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CONCEITOS SOBRE ANTROPOLOGIA DA ALIMENTAÇÃO Objetivo da aula: conhecer e aplicar os conceitos: comida, alimento, fome, paladar, comensalidade, hábitos alimentares; comer, alimentar-se, nutrir-se, participar de uma refeição. José Reginaldo Santos Gonçalves é é professor e pesquisador de Sociologia e Antropologia pela UFCS e UFRJ. Ao começar suas definições sobre alimento e comida ele diz "Nem tudo que alimenta é bom ou socialmente aceitável, de mesmo modo, nem tudo que é alimento é comida." DaMatta, Montanari, Carneiro, Cascudo e outros pesquisadores de antropologia da alimentação também trazerm definições conceituais definindo que: Alimento é: tudo que pode ser ingerido para manter a pessoa viva; uma grande moldura que contém as possibilidades de comida; algo universal e geral, diz respeito a todos os seres humanos; E comida é: tudo que se come com prazer de acordo com as regras de comunhão e comensalidade; um quadro, a parte valorizada e escolhida dentro dos alimentos disponíveis; aquilo que é visto e saboreado com os olhos, o nariz, a boca, a companhia e a barriga; algo costumeiro e sadio que estabelece uma identidade seja de um grupo, uma pessoa, uma classe; um modo, um estilo, um jeito de alimentar-se. Sendo assim, se colocássemos todos os alimentos considerados comestíveis como foma de manter a espécie viva teríamos uma enorma disponibilidade de alimentos, como no gráfico abaixo: Dentro dessa disponibilidade de alimentos temos grupos alimentares como os alimentos de origem animal, vegetal, mineral e industrial. Dentro de cada grupo existem subgrupos como por exemplo, de origem animal temos: carne branca, carne vermelha, frutos do mar, leites e ovos, etc. Ainda dentro desses subgrupos temos outras formas de classificação como: carne de vaca, carne de porco, peixes, moluscos, etc. O mesmo ocorre para os alimentos de origem vegetal: legumes, verduras, frutas, ervas, cereais, sementes, etc. Nos alimentos minerais temos o sal, já a água é uma elemento da natureza que faz parte dos alimentos. No entanto, cada cultura irá escolher apenas um grupos de alimentos para ser considerados como comida. O gráfico abaixo demonstra que cada cultura seleciona apenas alguns dos alimentos como comida. Observe que o círculo central não possui nenhum alimento de origem animal, isso significa que é uma cultura alimentar vegetariana. Sendo assim, comida só pode ser definida como tal dentro de uma determinada cultura. Por exemplo, a carne de vaca é considerada comida para os brasileiros, mas não para aqueles que são vegetarianos. A mesma carne de vaca na Índia não é comida, da mesma forma que para os brasileiros carne de cachorro não é comida, no entanto, na China é comum comer a carne de cachorro. Com isso, podemos concluir que a comida depende da cultura, seja ela local, regional, nacional ou até mesmo cultura econômica ou de faixa etária. Se pensarmos no leite que é também um alimento para o ser humano, para um bebê o leite é mais que um alimento é uma comida, comida de bebê, marca a identidade dessa faixa etária, é o alimento valorizado, saboreado, costumeiro. E assim podemos dizer que o osso é comida de cachorro, o milho de galinha, o macarrão de italianos, o churrasco comida de gaúcho, etc. A comida do brasileiro é o arroz-feijão, comemos essa combinação com muita frequência, em todas as regiões do país, é um prato saudável e valorizado que se partilha com parentes e amigos. São dois alimentos cozidos que se unem, misturando o preto e o branco, construindo uma comida única que não é nem branca nem preta, a síntese da sociedade brasileira. Os exemplos de alimento são as classificações como carne, verduras, legumes, frutas, cereais, etc. Dentro dessas classificações gerais e universais escolhemos um conjunto que consideramos como comida, por exemplo a carne de vaca ou de porco, porém a cultura brasileira não considera comida a carne de cacnhorro ou de rato, que são comida para a cultura chinesa. Refletindo sobre o hábito alimentar brasileiro percebemos que o brasileiro dá sempre preferência ao cozido, seja a peixada ou a feijoada, o pirão, os molhos, as dobradinhas e papas. Já o assado não é um prato típico de celebração em família, pois não permite a mistura. A farinha de mandioca é outra comida típica, pois serve de cimento para as comidas líquidas e sólidas ligando todos os pratos e comidas. Entre o sólido e o líquido preferimos uma forma intermediária, o cozido. Entre a carne e a verdura que nos pratos europeus estão separadas no ato de comer, nós optamos