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CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PSICOTERAPIAS DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA TATIANE REGINA CIRIANO O LUTO, A MELANCOLIA E A PSICANÁLISE RIBEIRÃO PRETO 2015 TATIANE REGINA CIRIANO O LUTO, A MELANCOLIA E A PSICANÁLISE Monografia de conclusão de curso apresentada ao programa de pós-graduação lato-sensu em Psicoterapias de Orientação Psicanalítica, no Centro Universitário Barão de Mauá, como requisito parcial para obtenção de título parcial de Especialista. Orientador: Prof. Me. Mestre Daniel Nardini Queiroz Pergher. RIBEIRÃO PRETO 2015 C525l CIRIANO, Tatiane Regina O Luto, a Melancolia e a Psicanálise/ Tatiane Regina Ciriano - Ribeirão Preto, 2015. 31p. Trabalho de conclusão do curso de Psicoterapias de Abordagem Psicanalítica do Centro Universitário Barão de Mauá Orientador: Ms. Daniel Nardini Queiroz Pergher FOLHA DE APROVAÇÃO Tatiane Regina Ciriano O LUTO, A MELANCOLIA E A PSICANÁLISE Monografia de conclusão de curso apresentada ao programa de pós-graduação lato-sensu em Psicoterapias de Orientação Psicanalítica, no Centro Universitário Barão de Mauá, como requisito parcial para obtenção de título parcial de Especialista. Orientador: Prof. Me. Mestre Daniel Nardini Queiroz Pergher. Aprovada em: Banca Examinadora Orientador: Prof. Me. Daniel Nardini Queiroz Pergher. Centro Universitário Barão de Mauá Examinador: Prof.ª Centro Universitário Barão de Mauá Primeiramente agradeço a Deus, pela saúde e dom da vida. Dedico este trabalho à minha mãe. Agradeço pela paciência, compreensão e apoio ao longo de mais esta etapa e, em especial, por sua existência em minha vida. Ao meu orientador Daniel Nardini Queiroz Pergher, pelo auxílio, dedicação e paciência na elaboração dessa monografia. “Esse é o problema da dor, ela precisa ser sentida”. A culpa é das Estrelas John Green RESUMO CIRIANO, T. R. O luto, a Melancolia e a psicanálise. 31 p. Monografia (Pós Graduação Lato Sensu em Psicoterapias de Orientação Psicanalítica) – Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, 2015. O processo de elaboração do luto é sempre doloroso e normalmente é um processo longo e não linear. As pessoas vivem o luto das mais variadas formas e cada um expressa esse luto de maneira diferente. A depressão é diferente do luto, pois se trata de uma doença que se caracteriza por uma tristeza profunda e duradoura: no luto é o mundo que se torna pobre e vazio, na melancolia é o próprio ego. Atualmente as pessoas estão com dificuldade de vivenciar o luto. Parece que estamos vivendo em uma sociedade onde o luto não pode ser respeitado e precisa ser abominado em prol de uma cultura do “é preciso ser feliz”. Essa pesquisa tem como objetivo fazer uma análise psicanalítica do luto e da melancolia e como o tratamento psicanalítico pode ajudar. Diante dessas duas formas de sofrimento psíquico (luto e depressão), o papel do psicoterapeuta é de suma importância, pois o mesmo serve como norteador e ampara estes sujeitos em seu sofrimento oferecendo um lugar, um espaço acolhedor, ajudando o paciente a enfrentar suas perdas e suas dificuldades. Ao passar por psicoterapia, o paciente pode, com a ajuda do psicoterapeuta, reestabelecer suas esperanças e seguir em frente. No processo psicoterapêutico, com a ajuda do psicoterapeuta, têm-se como objetivo o reestabelecimento da esperança para que assim o paciente possa seguir em frente. PALAVRAS-CHAVE: Luto; Luto Patológico; Melancolia; Depressão; Elaboração; Intervenção Psicológica. . ABSTRACT CIRIANO, T. R. O luto, a Melancolia e a psicanálise. 31 p. Monografia (Pós Graduação Lato Sensu em Psicoterapias de Orientação Psicanalítica) – Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, 2015. The process of elaboration grieving is always painful and usually is a long process and not linear. People live the mourning of the most varied shapes and each expresses this grief differently. Depression is different from mourning, because it is a disease that is characterized by a deep and lasting sorrow: in mourning is the world becomes poor and empty, in melancholy is the ego. Currently people are having trouble to experience grief. It seems that we are living in a society where grief cannot be respected and needs to be abhorred in favor of a culture of "need to be happy". This research aims to do a psychoanalytic analysis of mourning and melancholy and how psychoanalytic treatment can help. Given these two forms of distress (mourning and depression) the role of the psychotherapist is of paramount importance, because it serves as guide and support these guys in their suffering by offering a place, a cozy space, helping patients to face their losses and their difficulties. By going through psychotherapy, the patient can, with the help of a psychotherapist, re-establish their hopes and move on. In the psychotherapeutic process, with the help of a psychotherapist, have as objective the re-establishment of hope so that the patient can move on. Keywords: Mourning; Pathological Mourning; Depression; Elaboration; Psychological Intervention. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................9 1.1 O luto na teoria psicanalítica...... ................................................................9 1.2 O luto patológico........................................................................................13 1.3 A era da liquidez e a dificuldade de viver tristezas...................................18 2.OBJETIVO..............................................................................................................21 3. MÉTODO................................................................................................................21 4. ANÁLISE................................................................................................................23 4.1 A elaboração do luto................................................................................. 23 4.2 Psicoterapia psicanalítica no luto e na melancolia................................... 