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A VULNERABILIDADE DAS MULHERES A EPIDEMIA DA AIDS

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TEMA: A VULNERABILIDADE DAS MULHERES A EPIDEMIA DA AIDS
OBJETIVOS
Inscrita em um contexto de vulnerabilidade que determina processos de exploração, sub-emprego e violência domiciliar, a mulher é, no momento, a vítima mais recorrente no âmbito da saúde coletiva. Embora mais denunciada e combatida na esfera pública, é no mundo privado, na intimidade, onde as questões centrais da submissão do feminino e a vulnerabilidade da mulher ao contágio por HIV ficam mais evidentes. Compreendendo a grande importância dos significados envolvidos no processo de feminilização da epidemia de AIDS, esta investigação buscou,
baseado em análises qualitativas de conteúdos evocados em depoimentos de mulheres com HIV/AIDS, a identificação de alguns elementos determinantes neste processo
DESENVOLVIMENTO
. Do ponto de vista biológico, a vulnerabilidade feminina ao HIV tem sido apontada, em vários estudos, como duas a quatro vezes maior que a do homem, devido à maior quantidade de carga viral no sêmen, e seu maior volume, quando comparado à secreção vaginal7 8. Além disso, as
características fisiológicas dos órgãos genitais femininos, com maior superfície de mucosa exposta, aumentam a possibilidade de lacerações no ato sexual, facilitando o acesso ao HIV. Considerando a prevenção do HIV, a questão de poder nas relações de gênero não pode ser negligenciada. Estudos anteriores constataram que mulheres pobres em parcerias estáveis, apesar de estarem suficientemente informadas sobre seus riscos para o HIV, não detinham poder para alterar essa situação9. Antigos paradoxos perseveram: o preservativo masculino continua sendo a única opção acessível à maioria da população, uma prerrogativa de homens. A falta de tradição no uso deste contraceptivo, na cultura brasileira, agrava essa situação. O preservativo feminino, um método em princípio sob o controle das mulheres, é ainda uma interrogação dadas algumas questões preocupantes: o alto custo e características de manuseio que exigem um acompanhamento por profissionais de saúde.
O poder deve ser compreendido de forma ampla, para além da esfera afetiva-sexual das de gênero. Implica em ter acesso aos serviços de saúde, empregos e salários decentes, moradia, condições adequadas para criar os filhos e segurança pública, entre outras questões imediatas e urgentes à sobrevivência. Ao invés, são incorporadas à “essência do feminino”: nos casos em que trabalham fora, às mulheres são atribuídos os encargos de uma segunda jornada de trabalho, relegadas ao subemprego e à desqualificação profissional. 
Dentro desse contexto passam a ser inscritos, como naturais do mundo masculino, a linguagem política, o poder e o dinheiro, enquanto que, no feminino, o mundo socialmente subalterno, sentimentalizado, de retaguarda, e sem características produtivas. Cria-se aí uma forma de
subjetividade própria das mulheres, que consiste em “ser do outro”, em detrimento de “ser de si”, constituindo um elemento da sua fragilização e vulnerabilidade.
A feminilização da epidemia de AIDS é suportada por dois processos,
historicamente determinados, e que demandam compreensão:
1. Vulnerabilidade feminina: elementos que predispõem às vicissitudes da exclusão de gênero, fragilizando a mulher, tornando-a suscetível à violência e às moléstias, inclusive à infecção por HIV.
2. Naturalização dos papéis de gênero: Falsa concepção de uma realidade imutável, vista como determinada a priori. Visão contemplativa sobre as relações de gênero, tornadas parte da natureza das coisas, com representações de razões necessárias, justificando o papel de subordinação da mulher. Tais concepções confinam as mulheres em um estado de anomia determinado por um mundo susceptível à violação dos direitos mais elementares, compreendendo o abuso sexual, associação e livre expressão, potencializados pela dependência ao papel provedor masculino, e subproletarização decorrente da lógica perversa de manutenção de um exército de reserva de força de trabalho desqualificada para cumprimento das tarefas banais, mas fundamentais, para o andamento da carruagem social.
SAÚDE REPRODUTIVA
É relativamente recente entender saúde como resultado de uma ação médica. Há três séculos, aproximadamente, a manutenção da saúde não era objeto de práticas específicas, vista como uma conseqüência natural da observância de regras morais, éticas e de convívio vigentes na época. A
prática da cura era orientada para os indivíduos doentes, não havendo propostas voltadas à prevenção das doenças12. É ainda mais recente a compreensão da saúde como resultado de ações técnicas específicas sobre corpos e organismos diferenciados como no caso das mulheres.
