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Teoria e métodos da história I

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EaD T EORI A E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
2008
Ivo dos Santos Canabarro
TEORIA E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
EaD T EORI A E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
2222
 2008, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: editora@unijui.edu.br
www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Revisão: Véra Fischer
Designer Educacional: Jociane Dal Molin
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
C212t Canabarro, Ivo dos Santos.
 Teoria e métodos da história I / Ivo dos Santos Canabarro. – Ijuí :
Ed. Unijuí, 2008. – 98 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-
texto).
ISBN 978-85-7429-719-4
 1. História. 2 . Historiador. 3. Historiografia. 4. Escolas históricas.
I. Título. II. Série.
 CDU : 930
930.1
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SumárioSumárioSumárioSumário
CONHECENDO O PROFESSOR ..................................................................................................5
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................7
UNIDADE – A TAREFA DO HISTORIADOR É ESCREVER A HISTÓRIA ...........................9
Seção 1.1 – O Ofício do Historiador ................................................................................... 10
Seção 1.2 – A Importância da Teoria da História.............................................................. 12
Seção 1.3 – A Narrativa Histórica ....................................................................................... 15
UNIDADE 2 – A HISTÓRIA ESCRITA PODEMOS CHAMAR DE HISTORIOGRAFIA .. 19
Seção 2.1 – A Historiografia ................................................................................................. 20
Seção 2.2 – A História Como Ciência ................................................................................. 28
Seção 2.3 – A História Como Não-Ciência ........................................................................ 34
UNIDADE 3 – A IMPORTÂNCIA DAS ESCOLAS HISTÓRICAS ........................................ 41
Seção 3.1 – As Escolas Históricas ....................................................................................... 42
Seção 3.2 – A Escola Metódica Também Conhecida Como Positivista ......................... 43
Seção 3.3 – O Positivismo de August Comte ...................................................................... 52
UNIDADE 4 – O MARXISMO COMO UMA ESCOLA HISTÓRICA REVOLUCIONARIA .. 57
Seção 4.1 – O Marxismo e o Materialismo Histórico....................................................... 58
Seção 4.2 – O Marxismo Vulgar .......................................................................................... 67
UNIDADE 5 – UMA ESCOLA HISTÓRICA CONTEMPORÂNEA: a Escola dos Annales .. 75
Seção 5.1 – A Escola dos Annales ....................................................................................... 76
Seção 5.2 – A Primeira Geração dos Annales .................................................................... 77
Seção 5.2.1 – Marc Bloch ................................................................................................ 78
Seção 5.2.2 – Lucien Febvre ............................................................................................ 81
Seção 5.3 – A Segunda Geração dos Annales ................................................................... 85
Seção 5.3.1 – Fernand Braudel ....................................................................................... 85
Seção 5.4 – A Terceira Geração dos Annales ..................................................................... 91
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 97
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Conhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o ProfessorConhecendo o Professor
IVO DOS SANTOS CANABARRO
Gosto muito de trabalhar com fotografias, sou fascinado pe-
los elementos visuais, acho que eles nos permitem o conhecimento
de outras realidades. Comecei a pesquisar os arquivos fotográficos
no curso de graduação em História que fiz na Unijuí, pois naquele
período fui bolsista de iniciação científica do CNPq. Depois no
mestrado, que fiz na Ufrgs, continuei a utilizar as fotografias, alia-
das aos depoimentos orais. Após concluir o mestrado comecei a
trabalhar na Unijuí no curso de História.
O trabalho como professor no curso de História sempre esteve aliado às atividades de
pesquisa, pois considero importante que o professor não apenas trabalhe com o conheci-
mento já produzido, mas que ele também tenha a capacidade de produzir novos conheci-
mentos. Foi nesta perspectiva que fiz o curso de doutorado na Universidade Federal
Fluminense, no Rio de Janeiro, e na Universidade de Paris III, na França. A minha tese de
doutorado é um estudo sobre a cultura fotográfica na Região Noroeste do Rio Grande do
Sul.
Fazer pesquisas é um desafio constante, pois a cada momento descobrimos coisas
novas que nos fazem repensar os conhecimentos produzidos. Neste sentido, considero que
trabalhar com as teorias da história é uma possibilidade de pensar o ofício do historiador,
que além de dar aulas deve desafiar-se a fazer pesquisas. Atualmente participo de um grupo
de pesquisa intitulado História e Cultura Visual, que comporta pesquisadores de imagens
de todo o Brasil. A minha pesquisa chama-se “A História pela fotografia”, e já venho desen-
volvendo-a há alguns anos, mas sempre acho questões novas para pesquisar.
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ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação
O componente curricular Teoria e Métodos da História I tem como objetivo central
estudar a importância da teoria para a produção do conhecimento histórico, é uma discipli-
na instrumental, pois vai auxiliar você a compreender como os historiadores escrevem a
história. O sentido instrumental da disciplina está na sua possibilidade de servir como su-
porte para o entendimento dos textos históricos que iremos utilizar no decorrer de todo o
curso de graduação.
Para nós, futuros historiadores, é importante conhecer os nossos próprios instrumen-
tos de trabalho, a leitura dos textos é a base para a nossa formação, quanto mais leitura
fizermos, mais qualificados seremos. Os textos históricos consti tuem a nossa base, a partir
deles entramos no mundo dos historiadores, e a partir deles, vamos nos familiarizando com
uma linguagem específica que caracteriza a nossa própria profissão, o que podemos chamar
de ofício do historiador.
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Unidade 1Unidade 1Unidade 1Unidade 1
A TAREFA DO HISTORIADOR É ESCREVER A HISTÓRIA
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Nesta unidade você vai estudar algumas idéias iniciais sobre o trabalho do historiador,
como ele constrói o conhecimento histórico e o que diferencia o conhecimento his tórico do
conhecimento comum.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
– Seção 1.1 – O Ofício do Historiador
– Seção 1.2 – A Importância da Teoria da História
– Seção 1.3 – A Narrativa Histórica
Para você entender como se constrói o conhecimento histórico,é importante perceber
que para a construção do conhecimento é preciso também conhecer as teorias que nos au-
xiliam a pensar a história.
Neste sentido é fundamental esclarecer que a teoria é um poderoso instrumento para
pensarmos qualquer forma de conhecimento, em particular o conhecimento histórico que
depende da pesquisa para ser construído. Quando nós escrevemos a história, geralmente
recorremos a um tipo específico de escrita, que é a narrativa, desta forma você vai conhecer
com detalhes o que realmente se constitui como uma narrativa histórica.
Esta unidade está dividida em três partes: o ofício do historiador; a importância da
teoria da história e a narrativa histórica, ela apresenta-se como uma forma introdutória para
você entender o que se constitui realmente como conhecimento histórico.
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Seção 1.1
O Ofício do Historiador
O ofício do historiador é produzir a própria história, além de ensinar e divulgar a histó-
ria. Para tanto, durante a realização do curso de história você está se preparando para ser
um historiador, podendo escolher uma das três funções ou exercer as três, ao mesmo tempo.
Não devemos ter a idéia de que ser historiador é somente pesquisar e escrever, pois além de
aprender a ensinar vamos exercitar a tarefa de pesquisa e escrita da história, para enfim nos
apresentarmos como historiadores.
O historiador tem uma relação próxima com a produção do conhecimento e esta tarefa
é bem sofisticada, pois para produzir conhecimento é preciso dominar alguns conceitos que
são próprios desta atividade. Produzir conhecimento não significa escrever um amontoado
de coisas sem ordenação e sentido, é preciso construir um certo sentido para aquilo que
escrevemos, e este é dado pela lógica das idéias que apresentamos.
O historiador escreve a partir daquilo que ele pesquisa, e esta é a primeira tarefa para
a produção do conhecimento em história, num certo sentido é preciso provar aquilo que se
afirma, ou seja, com os documentos que ele consegue em suas pesquisas.
Os documentos são sempre a nossa matéria-prima, a primeira tarefa é fazer uma leitu-
ra destes, é preciso fazer “perguntas” ao material que temos em mãos realizando um traba-
lho de crítica interna e externa. Para a realização desta tarefa é preciso conhecer teorias e
metodologia de pesquisa histórica, isto requer uma certa formação, o que significa que seu
ofício é bem qualificado, nos colocando na posição de historiadores profissionais, ou seja,
que já desenvolvemos uma série de leituras que nos habilitam a exercer a nossa profissão de
forma correta.
Para a produção do conhecimento é sempre preciso uma série de reflexões que nos
auxilia a ir muito além da mera observação de um fenômeno, é preciso superar esta etapa,
conhecer a profundidade daquilo que se deseja estudar. Descrever um determinado fenôme-
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no é uma tarefa que qualquer observador pode fazer, a descrição é a apresentação de seus
aspectos visíveis, aquilo que todos nós vemos em uma primeira impressão, não precisa ser
um historiador profissional para fazer uma determinada descrição.
