.º. O apadrinhamento é um facto sujeito a registo civil – arts. 28.º/1 lei e 1.º/1/i) Código Registo Civil.
A verdadeira valia desta figura ainda está por determinar. Tem vantagens – regime compromissório –, mas também desvantagens – semelhanças com outras figuras.
Vida em economia comum:
A vida em economia comum está regulada na lei n.º 6/2001 de 11 de maio. A vida em economia comum já produzia efeitos independentemente desta lei – arts. 1093.º/1/a), 1040.º/3, 2080.º/3. Nos termos do art. 2.º/1, a vida em economia comum pressupõe uma comunhão de mesa e de habitação. Não tem conotação sexual – não tem de haver comunhão de leito. É uma diferença relativamente à união de facto. Quem vive em união de facto vive necessariamente em economia comum; quem vive em economia comum pode não viver em união de facto. Art. 1.º/3 esclarece que o facto de viver em união de facto não prejudica a vida em economia comum. As pessoas podem escolher o regime.
Há uma entreajuda ou partilha de recursos. Por entreajuda significa-se a comunhão de mesa e habitação. O que quer dizer que ambos contribuem para os encargos da vida em comum, apoiando-se mutuamente. Para esse efeito, podem partilhar recursos – podem pôr em comum os seus rendimentos. Os encargos têm de ser partilhados. Para além disso, podem partilhar os rendimentos. Quer a entreajuda quer os recursos não têm de ser económicos, patrimoniais. Pode ser entreajuda humana, sentimental, psicológica. Esta entreajuda e partilha de recursos não tem de ser no seio comum.
Na vida em economia comum podem viver mais de duas pessoas – duas pessoas ou mais. A única exigência que o legislador faz no art. 2.º/2 é que pelo menos uma delas seja maior. Quanto ao requisito da duração, o legislador exige a duração mínima de 2 anos, para que a vida em economia comum seja eficaz. Há exceções – art. 1106.º/1/c) (transmissão da posição de arrendatário).
Para além dos pressupostos constitutivos, é preciso que não se verifique nenhum dos impedimentos – art. 3.º. Art. 3.º/a): quando haja contratos que importem a ocupação pelos contraentes do mesmo espaço físico, não se aplica o regime da vida em economia comum. Art. 3.º/b): também não se aplica quando a convivência seja determinada por relação laboral – serviços domésticos. O legislador não quer que a convivência sobre o mesmo teto seja imposta por contrato; quer que a convivência seja espontânea. Deve ser gerada e mantida espontaneamente. Art. 3.º/c): o legislador quer que esteja subjacente à vida em economia comum um plano estável. A razão de ser não deve ser transitória. Art. 3.º/d): o legislador, mais uma vez, quer garantir a liberdade da vontade.
Efeitos:
Um dos efeitos principaisé o efeito relacionado com a proteção da casa de morada comum – art. 5.º. No caso de rutura, não há proteção prevista para esse efeito. Não podemos aplicar nem o regime do art. 1105.º nem do art. 1973.º. Há, sim, proteção no caso de morte. Aí temos que distinguir caso a casa seja propriedade do falecido ou seja arrendada. Se a casa em que viviam em economia comum for propriedade do sujeito falecido, as pessoas que com ele viviam em economia comum beneficiam de um direito real de habitação da casa durante um período de 5 anos. Não há direito de uso nem possibilidade de este período ser estendido, ao contrário daquilo que acontece na união de facto. Há um direito de preferência na alienação do imóvel também durante 5 anos. Esta proteção é supletiva como decorre do art. 5.º/2 in fine. Esta proteção pode ser afastada por disposição testamentária em contrário. A proteção dos unidos de facto não pode ser afastada. Se se dispuser a casa de morada de família a favor de terceiro significa que se afasta este direito? O direito de habitação onera a alienação. Para além de poder ser afastada por disposição testamentária, este regime não se aplica nos casos do art. 5.º/2 e 3. Se, há pelo menos um ano, viver um descendente ou ascendente com aqueles que vivem em economia comum e essa pessoa quiser viver na casa, afasta-se o regime supletivo. Se a casa for arrendada, aplicamos o regime do art. 1106.º/1/b): aqueles que vivem em economia comum com o falecido podem vir a ocupar a posição de arrendatário.
A vida em economia comum pode produzir outros efeitos – direitos sociais e tributários – art. 4.º/1/a), b) e c). Produz também efeitos relacionados com o regime jurídico das férias, faltas, licenças e preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública – arts. 241.º/5 e 251.º/2 CT. Há ainda efeitos fiscais que decorrem do art. 4.º/c), nomeadamente no que diz respeito à tributação do rendimento de pessoas singulares (IRS).