26 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 29 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 30 9 1. INTRODUÇÃO 1.1. O luto na teoria psicanalítica Quando um ser humano faz um vínculo profundo com algo ele passa a investir sua libido neste objeto e se sente, muitas vezes, inseguro, pois existe a possibilidade de que a qualquer momento ocorra um rompimento, uma morte ou algo que provoque uma separação. Quando esse rompimento acontece o indivíduo vivencia dor e tristeza, pois acontece um desligamento de um objeto de muita importância: pode ser, por exemplo, a perda de um emprego ou a perda de uma pessoaquerida. A ideia de luto não se limita apenas a morte, mas ao enfrentamento das sucessivas perdas reais e simbólicas durante o desenvolvimento humano. O simples ato de crescer, como no caso de uma criança que se torna adolescente vem com uma dolorosa abdicação do corpo infantil e suas significações. Assim também é o declínio das funções orgânicas advindas do envelhecimento. (ANDRESSA K. S. C.; MILENA L. S. & TÂNIA E. B., 2013). O processo de elaboração do luto é sempre doloroso. Segundo Freud (1929/1996): “nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor” (p.90). O processo do luto normalmente é um processo longo e não linear. As pessoas vivem o luto das mais variadas formas e cada um expressa esse luto de maneiras diferentes: existem pessoas que choram, outras ficam mais silenciosas, outras perdem a vontade de fazer coisas que antes lhe eram prazerosas, outras passam a sentir muita dificuldade de realizar tarefas corriqueiras e assim por diante. Os indivíduos que estão passando por um processo de luto, muitas vezes, por não suportarem tamanha dor, acabam por negar e inventar que aquela perda não aconteceu. Muitas pessoas, por exemplo, não suportam a quebra que a morte de alguém querido traz e passam a alucinar a presença daquela pessoa ficando, desta forma, presas no “princípio do prazer” (FREUD, 1911/1996 p. 238). Como o impacto da perda desestabiliza o indivíduo é comum que esse, inicialmente, lance mão de defesas primitivas, como por exemplo, a negação. De 10 alguma forma essa anestesia inicial ajuda o indivíduo sobreviver psiquicamente à dor e a angustia que provém dessa ruptura. Em todos estes casos há uma tentativa do sujeito de se organizar psiquicamente diante da falta. Em seu texto Luto e Melancolia, Freud (1917/1996) definia o luto da seguinte maneira: “o luto, de um modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido.” (p.249). No luto há uma perda de interesse no mundo externo e a uma incapacidade de substituição de um novo objeto de amor. (FREUD, 1917/1996). Para Melanie Klein (1940/1996): “o objeto que desperta o luto é o seio da mãe, juntamente com tudo aquilo que o seio e o leite passaram a representar na mente do bebê: o amor, a bondade e a segurança” (p. 388). A partir dos seis meses de idade a mente incipiente do bebê, ou melhor, sua “protomente” passa a ter acesso ao que ela denominou de posição depressiva. Nessa fase o bebê passa a reconhecer a mãe como objeto total, ou seja, a mesma mãe que ele sente como frustradora (seio mau) é a que o gratifica e o alimenta (seio bom). Nessa fase o bebê começa a perceber que tem apenas uma mãe e não duas e este reconhecimento gera no bebê um sentimento de ambivalência. O bebê passa então a nutrir sentimentos de pesar e preocupação pelo objeto amado: sente medo de perdê-lo e tem o desejo de recuperá-lo. Melanie Klein (1940/1996) nomeou este sentimento como anseio pelo objeto amado. Um fato que ajuda a colaborar para a passagem da incorporação feita pelo bebê dos objetos parciais para os objetos inteiros, de acordo com Klein (1940/1996) é a fase do desmame: o fato do bebê parar de mamar é vivenciado como a primeira grande perda, pois o bebê sente que perdeu sua maior fonte de alimento e prazer: o seio e todas as suas representações: “o bebê possui sentimentos depressivos que atingem seu clímax pouco antes, durante e depois do desmame. É esse estado mental do bebê que chamei de „posição depressiva‟ e sugeri que se tratava de uma melancolia em statu nascendi (grifo da autora).” (KLEIN,1940/1966, p.388) Nessa posição depressiva origina-se um conflito de muita ambivalência, pois o bebê passa a perceber que ama e odeia o mesmo objeto. Surge então o sentimento de responsabilidade pelo outro e o mecanismo de reparação: o bebê passa a tentar reconstruir algo que foi destruído, pois em diversas ocasiões ele sentiu muito ódio, como por exemplo, quando se viu privado do seio e estava com 11 muita fome. Dessa forma o bebê sente muita culpa e tem anseio de reparar todo o mau que ele acha que causou à sua mãe. Para o bebê, todos os prazeres que sente junto à mãe servem como prova de que o objeto de amor interno e externo (grifo da autora) não está ferido, nem se transformou numa pessoa vingativa. O aumento de amor e confiança, acompanhado pela redução do medo através de experiências felizes, ajuda o bebê a vencer gradualmente sua depressão e sentimentos de perda (luto). Ele permite que o bebê teste sua realidade interna através da realidade externa. Ao ser amado e sentir prazer e conforto junto a outras pessoas, sua confiança na bondade dos outros e de si mesmo é fortalecida. (KLEIN, 1940/1996, p.389). A partir do momento em que o bebê começa a perceber que a mãe tem vida própria, ele passa a perceber a existência do pai, o que também é fonte de muita ansiedade. Na visão de Klein (1940/1996), está acontecendo neste momento o complexo de Édipo primitivo. A partir do momento que o bebê passa a vivenciar o complexo de édipo ele também passa a fantasiar diversas coisas, sendo uma delas a fantasia inconsciente de que ele foi excluído da relação e que os pais estão vivenciando um prazer ininterrupto. Tema que já fora apresentado por Freud (1918/2010), em seu caso clínico o Homem dos Lobos, quando nos mostrou a importância da cena primária nessa fase do complexo de Édipo. A diferença é que Melanie Klein observou que esse fenômeno acontecia muito mais cedo na mente da criança. Para Klein (1940/1996) a perda de ambos os pais passa a ser temida em fantasia, pois o bebê faz inúmeros ataques sádicos-orais para destruí-los e depois teme a retaliação. Além disso, esses ataques acabam por resultar em muita culpa. A posição depressiva infantil é a posição central do desenvolvimento quando a criança consegue gradualmente ter uma boa relação com as pessoas e com a realidade. Quando, como consequência das constantes provas e contra-provas obtidas através do teste de realidade externa, a criança ganha mais confiança na sua capacidade de amar, nos seus poderes reparadores, e na integração e segurança do seu mundo interno bom, a onipotência maníaca diminui juntamente com a natureza obsessiva dos impulsos