Alguns trabalhos que nos apresentam como obras históricas são meras descrições, são
completamente superficiais, não apresentam uma análise detalhada do objeto de pesquisa.
O objeto de pesquisa é realmente aquilo que o historiador escolhe para pesquisar, é preciso
fazer este para seguir a tarefa de produção do conhecimento histórico.
Os objetos de pesquisa são escolhas livres por parte do historiador, cada um tem a
liberdade de aprofundar aquilo que realmente lhe interessa e que traga uma contribuição
importante para o conhecimento de nossa história. Quando eu escolho um objeto eu já
estou dando um direcionamento para a minha pesquisa e este é o primeiro passo que eu
tenho que dar. Após fazer isto, deve-se procurar saber se eu tenho fontes de pesquisa, ou
seja, se existem documentos para realmente comprovar aquilo que eu desejo demonstrar,
pois o trabalho de produção do conhecimento é uma tarefa de construção, e se estabelece a
partir daí uma relação entre o pesquisador (historiador) e seu objeto de pesquisa.
O objeto é sempre uma escolha do historiador, pois ele não é obrigado a fazer aquilo
que não lhe interessa. O historiador é um sujeito subjetivo, isto quer dizer que ele tem seus
próprios valores, suas idéias, sua forma de pensar que é singular, suas ideologias, seu imagi-
nário, enfim devemos considerar que ele é um sujeito pensante que tem uma determinada
sensibilidade. Naquilo que o historiador escrever vai ficar gravado o que ele pensa, a sua
sensibilidade e sua visão de mundo, por isso podemos dizer que ele é um sujeito subjetivo,
ele não é um sujeito neutro como pensavam as teorias do século 19.
O historiador, além de ter a liberdade de escolha de seu objeto de pesquisa, tem tam-
bém a liberdade para escolher uma determinada teoria e metodologia para a construção do
conhecimento histórico. Quando o historiador escolhe uma teoria que vai orientar a cons-
trução de sua pesquisa, ele já está se posicionando por uma determinada visão da história,
isto significa que o conhecimento que ele vai produzir não é qualquer conhecimento, mas já
possui um certo direcionamento, um balizamento que a teoria pode proporcionar, ou seja,
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não é uma mera descrição do fenômeno, é essencialmente uma análise mais detalhada que
vai buscar as relações do foco escolhido com o contexto daquela sociedade que ele deseja
conhecer.
É fundamental perceber que os objetos de pesquisa não estão soltos por aí, mas que
fazem parte de um determinado contexto histórico, têm relações com a sociedade e descortinar
estas relações significa conhecer com profundidade o foco.
Seção 1.2
A Importância da Teoria da História
Mas em que sentido a teor ia pode nos auxiliar nesta tarefa de produção de conheci-
mento? A teoria é essencialmente um instrumento que o historiador dispõe para interrogar o
seu objeto de pesquisa. A teoria, entendida como instrumento, permite que o historiador
estabeleça relações de seu objeto com a sociedade a ser analisada, saindo do estágio inicial
de mera descrição do objeto, sendo assim é possível que ele conheça o que está por trás das
meras aparências.
A partir do uso da teoria é possível dizer que estamos construindo conhecimento cien-
tífico, pois a teoria e a metodologia é o que caracterizam as diversas formas de manifesta-
ções da ciência. Isto quer dizer, de imediato, que o conhecimento produzido a partir da
teoria se diferencia daquele construído sem o uso da mesma. Alguns autores afirmam que
este conhecimento sem qualquer baliza teórica pode ser entendido como um resultado vul-
gar.
A utilização da teoria científica permite que o historiador explique, ainda que de uma
forma provisória, um determinado domínio da sociedade, ou seja, um determinado objeto de
pesquisa. A teoria pode ser entendida como uma mediação entre o pesquisador e a realidade
a ser estudada, neste sentido é importante observar que este papel vai permitir que se regule
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de uma determinada forma a subjetividade do historiador, pois oferece um conjunto de con-
ceitos e categorias que balizam seu trabalho, permitindo que ele pense de forma consistente
a realidade na qual vai trabalhar.
A teoria é um instrumento que o historiador dispõe para a realização de seu ofício, e a
produção de conhecimento é conseqüência. Isto significa que ele é um sujeito responsável
pela formação histórica de uma determinada sociedade, pois o conhecimento circula e atua
também na construção de nosso sentimento de identidade. Se a teoria é tão importanteassim para o historiador produzir o conhecimento, por que nem todos os historiadores a
utilizam? Esta é uma importante interrogação para a nossa disciplina que trata especifica-
mente de teorias. Nós podemos começar a responder a questão a partir de algumas conside-
rações:
1ª – O uso da teoria é mais freqüente entre os historiadores profissionais, aqueles que
têm uma formação acadêmica, que conhecem as escolas históricas e os diversos métodos de
pesquisa. Estes historiadores estariam mais qualificados para a produção do conhecimento
histórico, pois a sua experiência permitiria uma reflexão mais profunda acerca de um conhe-
cimento que passaria da mera descrição para a análise de uma determinada sociedade.
2ª – O desconhecimento das teorias por aqueles historiadores que poderíamos chamar
de amadores, pois são pessoas que produzem algum tipo de conhecimento que qualificam
como histórico, quando na verdade é um amontoado de coisas sem nenhuma racionalidade,
são simplesmente apresentados alguns fatos de forma totalmente descritiva. Temos ainda o
caso de profissionais de outras áreas que se apresentam como historiadores e dizem que o
conhecimento que produzem é histórico.
Como vimos, nestes dois casos apresentados, os historiadores que utilizam a teoria e a
metodologia para a produção do conhecimento, conseguem superar este estágio inicial de
um estudo meramente especulativo e passam para outro, de um conhecimento mais qualifi-
cado. Esta passagem de um estágio para o outro significa que o uso adequado da teoria
permite que o historiador conheça não apenas a mera aparência do fenômeno estudado mas
também a estrutura interna do mesmo, bem como as suas causas.
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Nesta perspectiva, é possível afirmar que o emprego da teoria revolucionou a constru-
ção do conhecimento, permitiu avançar na busca das relações que os fenômenos desenvol-
vem com o próprio mundo social, desta forma pode-se dizer que a teoria possibilitou adentrar
na complexidade de um determinado fenômeno.
A teoria é um instrumento bem complexo e sistematizado, pois oferece um conjunto
de conceitos e categorias que permitem ao pesquisador desvendar de forma qualitativa o seu
objeto de pesquisa proposto. Sendo assim, este referencial teórico que todo o historiador
deve utilizar para a construção do conhecimento serve como uma baliza, para transformar
os dados obtidos com a pesquisa em um resultado satisfatório.
O texto histórico é o resultado de todo um investimento que o historiador faz, a come-
çar pelo trabalho empírico (trabalho de pesquisa), perpassando pela teoria até o seu produto
final, que é o texto propriamente dito. O texto expressa toda a subjetividade do historiador,
controlada pelo uso da teoria, pois esta é um diferencial que o orienta na direção a ser
tomada, durante o processo construtivo, onde se apresenta o resultado de toda a sua pes-
quisa.
Acreditamos que é importante observar que o texto não deve ser um amontoado de
coisas sem lógica ou racionalidade, ele deve expressar de forma clara as idéias norteadoras
que nos fazem entender o processo histórico de um determinado objeto escolhido pelo histo-
riador. No texto devemos encontrar as premissas que garantem um determinado sentido
para aquilo que nele expressamos. Isto significa que o historiador deve construir uma série
de argumentos que sintetizem de forma totalmente coerente os significados daquilo que
expressa.
O texto perpassa por uma discussão sobre a sua forma de expressão, e geralmente nós,
os historiadores utilizamos a narrativa, pois de certa forma estamos contando de forma ana-
lítica algo que realmente aconteceu.
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Seção 1.3
A Narrativa Histórica
A narrativa que o historiador utiliza é a histórica, um pouco diferente da literária, pois
nós escrevemos a partir de dados de alguma coisa que aconteceu num determinado tempo e
espaço. A narrativa literária não tem este mesmo compromisso da narrativa histórica, pois a
literária pode-se constituir a partir da livre imaginação do escritor. O historiador tem outro
compromisso, ele escreve a partir de dados concretos, ele não pode escrever simplesmente
com a sua imaginação, de certa forma temos que provar aquilo que escrevemos. É claro que
o historiador também expressa a sua subjetividade, mas esta de certa forma é controlada
pelo uso da teoria, como já foi dito.
A narrativa histórica para ser construída precisa, necessariamente, de um determina-
do referente, ou seja, toda a história vivida, tudo aquilo que já aconteceu, pode ser há um
longo tempo ou a pouco tempo, pois podemos trabalhar também com a história do presente.