Princípios constitucionais do direito da família:
	Estes princípios extraem-se em particular dos arts. 36.º, 67º, 68.º e 69.º CRP. Podemos enunciar vários princípios:
Direito à celebração do casamento (art. 36.º/1/2ª parte CRP): é um DLG e recebe proteção do art. 18.º. Não é um direito absolutamente livre; pode ser restringido, desde que, na restrição, se observem as exigências do art. 18.º. Podem haver razões objetivas que justifiquem a restrição ao direito a contrair casamento. Essas razões é que justificam os impedimentos matrimoniais – arts. 1602.º, 1604.º, 22.º lei. Faltando uma razão objetiva e que passe o crivo do art. 18.º, qualquer outra limitação a este direito seria inconstitucional.
Mesmo uma lei que impusesse o consentimento prévio seria inconstitucional. Uma lei que limitasse o acesso a certas profissões em função do estado civil seria inconstitucional. Art. 2233.º: é contrária à lei a previsão em testamento de disposição que dependa da vontade do beneficiário casar ou não casar. É este direito a contrair casamento que o legislador se preocupa garantir que justifica o regime do contrato-promessa de casamento. Se fosse possível a execução específica, esta liberdade estaria comprometida. O casamento, além de objeto deste direito fundamental, é objeto de garantia institucional – o legislador não pode descaracterizar a figura.
Direito a constituir família (art. 36.º/1 1ª parte): alguns autores defenderam que o art. 36.º/1 não prevê dois direitos diferentes, mas apenas um direito, porque o direito a constituir família abarca o direito a constituir família através do casamento. Este argumento não pode ser acolhido, desde logo pelo elemento literal, mas também porque a inversão da ordem em relação aos instrumentos internacionais demonstra que o legislador não queria reconduzir um direito a outro. Segundo algumas vozes da doutrina (Gomes Canotilho e Vital Moreira), na referência ao direito a constituir família, o legislador constituinte terá em primeira linha querido referir-se à união de facto. Segundo estes autores, daqui se retira a proteção constitucional da união de facto. Não é, no entanto, um entendimento único. Há autores que, sem prejuízo da proteção constitucional da união de facto que colhem do art. 36.º, entendem que o direito a constituir família se reporta fundamentalmente às relações de filiação – abarcará o direito a procriar e o direito a estabelecer os correspondentes vínculos jurídicos da filiação. Não há aqui referência à adoção, porque essa está autonomizada.
Há prazos para estabelecer a filiação – arts. 1817.º e 1873.º. Como é que esses prazos se articulam com o direito a constituir família, sendo que são uma restrição a esse direito? Segundo alguns autores e decisões judiciais, é uma restrição inconstitucional. O Tribunal Constitucional entendeu que não.
Competência da lei civil para regular os requisitos, os efeitos e a dissolução do casamento, independentemente da sua forma de celebração: art. 36.º/2 CRP.
Quanto aos efeitos e dissolução, não tem havido problemas de maior. Quanto aos efeitos, a igreja católica não se tem ocupado da regulação dessa matéria, portanto, não há um concurso de regras. Quanto à dissolução e quanto aos requisitos do casamento, a convivência entre várias ordens jurídicas não tem sido isenta de problemas. Esta questão é particularmente premente quando vemos o art. 1625.º CC. O casamento católico, quando exista uma causa relativa à sua nulidade, essa causa é julgada pelos tribunais eclesiásticos, que aplicam direito canónico. Como se conjuga o art. 1625.º CC e o art. 36.º/2 CRP?
A nulidade contende com os requisitos da celebração do casamento. Há autores (Gomes Canotilho e Vital Moreira) que dizem que o art. 1625.º é desconforme à CRP, portanto, entendem que foi revogado pelo art. 36.º/2 CRP.
