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2G12 heme bilirrubina

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Metabolismo do heme - Rui Fontes 
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Metabolismo do heme 
 
1. As hemoproteínas são constituídas por uma ou mais cadeias aminoacídicas (a apo-proteína) e por um ou 
mais grupos prostéticos designados por heme. O heme é uma porfirina que contém Fe2+. São exemplos de 
hemoproteínas, a hemoglobina, a mioglobina, os citocromos da cadeia respiratória, os citocromos P450, a 
catálase, as peroxídases e a pirrólase do triptofano. 
 
2. O heme pode ser descrito como sendo formado por protoporfirina III, um composto corado e fluorescente 
que contém “pontes” metenilo (não metileno como nos porfirinogénios precursores que são incolores e não 
fluorescentes) unindo 4 anéis pirrólicos (4C,1N), e Fe2+. Os anéis pirrólicos das porfirinas (e 
porfirinogénios) são, tradicionalmente, numerados de I a IV e cada um deles tem ligadas duas cadeias 
laterais. As cadeias laterais da protoporfirina III podem ser descritas pela seguinte sequência: metil, vinil, 
metil, vinil, metil, propiónico, propiónico, metil. 
 
3. O heme é sintetizado na maioria das células do organismo, nomeadamente nas células da medula óssea 
precursoras dos eritrócitos e nos hepatócitos. No processo de síntese do heme o primeiro passo é catalisado 
pela síntase do ácido δδδδ-aminolevulínico (ALA) (ver Equação 1). O grupo prostético da síntase do ALA é o 
piridoxal-fosfato. Na reação ocorre transferência do resíduo de succinato do succinil-CoA para a glicina e 
uma descarboxilação: a síntese do heme pode, assim, ser considerado um processo cataplerótico e o heme 
um derivado da glicina. A atividade da síntase do ácido δ-aminolevulínico é o passo limitante da velocidade 
da via metabólica e o produto final da via (o heme) inibe a síntese desta enzima. 
 
Equação 1 succinil-CoA + glicina → ALA + CoA + CO2 
 
4. Na via metabólica de síntese do heme duas moléculas de ALA originam, por ação catalítica da desidrátase 
do ALA (ver Equação 2), o porfobilinogénio que contém um anel pirrol com duas cadeias laterais distintas 
(ácidos acético e propiónico). 
 
Equação 2 2 ALA → 2 H2O + porfobilinogénio 
 
5. Por ação sequencial de duas enzimas (a síntase do uroporfirinogénio I e a cosíntase do uroporfirinogénio III) 
forma-se o uroporfirinogénio III que contém 4 anéis pirrólicos ligados por pontes metileno (ver Equação 
3). Nestas reações perdem-se, como amónio, 4 dos 8 átomos de azoto que provinham da glicina. No 
uroporfirinogénio III as cadeias laterais dos anéis pirrol são os ácidos acético e propiónico e ocorrem por 
esta ordem: acético, propiónico, acético, propiónico, acético, propiónico, propiónico, acético. Ao contrário 
do que acontece no uroporfirinogénio I (um isómero que não é, normalmente, intermediário neste processo) 
as cadeias laterais do anel pirrol IV do uroporfirinogénio III estão invertidas. 
 
Equação 3 4 porfobilinogénio → uroporfirinogénio III + 4 NH4+ 
 
6. Sucessivamente forma-se o coproporfirinogénio III (descarboxílase do uroporfirinogénio III que catalisa a 
descarboxilação das quatro cadeias laterais acetato a metilo; ver Equação 4), o protoporfirinogénio III 
(oxídase do coproporfirinogénio III que catalisa a descarboxilação e oxidação dos propionatos dos anéis I e 
II a vinilos; ver Equação 5), a protoporfirina III (oxídase do protoporfirinogénio III que catalisa a oxidação 
das pontes metileno a metenilo; ver Equação 6) e finalmente o heme, pela incorporação de Fe2+ na 
protoporfirina III (síntase do heme; ver Equação 7). 
 
Equação 4 uroporfirinogénio III → coproporfirinogénio III + 4 CO2 
Equação 5 coproporfirinogénio III + O2 → protoporfirinogénio III + 2 CO2 + 2 H2O 
Equação 6 protoporfirinogénio III + 3O2 → protoporfirina III + 3 H2O2 
Equação 7 protoporfirina III + Fe2+ → heme 
 
7. Algumas enzimas da via metabólica da síntese do heme são citosólicas (desidrátase do ALA, síntase do 
uroporfirinogénio I, cosíntase do uroporfirinogénio III e descarboxílase do uroporfirinogénio; 
correspondentes às equações 2-4). Contudo, a primeira enzima da via metabólica (síntase do ALA; ver 
Equação 1) e as últimas 3 (oxídase do coproporfirinogénio, oxídase do protoporfirinogénio III e síntase do 
Metabolismo do heme - Rui Fontes 
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heme; ver equações 5-7) são mitocôndricas. Significa isto que existem na membrana interna da mitocôndria 
transportadores para o ALA (que sai) e para o coproporfirinogénio (que entra). 
 