O referente comporta toda a série de acontecimentos, de experiências que a sociedade passou.
Isto tudo existe independente da vontade do historiador, pois é a coisa concreta, o que real-
mente aconteceu e que ficou registrado nas fontes de pesquisa, à espera de ser desvendado.
Sem o referente não é possível construir conhecimento histórico, pois as experiências
históricas estão situadas em um determinado tempo e espaço. A ficção, a literatura, o cine-
ma e outros gêneros não precisam necessariamente do referente, podem ser criadas apenas
com a imaginação, mas estes gêneros recorrem com freqüência a este para contextualizar as
suas produções. A literatura tem recorrido com freqüência ao referente, várias obras apre-
sentam dados importantes de um determinado contexto histórico.
O cinema também busca no referente ligar as suas tramas aos acontecimentos históri-
cos, mas convém salientar que quando o roteirista de cinema cria um roteiro histórico não é
necessariamente com a mesma visão do historiador, é uma forma de situar a sua produção
num determinado contexto, muitas vezes alguns personagens são meramente fictícios. O
cinema pode aproximar a his tória da ficção, o historiador tem que aproximar do referente,
ou seja, de uma determinada realidade.
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A obra do historiador é diferente da literatura por trabalhar com dados que fazem parte
de um determinado referente, ou seja, ele sempre remete a uma realidade a algo que real-
mente aconteceu. O historiador pode utilizar-se de sua imaginação para a construção do
texto histórico, uma imaginação criativa que lhe permita tornar o seu texto mais acessível
ao público leitor, uma obra, digamos, de fácil compreensão, isto é um verdadeiro desafio
para quem escreve história.
Os textos devem ser apresentados de uma forma que qualquer pessoa que os leiam
consiga compreender, ou seja, que não precise ser um especialista naquela área para enten-
der o que está sendo dito. O historiador deve escrever para um grande público, a sua obra
deve estar ao alcance de todos, neste sentido estaríamos fazendo certa popularização do
conhecimento histórico.
A construção da narrativa histórica perpassa pela compreensão de que é possível es-
crever de uma forma ordenada, coerente e com um determinado sentido, pois o historiador
tem o compromisso de trazer à tona visões de uma determinada realidade, o seu trabalho
deve atender a demanda de uma sociedade em conhecer questões fundamentais que expli-
cam o seu funcionamento.
O historiador tem este importante papel de construção de um conhecimento que traga
elementos imprescindíveis para a formação da cidadania, ou seja, o conhecimento histórico
tem um valor crítico para o nosso entendimento de mundo, para formarmos uma visão criti-
ca da própria sociedade.
A teoria aparece para fornecer uma visão mais aprofundada sobre a realidade que
pretendemos investigar, pois passamos deste papel meramente descritivo do conhecimento
histórico para uma visão aprofundada de uma determinada realidade. A teoriaé este ele-
mento instrumental, ela serve para dar subsídios ao historiador, para que ele realmente co-
nheça como se produz um conhecimento de qualidade, pois este conhecimento meramente
descritivo qualquer um pode fazer.
Considera-se importante observar que este conhecimento meramente descritivo não
nos auxilia a entender a sociedade em que vivemos. Neste sentido o conhecimento histórico
perderia o seu sentido, de ser um conhecimento que leve ao entendimento do nosso mundo.
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Assim, é fundamental construirmos certa crítica a este conhecimento descritivo, pois ele
não nos serve em vista que necessitamos de uma formação mais sólida, embasada em um
estudo que nos faça compreender os acontecimentos de forma mais aprofundada.
A construção da narrativa histórica perpassa pela perspectiva de pensar no estatuto
do próprio texto histórico, o qual demanda o conhecimento teórico para a sua construção,
pois não é um texto qualquer, mas sim, acima de tudo, é um texto que necessita da legitimi-
dade dos enunciados. Além disso, observa-se que o texto está situado em uma determinada
forma de se escrever e pensar teoricamente a história, para isto damos o nome de
historiografia, termo que significa o conjunto da produção do conhecimento histórico bem
como as suas teorias e métodos.
A historiografia de cada período é diferente, pois a cada geração os historiadores se
utilizam de uma série de proposições e teorias para a produção do conhecimento.
A historiografia é sempre contemporânea, pois existe uma atualização constante dos
historiadores, em relação aos seus conhecimentos, e isto tudo converge em uma produção
intelectual que atenda às expectativas da sociedade naquele momento, pois o conhecimen-
to histórico deve essencialmente servir para entendermos a sociedade em que vivemos.
Neste sentido, podemos afirmar que sempre há uma necessidade de renovação destes
saberes, para que sirvam de instrumento para a elaboração de uma crítica do mundo social.
Os problemas de cada época são os maiores desafios dos historiadores, pois eles procuram
dar respostas para a problemática de cada período, e naturalmente procuram as origens e
causas destes problemas, com isto podemos afirmar, como dizem os estudiosos da Escola
dos Annales, que a história não deve ser uma mera descrição de um acontecimento ou de
uma experiência.
O historiador em seu ofício de escrever os acontecimentos passados, presentes e futu-
ros, deve ter consciência de que existe uma determinada diferença entre o que realmente
aconteceu com aquilo que ele escreve, ou seja, deve pensar que história-como-realidade-
passada não é exatamente igual à história-como-acontecimento-presente, pois o historia-
dor com seu arsenal teórico e metodológico constrói uma interpretação da realidade passa-
da, uma interpretação que suas fontes documentais lhe permitem, é claro sempre mediado
pela teoria, que faz com que ele trabalhe de uma forma sistemática e coerente.
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O historiador não possui uma máquina do tempo para poder voltar ao passado e
reconstituí-lo de forma tal qual aconteceu, ele sempre chega perto da realidade, pois as
fontes nos permitem uma visão do passado, uma visão totalmente fragmentada e, ele faz
uma conexão destes pequenos fragmentos, que são os indícios, e constrói um texto na pers-
pectiva de trazer à tona uma articulação coerente destas pequenas partes.
SÍNTESE DA UNIDADE 1
Nesta unidade estudamos o ofício do historiador e como ele cons-
trói o conhecimento histórico que se diferencia do conhecimento co-
mum. Aprendemos que o ofício do historiador é a forma de constituir
esta profissão, a qual requer uma formação específica para a apresen-
tação como tal.
Para o historiador realmente atuar em sua profissão de produtor
de conhecimento, ele precisa necessariamente utilizar teorias para
pensar o conhecimento histórico, portanto, ele deve escolher uma das
teorias da história para exercer o seu ofício. Nesta perspectiva, é im-
portante salientar que o uso da teoria vai qualificar a produção do
conhecimento, para que realmente possamos nos apresentar como
historiadores.
Quando o historiador exerce o seu ofício de construir o conheci-
mento, ele escreve a história de uma forma específica, por isso se uti-
liza da narrativa para expressar as suas idéias. Neste sentido, a nar-
rativa histórica é diferente das demais formas de expressão da narrati-
va, pois o conhecimento histórico é um tipo de conhecimento especí-
fico e, que para construirmos, é necessário conhecer algumas regras
que o caracterizam.
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Unidade 2Unidade 2Unidade 2Unidade 2
A HISTÓRIA ESCRITA PODEMOS CHAMAR DE HISTORIOGRAFIA
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Nesta unidade você vai conhecer com mais detalhes o que podemos chamar de
historiografia, que é uma forma específica de escrita da história.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
– Seção 2.1 – A Historiografia
– Seção 2.2 – A História Como Ciência
– Seção 2.3 – A História Como Não-Ciência
O conhecimento da historiografia é fundamental para compreendermos que a história
escrita é extremamente diversa, ou seja, existem diferentes formas de construir o conheci-
mento histórico.
O termo historiografia deve fazer parte do nosso conhecimento cotidiano para nos
apresentarmos como historiadores, pois quanto mais a conhecermos, mais habilitados esta-
remos. No conjunto de toda a historiografia, encontramos historiadores que consideram
que a verdadeira história é a científica, portanto, vamos discutir estes princípios que defi-
nem a história como uma ciência. Por outro lado, encontramos também historiadores que
defendem a idéia de que a história não deve se apresentar como uma ciência.
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Seção 2.1
A Historiografia
O historiador ao escrever a história está fazendo um exercício de historiografia, pois
ele estará utilizando todo um arsenal teórico e metodológico que pertence a uma determi-
nada escola histórica. Quando o historiador começa a escrever o seu texto ele primeiramen-
te faz uma pesquisa bibliográfica para situar o seu objeto de pesquisa em um determinado
contexto historiográfico.
Este exercício é uma prática historiográfica na perspectiva de que ele está buscando
nas obras importantes para a sua pesquisa referências para situar o seu objeto de pesquisa.