Este entendimento não é, no entanto, o único defensável. Uma grande parte da doutrina portuguesa (Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira) entende que o art. 1625.º não é desconforme à CRP. O art. 1625.º corresponde ao art. 16.º da Concordata celebrada entre o Estado português e a Santa Sé em 2004 e correspondia ao art. 25.º da concordata anterior, de 1940. A Concordata data de 1940, anterior à CRP. Em 1975, houve uma renegociação entre o Estado português e a Santa Sé a propósito dessa concordata e foi assinado em 15 de fevereiro de 1975 o Protocolo adicional à Concordata. No art. 2.º previa-se expressamente que todos os arts. da Concordata, salvo o art. 24.º, se mantinham em vigor. Estes autores entendem então que não é crível que através da CRP de 1976 o Estado Português quisesse desvincular-se do compromisso assumido no ano anterior. Defendem, por isso, que o art. 36.º/2 tem de ser interpretado restritivamente. Isto quer dizer que quando o legislador diz que cabe à lei civil regular os pressupostos, efeitos e dissolução do casamento, quanto aos pressupostos, o que se atribui à lei estadual é a competência para regular a capacidade civil para casar. É isso que se reflete no art. 1596.º CC. A nova concordata reproduz no art. 16.º o regime do art. 1625.º, com uma ligeira diferença. No art. 25.º da concordata anterior atribuía-se uma competência exclusiva aos tribunais eclesiásticos para aquelas matérias. No art. 16.º da concordata atual não se dá competência exclusiva. Para além disso, as decisões dos tribunais eclesiásticos, nos termos do art. 16.º/2, passaram a estar sujeitos a revisão pelos tribunais estaduais. As repercussões que se extraem da nova concordata é que agora o legislador pode mudar o regime do art. 1625.º e retirar a exclusividade da competência aos tribunais eclesiásticos. No entanto, enquanto não o fizer, o art. 1625.º continua em vigor.
Admissibilidade do divórcio para qualquer tipo de casamento – art. 36.º/2. O divórcio é possível e tem de ser garantido para todos os contratos de casamento, qualquer que seja a forma de celebração. O divórcio é um direito de que todos os cônjuges são titulares. Isso resulta da alteração do art. 24.º da Concordata, que não permitia o divórcio em casamentos católicos.Igualdade de direitos e deveres dos cônjuges quanto à sua capacidade civil e à manutenção e educação dos filhos – arts. 36.º/3 CRP e 1671.º CC. Antes o cônjuge marido ocupava a posição de domínio.
Casamento:
Sistema matrimonial:
Um sistema matrimonial é um conjunto de normas que regulam o instituto jurídico do casamento, disciplinando os seus requisitos (quanto à capacidade, quanto à forma, quanto ao consentimento matrimonial), os efeitos do casamento, sejam os de natureza pessoal, sejam os de natureza patrimonial e, por fim, as formas de dissolução do vínculo. Engloba normas de natureza substantiva, mas também abrange normas de natureza processual e ainda normas de natureza registal.
Costumam distinguir-se 4 sistemas matrimoniais:
Sistema matrimonial de casamento religioso obrigatório: neste sistema todas as pessoas, independentemente da religião que professem, querendo casar, têm de o fazer segundo os ritos de uma igreja e segundo as regras jurídicas emanadas dessa igreja. Neste sistema, não há regulamentação estadual do casamento civil. Um sistema matrimonial desta espécie constitui uma violação dos princípios da laicidade e da liberdade religiosa, que são reconhecidos entre nós. No entanto, historicamente, este sistema já vigorou em Portugal e continua a vigorar em Estados como o Vaticano e a Arábia Saudita.
Sistema matrimonial de casamento civil obrigatório: neste sistema matrimonial, o Estado só reconhece uma espécie de casamento – só reconhece efeitos jurídicos ao casamento que seja celebrado segundo as regras estaduais. Quando este sistema matrimonial vigora e no respetivo ordenamento jurídico é reconhecida a liberdade religiosa e a liberdade de culto, a cerimónia religiosa não é proibida/ilícita; simplesmente não tem relevância jurídica. Este sistema vigora em alguns ordenamentos jurídicos atualmente: França, Bélgica, Holanda.
Sistema matrimonial de casamento civil facultativo: neste sistema matrimonial, o Estado reconhece aos nubentes a liberdade de escolha entre o casamento civil e o casamento religioso. Quer dizer, o Estado reconhece efeitos jurídicos em qualquer dos casos. O que significa que quem casar religiosamente, não tem que casar civilmente. Dentro deste sistema de casamento civil facultativo, temos que distinguir duas sub-modalidades:
Sistema de casamento civil facultativo na 1ª modalidade: neste sistema, o Estado reconhece várias formas de celebrar o casamento, mas o instituto matrimonial é uno. Isto quer dizer que todos os casamentos, qualquer que seja a forma da sua celebração, são disciplinados pela lei estadual. Não só as regras são as mesmas e são emanadas pelo Estado, como a jurisdição que tem competência para julgar os litígios que emergem do casamento é a jurisdição estadual. Isto quer dizer que as declarações matrimoniais (as duas declarações que formam o contrato de casamento) podem ser emitidas sob formas diferentes: ou perante uma autoridade pública (no nosso caso, conservador do registo civil) ou perante um ministro da religião. Podem ser emitidas na conservatória de registo civil ou no espaço físico de uma igreja. Este sistema apresenta uma vantagem importante em relação ao sistema de casamento civil obrigatório: evita que os nubentes tenham que celebrar duas cerimónias, ou seja, evita a necessidade de uma dupla celebração do matrimónio quando os nubentes professam alguma religião. Exemplos deste sistema matrimonial encontramos em Inglaterra, nos EUA, nos países escandinavos e no Brasil.