por um prato que ligue os dois como a feijoada, a moqueca e a peixada. Essas escolhas e preferências é que formam o hábito alimentar de uma cultura e são esses hábitos que diferenciam uma cultura da outra. Grande parte da nossa herança culinária tem influência portuguesa, mas como somos de um país de três raças, temos também influência africana e indígena que fazem parte da combinação de nossos pratos. Nós não privilegiamos o prato separado como na China e no Japão, nem a combinação de pratos separados como na França e Inglaterra. Para nós existe uma comida que é a central e todas as outras periféricas que permitem a mistura ou a união de todas elas. Para Henrique Carneiro, historiador brasileiro, essas preferências do brasileiro marcariam a noção de “gosto” ou o paladar que afirma a nossa identidade culinária que faz parte do universo da estética alimentar: gosto, aparência, gestos e ritos alimentares. “Os sabores são algo mais do que o desfrute de um sentido que indica a comestibilidade das coisas.” (Carneiro, p. 124) Os gostos diferenciados caracterizam o vários povos e as diferentes épocas de uma mesma cultura que amadurecem juntamente com suas conquistas espirituais, realizações materiais, elaboração de técnicas e criação de alimentos. Ou seja, o gosto depende da cultura alimentar ao qual o indivíduo está inserido. O indivíduo gosta daquilo que tem o hábito de comer, ou seja, gosta de determinadas comidas. Ninguém vai gostar de um alimento que nunca provou ou que não sabe como fazer, o gosto é pré-determinado pela comida local. Para se construir o gosto é necessário habituar-se com a comida, considerar tal alimento como comida e posteriormente, após criar o hábito de comê-lo, considerar tal comida como algo gostoso. O termo gastronomia se refere ao uso requintado e delicado dos alimentos e da boa mesa. A alimentação após o século XIX libertou-se das imposições dietéticas e medicinais, das restrições morais e religiosas e passou a ser associada aos prazeres da mesa e da gula, o prazer carnal como o ato sexual. Podemos compreender que a alimentação humana é uma característica cultural, mais do que biológica. A antropologia da alimentação foca seus estudos nesse aspecto da comida, do gosto, deixando os aspectos da fome e do alimento para outras ciências. Sendo assim, para a antropologia, o que separa o homem dos animais é o gosto, a comida, uma vez que os animais comem por fome qualquer coisa que é considerado alimento dentro de sua espécie. Podemos começar então a construir outros conceitos como: fome, gosto, comer. São conceitos que marcam as relações socioculturais dos indivíduos em relação à alimentação. Paladar, para Luís da Câmara Cascudo (1898 = 1986), é determinado por padrões, regras e proibições culturais que delimita as preferências alimentares de uma pessoa, grupo, classe ou sociedade, portanto está profundamente enraizado nas normas culturais. Assim, o paladar não pode ser facilmente modificado por políticas públicas, argumentos médicos ou nutricionais. A modificação de paladar exige tempo e consistência. O paladar é determinado pelas regras culturais formada historicamente no decorrer de séculos, está associado a comidas e bebidas distintas, modo de preparo, apresentação e consumo. A comida depende do apetite, do paladar e do ato de comer. A comida é transformada culturalmente, assim como o paladar é construído culturalmente. Assim, a fome está ligada as necessidades biológicas e é satisfeita por qualquer alimento; não necessariamente a falta de comida, mas a ausência das relações sociais e culturais que permitem o alimentar-se. Um ser humano com fome é um ser humana fraco, infeliz, faminto que depende da sociedade para se alimentar e come o que lhe for ofertado. Lembremos das famílias pobres em regiões de seca intensa, no mendigo das grandes cidades, nas sociedades pobres da África. Esses passam fome, se alimentam para sobreviver, não escolhem o que vão ingerir, comem o que é ofertado ou que pode servir como alimento. A comida, o paladar, o comer formam no indivíduo um hábito alimentar: a escolha e consumo de alimentos determinadso pela necessidade fisiológica, psicológica, social e cultural. Não depende do valor nutricional, mas do gosto, do prazer de comer determinada comida. Neste caso estamos falando da população que tem a opção de comprar e preparar sua refeição, ou as que podem pagar para que alguém prepare sua refeição. Pessoas que podem compartilhar de suas comidas, possuem ritos e regras no momento da alimentação. Outro conceito interessante trabalhado na antropologia da