O historiador sempre recorre à historiografia, seja para situar os seus objetos de pesquisa,
seja para escolher uma teoria e uma metodologia para dar conta do andamento de seu
trabalho.
A historiografia também permite ao historiador fazer uma crítica mais detalhada sobre
o seu trabalho, pois na medida em que vamos conhecendo as obras dos demais historiado-
res, desenvolvemos a capacidade de realizar comparações sobre o conhecimento histórico.
Nesta perspectiva é possível afirmar que conhecer a historiografia é adentrar num campo
muito vasto e, ao mesmo tempo, complexo, de um conhecimento específico sobre determina-
do tema.
Quando conhecemos as teorias e as metodologias descobrimos os verdadeiros segre-
dos dos historiadores, pois estamos em contato mais direto com a forma com que eles escre-
vem os seus textos. As teorias nos permitem conhecer as escolhas que fazem os historiadores
em seu momento de elaboração de uma abordagem e um recorte de seu objeto de pesquisa,
ou seja, é possível conhecer porque eles escrevem de uma forma específica a partir de um
conjunto de conceitos e categorias de uma determinada teoria.
Ao pensarmos a historiografia nos vem em mente um conjunto de historiadores. Isso
mesmo! A historiografia é também a história que os historiadores fazem, cada um com seu
estilo,suas escolhas, seus objetos e suas teorias. Quanto mais conhecemos os historiadores
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mais conhecemos a historiografia, pois cada um deles contribui de alguma forma para a
construção de um saber que forma um conjunto significativo de obras, um determinado
produto cultural.
Os historiadores seguem teorias que os aproximam das escolas históricas e, cada uma
delas, representa um legado cultural que é orientado por um conjunto teórico e metodológico
utilizado para orientar a produção do conhecimento.
O historiador também é um sujeito capaz de criar certas tendências a partir de teorias,
pois alguns trabalhos são tão inéditos e inovadores que são capazes de constituir uma nova
tendência, uma nova forma de produzir conhecimento histórico. Estas novas tendências são
responsáveis pela constante renovação do conhecimento, dando oportunidade de pensar a
história sobre múltiplos olhares, e assim é importante salientar que é salutar entender a
história a partir de vários pontos de vista, ou mesmo de outras abordagens.
O conhecimento deve sempre passar por diferentes fases, a cada nova fase costuma-
mos dizer que a própria historiografia é renovada, pois isto significa que a escrita da história
também passa por renovações. Neste sentido, pode-se afirmar que cada geração de historia-
dores escreve a história de uma forma e estilo diferente.
O exercício de escrever a história é uma tarefa que também pertence à historiografia,
pois quando o historiador escreve, está fazendo uma escolha específica de uma determinada
teoria e metodologia para orientar o seu trabalho. A escolha da teoria é uma ação livre, ou
seja, ele não é obrigado a escolher esta ou aquela teoria, a sua escolha reflete a sua subjeti-
vidade, ele vai escolher uma teoria por acreditar que esta possa lhe dar condições de melhor
responder as suas interrogações, de melhor or ientar e direcionar o seu objeto de pesquisa.
A escolha de uma teoria é uma ação que reflete a sua posição em relação à história,
pois pode revelar as suas preferências pessoais de trabalhar uma tendência e não outra
qualquer. Quando escolhemos uma teoria estamos nos posicionado pessoalmente, estamos
definindo um determinado lugar dentro da historiografia, estamos de certa forma dizendo
por que preferimos certos historiadores ou certa escola histórica.
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O historiador ao escolher um determinado posicionamento dentro da historiografia
está manifestando uma consciência histórica, pois a partir daí ele sabe o que seguir, signifi-
ca dar um determinado rumo ao seu trabalho de pesquisa, isto não quer dizer que ele deva
seguir a mesma teoria a vida inteira, mas a sua opção vai formar a sua especificidade.
Atualmente estamos cada vez mais nos especializando, e esta tendência também che-
gou à história, agora temos especialistas em áreas específicas, que pesquisam e publicam
artigos e livros expressando o seu saber em uma determinada área do conhecimento históri-
co. A especialização situa o profissional em uma tendência específica do conhecimento, isto
permite o seu aprofundamento, mas devemos cuidar para não perdermos a possibilidade de
um conhecimento mais geral que vai permitir ao historiador entender questões significativas
do contexto histórico, ou seja, de termos um conhecimento que nos situe num campo mais
vasto da historiografia.
O campo da historiografia é extremamente vasto e também muito complexo, pois abran-
ge uma diversidade muito grande de tendências que expressam as áreas do conhecimento
em história. Há tempos atrás o campo era mais simplificado, pois era basicamente divido em:
história social; história econômica; história política e história cultural. Esta divisão dava
conta praticamente do campo historiográfico, os historiadores situavam suas pesquisas e
obras nestas divisões.
No século 20 este campo torna-se cada vez mais complexo, sendo possível situar as
pesquisas em várias divisões e subdivisões, podemos observar trabalhos em história das men-
talidades, história do cotidiano, da vida privada, de gênero, da sexualidade, da loucura, dos
jovens, enfim uma infinidade de classificações. Nesta perspectiva podemos observar que a
historiografia torna-se cada vez mais complexa e dividida em compartimentos.
No final do século 20 e início do século 21 é possível observar a importância concedi-
da à história cultural. A cultura passou a ser interesse dos historiadores que buscam entendê-
la em sua diversidade de manifestações e nos países. O cultural é trabalhado em sua plena
manifestação, pois no início do século 20, os historiadores se interessavam mais pela cultu-
ra erudita, a cultura das classes dominantes e atualmente parece acontecer o reverso, ou
seja, os historiadores estão mais interessados em trabalhar com as manifestações da cultura
popular.
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A cultura não é mais trabalhada como uma dimensão separada do mundo social, pois
antigamente a cultura era quase como algo decorativo, que ficava à margem dos estudos
dos historiadores, agora a cultura é pensada como algo vivido, que faz parte da realidade
como algo integrante, ou seja, ao lado da economia, do social e do político ela participa
integralmente do mundo das pessoas.
Os historiadores estão mais interessados em trabalhar com as manifestações da cultu-
ra popular mostrando que as pessoas comuns também têm cultura, pois anteriormente pare-
cia que as pessoas pobres não tinham cultura. Agora os pobres, os populares, os considera-
dos marginalizados, os negros, os índios, os prisioneiros, as prostitutas, os operários, cada
um em sua especificidade produz também alguma manifestação da cultura.
A cultura é pensada em sua diversidade de manifestação, desta forma a historiografia
entende que é possível estudar a cultura em suas distintas dimensões, pois cada grupo social
se expressa de forma diferente. Nesta perspectiva é importante observar que pensar em uma
história cultural plena é possível a partir da compreensão de que convivemos em um mundo
marcado pela diversidade, sendo assim o ponto inicial dos estudos deverá ser feito, pensan-
do principalmente na diferença existente entre os grupos em uma determinada sociedade.
A historiografia é responsável pela nossa própria atualização, pois a mesma é uma das
expressões da cultura que nos propicia o entendimento dos diversos movimentos do homem
na sociedade, tanto nas sociedades mais distantes, quanto na sociedade contemporânea.
Neste sentido a historiografia serve como um instrumento de crítica do próprio mundo soci-
al, pois ela nos oferece os instrumentais necessários para a formação do nosso pensamento,
nos proporcionando conteúdos sobre a vida do homem e do movimento das sociedades.
Sendo assim, é possível adentrar em um universo de conhecimento histórico, que forneça
base para a reflexão, pois é importante conhecermos as coisas e situações para poder formu-
lar a nossa crítica, caso contrário nossa crítica ficaria esvaziada de sentido.
Os movimentos da própria historiografia refletem os movimentos da sociedade, pois a
cada tempo diferente temos uma expressão da historiografia, neste sentido podemos afirmar
a sua contemporaneidade. A cada período os historiadores formulam um tipo de conheci-
mento determinado, pois devemos estar atentos ao movimento que o homem e a sociedade
realizam, cabe ao historiador analisar e escrever sobre cada um deles.
EaD T EORI A E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
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O conhecimento se renova constantemente para dar respostas aos problemas que a
sociedade enfrenta cotidianamente, os historiadores não podem permanecer alheios à soci-
edade em que vivem, precisam acompanhar todos os movimentos, pois a seu ofícioexige que
permaneçam atentos a tudo o que acontece ao redor. Neste sentido, podemos afirmar que a
historiografia é também o produto da cultura e que o historiador deve se apresentar como
um produtor cultural, que produz um conhecimento que expressa a cultura de um determi-
nado período.
A cultura está expressa no conhecimento produzido pelo historiador, pois o conheci-
mento histórico é também uma forma de expressão da própria cultura, neste sentido pode-
mos afirmar que escrever história é um constante exercício de produção da mesma. Mas é
importante salientar que é uma prática cultural bem especializada, pois perpassa pela com-
preensão de que a historiografia é a escrita da história de uma forma bem sistemática, ou
seja, não é qualquer tipo de conhecimento, pois é produzido a partir de teoria e métodos que
caracterizam a forma específica de se escrever a história.