voltados para a reparação. Em geral, esse é um sinal de que a neurose infantil chegou ao fim. (KLEIN, 1940/1996, p. 396). Desta forma, quando o individuo está passando por uma perda muito significativa, ansiedades psicóticas são reativadas trazendo consigo todos os medos 12 e anseios experimentados na primeira infância. O desmame, a situação edipiana e a sensação de perseguição pelos pais temidos também voltam a emergir. A dor trazida pela perda da pessoa amada é muito ampliada pelas fantasias inconscientes do sujeito, que acredita ter perdido seus objetos internos “bons” também. Ele tem a impressão, portanto, de que os objetos internos “maus” tornaram-se dominantes e que seu mundo interno corre o risco de se desintegrar. (KLEIN, 1940/1996, p.396) Desta forma, a pessoa em processo de luto tem que renovar os elos com o mundo externo a partir do teste da realidade e viver a perda, além de ter que usar este processo para reconstruir seu mundo interno, que corre risco de desmoronar: “assim como a criança pequena que passa pela posição depressiva está lutando, na sua mente inconsciente, para estabelecer e integrar seu mundo interno, a pessoa de luto também sofre a dor de restabelecê-lo e reintegrá-lo”. (KLEIN, 1940/1996, p. 397) Através da teoriakleiniana podemos ver o luto como um processo que pode reativar ansiedades psicóticas arcaicas. Segundo Klein (1940/1996), o maior perigo que o individuo corre durante o luto é o desvio de seu ódio para a própria pessoa que acaba de perder. Desta forma os sentimentos de triunfo, que fazem parte da posição maníaca no desenvolvimento infantil, são reativados, gerando a sensação de triunfo contra a pessoa morta. Os mesmos desejos de morte infantil contra os pais e irmãos podem ser reativados quando uma pessoa querida morre e por mais que a morte desta pessoa tenha sido triste ela pode também ser percebida como uma vitória, o que acaba gerando um grande sentimento de culpa, na maioria das vezes, inconsciente, na pessoa enlutada. Os sentimentos de triunfo e desprezo podem dificultar a elaboração do luto e, muitas vezes, o indivíduo corre risco de ficar severamente deprimido: [...] o ódio contra a pessoa amada é ampliado pelo medo de que ao morrer ela estivesse tentando punir o sujeito e impor-lhe a privação. Da mesma maneira, no passado, sempre que a mãe não estava presente e ele a desejava, acreditava que ela o tinha morrido a fim de puni-lo e privá-lo daquilo que queria. (KLEIN, 1940/1996, p. 398). Agora, se o individuo der conta de vivenciar um bom luto ele poderá sentir um grande alívio ao recordar as coisas boas da pessoa que acaba de perder e poderá continuar se relacionando com aquela pessoa de uma forma subjetiva: falando dela, lembrando-se dela. Assim, a morte irá trazer uma nova forma de estar no mundo, 13 uma evolução psíquica, inclusive, aceitando que a morte faz parte da realidade e que um dia todos nós também iremos morrer. 1.2. O luto patológico O luto patológico se instala quando a pessoa não consegue reorganizar sua vida. Nasio (1997) afirma que: “o luto patológico é o amor congelado em torno de uma imagem” (p.64). Ou seja, a melancolia é uma parte do inconsciente que se apega a esse objeto e se recusa a abandoná-lo. A pessoa que deprimi passa a ter mais dificuldades de contar com seus recursos psíquicos e investir em novos relacionamentos. Segundo Melanie Klein (1940/1996), no luto patológico a pessoa se sente abandonada ou atacada pelo objeto, ou seja, há uma dificuldade em superar a posição depressiva. Às vezes é difícil diferenciar o luto da depressão, porque, muitas vezes, uma pessoa enlutada fica muito deprimida. Mas uma pessoa que está em depressão não está vivendo um luto. Os principais sintomas da depressão de acordo com Neto (2010) são: [...] tristeza profunda e duradoura (em geral mais que duas semanas), perda do interesse ou prazer em atividades que antes eram apreciadas, sensação de vazio, falta de energia, apatia, desânimo, falta de vontade para realizar tarefas, perda da esperança, pensamentos negativos, pessimistas, de culpa ou autodesvalorização. Além desses, a pessoa pode ter dificuldade para concentrar-se, não dorme bem, tem perda do apetite, ansiedade e queixas físicas vagas (desconforto gástrico, dor de cabeça, entre outras). Em casos mais graves podem ocorrer ideias de morte e suicídio, havendo até pessoas que tentam o suicídio. A depressão é frequentemente uma doença recorrente, a pessoa tem episódios de depressão que se repetem de tempos em tempos. (Neto, 2010, s.p.) Um psiquiatra certa vez contou que uma paciente o procurou e descreveu seus sintomas depressivos. O psiquiatra já entendia que não se tratava de um caso de depressão quando descobriu que aquela paciente tinha acabado de perder a sua mãe. Assim explicou que se tratava de um “luto” e não de uma “depressão”. Explicou que seria saudável que ela continuasse vivendo aquela dor e por isso não a medicaria. A paciente ficou muito revoltada e procurou outro psiquiatra que a medicou. Freud (1917/1996) afirma que algumas pessoas possuem uma disposição patológica para a melancolia e descreve os traços da melancolia da seguinte forma: 14 [...] um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de autoestima a ponto de encontrar expressão em auto recriminação e auto envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição. (FREUD, 1917/1996, p. 276. Para Freud (1917/1976), quando a pessoa está melancólica ela faz várias reprovações contra si mesma, as mais variadas e absurdas possíveis. O “eu” se perde e deixa de ser objeto de valia e de estima. O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor. Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e - o que é psicologicamente notável - por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida. (FREUD, 1917/1996, p.251). Segundo Suad (2008) a pessoa deprimida vive isolada em seu sofrimento e precisa sempre provar que é incapaz e que não tem valor. Normalmente não tem progresso em nenhum setor de sua vida social, profissional e afetiva. Além de não estar disposta a atender nenhuma solicitação afirmando que ninguém pode contar com ela. Mantendo esse estado de mente essa pessoa evita qualquer risco de sofrer perdas porque não tem mais nada para perder. São pessoas que não querem assumir nenhum tipo de compromisso e nem ter responsabilidades: fogem constantemente do encontro consigo próprio. O deprimido foge dos conflitos e dos confrontos; não se localiza, não pensa o mundo ao seu redor, não participa. Vive encolhido, sofrido, ameaçado. Não é agressivo; não agride as pessoas, não se frustra com elas e também não conta com elas. Está convicto de que não depende do outro, não depende de ninguém e ninguém tem nada de bom para lhe oferecer. Também não tem inveja, ciúmes, ou expectativas já que o outro não é importante. (SUAD, 2008, p. 03) Ainda segundo Suad (2008), a depressão persecutória, que é decorrente da culpa persecutória ocorre porque a pessoa deprimida se sente cobrada o tempo todo e quanto mais insatisfeita consigo mesmo mais ela vai se encolhendo. Ela não utiliza seus recursos, pois não sabe do que é capaz e não se sente integrada e inteira. É 15 esta depressão, com tendência ao isolamento, ao individualismo que a cada dia mais levam pessoas aos consultórios psiquiátricos. Falando de depressão estamos falando de pessoas ameaçadas, que estão sempre temendo serem danificadas de alguma forma. Na verdade elas já foram danificadas um dia, quando não puderam ser ou ter tudo o que almejavam. Acham, agora, que precisam se isolar dos outros para se protegerem. O deprimido vive só, sem se dar conta de que é o outro que pode ser sua salvação. (SUAD, 2008, p. 5) Enquanto no luto, de acordo com Freud (1917/1996) a inibição e a perda de interesses são plenamente explicadas no trabalho em que o ego é absorvido, na melancolia esta inibição e perda são injustificadas, pois é muito difícil enxergar o que está absorvendo o melancólico tão completamente. Há uma enorme diminuição da sua autoestima e um empobrecimento de seu ego em grande escala: “no luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego.” (p. 251). O paciente melancólico perdeu seu amor próprio e deve ter tido suas razões para isso,mas isto leva a uma perda do ego do paciente e não uma perda de objeto. De acordo com Suad (2008), os indivíduos deprimidos comparecem aos consultórios com queixas contra as outras pessoas e que na verdade as queixas contra os outros só servem para encobrir a queixa maior, que é de si mesmos, a queixa de não serem capazes seja do que for. Mas eles próprios quase sempre são incapazes de ver que o que está danificado são seus próprios recursos. O que provoca esta destrutividade é o superego implacável do melancólico. O que existe na melancolia é uma idealização da destrutividade interna que é sentida como extremamente perigosa. Segundo Gonçalves (2011), as pessoas com predisposição para a depressão são aquelas que possuem uma necessidade intensa de gratificação narcísica e uma considerável intolerância às adversidades. Roudinesco (2000) faz uma análise social da depressão responsabilizando em parte nossa cultura que transforma homens em objetos. Segundo essa autora, vivemos em uma sociedade depressiva que não quer mais ouvir falar de sentido íntimo, nem de consciência, nem de desejo: “quanto mais ela se encerra na lógica narcísica, mais foge da ideia de subjetividade” (p.42). Só se interessa pelo individuo, portanto, para contabilizar seus sucessos e só interessa pelo sujeito sofredor para encará-lo como uma vítima. 16 Devido à perda do “eu” que ocorre na melancolia, Freud dizia que a mesma está ligada ao narcisismo, pois na melancolia é o ego que se vê ameaçado pela perda, o que não ocorre no luto: “o que o sujeito perde não é um objeto qualquer, mas sim um objeto cuja função era a de completar o ego, torná-lo inteiro, e, desse modo, um objeto que agia como caução contra a castração”. (COSER, 2003, p. 113) Para Suad (2008) o fato de reconhecer e aceitar que somos pessoas separadas do outro, muitas vezes é vivido como frustrador e a capacidade de lidar com esta frustração é o grande diferencial, temos duas opções, viver bem com esta separação entre eu e o outro ou ficarmos nos sentido rejeitados, magoados e feridos. Os indivíduos melancólicos se utilizam de várias estratégias defensivas para fugir do sofrimento ligado a posição depressiva: as pessoas que não conseguem vivenciar o luto, sentindo-se incapazes de salvar e restaurar os objetos dentro de si mesmas acabam se afastando e negando seu amor por outras pessoas. Desta forma, há uma inibição das emoções ou em outros casos o ódio é estimulado, enquanto os sentimentos amorosos são abafados (KLEIN,1940/1996). Quando o individuo enlutado passa a ter ódio do objeto perdido abre-se caminho para as defesas maníacas, obsessivas e a angústia paranóide de retaliação: o que acaba por prejudicar o processo de reparação, que seria o desdobramento normal do luto. À medida que o ódio é reforçado, o ego, afim de lidar com os medos paranoides, regride para a posição esquizo-paranóide: “algumas pessoas que não conseguem viver o luto só conseguem escapar de uma crise maníaca depressiva ou da paranóia através da severa restrição de sua vida emocional, que empobrece toda a sua personalidade.” (Klein, 1940/1996, p. 411). O individuo melancólico se torna hostil com o objeto perdido e afim de evitar mostrar esta hostilidade abertamente, o mesmo pune e vinga-se do objeto perdido através de sua doença: uma parte da catexia erótica do melancólico retrocede à identificação e a outra parte é levada de volta a etapa do sadismo. : É exclusivamente esse sadismo que soluciona o enigma da tendência ao suicídio, que torna a melancolia tão interessante - e tão perigosa. Tão imenso é o amor de si mesmo do ego (self-love), que chegamos a reconhecer como sendo o estado primevo do qual provém a vida instintual, e tão vasta é a quantidade de libido narcisista que vemos liberada no medo 17 surgido de uma ameaça à vida, que não podemos conceber como esse ego consente em sua própria destruição. (FREUD, 1917/1996, p.257). Coser (2003) diz em seu livro “Depressão: clínica, crítica e ética”, que a demanda de pacientes com queixa depressiva gira em torno de um trabalho de luto por fazer e que o paciente deseja uma solução que lhe poupe do trabalho de luto que o ameaça e que o leve a recuperar o status de antes da perda. Já outros pacientes, quando se veem diante de uma perda, devido à fragilidade de sua organização narcísica, supõem que esta perda lhe traria grandes danos: “a depressão aí aparece como tentativa de evitar uma perda, e o trabalho do luto que esta introduziria.” (COSER, 2003, p. 125). Suad (2008) coloca que o que está perceptível na depressão patológica é a falta de confiança em si mesmo e a falta de discriminação, devido às pressões a