Sistema de casamento civil facultativo na 2ª modalidade: neste caso, existem dois institutos matrimoniais diferentes – dois casamentos com regimes jurídicos diferentes. Neste sistema, as diferenças entre o casamento civil e o casamento religioso não são diferenças que respeitam apenas à forma do ato (forma de celebração do casamento); há diferenças quanto ao regime jurídico aplicável ao casamento e quanto aos órgãos jurisdicionais competentes para julgar os litígios que emergem do casamento. neste sistema matrimonial, o Estado não regula todos os casamentos. Quer dizer, o casamento reconhece, a par do seu direito, da sua jurisdição, outro direito e competência a outros órgãos jurisdicionais. Exemplos deste regime temos em Espanha, em Itália e em Portugal.
Sistema matrimonial de casamento civil subsidiário: neste caso, a única espécie de casamento que o Estado reconhece é, em princípio, o casamento religioso. No entanto, admite que as pessoas que não possam casar religiosamente, porque não respeitam as regras da igreja em causa, o possam fazer civilmente. Quer dizer que as pessoas em princípio têm que casar religiosamente; se não puderem, podem casar-se civilmente. Este sistema vigorou em Portugal e até muito tarde em Espanha. As pessoas tinham que provar que não podiam casar religiosamente. Só nesse caso, o casamento poderia ser celebrado civilmente.
Sistema matrimonial português ao longo da história:
	Um primeiro período vai da fundação do Estado português até ao Código de Seabra (1867) – só se reconhecia o casamento religioso. Só se admitia a possibilidade de casar religiosamente. Assim sendo, vigorou um sistema de casamento religioso obrigatório.
	Em 1867, com o Código de Seabra, as coisas mudaram. No entanto, havia uma diferença entre o que estava no código e o que se aplicava na prática. À luz do direito constituído, o sistema matrimonial português era um sistema de casamento civil subsidiário, porque em princípio os nubentes tinham que casar catolicamente, e só quando isso não fosse possível é que podiam casar civilmente. Na prática, a verdade é que não se fazia qualquer controlo, nem prévio nem posterior, da averiguação da possibilidade ou não de casar catolicamente, o que quer dizer que, na prática, os nubentes podiam escolher. Isto quer dizer que, na prática, vigorava um sistema de casamento civil facultativo na 2ª modalidade, porque as regras aplicadas aos casamentos eram diferentes, consoante o casamento fosse civil ou católico.
	Os dados voltam a mudar já no séc. XX, por força das leis da 1ª República, em 1910. A 1ª república caracterizou-se por um anticlericalismo – passou a aplicar-se um sistema de casamento civil obrigatório. O casamento canónico era admitido, só que era destituído de relevância jurídica. Para além disso, as leis da 1ª república impunham que o casamento civil tinha sempre que preceder a cerimónia religiosa, para evitar que as pessoas após a celebração da cerimónia religiosa se considerassem casadas e não celebrassem civilmente.
Um novo período foi iniciado com a celebração da concordata entre o Estado português e a Santa Sé em 1940 – reaparece um sistema de casamento civil facultativo na 2ª modalidade. Quer dizer, à luz do regime acordado na concordata, volta a reconhecer-se eficácia jurídica ao casamento celebrado em conformidade com as leis canónicas – art. 22.º concordata –, desde que esse casamento fosse vertido no registo civil. À luz do art. 25.º desta concordata, o Estado português reconheceu jurisdição exclusiva aos tribunais eclesiásticos para julgarem as causas relativas à declaração de nulidade do casamento católico e à dissolução do casamento católico por dispensa de casamento rato e não consumado – art. 1625.º CC. Isto quer dizer que as decisões proferidas por estes tribunais, aplicando o direito canónico, produziam efeitos jurídicos no ordenamento português, sem necessidade de um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira. Em contrapartida, o Estado português exigiu o respeito pelo casamento civil. Por um lado, o Estado português exige que quem case catolicamente tenha capacidade civil matrimonial (possa casar civilmente), o que quer dizer que a quem casa catolicamente também se aplicam os impedimentos matrimoniais (arts. 1601.º, 1602.º, 1604.º CC e 22.º lei apadrinhamento). Para esse efeito é organizado um processo preliminar para aferir a capacidade civil matrimonial dos nubentes. Para além disso, o estado português fazia depender a eficácia jurídica do casamento católico do seu registo

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