É um conhecimento que expressa a profundidade de seus enunciados, pois reflete toda
a trajetória de pesquisa do historiador, seus pontos de vista e seu posicionamento teórico.
A própria pesquisa histórica também é influenciada pela historiografia, pois a partir
desta é possível escolher uma teoria e uma metodologia a ser trabalhada e, sendo assim,
toda a pesquisa realizada pelo historiador perpassa pela compreensão de que é necessário
realizar uma escolha.
Nesta perspectiva, entendemos a historiografia como portadora de um conjunto bem
significativo de teorias e métodos que permitem a construção do conhecimento histórico-
científico, ou seja, não é qualquer conhecimento, é uma expressão que reflete todo um
referencial que permite uma construção inteligível e organizada e produz um material acei-
to em uma determinada sociedade. É um tipo de conhecimento que permite trazer contribui-
ções significativas para o entendimento da própria sociedade, nos proporcionando sair das
meras especulações para entrar na profundidade do que realmente aconteceu.
Pensar na importância da historiografia é um exercício racional e inteligível que con-
siste na tentativa de entender os discursos dos historiadores, como estes pensam em um tipo
de conhecimento que permite adentrar nas aproximações daquilo que realmente aconteceu
em uma determinada sociedade.
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Os discursos dos historiadores nos aproximam de certa verdade histórica, pois de ime-
diato podemos pensar que a escrita da história reflete de uma maneira mais direta aquilo
que realmente aconteceu, não é uma mera suposição, este é o sentido da verdade, um dis-
curso daquilo que aconteceu. Os historiadores produzem vários discursos, os quais refletem
a sua própria maneira de entendimento das sociedades estudadas, todos estes configuram
para a construção das representações e da memória.
Os discursos são representações daquilo que aconteceu, certa maneira de ver as coisas
e que fica registrado com o texto histórico. O texto sintetiza tudo o que o historiador pensa
sobre a história, pois é uma forma resumida de apresentar tudo aquilo que ele acredita ser
uma verdade.
A historiografia comporta este conjunto de textos, nos permitindo entender tudo o que
realmente os historiadores escrevem, neste sentido podemos pensar que a partir disto pode-
mos entender a plenitude da própria sociedade. Nesta perspectiva, é fundamental salientar
que quanto mais nós conhecermos a historiografia, mais estaremos entendendo como funci-
onam as sociedades que temos a intenção de estudar.
Ao escolher os textos que vamos trabalhar com nossos alunos, estamos trabalhando
com historiografia, pois a escolha do material adequado é fundamental para que o ensino
realmente seja de qualidade. No momento de seleção de textos para nossos alunos é impor-
tante que este material represente o que há de mais inovador na historiografia, pois não
adiantaria de nada termos um belo discurso sobre a história, se o material que escolhemos
para ensinar seja conservador.
Somente o conhecimento da teoria da história vai permitir ao professor fazer uma aná-
lise mais detalhada do conteúdo dos textos selecionados. Toda a linguagem que o historia-
dor utiliza ao escrever os seus textos, expressa de certa forma a sua opção por uma determi-
nada teoria, pois no texto podemos encontrar os conceitos e categorias que identificam de
forma clara a teoria utilizada. A teoria é um traço marcante na escrita de um texto.
A historiografia brasileira é bem diversificada e complexa, como a européia. No Brasil
os estudos mais significativos de historiografia aparecem com mais freqüência a partir do
século 19, momento em que alguns historiadores começam a pensar a escrita da história.
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Mas realmente é no século 20 que a historiografia realmente acontece como uma expressão
da cultura, pois neste longo século ela passou por diferentes fases, marcando de forma deci-
siva a influência das teorias que os historiadores europeus desenvolveram para a escrita da
história.
Muitos historiadores brasileiros foram estudar e pesquisar na Europa e trouxeram para
o Brasil o que havia de novo e revolucionário em termos de teorias e metodologias.
No final do século 19 e começo do século 20 temos na Eu-
ropa a influência decisiva da Escola Metódica e do Positivismo,
ambas as correntes são tomadas como referência pelos historiado-
res para escrever a história. A Escola Metódica nasce na Alemanha
com o historiador Leopoldo Von Ranke, e logo os historiadores fran-
ceses trazem para a França, desta forma tendo uma influência sig-
nificativa na produção historiográfica. Esta escola era marcada mais
por um método de leitura documental, do que por uma teoria pro-
priamente dita.
O Positivismo nasceu na França, também no século 19, a
partir da doutrina de August Comte, que estabelece algumas leis
para a construção do conhecimento histórico e se aproxima mais
de uma teoria.
Ambas as correntes têm uma influência significativa na pro-
dução do conhecimento histórico no Brasil, e continuaram durante
boa parte do século 20 a influenciar os nossos historiadores, princi-
palmente os que escreviam os manuais didáticos que eram utiliza-
dos nas escolas. Principalmente a Escola Metódica, com uma história mais política, com
seus heróis e fatos históricos, o que levava os alunos a decorar o nome dos heróis e os “princi-
1
 Disponível em: <http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/images/3344-Leopold%20von%20Ranke%20@%20530.jpg>. Acesso em: 3
set. 2008.
2
 Disponível em: <http://records.viu.ca/~mcneil/jpg/comte.jpg>. Acesso em: 3 set. 2008.
2
1
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27272727
pais fatos ocorridos com a humanidade”, era uma história muito descritiva, que não incen-
tivava o aluno a desenvolver o seu senso crítico. Felizmente, esta corrente historiográfica
está totalmente superada.
O marxismo foi uma outra corrente teórica e metodológica,
que nasceu também no século 19, fruto de todo um trabalho de pes-
quisa e observação a partir das idéias de Karl Marx, que desenvol-
veu a concepção teórica e explicativa sobre a sociedade de sua época,
e que viria a ser utilizada para muito além de suas origens, influen-
ciando a construção do conhecimento no decorrer do século 20.
O marxismo, como é conhecido e desenvolvido pelos segui-
dores de Marx, é essencialmente uma teoria social, serve como um
modelo de explicação sobre o funcionamento das sociedades, por isso a sua visão de totali-
dade, pois pretendia ser uma teoria que compreendesse e explicasse as sociedades na sua
íntegra. O marxismo foi elaborado para ser uma teoria social, que oferece instrumentos para
os atores sociais desenvolverem a sua própria crítica social, bem diferente do positivismo
que pregava a importância de se mantera ordem social para se conseguir o progresso.
Karl Marx foi um atento observador dos problemas da sociedade, dessa forma demons-
trava em suas obras a importância de se pensar a sociedade e seus conflitos, ou seja, as lutas
de classe como motor da história e, neste sentido, as suas concepções de história apontam
para uma perspectiva da história-problema. Os historiadores vão buscar no marxismo a pos-
sibilidade de se pensar o conhecimento onde a história é pensada com uma perspectiva
singular, denominada de materialismo histórico.
No materialismo histórico temos uma perspectiva de pensar o próprio desenvolvimen-
to das sociedades, bem como a sua organização, tudo isto a partir de um concei to básico
que é o modo de produção. Este conceito é a chave da teoria marxista. No marxismo é
possível trabalhar teoricamente com conceitos e categorias, que nos possibilitam o entendi-
mento da sociedade em suas estruturas internas e externas.
3
3
 Disponível em: <http://portrait.kaar.at/Verschiedene%2019.Jhd/images/karl_marx.jpg>. Acesso em: 3 set. 2008.
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Outra escola histórica de importância fundamental para a historiografia é a Escola
dos Annales, criada na França no final da década de 1920 e continua atuante até a atuali-
dade, cada vez ganhando mais espaço entre os historiadores do mundo inteiro. A Escola dos
Annales é considerada como uma verdadeira revolução para a produção do conhecimento
histórico, pois a partir do seu surgimento a história passou a ser pensada de uma outra
forma.
A história tornou-se interdisciplinar, ou seja, teve aproximações com as demais disci-
plinas das ciências sociais, permitindo um ganho explicativo extraordinário. Os objetos de
pesquisa passaram a ser extremamente variados, começando a pensar a história sobre dife-
rentes perspectivas e permitindo conhecê-la a partir do cotidiano, das mentalidades, da vida
privada, das mulheres, dos jovens, dos velhos e dos atores sociais considerados excluídos. O
tempo passou a ser pensado em diferentes fases, como a curta duração, a média duração e a
longa duração.
A Escola dos Annales não se uti liza de uma teor ia única, mas de várias teorias e
metodologias, que vão decisivamente revolucionar a produção do conhecimento his tó-
rico.