que somos submetidos e ao excesso de estímulos, acabamos por viver um caos interno, o que gera essa dificuldade de discriminação. Segundo Suad (2008), o que nos ajuda a sair desse estado mental é a busca do novo, pois é a busca da expansão que faz o homem evoluir, o mesmo que acontece na análise: analista e paciente sempre procurando alcançar o lugar novo que está para ser encontrado. Já o deprimido para e por isto ele é doente, ou está doente. De acordo com esta autora, a maior doença do deprimido é a de estar sempre querendo voltar à situação infantil, quando ele era o centro das atenções e dos cuidados maternos, quando a mãe não era nada mais, senão um prolongamento de si mesmo. Outra coisa que não se pode desconsiderar, de acordo com a autora, é que a passagem do tempo é sempre causadora de dor e é sempre inevitável. Ficarmos lamentando o tempo que passou e o consideramos como perdido, na ilusão de que tudo poderia ter sido diferente, que poderíamos ter feito mais e melhor. De acordo com Suad (2008), o deprimido quer acabar com o desejo e, felizmente, o desejo não morre, pois é a capacidade de nos manter desejantes que nos faz vivos. 18 1.3. A era da liquidez e a dificuldade de viver tristezas Atualmente, segundo Bittencourt (2009), vivemos em uma sociedade que preza pelo superficial e não pelo profundo. A cada dia mais se observa o quão corriqueiro tornaram-se as trocas de relacionamentos estáveis por relações superficiais. Hoje, muitas vezes, troca-se de parceiro como se troca de roupa, assim, a lógica do descarte pessoal impera na liquidez humana na nossa contemporaneidade. Segundo Bauman (2007), nessa nossa sociedade líquida moderna, todos os valores mais importantes da vida, como por exemplo, o amor, passaram a ser tratados como materiais de consumo devido ao processo de materialização que se instalou e a vida afetiva acabou sendo prejudicada e afetada. Ainda de acordo com Bauman (2007), a era em que vivemos é a era da liquidez, pois valores, como por exemplo, a lealdade e o amor, estabelecidos pela nossa cultura, cada vez mais se diluem como água. Segundo esse autor, as pessoas estão vivendo de uma forma superficial e precária e hoje se torna cada vez mais comum a incapacidade do indivíduo em se relacionar com o outro como pessoa inteira, de maneira completa e o aceitando como ser subjetivo e singular. Nessa lógica, as pessoas acabam se relacionando com o próximo de maneira fria, egoísta e superficial e utilizam o outro, muitas vezes, apenas como meio de obtenção de prazer. De acordo com Bauman (2007), nesse mundo de relações superficiais o outro só adquire importância em nossa vida quando passa a satisfazer nossos objetivos egoístas. Será que estamos vivendo uma banalização das perversões? Devido ao fato dos relacionamentos terem se tornado cada vez mais fugazes e descartáveis, investir energia em algo que pode não ser duradouro acaba se tornando cadavez mais raro. As pessoas analisam friamente para ver se o investimento em uma relação vai valer a pena e muitas vezes acabam se fechando ou apenas usando o outro como um bem descartável. Quando percebem que um relacionamento não lhe trará os lucros e anseios pretendidos, parte-se para outro e assim sucessivamente. Teme-se amar alguém plenamente pelo medo de utilizar ao máximo nossas capacidades nos doando plenamente e virmos a ser descartados em um futuro incerto, quando a relação demonstrar os primeiros sinais de desgaste. Assim, Bauman (2008) afirma: “desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para 19 trás, de sermos excluídos” (p.29). Desta forma, o medo de sofremos acaba nos colocando em posição defensiva. Não é difícil o outro ser colocado como o culpado de todo nosso sofrimento. Desta forma tememos sua proximidade, por medo de nos vermos desestabilizados, medo de ver ruir nossas estruturas, seja de nossa vida familiar, do nosso trabalho, do nosso cotidiano como um todo. De acordo com Bittencourt (2010): “as práticas líquidas do „amor‟ representam uma transposição da lógica consumista para o âmbito das relações humanas, pois o propósito maior é obter o máximo possível de contatos sexuais, em detrimento da qualidade e da profundidade das vivências.” Dessa forma, através dessa visão, as relações amorosas, que deveriam ser um terreno fértil para o desenvolvimento do ser humano, estão correndo o risco de se tornarem cada vez mais empobrecidas. Diante dessa intensa valorização da superficialidade sobra pouco espaço para a tristeza em nossa sociedade. Luto é dor, envolve sofrimento e faz parte da vida. Atualmente as pessoas estão com dificuldade de vivenciar este sofrimento e umas das fugas é uma intensa medicalização. O processo de chorar e sentir, que ajuda na recuperação e na reorganização da mente fica interrompido porque, muitas vezes, não existe um canal de expressão. Brum (2011) afirma que hoje as famílias estão muito fechadas para um verdadeiro diálogo entre pais e filhos e que o que não pode ser dito, vira sintoma. Ela nos alerta que estamos cada vez mais anestesiando nossos conflitos e nossas dificuldades com medicamentos e, desta forma, a família toca seu cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa. De acordo com Henrard e Reis (2013), a medicalização na contemporaneidade é vista como curativa do sofrimento psíquico. Há um pensamento coletivo de ideal de saúde que é pregado pela mídia e pela indústria médica. Qualquer sinal de dor corre risco de ser visto como ofensivo devendo ser eliminado da vida dos indivíduos e esta extinção, muitas vezes, é feita por meio da medicação. É claro que estamos falando de uma má medicação, portanto não estamos retirando a importância do uso de uma medicação psiquiátrica adequada e receitada por profissionais competentes quando é o caso de psicopatologias que nitidamente precisam ser medicadas. É evidente que quem busca nesses remédios uma “máscara para a alma” não tem consciência de que se tratam de paraísos artificiais. Paraísos que inclusive 20 cobrarão seu preço na mente do individuo, pois para crescer é necessário que passemos por períodos de crise e não é nos anestesiando que aprenderemos a lidar com a realidade. Até porque estas substâncias atuam na regulação do mal estar do indivíduo, mas não necessariamente o ajudam a analisar em profundidade o que está acontecendo com ele. (HENRARD & REIS, 2003). Assim, parece que estamos vivendo em uma sociedade onde o luto não pode ser respeitado