8. O catabolismo do heme tem lugar principalmente em células macrofágicas do baço, fígado e medula óssea 
e inicia-se com a ação catalítica do sistema microssomático oxigénase do heme; este sistema catalisa a 
rotura entre os anéis pirrólicos I e II do heme formando-se biliverdina (ver Equação 8). A biliverdina é, por 
sua vez, reduzida a bilirrubina; esta reação é dependente do NADPH e é catalisada pela redútase da 
biliverdina (ver Equação 9). A bilirrubina formada nesta fase do processo diz-se não conjugada, é 
lipossolúvel e viaja no plasma ligada à albumina. A albumina não atravessa a membrana glomerular renal 
e, por este motivo, a bilirrubina não conjugada não passa para a urina. 
 
Equação 8 heme + 3 O2 + 3 NADPH → biliverdina + CO + 3 NADP+ + 3 H2O + Fe3+ 
Equação 9 biliverdina + NADPH → bilirrubina + NADP+ 
 
9. A bilirrubina não conjugada entra para os hepatócitos por difusão facilitada e reage com o ácido 
glicurónico numa reação catalisada pela transférase do ácido glicurónico (ver Equação 10). Nesta reação o 
dador do ácido glicurónico à bilirrubina é o UDP de ácido glicurónico e forma-se diglicuronil-bilirrubina, 
também designada de bilirrubina conjugada. A bilirrubina conjugada é hidrossolúvel sendo excretada para 
a árvore biliar por mecanismos de transporte ativo. No lúmen do intestino, a bilirrubina conjugada sofre a 
ação de bactérias dando origem ao urobilinogénio que pode ser reabsorvido e de novo excretado na bile 
(ciclo entero-hepático do urobilinogénio). O urobilinogénio pode, em contacto com oxigénio, ser oxidado 
a urobilina (ou ao composto similar estercobilina) que tem cor castanha corando as fezes e sendo também 
parcialmente responsável pela cor normal da urina. 
 
Equação 10 2 UDP-glicurónico + bilirrubina → 2 UDP + diglicuronil-bilirrubina 
 
10. A icterícia é um sinal clínico que consiste na coloração amarelada da pele, mucosas e esclerótica do olho 
causada por aumento da bilirrubina. Pode ser causada por (1) aumento da sua síntese (ou seja, aumento do 
catabolismo do heme como acontece, por exemplo, na icterícia fisiológica do recém nascido), (2) 
diminuição da velocidade de conjugação ou (3) alterações no processo de excreção de origem mecânica 
extra-hepática (como, por exemplo, uma obstrução no canal colédoco por cálculos ou neoplasias) ou por 
lesão das células hepáticas com edema concomitante e consequente obstrução intra-hepática da “árvore” 
biliar (como, por exemplo, na hepatite vírica). Nos dois primeiros casos a bilirrubina não conjugada (também 
designada por bilirrubina indireta) aumenta no plasma. No terceiro caso é sobretudo a bilirrubina 
conjugada (também designada por bilirrubina direta) que aumenta no plasma. Porque a bilirrubina 
conjugada não se liga à albumina é filtrada no glomérulo renal e aparece na urina, corando-a de cor de 
“vinho do Porto”. A incapacidade de excretar bilirrubina na bile implica a não formação de urobilina e, 
consequentemente, nos casos em que há obstrução mecânica completa as fezes têm cor clara. 
 
11. As expressões “bilirrubina direta” e “bilirrubina indireta” têm a sua génese nos métodos que, classicamente, 
são usados em “Química Clínica” para o doseamento da bilirrubina sérica [1]. Estes métodos baseiam-se na 
formação de um composto corado quando um determinado reagente reage com a bilirrubina. Quando a 
reação é feita na presença de substâncias que promovem a dissociação da bilirrubina não conjugada da 
albumina a que estava ligada, todaa bilirrubina sérica contribui para a formação do composto corado e, 
consequentemente, a absorvância mediada corresponde à “bilirrubina total”. Na ausência de adição ao meio 
reativo das substâncias que promovem a referida dissociação, a bilirrubina que permanece ligada à albumina 
não reage e não contribui para a absorvância medida; nestas condições, a absorvância registada é uma 
medida da bilirrubina conjugada. Porque o valor obtido resulta da medição direta de uma absorvância 
chama-se a esta medida “bilirrubina direta”. O valor que resulta do cálculo da diferença entre a “bilirrubina 
total” e a “bilirrubina direta” designa-se de “bilirrubina indireta”. Do exposto se conclui que o valor da 
bilirrubina indireta corresponde à bilirrubina que estava no soro original ligado à albumina, ou seja, 
corresponde à bilirrubina não conjugada. 
 
1. Calbreath, D. F. (1992) Clinical Chemistry. A Fundamental Textbook., 1st edn, W. B. Saunders Company., Philadelphia

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