Seção 2.2
A História Como Ciência
Para a Escola Metódica Positivismo, Marxismo e Escola dos Annales, a história deve
ser pensada e construída a partir de teorias e métodos, isto significa que história é uma
ciência. A noção de ciência na história prevê a utilização de uma teoria e de um método,
isto significa que pode ser pensada a partir de algum parâmetro científico.
A própria utilização da teoria para a produção do saber já caracteriza a ciência e,
nesta perspectiva, podemos dizer que a ciência influencia na produção de um conhecimento
com certo sentido, ou seja, não é um amontoado de coisas sem nexo ou racionalidade. O
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conhecimento científico diferencia-se do conhecimento não-científico ou vulgar por ser um
conhecimento ordenado, racional e com sentido, uma perspectiva de se pensar os objetos de
pesquisa com algumas regras que os ordenem.
A história como ciência é defendida por Jörn Rüsen4 em seu
livro Razão histórica, nesta obra o historiador alemão desenvolve seus
argumentos na defesa da ciência histórica. Ele é implacável ao dizer
que o conhecimento verdadeiro e com sentido é o científico.
O autor salienta que é preciso pensar na racionalidade que a
ciência da história possui. Assim, fica evidente a sua preocupação
em demonstrar que o conhecimento científico é essencialmente racional, um sentido deter-
minado em busca, naturalmente, e uma razão histórica. Para Rüsen a tarefa de uma teoria
da história estaria na perspectiva da construção de uma análise buscando a racionalidade
da ciência da história.
Rüsen aponta para a perspectiva de se pensar que o conhecimento científico é
construído, no caso específico da história, a partir da aplicação de determinados métodos de
investigação a serem aplicados às fontes, pois se estas não existissem não seria possível
reconhecer um passado que faça sentido como história. Pois com as fontes inicia-se a apli-
cação dos métodos e regras de pesquisa, a partir deste momento começa a efetiva constru-
ção de um método científico.
O autor salienta que os métodos de pesquisa constituem o terceiro fator dos funda-
mentos da ciência da história. Sendo importante salientar que para a efetiva realização do
ofício do historiador, é preciso, após selecionar a sua fonte de pesquisa, buscar na teoria a
construção de métodos de investigação para os dados fornecidos, pois é ele que transforma
as fontes em documentos para a construção de um conhecimento racional e com sentido.
A teoria aparece como pano de fundo para a construção do conhecimento histórico-
científico, neste sentido Rüsen observa alguns significados da teoria da história para o estu-
do da história. O autor faz as seguintes ponderações:
4
 Disponível em: <http://www.kupoge.de/kongress/2005/referenten/ruesen.jpg>. Acesso em: 3 set. 2008.
4
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1 – A teoria da história é necessária para solucionar o problema de uma introdução tecni-
camente correta no estudo da história.
2 – A teoria da história é necessária para solucionar o problema de uma combinação eficaz
de disciplinas diferentes.
3 – A teoria da história é necessária para solucionar o problema do subjetivismo diante da
exigência de objetividade de pensamento histórico-científico.
4 – A teoria da história é necessária para solucionar o problema da gestão da quantidade de
material de pesquisa, ela exerce aqui uma função organizadora da obtenção do saber
histórico.
5 – A teoria da história contribui para formar a capacidade de reflexão, sem a qual não se
pode solucionar o problema posto pela necessidade de conciliar, num trabalho científico
de fôlego, os requisitos científicos e a economicidade do trabalho. Ela exerce aqui uma
função de seleção e fundamentação.
6 – A teoria da história é necessária para a solucionar o problema de como os estudiosos
poderiam levar em conta, já durante o estudo, sua futura prática profissional5 .
Nas observações do autor a teoria exerce um papel fundamental para a produção do
conhecimento histórico, pois a sua utilização vai confirmar a perspectiva de se fazer uma
história científica. O mesmo autor avança nesta perspectiva e vai dizer que o uso da teoria
também interfere na aplicação de um método para solucionar o problema do material de
pesquisa, isto significa que é a partir da utilização de um método que é possível avançar na
investigação, analisar as fontes de pesquisa e transformá-las em documentos, que são base
para qualquer trabalho histórico.
Aqui também é discutidos a questão da subjetividade do historiador que vai, a partir
do uso da teoria, construir certa objetividade necessária para qualquer trabalho científico. A
teoria é tão valorizada por este historiador a ponto dele afirmar que a mesma é necessária
para os estudiosos construir em sua futura prática profissional. Nesta perspectiva, podemos
5
 Rüsen, Jörne. Razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001. Op. cit. p. 38-41.
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afirmar, segundo as observações do autor, que o conhecimento científico somente é formu-
lado a partir da utilização da teoria da história, e que ela constitui a base para o trabalho do
historiador, inclusive para a definição de sua própria profissão.
A possibi lidade de se pensar em uma história científica é uma perspectiva de mostrar
que o conhecimento científ ico difere-se do conhecimentonão-científico ou vulgar como
alguns autores afirmam, pois se constata que a pretensão do conhecimento científico é mostrar
de alguma forma a verdade dos enunciados. Para Rüsen, a história como ciência é a forma
peculiar de garantir a validade que os acontecimentos em geral pretendem ter, neste sentido
o autor observa que a ciência seria mais uma garantia para consolidar um tipo de conheci-
mento tão subjetivo como o histórico.
O mesmo autor continua suas observações, afirmando que as histórias com pretensões
científicas teriam validade e que, de alguma forma, estariam garantidas perante uma formu-
lação particularmente bem estruturada, ou seja, baseadas em uma teoria da história que
garantiria uma certa regulamentação metódica. O método é elaborado sempre a partir da
aplicabilidade de uma determinada teoria, somente desta forma seria possível construir um
conhecimento histórico-científico com uma determinada pretensão de verdade.
A questão do método garante a legitimidade do conhecimento histórico, ele é possível
de ser formulado a partir da aplicabilidade de uma determinada teoria, este processo garan-
te que o conhecimento estará sendo produzido com critérios e métodos que dão credibilidade
aos argumentos apresentados.
A metodização significa a aplicabilidade de um determinado método, esta tarefa é a
garantia que o historiador teria de transformar suas idéias e hipóteses em um conhecimento
realmente racional, com certa garantia de sua validade. Isto significa que estaríamos diante
de um conhecimento sistematizado, construído com critérios objetivos e métodos de leitura
das fontes empregadas pelo historiador, pois as fontes nos fornecem a matéria-prima que
necessitamos para a construção do conhecimento histórico.
O que garante que o conhecimento produzido pelo historiador é realmente científico?
Para ter esta garantia é preciso certa fundamentação no momento de produzi-lo, na pers-
pectiva de construir certa validade. Podemos observar que o conhecimento histórico vale
para alguma coisa, ele tem uma importância para a cultura de uma determinada época,
servindo como base para o estabelecimento de uma crítica à sociedade em que vivemos.
EaD T EORI A E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
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O conhecimento histórico não é um conhecimento vulgar, que deve ficar armazenado
nas prateleiras das bibliotecas, ele tem uma pretensão de verdade, é racional, servindo como
instrumento para a nossa formação cultural. Também podemos afirmar que o conhecimento
histórico é muito dinâmico, pois cada vez mais os historiadores constroem novos argumen-
tos e as pesquisas históricas sempre trazem novos resultados, sendo sempre fundamental a
tarefa de escrever novas histórias com os novos dados obtidos com as pesquisas.
As histórias tornam-se realmente científicas a partir do momento em que forem
embasadas na pesquisa histórica, ou seja, em algo que realmente aconteceu em um determi-
nado tempo e espaço, que existiu de forma concreta, que possa ser recuperado em algum
aspecto e transformado em conhecimento. As narrativas devem ser construídas obedecendo
às regras da pesquisa histórica, pois é necessária a sistematização dos dados a partir de
algumas normas que são dadas com a teoria aplicada.
As normas estabelecidas pela teoria são responsáveis pela construção de um conheci-
mento histórico, que é garantido pela experiência. Isto quer dizer que está diretamente refle-
tindo algo que realmente aconteceu. Rüsen segue as suas afirmações dizendo que a histó-
ria, como ciência, produz com a devida metodização, ou seja, com a utilização de métodos
específicos para a análise da pesquisa, garantido desta forma um progresso constante de
conhecimento histórico.
A construção do conhecimento histórico-científico é um processo, no qual é possível
perceber que o historiador, como sujeito produtor de conhecimento, vai se utilizar de algu-
mas regras e normas para tornar o seu ofício mais sistemático e direcionado. Nesta perspec-
tiva, podemos perceber que quando o historiador procura trazer a experiência do passado ao
presente, ele deve fazê-lo com certa ordenação, pois não podemos recriar a história de uma
forma aleatória, o que existiu no passado foi vivido com certa lógica.