e precisa ser abominado em prol de uma cultura do “é preciso ser feliz”. Brum (2011) relata que hoje existe uma crença, principalmente entre os mais jovens, de que não é possível viver sem sofrer e que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia. Segundo essa autora as pessoas estão pagando caro por acreditarem que a felicidade é um direito e que a frustração é um fracasso. É na frustração e no contato com a realidade que evoluímos. É necessário ter condição mental para conviver com a dor todos os dias e tentar extrair o máximo de aprendizado possível em cada sofrimento. Brum (2011) nos relata que crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor e que na vida estamos sempre em falta, mas é o que temos e o é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba e não devemos culpar os outros pelos nossos fracassos que eventualmente irão ocorrer ao longo de nossa vida, pois é fato que a felicidade não é um direito e que esta deve ser conquistada. 21 2. OBJETIVO Essa pesquisa tem como objetivo fazer uma análise psicanalítica do luto e da melancolia e como o tratamento psicanalítico pode ajudar. 3. MÉTODO Esse trabalho qualitativo se trata, segundo Naffah-Neto (2006), de uma pesquisa-investigação, uma pesquisa teórico-metodológica responsável, em última instância, pelo crescimento e aperfeiçoamento da disciplina psicanalítica que complementa a pesquisa clínica e lhe dá suporte, recebendo dela, ao mesmo tempo, o embasamento para o seu trabalho construtivo. Diferentemente da pesquisa-escuta, a pesquisa-investigação (grifo do autor), propriamente dita, implica o desejo do pesquisador e pressupõe esquadrinhamento do campo de conhecimento, formulação e seleção de problemas teórico-metodológicos, bem como a sua investigação rigorosamente planejada, tarefas que, no todo, extrapolam o mero relato escrito da pesquisa escuta (grifo do autor) (...) ela surge sempre a partir de uma demanda do objeto de investigação, mobilizadora do desejo do investigador (NAFFAH-NETO, 2006, p.281) Geralmente, ao escolher um tema para pesquisar, o pesquisador busca como tema algo que está implicado na sua vida emocional, desta forma sujeito e objeto de pesquisa se misturam e é esta implicação emocional que mobiliza o desejo do pesquisador e o impulsiona para novas associações e novas descobertas psicanalíticas. Podemos afirmar, então, que não há neutralidade ao se fazer uma pesquisa psicanalítica. (NAFFAH-NETO, 2006) Quando falamos em pesquisa em psicanálise estamos nos arriscando a cometer um pleonasmo na medida em que no termo “psicanálise” já está implícito o termo “pesquisar”. Ou seja: “quando praticamos psicanálise, estamos sempre fazendo pesquisa; caso contrário, não estamos praticando psicanálise” (NAFFAH- NETO, 2006, 279). Nogueira (2004) afirma que a psicanálise não separa a prática da teoria, sendo assim, ao fazer uma investigação de algum conceito psicanalítico eu estou 22 implicado nisto. O diferencial da psicanálise é que ela conceitua e constrói conceitos sobre as experiências vividas. 23 4. ANÁLISE 4.1 A elaboração do luto O que ajuda a elaborar o luto? Quando pensamos em alguém de luto não é difícil imaginar uma pessoa chorando. É difícil encontrar um consultório de psicanalise que não tenha lenços próximos do analisando. O choro pode servir como um ótimo canal de expressão: ao chorar o individuo de luto expressa seus sentimentos, aliviando a tensão. Os objetos “maus” podem ser expelidos junto com as lágrimas e daí pode se obter algum alívio: “quando a segurança no mundo interno é gradualmente retomada, e os sentimentos e objetos internos voltam a ganhar vida, os processos de recriação têm início e a esperança surge novamente.” (KLEIN, 1940/1996, p. 398). Conforme osofrimento vai sendo elaborado o indivíduo recupera novamente seu amor pelo objeto. O objeto perdido volta a ser preservado em seu interior, pois o enlutado sente com mais força que a vida continuará por dentro e por fora. Para Klein (1940/1996), neste estágio do luto o sofrimento pode se tornar produtivo: “qualquer dor trazida por experiências infelizes, qualquer que seja sua natureza, tem algo em comum com o luto. Ela reativa a posição depressiva infantil; a superação de qualquer tipo de adversidade envolve um trabalho mental semelhante ao luto.” (p.403). Por isso não é incomum escutarmos que grandes obras foram produzidas por autores que estavam em situações delicadas porque estavam passando por muita privação. Isso acontece, muitas vezes, em situações de pobreza extrema ou em uma guerra por exemplo. Freud mesmo não costumava recuar quando sua obra era rechaçada por cientistas da época. Ele parecia usar a força do luto para produzir mais psicanálise e hoje estamos escrevendo esse trabalho, de alguma forma, porque ele teve a coragem de investir nessa ciência. Todo avanço no processo de luto faz com o que o sujeito se reencontre e se aprofunde em seus objetos internos bons, os quais ele julgava ter perdido, juntamente com o ser amado. O que ajuda em grande parte um indivíduo a superar uma perda é o fato de no início da vida ele ter estabelecido uma mãe ”boa” dentro de si. 24 Outro aspecto de extrema importância na elaboração do luto é a capacidade de contar com a ajuda de pessoas queridas, pois aceitar a compaixão do próximo equivale a aceitar o leite oferecido pela mãe nos primórdios da infância. Por isso, pessoas mais narcisistas tem tanta dificuldade de superar e elaborar alguns traumas. Elas interpretam e fantasiam que estar naquele estado de vulnerabilidade é estar fraco e ficam constantemente decepcionados consigo próprio. Não é incomum uma tentativa de suicídio acontecer após uma perda. Além disso, essas pessoas costumam se sentirem responsáveis pelo desastre achando que podiam ter controlado e evitado a perda. Também não é raro fantasiarem que aquela perda surgiu como um castigo por não serem pessoas boas. Dessa forma, a elaboração do luto se torna praticamente inviável. De acordo com Viorst (1988), somos indivíduos que procuramos nos adaptar a nossos relacionamentos extremamente imperfeitos. Vivemos perdendo a todo momento e, se tudo correr razoavelmente bem no nosso desenvolvimento, mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor sofrimento, todos nós podemos compreender que a perda é, sem dúvida, “uma condição permanente da vida humana” (p.243) Mas acreditamos que, de alguma forma, não é sempre que estamos disponíveis para