alimentação é a comensalidade, como na conceitualização de comida, são as regras sociais e culturais presente no ato de comer e nas refeições. Comensalidade está associada ao ato de partilhar a comida, de "comer junto" de acordo com as regras socioculturais. Montanari, um importante historiador italiano, ao pesquisar sobre a alimentação também desenvolveu conceitos importantes como o conceito de gosto e nos explica como funciona a classificação do gosto. A gente aprende, no decorre dos anos, a identificar uma comida como “boa” ou “ruim”. O órgão do gosto não é a língua, mas o cérebro que aprende e transmite critérios de valoração. Por isso esses critérios podem variar com o tempo e região. O gosto faz parte do patrimônio cultural das sociedades, diversificando assim os gostos e predileções dos povos, regiões e tempos, e esse é comunicado coletivamente desde nosso nascimento. Diferente do gosto temos o conceito de sabores. A cozinha atual distingue os sabores: doce, salgado, amargo, azedo, picante, umami, etc. Cada um deles tem um espaço reservado durante o dia e da refeição. Outra distinção importante na antropologia da alimentação está entre comida e alimento, comer, alimentar-se, nutrir-se. Por exemplo, nos EUA é muito comum nos fast-foods comer em pé, ao lado de estranhos, sozinho. Para nós brasileiros saber comer está além do ato de simplesmente alimentar- se. Existe ainda nas relações humanas o ato social de participar de uma refeição, a “refeição”, assim como a comida ou o ato de comer são atos sociais e culturais. A “refeição”, no entanto, é um ato altamente ritualizado, pressupõe um modo específico de preparar, servir e consumir. “Participar de uma refeição” exige uma situação mais estruturada socialmente e é menos casual como um jantar de noivado, um jantar de casamento, uma caia de natal, etc; está mais ligada às tradições provincianas, ao autocontrole, a espiritualidade, aos ritos do passado, etc. Um comportamento organizado, num ritmo lento, um processo longo e complexo de preparação, apresentação e consumo, e em um ambiente mais silencioso. “Comer” é uma situação mais informal e casual (almoço e janta do dia-a-dia) é algo mais moderno, metropolitano, espontâneo, ligado ao corpo, ao momento presente, etc. Podemos citar ainda o ato de “nutrir-se” e “alimentar-se”: “alimentar-se” está associado ao ato de ingerir um alimento, ou seja, qualquer coisa que se ingere para se manter vivo, são se está dando ênfase a o que, com quem, quando faz a alimentação; “nutrir-se” está associado a uma refeição em que se leva em consideração os nutrientes, ou seja, quando se tem consciência do que se está comendo. Para a antropologia da alimentação os atos de comer e participar de uma refeição são atos sociais que revelam também aspéctos culturais importantes e comportamentos e relações sociais significativas. Você sabia? A alimentação na época romana renascentista era baseada na mistura dos sabores, a ciência dietética considerava equilibrado o prato que contivesse todas as qualidades nutricionais, o que significava a combinação de diversos sabores (todas as virtudes) simultaneamente, por isso, o cozinheiro precisava intervir sobre o produto. São misturas como doce-salgado, agridoce, mistura de mel e vinagre, pratos que resistem até hoje, por exemplo as peras ou maçãs que acompanham a carne, são características da cozinha medieval (pouco presente no Brasil por sermos um país de colonização pós-renascentistas). As técnicas de cozimento também eram uma forma de transformar o sabor: escaldar, assar, fritar, aquecer, grelhar, eram além de modos de cozinhar, momentos diversos do preparo do alimento que poderia sobrepor mais de uma técnica para alcançar a textura e sabor ideal, além de conservar o alimento. Entre os séculos XVII e XVIII, os franceses começaram uma revolução culinária no qual cada alimento tinha que possuir seu próprio sabor, o sabor natural. Outra característica da gastronomia pré-moderna é a cozinha fundamentalmente magra, os molhos eram a base de ingredientes ácidos e não gordurosos: vinho, vinagre, sucos cítricos. Os molhos a base de laticínios e óleos, muito comuns a nossa mesa são essencialmente modernos e industriais. Com esse levantamento histórico começamos a observar quais os hábitos alimentares de povos diferentes e o que considderavam como comida e conheciam como gosto e predileção. AS FUNÇÕES SOCIOCULTURAIS DA ALIMENTAÇÃO 2. Funções socioculturais da alimentação Sugestão de leitura: MONTANARI, M. Comida como cultura. Parte 3 “o gosto é um produto social”, “dize-me quanto comes...” “e