O historiador deve procurar entender a lógica do passado, ou seja, a articulação de
seu objeto com a sociedade na qual aquilo foi realmente vivido, pois os objetos de pesquisa
são meros recortes e muitas vezes podem aparecer de modo isolado, dessa forma perdendo a
sua vinculação com o seu devido referente. No processo de construção do conhecimento, o
historiador deve permanecer atento as suas formulações teóricas e metodológicas, pois a
partir destes referenciais é que constrói toda a sua visão de pesquisa.
EaD T EORI A E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
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A pesquisa deve obedecer ao conjunto de regras e normas, ou seja, a tão propagada
metodização, pois a partir da compreensão deste referencial escolhido é que o trabalho de
sistematização começa, para posteriormente construir a narrativa histórica e, enfim, o seu
processo de escrita.
A história como ciência é uma afirmativa feita por vários historiadores de diferentes
escolas, pois acreditam que para se construir o conhecimento histórico é preciso que o pes-
quisador conheça teorias e métodos e, desta forma, apresentam uma concepção de história
mais próxima de algumas normas e regras.
Ainda nesta perspectiva, podemos situar a posição de Marc
Bloch, que foi um dos fundadores da Escola dos Analles, em seu
livro Apologia da história ou o ofício do historiador,7 ele discute de
forma sistemática a sua concepção de ciência da história. Bloch
afirma que história é a ciência dos homens no tempo, esta afirma-
ção confirma a sua posição que reflete também a própria Escola
dos Annales, de que pensar o tempo e o conhecimento histórico
significa pensá-los sobre a ótica da ciência e sua temporalidade.
Marc Bloch, ao discutir o problema da observação histórica, retoma novamente a sua
posição em relação à ciência da história, afirmando que uma ciência não se define apenas
pelo seu objeto de estudo, é preciso pensar nos limites estabelecidos pelo próprio historiador.
O autor também discute a natureza dos métodos, ou seja, que é sempre necessário o empre-
go destes para o desenvolvimento da pesquisa e da narrativa histórica, confirmando desta
forma o emprego da ciência para a construção do conhecimento.
O mesmo autor comenta que as próprias técnicas de investigação, ou seja, de pesqui-
sa, não são as mesmas conforme nos aproximamos ou nos afastamos do momento presente.
Esta afirmação é fundamental para entendermos que as técnicas de pesquisa não são as
mesmas para todos os objetos, pois somente a teoria nos dará suporte para criarmos as
nossas próprias técnicas segundo o que realmente queremos investigar. Em síntese, pode-
6
 Disponível em: <http://www.cojeco.cz/attach/photos/3b44e7a50bd83.jpg>. Acesso em: 3 set. 2008.
7
 Bloch, March. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
6
EaD T EORI A E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
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mos afirmar que Bloch foi um defensor da história como ciência, pois o autor afirma em seu
livro “Apologia da História” que é preciso o emprego de métodos e técnicas de pesquisa para
a construção do conhecimento.
Os autores que defendem a história como ciência são vários. Aqui apresentamos ape-
nas dois casos para melhor i lustrar o nosso texto, mas têm autores, em todas as escolas, que
acreditam que para se construir o conhecimento histórico é preciso a utilização de uma
teoria e de métodos especí ficos no processo da pesquisa e na construção da narrativa.
Assim, a história como conhecimento pode passar pelo crivo da ciência e constituir-se
como um conhecimentoracional em busca de uma razão, com direcionamentos precisos,
capazes de transmitir de forma ordenada e seqüencial os argumentos e proposições elabora-
dos pelos historiadores, ou seja, não é apenas um mero relato das coisas que ocorreram, mas
é sim uma narrativa histórica, problematizada, capaz de nos traduzir a experiência que os
homens e as sociedades viveram em um determinado tempo.
Seção 2.3
A História Como Não-Ciência
Por outro lado, temos os historiadores que não acreditam que a história possa configu-
rar-se como uma ciência, pois aclamam que esta não tem teorias e métodos precisos para a
sua constituição, portanto não pode apresentar-se como tal. Temos neste direcionamento
dois grupos bem específicos, aqueles historiadores que constroem conhecimento histórico
sem o uso das teorias e os que aproximam a história da arte e da literatura. São grupos bem
distintos!
Os historiadores que defendem a história científica protestam estas posições a-teóricas
e afirmam que este conhecimento produzido sem o uso de teorias e métodos poderia ser
classificado como história vulgar. Desta forma, podemos perceber que esta denominada his-
tória vulgar não teria o mesmo reconhecimento de uma história científica.
EaD T EORI A E MÉTODOS DA HISTÓRIA I
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O historiador Paul Veyne em sua clássica obra Como se escreve a história, afirma que a
história não pode configurar-se como uma ciência, e define a história como uma narrativa de
eventos reais que tem o homem como ator. O autor observa que esta narrativa difere-se da
literária porque busca a construção da verdade, o que difere a história das demais disciplinas.
Veyne discute que a construção do conhecimento histórico perpassa pela compreen-
são da importância dos documentos para a sua elaboração, e observa que os eventos não
são aprendidos de uma maneira direta, mas indiretamente por meio dos fatos pesquisados,
registros, que são todos parciais. Eles são os testemunhos de que algo realmente aconteceu,
e que ficou armazenado na memória, pois considera que a história é filha da memória.
Paul Veyne define que a ciência é muito pobre e restrita e que a história não caberia no
reducionismo desta e, portanto, é muito mais ampla do que se pode imaginar. Neste sentido,
o autor observa que:
Não somente nenhum acontecimento, mas, ainda, as leis que vêm interferir no curso de um
acontecimento não explicarão, nunca, senão uma pequena parte dele. O sonho espinosista de um
determinismo completo da história não passa de um sonho; a ciência não será, jamais, capaz de
explicar o romance da humanidade tornando-o por capítulos inteiros ou, mesmo, por parágra-
fos; tudo o que ela pode fazer é explicar algumas palavras isoladas, sempre as mesmas, que
retornam em muitas páginas do texto, e suas explicações são, por vezes, úteis para a compreen-
são, outras vezes, não passam de glosas inúteis.
A razão desse divórcio entre a história e a ciência está em que a história tem por princípio tudo
o que é digno dela: não tem o direito de escolher, de se limitar ao que é suscetível de uma
explicação científica, do que resulta que, em comparação com a história, a ciência é muito pobre
e repete-se terrivelmente8.
A partir das idéias explicitadas pelo autor, podemos observar que a ciência não daria
conta de toda a complexidade que é o conhecimento histórico, pois as teorias científicas
poderiam reduzir a história a algo totalmente simplificador, não oferecendo explicações
plausíveis para o entendimento das sociedades. Nesta perspectiva, fica destacado que é
preciso a construção de um conhecimento que dê conta de toda uma complexidade que é
a história.
8
 Paul, Veyne. Como se escreve a história; Focault revoluciona a história. Brasília: UnB, 1995. Op. cit. p. 128.
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Não se pode cair na tentação de construção de um conhecimento compartilhado em
fragmentos, pois a sua fragmentação perderia o sentido da própria narrativa. O autor desta-
ca a importância de se pensar em um certo divórcio entre a história e a ciência, pois a
primeira tem como principio trabalhar com um conhecimento mais abrangente, o qual não
caberia neste certo reducionismo da ciência, e finaliza destacando que a segunda ciência é
pobre e repete-se muito.
Outro autor a considerar a história como não-ciência é
Hayden White, ele defende a proposição de que a história estaria
mais próxima da literatura do que da ciência. O autor afirma que
os historiadores comentam que a história ocupa uma área interme-
diária entre a ciência e a arte e, podemos observar que não se cons-
titui como uma negação da ciência mas uma possibilidade de apro-
ximação da história com a arte.
A história próxima da arte conquistaria um novo estatuto, ou
seja, não estaria mais sujeita as regras e normas mais rígidas empregadas pelas ciências,
estaria conquistando um novo espaço, com uma escritura mais flexível e próxima da teoria
literária. Nesta perspectiva, o autor afirma que as histórias construídas pelos historiadores
não podem corresponder exatamente a maneira pela qual as coisas de fato ocorreram, isto
significa que a história não é uma recuperação precisa daquilo que realmente aconteceu, a
história é tão somente uma interpretação dos acontecimentos.
Hayden White discute em suas obras, principalmente na “Metahistória”, uma de suas
mais clássicas obras, que é preciso o historiador pensar nas diversas formas de utilização e
domínio da linguagem para a sua construção textual, pois esta quando bem utilizada vai
determinar o seu próprio estilo. Na construção do texto a linguagem determina os seus
significados, pois é preciso prestar a atenção para a forma como são construídas, a ordena-
ção dos argumentos e as figuras de linguagem empregadas, tudo isto resulta em um traba-
lho didático e extremamente significativo para a construção do discurso histórico.