esse nível de entendimento. Bion nos alertou que estamos sempre oscilando entre a “posição depressiva” e a “posição esquizo-paranóide”. Somos seres muitas vezes “amentais”. Sendo assim, precisamos sempre nos esforçar e estarmos atentos a estas oscilações dentro da gente, pois nossas verdades são facilmente corrompidas pelas violências internas das quais estamos sempre sujeitos. Daí a tão falada recomendação de estarmos sempre investindo na nossa análise pessoal. (DIAS & VIVIAN, 2011) Retomando as questões da elaboração do luto, este acontece, segundo Freud (1917/1996) devido a uma retirada da libido investida naquele ser amado e, daí, criam-se condições para que o ego volte a ficar "livre e desinibido" (p.251). A libido se torna novamente disponível para que o ego faça novos investimentos libidinais (SAIGH, 2002). Mas este trabalho demanda tempo e é um momento fundamental: “é notável que esse penoso desprazer seja aceito por nós como algo natural.” (FREUD, 1917/1996, p. 251) Após passados os primeiros meses do processo de luto, começa a restar apenas a saudade, Nasio (1997) diz que “amar o outro perdido certamente faz sofrer 25 mas este sofrimento também acalma, pois ele faz reviver o amado para nós” (p.64). O objeto perdido passa a habitar dentro da pessoa, mas de forma menos dolorosa, pois a pessoa já pode conter melhor esta dor utilizando defesas menos primitivas. Segundo Kovács (1992), para que o processo de luto possa ocorrer, é necessário realizar um trabalho de desidentificação e desinvestimento de energia que permita a introjeção do objeto perdido na forma de lembranças, palavras e atos e a possibilidade de investir a energia em outro objeto. O processo de luto é um processo normal. Para Freud (1917/1996) o processo de luto é um processo que faz parte da psique humana e não precisa de medicação, pois não se trata de uma patologia. Vale a pena notar que embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá- lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo a tratamento médico, confiamos em que seja superado após certo lapso de tempo e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele (FREUD, 1917/1996, p. 249) Freud estava falando da interferência medicamentosa, pois sabemos o quanto uma interferência analítica pode ajudar nesse momento tão penoso da vida de um indivíduo. O psicoterapeuta neste momento tem um papel fundamental, pois pode oferecer condições para que o paciente expresse e viva a sua dor. A psicoterapia de orientação psicanalítica pode oferecer possibilidades para que isto aconteça e nesse caso a escuta é muito importante. Se a pessoa estiver disposta e aberta para uma mudança psíquica o processo terapêutico pode ser de extrema valia porque quanto mais a pessoa se envolver melhor será o processo de elaboração do luto. Quando o sujeito procura um analista, palavras, lágrimas, desespero e silêncio podem ser escutados e acolhidos e o sofrimento vai, aos poucos, sendo minimizado e à medida que a pessoa vai se organizando e se fortalecendo, o processo de luto vai sendo elaborado. Para Klein (1940/1996) a análise diminui a ansiedade destes pacientes, ansiedades estas, ligadas a pais destrutivos persecutórios (internos). Há então uma redução do ódio à medida que as ansiedades vão diminuindo. Desta forma os pacientes conseguem reexaminar sua relação com os pais (vivos ou mortos) e reabilitá-los dentro de si mesmos. 26 Esta maior tolerância torna possível que o paciente estabeleça figuras “boas” dos pais em sua mente, ao lado dos objetos internos “maus”, ou seja, devido ao aumento da confiança nos objetos bons, o medo dos objetos maus é mitigado: “isso significa que eles conseguem sentir emoções-pesar, sofrimento e culpa, além de amor e confiança que lhes permitem passar pelo luto, vencê-lo e finalmente superar a posição depressiva infantil, coisa que não conseguiram fazer na infância.” (Klein, 1940/1996, p. 412) Entendendo melhor a importância e a dificuldade que um individuo passa na elaboração do luto e no sofrimento da melancolia, podemos passar a refletir sobre que tipo de ajuda um psicoterapeuta de orientação psicanalítica pode oferecer aos pacientes que estão passando por esse período tão delicado. 4.2 Psicoterapia psicanalítica no luto e na melancolia De acordo com Nasio (1997), não se morre de dor, pois enquanto há dor, também há forças disponíveis para enfrentá-las e continuar vivendo. Sendo assim, enquanto o individuo estiver sofrendo a dor da perda o mesmo pode buscar meios para superá-la, seja fazendo terapia, seja buscando melhorar psicologicamente. A busca por um processo psicoterapêutico, muitas vezes, é feita pelo próprio sujeito. O papel do psicoterapeuta é amparar e acolher àqueles que estão passando por um processo de luto. O psicoterapeuta de orientação psicanalítica podecaminhar junto com seu paciente até que a elaboração aconteça. O paciente é o detentor de sua história e de suas palavras e o psicoterapeuta se mantém na posição de escuta. Para Nasio (1997), há dois seres humanos em presença, o que sofre e o que acolhe o sofrimento: o psicoterapeuta tenta dar sentido a uma dor que, em si mesma, não tem nenhum sentido, tentando atribuir um valor simbólico. O psicoterapeuta de orientação psicanalítica é um intermediário que acolhe a dor inassimilável do paciente e tenta transformá-la em uma dor simbolizada. Dar sentido a esta dor, de acordo com Nasio (1997), significa, para o psicoterapeuta, afinar-se com a dor, tentar vibrar com ela, e, nesse estado de ressonância, esperar que o tempo e as palavras se gastem. O analista age como um bailarino que, diante do tropeço de sua parceira, a segura, evita que ela caia e, sem perder o passo, leva o casal a reencontrar 27 o ritmo inicial. Dar um sentido a uma dor insondável é finalmente construir para ela um lugar no seio da transferência, onde ela poderá ser clamada, pranteada e gasta com lágrimas e palavras (NASIO, 1997, p. 17) Para dissipar a dor psíquica de uma perda é necessário que ela não seja negada, muito pelo contrário, que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada: “diante da dor de seu paciente, o analista se torna um outro simbólico (grifo do autor), que imprime um ritmo à desordem pulsional, para que a dor se acalme enfim.” (NASIO, 1997, p. 53). A depressão, como já descrito anteriormente, é diferentemente do luto e é considerada uma doença que se caracteriza por uma tristeza profunda e duradoura. De