o que”, p. 109-130; Parte 4 Comida, linguagem, identidade “Comer junto”, p. 157-164. Leitura complementar: Ritualização da comensalidade Objetivo da aula: compreender os ritmos sociais da comensalidade e refletir sobre: quanto, com quem e o que se come (quando e como se come será discutido em outra aula). Introdução: O ato alimentar é também um comportamento social que depende de escolhas, no entanto, essa escolha se dá somente quando estamos falando de gosto e não de fome. Ou seja, o gosto só existe para as classes sociais mais abastadas, que possuem a possibilidade de escolha, é o gosto de poucos. Os muitos que se alimentam por fome perdem esse direito de transformar em prazer a necessidade de nutrição diária. Os regimes alimentares calculam sempre o que é mais prático e econômico dentro de suas condições socioeconômicas, ou seja, qual alimento alimenta mais pelo menor custo, esse raciocínio é o que ajudará a construção do gosto classificando os alimentos como “bons” ou “ruins”, de acordo com a facilidade de encontrar o produto, capacidade de conservação e preparo, capacidade de “encher a barriga” e afastar a agoniante fome. Assim se explica o gosto popular pelas farinhas, pães, bolos, massas, batata, etc. Com isso podemos dizer que nem sempre o hábito alimentar corresponde ao gosto, uma coisa é comer por hábito, outra é apreciar o que se come. É muito comum comer o que se tem a disposição ao invés de comer o que se tem vontade. Assim, o objeto de desejo para o pobre e para o rico não é o alimento abundante, mas aquele raro ou ocasional, restrito. Consumir esse produto alimentar raro é símbolo de status, de distinção social e isso vai formar o gosto social, aquele que distingue as classes socioeconômicas nas escolhas alimentares. Assim, a fruta que é muito perecível se torna um alimento de rico. O quanto se come: A quantidade de comida é uma das principais características de distinção de classe. O luxo e a ostentação alimentar mostra um comportamento de classe que não pode ser imitado pelas camadas populares. A abundância alimentar é um privilégio social e mostra o poderio do homem. Todas as sociedades e culturas são marcadas pelo medo da fome, que ocorre ocasionalmente por epidemias, guerras ou carestia (escassez). Assim, o mais importante, mesmo em momentos de abundância alimentar, é manter a barriga e a dispensa cheia, a qualidade e o gosto ficam para segundo plano. Se observarmos nos quadros históricos os reis, monarcas e aristocratas eram sempre homens gordos, grandes comedores. Homens magros e com pouca capacidade de comer era sinônimo de fraqueza e inferioridade. Essa força do homem poderoso estava principalmente associada à carne vermelha, por isso muitos escudos que eram os emblemas de distinção familiar trazem animais carnívoros como símbolo: leões, ursos, lobos, leopardos. A carne simbolicamente nutre o corpo, consolida músculos, confere força e legitimidade de comando. Comer carne significava matar animais, ou seja, caçar, que exige perseguição, habilidade com as armas, estratégias de guerra. A ciência reforça a importância da carne para o homem, sendo considerada o alimento perfeito para crescer com vigor em tempos medievais. Diferentemente dos tempos dos gregos e romanos que o pão era o centro da refeição e sinônimo de civilidade. Com o passar do século, a abundância alimentar perde seu símbolo central de poder, que passa a ter que ser conquistado em campo, legitimado pelas capacidades desenvolvidas durante a vida. O excesso alimentar e o corpo gordo passam a ser uma escolha e não um dever do soberano. O importante passa a ser a quantidade e variedade de comida à disposição para ser depois distribuída com companheiros, hospedes, servos e cães. A quantidade continuava a ser uma distinção de classe, mas o exagero alimentar diminuiu. O comportamento trouxe consequências aos comilões que passaram a ter doenças relacionadas ao exagero da carne, como por exemplo a “gota”. Antigamente o gordo era sinal de beleza, de estética. Com a relação gordura e doença, a imagem do gorno passa a significar falta de saúde e descontrole alimentar. Outro alimento que passou a distinguir as classes foi o consumo de café, alimento da burguesia em ascensão para se opor ao vinho e cerveja da aristocracia ociosa. Com o café o corpo magro e esbelto passava a significar o sacrifício produtivo, o sacrifício que gerava riquezas e bens. Assim, no decorrer do século XIX e XX ser gordo não significava mais poder ou privilégio, a indústria democratizou o consumo e a comilança, invertendo então a distinção das