A saúde da mulher surge como estratégia para administrar gestações e nascimentos, na medida em que atende a interesses do estado e das mulheres13. A revolução industrial e a consolidação do capitalismo determinaram um crescimento populacional acelerado, visando suprir as
demandas de produção e do consumo de mercadorias. O parto, a vida sexual e a saúde reprodutiva das mulheres foram diretamente afetados, com índices elevados de óbitos maternos e infantis, além de complicações decorrentes de gestações repetidas e de doenças sexualmente transmissíveis.
A rápida disseminação dos programas de controle da natalidade implementados nos países do terceiro mundo e as altas taxas de óbitos evitáveis, causados pelo descaso com a oferta de cuidados, instigaram o movimento internacional pela saúde da mulher. Neste contexto, o conceito de saúde reprodutiva destaca um mínimo de condições que garantam à
mulher ser mãe, sem risco de vida ou dano à saúde. Busca romper com a idéia de reprodução como um dever, um destino do feminino, situando-a como um direito. Entendida como direito humano fundamental, a reprodução sem riscos e coerções passa a ser um dever do Estado. As
determinações sociais da sexualidade tem incidido na mulher, tornando-a suscetível à infecção pelas DSTs/AIDS, com desdobramentos profundos para a comunidade, indivíduos, famílias e programas de saúde. 
EM BUSCA DE UMA VIDA NORMAL
O convívio com o HIV implica na emergência de sentimentos adversos, os quais podem ser traduzidos por estados subjetivos, decorrentes do desgaste causado pelo enfrentamento ao vírus. Tais sentimentos refletem a sensação de não ser e não pertencer, e a impossibilidade de esquecimento da soropositividade, na medida em que a doença traz em si uma relevante carga de estigmatização, identificada na falta de oportunidade de trabalho, afastamento de amigos e acometimento de doenças que acarretam limitantes seqüelas físicas.Considerando tais circunstâncias, as mulheres soropositivas buscam re-estabelecer um quadro de normalidade sobre sua nova condição e, para tanto, utiliza diversas estratégias. Assim, quando ocorre a revelação do diagnóstico positivo ao HIV, este emerge como uma sentença de morte, tanto física como de projetos de vida, o qual a pessoa reluta em aceitar. 
A DOR DO OSTRACISMO SOCIAL
Para as mulheres entrevistadas, conviver com HIV/AIDS pode significar estar relegada ao ostracismo social decorrente do estigma da doença. Expresso por rejeição pessoal, discriminação direta e indireta, leis que privam os direitos básicos do trabalho, do cuidado em saúde, suporte social e educação, o ostracismo social é a decorrência mais cruel do processo de pauperização em que estão submetidas. A AIDS potencializa a exclusão no traballho; as pessoas passam a depender dos familiares, para viverem e serem cuidadas, com sobrecarga para o orçamento doméstico. Resultado de crenças naturalizadas, o estigma do HIV tem origem, sobretudo, no medo do desconhecido e na ameaça que representa para a sociedade como um todo. As metáforas do discurso sobre a AIDS, refazem a ligação histórica entre doenças estigmatizantes da atualidade e as principais doenças epidêmicas que assolaram a humanidade. A AIDS, como “doença do outro”, se mantém associada à sua origem, legada ao terceiro mundo, aos grupos marginais,e às minorias “desqualificadas” socialmente. Apesar dos avanços tecnológicos no campo da epidemia de AIDS, a sociedade mantém uma distância cautelosa das pessoas que vivem com HIV; estas enfrentam, simultaneamente, desafios impostos pela defesa dos direitos à manutenção da saúde e pela oposição á discriminação, que potencializam o processo de exclusão social ao qual estão submetidas.
Consideraçoes Finais
Nossos resultados mostraram o impacto do diagnóstico positivo para o HIV, ocasionando uma sobrecarga emocional, que culmina com rupturas, desordens e desorientações no modo de vida da mulher. Também, foram recorrentes sentimentos de negação da doença, luto do corpo sadio e busca pela conformação com o diagnóstico. Re-significações de objetivos particulares, às remeteram á conjuntura do contágio, mergulhando-as na busca por culpados pela contaminação,
em todos os casos via relações sexuais, quase sempre dentro de relacionamentos estáveis. A evidência de uma grande vulnerabilidade ao HIV indicou a naturalização dos papéis de gênero, em um sistema desigual de poder, como um elemento que atribui visibilidade às formas e condições da mulher sustentar sua luta pelas condições de saúde reprodutiva e seus direitos civis. A continuidade e ampliação deste debate será um dos caminhos para a redução da feminilização da epidemia de AIDS e da vulnerabilidade da mulher ao HIV e seus impactos. Da mesma forma, facilitar a discussão e a troca de vivências, aproveitando as oportunidades cotidianas de contato
para criar vínculos e desenvolvendo estratégias educativas específicas é também essencial, para enfrentar as determinações que subjazem ao crescimento da epidemia entre as mulheres.

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