acordo com Neto (2010), é muito importante que as pessoas saibam perceber a depressão para poder procurar ajuda especializada e tratamento. O indivíduo deprimido sente uma tristeza profunda que não consegue vencer e, muitas vezes, sente vergonha de pedir ajuda. Nos casos em que se trata de depressão, diferentemente do luto, em que é comum o próprio paciente buscar ajuda quando julga necessário, é muito importante que os familiares ou até mesmo amigos próximos fiquem atentos e tomem a decisão de ajudar o deprimido a procurar por ajuda, pois, muitas vezes, este o paciente deprimido não consegue tomar a iniciativa por si só de buscar tratamento. Neto (2010) relata que o tratamento da depressão se faz atualmente com a combinação dos medicamentos antidepressivos e com a psicoterapia. A abordagem psicoterápica combinada com o uso de medicamentos permite que o tratamento da depressão seja mais efetivo. Berlinck e Fédida (1999) discordam, pois para eles o tempo em que o paciente permanece na depressão deve ser levado em consideração para o psicoterapeuta, pois, é necessário esperar a temporalidade do paciente para que o mesmo saia deste estado hibernal. Para estes autores o uso de antidepressivos para apressar a saída deste estado letárgico pode provocar um efeito inibidor na depressividade e levar o paciente ao suicídio. Neto (2010) diz que a razão para as duas formas de tratamento (medicamento e psicoterapia) está na sua complementariedade, pois a depressão, qualquer que seja sua origem, acarreta na pessoa deprimida várias alterações em seus relacionamentos, em suas atividades e também na sua forma de expressar afetos, desta forma, a dinâmica de suas emoções fica prejudicada. Para este autor, 28 o indivíduo necessita estar medicado para a psicoterapia poder auxiliá-lo a refletir sobre o funcionamento dinâmico de suas emoções, possibilitando, a reconstituição de seu modo de ser, que se encontra alterado. Para Berlinck e Fédida (1999), os pacientes deprimidos buscam um lugar tranquilo e protegido junto a alguém capaz de cuidar deles, para se entregarem ao sono e à prostração: Esses pacientes revelam, freqüentemente, uma identificação vampiresca associada ao vazio e à necessidade que sentem de serem preenchidos por conteúdos alimentadores e imunitários vindos de fora; podem relatar a necessidade por “sangue novo” e sua capacidade de atrair “jovens puras e virgens” para serem sugadas a fim de se sentirem animados. A depressão pode levar, então, a um comportamento aditivo manifestando-se por meio de certos comportamentos de deglutição visando preencher o vazio, aplacar a ausência. (BERLINCK & FÉDIDA, 1999, p. 19) Dessa forma, para tratar a depressão o psicoterapeuta deve oferecer ao paciente um lugar e deve se permitir ser invadido pelos conteúdos que o paciente traz. Se o ambiente oferecido ao depressivo não for suficientemente alimentador e seguro, ele pode se sentir muito ameaçado, pois se encontra em um estado de desamparo muito assustador. Então, diante dessas duas formas de sofrimento psíquico (luto e depressão) o papel do psicoterapeuta é de suma importância, pois o mesmo serve como norteador e ampara estes sujeitos em seu sofrimento oferecendo um espaço acolhedor, ajudando o paciente a enfrentar suas perdas e suas dificuldades. Aos poucos o paciente vai percebendo que é natural passar por perdas ao longo de seu desenvolvimento, sendo necessário enfrentá-las e dar tempo ao tempo para que esta dor se dissipe. O paciente, ao passar por psicoterapia, geralmente consegue encarar a perda e aceitar que perdeu um objeto de muita importância. Após essa aceitação espera- se que ele elabore o que perdeu e possa se apegar a novos objetos. O papel do psicoterapeuta, então, é ajudar o paciente a chegar e um estado emocional mais saudável para que o mesmo siga em frente e tente aproveitar a vida em todos os momentos, apesar das dificuldades e frustrações que certamente surgirão durante o caminho. 29 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema luto desperta, na maior parte das vezes, muito interesse e curiosidade, visto que a maioria dos seres humanos já sofreu a dor de alguma perda em algum momento de sua vida. Escrever e pensar sobre o luto propiciou a leitura reflexiva deste fenômeno: enlutar-se é um processo pelo qual o sujeito passa e que lhe causa transformação psíquica permitindo amadurecer. Todo avanço no processo de luto faz com o que o sujeito se reencontre e se aprofunde com seus objetos internos bons, os quais ele julgava ter perdido, juntamente com o ser amado. Pode-se perceber o quão importante é o trabalho do psicoterapeuta quando se trata das duas formas de sofrimento psíquico (luto e melancolia), pois o mesmo serve como norteador e ampara estes sujeitos em seu sofrimento, ajudando o paciente a enfrentar suas perdas e suas dificuldades. Ao passar por psicoterapia, o paciente pode, com a ajuda do psicoterapeuta, reestabelecer suas esperanças, seguir em frente e resignificar sua própria vida. A partir da realização deste trabalho, pudemos constatar que as perdas que ocorrem ao longo da vida são naturais e inevitáveis e que é difícil a arte de sobreviver à ausência de pessoas queridas. Durante o processo de elaboração do luto o tempo é visto como um poderoso aliado para o alívio da dor e sofrimentos gerados pela perda de alguém querido. Para algumas pessoas, a descoberta de que é possível sobreviver à morte de alguém querido fortifica seu caráter e abre-lhe novas possibilidades, o que lhes permite redirecionar a vida para novos horizontes e interesses. Assim, o presente estudo procurou minimamente despertar o interesse para o tema em questão, numa tentativa de ampliar a compreensão do processo do luto, bem como de seu desdobramento patológico na nossa sociedade atual, frisando sobre a importância da psicoterapia psicanalítica para os indivíduos que passam por perdas significativas ou que se encontram em um estado de depressão patológica.30 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRESSA, K. S. C.; MILENA, L. S. & TÂNIA, E. B. (2013) O conceito psicanalítico do luto: uma perspectiva a partir de Freud e Klein Revista Psicólogo inFormação, v.17, n.17, 87-105. BAUMAN, Z. (2007) Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 212p. BAUMAN, Z. (2008) Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 192p. BERLINCK, M. T. & FÉDIDA, P. 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