9
 Disponível em: <http://www.staff.amu.edu.pl/~ewa/Hayden%20White%20American%20Academy%20in%20Berlin.jpg>. Acesso em:
3 set. 2008.
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O autor afirma que a discussão entre história ciência e não-ciência é uma problemáti-
ca aberta entre os historiadores, e destaca que é necessário defender suposições conscientes
e inconscientes. Desta forma, podemos observar que a discussão sobre o próprio estatuto da
história é um problema que o historiador deve enfrentar.
A história como ciência ou como não-ciência é uma longa discussão que perpassa
pela historiografia ainda no século 21, pois os historiadores estão divididos quanto as suas
posições, ainda perpassamos por novas concepções sobre o conhecimento a partir de alguns
modelos como, por exemplo, pela modernidade e pós-modernidade, modelos que discutem a
produção do conhecimento como um todo, não simplesmente o conhecimento histórico.
Mas o que nos interessa diretamente é a discussão sobre o conhecimento histórico,
visto que este é construído a partir de algumas balizas que os caracterizam como um tipo
especial que tem como propósito nos revelar a verdade, ou seja, não é qualquer conheci-
mento que se produz a partir do nada, ele deve estar baseado em alguma coisa que realmen-
te aconteceu, ou seja, em um determinado referente. Esta é a concepção de um modelo de
conhecimento chamado de modernidade, ou também conhecido como paradigma moderno.
No modelo de conhecimento conhecido como pós-modernidade, as coisas não são mais
concebidas dessa maneira, o que nós chamamos de referente (aquilo que realmente aconte-
ceu), não existe mais para os pós-modernos, pois estes historiadores consideram que o pas-
sado somente existiu nos textos (nos discursos), ou seja, não se tem mais a idéia de um
passado real, neste sentido o referente não faz mais sentido de discutir.Os historiadores pós-modernos não acreditam que seria possível a construção de uma
verdade histórica, ou seja, o conhecimento histórico é algo relativo, feito somente a partir
dos discursos e com os recursos da linguagem. O passado não é mais o referente para a
construção do conhecimento, mas apenas os discursos e os textos, ou seja, não é mais pos-
sível relacionar o conhecimento histórico a um determinado passado, ele é relacionado aos
relatos sobre o passado, bem próximo da literatura.
A pós-modernidade vai criticar as teorias da história que consideram o conhecimento
histórico como uma ciência. Para estes autores a história não é uma ciência, pois estaria
mais próxima da literatura e da ficção. Esta corrente denominada de pós-modernidade é
muito recente e começa a ganhar espaço no final dos anos de 1980, na Europa e nos Esta-
dos Unidos, onde este movimento tem maior expressão.
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No Brasil este movimento é muito recente. Os historiadores fazem muitas críticas à
pós-modernidade, não acreditando no sucesso do movimento, mas devemos estar atentos
para os comentários que estes historiadores pós-modernos fazem em relação à história, pois
eles abominam o excesso de rigor científico e acabam com a noção de que é possível cons-
truir um conhecimento racional.
Existem várias vertentes na pós-modernidade, uma delas visa discutir o estatuto do
próprio texto histórico caracterizando-o como um artefato lingüístico. Esta vertente tam-
bém conhecida como narrativista, discute a importância da linguagem e do discurso para a
construção do texto do historiador. A tese levantada por esta corrente é de que o texto do
historiador não é diferente do texto criado por autores de ficção, portanto a narrativa histó-
rica não teria diferença da narrativa ficcional.
Esta afirmação dos pós-modernos narrativistas acaba com a noção que funda a ciên-
cia da história, que postula que para a construção do conhecimento histórico é preciso que
o historiador o construa a partir de seus documentos, ou seja, de suas fontes de pesquisa.
Esta corrente narrativista contesta a própria objetividade do conhecimento histórico e tam-
bém os limites de sua verdade, pois o compara com o conhecimento ficcional, o qual pode
ser construído somente a partir da imaginação do escritor. Podemos concluir, afirmando que
a pós-modernidade contesta muitas coisas, mas não oferece outras para pôr no lugar, desta
forma f ica evidente que esta corrente não contribui muito para a história e para a
historiografia.
A construção do conhecimento histórico é algo muito sofisticado, pois exige do histo-
riador uma verdadeira reflexão sobre as regras e normas precisas para a sua confecção,
sendo possível perceber que é necessário que o historiador seja um sujeito bem informado. É
importante salientar que o historiador deve conhecer as teorias da história para se posicionar
como um sujeito produtor de conhecimento, pois como acabamos de ver existem várias cor-
rentes que discutem o estatuto do texto histórico.
Esta discussão sobre a história como ciência ou como não-ciência é uma problemáti-
ca que perpassa as teor ias, isto quer dizer que não é uma discussão encerrada, ela continua
aberta para ser encarada pelos diferentes historiadores em suas escolas históricas. Os argu-
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mentos que os historiadores utilizam para defender a ciência ou para negá-la, pertencem às
diversas correntes teóricas, e por isso é fundamental que esta discussão esteja presente no
ofício do historiador, pois o conhecimento é uma das atividades para o sujeito apresentar-se
como tal.
Podemos observar que ainda existem pessoas que se apresentam como historiadores
que estão na margem de qualquer discussão sobre o conhecimento histórico, que não co-
nhecem nenhuma teoria da produção do conhecimento, nem sequer os métodos e as regras
a serem utilizadas para a construção da história. Produzem um conhecimento a-teórico e se
apresentam como historiadores, mesmo não tendo nenhuma formação na área específica.
O conhecimento que eles produzem não podemos classificar como científico ou não-
científico, apenas podemos classificá-lo como conhecimento vulgar, aqui vulgar não tem
uma conotação pejorativa, mas significa um conhecimento sem a utilização de qualquer
discussão teórica. O que podemos afirmar de imediato é que todo o conhecimento tem o seu
valor, seja científico ou não-científico, mas o que podemos nos interrogar é sobre uma deter-
minada noção de verdade que este conhecimento pode representar, pois ainda acredita-se,
pelo menos os modernos, que o conhecimento histórico ainda tem um dever de trabalhar
com uma verdade.
As discussões sobre a ciência na modernidade e na pós-modernidade interferem na
concepção do próprio estatuto do conhecimento histórico, pois os historiadores que acredi-
tam que a história é uma ciência afirmam que este é o único conhecimento verdadeiro, que
ainda é possível construir algo racional e com sentido, pois se baseiam em certa metodização,
ou seja, em teorias, métodos, regras e normas, acreditando que a história deva ser construída
a partir de alguns princípios fundamentais que a regem. Mas, por outro lado, estes historia-
dores são muito rigorosos, pois criticam veementemente qualquer outro tipo de conheci-
mento que não perpassa por esta metodização.
Os historiadores que não acreditam que a história possa configurar-se como uma ciên-
cia fazem uma aproximação com a literatura e com a arte, alguns inclusive acreditam que a
história é muito ampla é que não cabe na estreiteza de uma determinada ciência. Mas há os
que acreditam que a história é realmente uma arte, portanto subjetiva demais para ser uma
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ciência, e sua construção perpassaria pela confecção de um texto mais livre, sem as regras
mais rígidas exigidas pela ciência, portanto o seu estatuto estaria mais próximo da literatu-
ra ou também da ficção.
O importante é ficarmos atentos para as discussões que indicam que o conhecimento
histórico estaria ainda representando algo que realmente tem a ver com uma determinada
realidade, ou seja, que ainda tem alguma relação com o passado, o que de alguma forma
nos propiciaria entender o homem e a sociedade de uma determinada época.
SÍNTESE DA UNIDADE 2
Nesta unidade podemos perceber que a historiografia é uma
discussão fundamental para pensarmos as diferentes formas de cons-
trução do conhecimento histórico. A historiografia tem a sua própria
história, isto quer dizer que o que os historiadores do século 19 pro-
duziam é bem diferente do que os historiadores do século 20 produzi-
ram e assim sucessivamente.
A cada período da história temos uma historiografia diferente,
pois os interesses dos historiadores mudam com o tempo, e também
as teorias que eles utilizam para a construção do conhecimento são
diversas, conforme o período em que eles vivem. Você também pôde
perceber que alguns historiadores acham que a história científica é
realmente a verdadeira, e que as outras formas de conhecimento, sem
o uso da teoria e da metodologia, não têm validade para a história.
É importante perceber que nem todos os historiadores concor-
dam que a verdadeira história é a científica, pois defendem a idéia de
que esta não é uma ciência, pois estaria mais próxima da literatura e
da ficção. Não existe uma idéia consensual sobre isto, mas é funda-
mental que você entenda que a historiografia é bem diversificada e os
historiadores pensam de forma diferente.
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Unidade 3Unidade 3Unidade 3Unidade 3
A IMPORTÂNCIA DAS ESCOLAS HISTÓRICAS
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
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