classes em relação a ostentação alimentar. Novos comportamentos começam a marcar o modo nobre de alimentar-se, trata-se das “boas maneiras à mesa” uma forma de educar e controlar o corpo da nobreza e classes médias para se distinguirem. Comer pouco e comer vegetais passa a ser o modelo alimentar de estética e da magreza, significando saúde. O medo do excesso substituiu o medo da fome que passa a ser marca das classes populares. Com a industrialização as doenças por excesso alimentar atingiram as massas, e se passa novamente a ter medo de ser gordo. O que se come: O modo de comer revela a personalidade e o caráter do indivíduo, ou seja, seu comportamento e psicologia, mas revela também o comportamento social: “dize-me o que comes e te direi quem és”. A qualidade da comida também é um indicativo de pertencimento social determinante e revelador. O que se come revela a identidade social dos grupos e indivíduos. A imagem do camponês comendo é diferente da imagem de um soberano. O camponês se alimenta de frutos da terra, cereais, hortaliças, sopas; o soberano de carne de caça, enquanto que a carne do camponês era a carne de porco. Com o passar do tempo o nobre aprende os modos de cortesia e com isso a capacidade de se controlar diante da comida e de saber distinguir o bom do ruim passa a ser marca da nobreza. Saber recusar um alimento que não está a altura, distinguir através do olhar o que é mais conveniente, etc. Os monges e religiosos também possuíam regras para se alimentarem, sendo a principal delas a restrição parcial ou total de algumas carnes, especialmente de quadrúpedes. Negar a carne significa afastar de si a sedução do poder e curvar-se às humildades dos alimentos “pobres” vindos da dieta do camponês como sinal de humildade espiritual: as hortaliças, legumes e cereais. Nesse caso, a escolha é deliberada e não uma restrição econômica. As carnes são corpos, algo terreno e quem quer se dedicar ao espírito deve comer coisas leves, por isso que as aves eram liberadas, pois voam aos céus com leveza, são animais mais “elevados”. Neste momento as aves são consideradas comidas de monge. Com o passar do tempo as aves passam a ser mais frequentes nas mesas europeias e as carnes de grandes animais cada vez mais raras, o que mostra uma nova mudança de pensar e de se comportar, as guerras diminuem e as administrações e políticas passam a ser as formas de poder, atividades mais intelectuais do que físicas. As aves passam a ser a comida ideal para quem se dedica às artes e ao intelecto. O tipo e a qualidade dos alimentos, além das quantidades menores, passam a distinguir as classes. O café mantém a mente aberta para produzir, já o chocolate quente é ideal para um momento de relaxamento. Com o passar do tempo, o café e os chás se tornam populares. As batatas antes restritas aos camponeses e animais, passa a fazer parte das grandes cozinhas europeias. De forma similar a sociedade da fome e a sociedade da abundância invertem valores e sinais de qualidade: alimentos antes tradicionalmente pobres como painço, centeio, cevada, espelta, hoje são símbolos de dietas saudáveis e o trigo dos ricos passa a ser esnobado. Assim a sociedade contemporânea recupera o passado, lhe atribui novos significados e se constrói uma nova cultura alimentar. Comensalidade: com quem comemos: comer juntos é típico, mas não exclusivo, da espécie humana. Junto com o ato de comer existe uma comunicação e gestos específicos para esse momento de convivência. Assim substância e circunstância estão ligadas, ou seja, algumas substâncias são típicas de determinadas circunstâncias. Por exemplo, uma pausa para o café no meio do expediente, então, o café (substância) está relacionado à pausa (circunstância). Esses valores de circunstância são típicos da sociedade contemporânea, a carga simbólica da comida é ainda mais forte quando percebida como instrumento de sobrevivência diária. Convívio vem do latim (cum-vivere), com vivos, viver junto, comer junto. Dividir a comida antigamente era sinal de fazer parte da família, estar junto à mesa. A participação na mesa junto é sinal de pertencimento ao grupo. E se partilha a comida com a família, com os amigos e conhecidos, com pessoas com as quais nos identificamos. A divisão de mesas mostra a divisão de grupos distintos. Nas fábricas e indústrias o refeitório é composto por uma enorme mesa igual para todos os trabalhadores, já os patrões e funcionários mais elevados comem em outro ambiente, ou em uma mesa separada. Comer sozinho é atividade de eremita que está negando a cozinha (come o cru), negando a comida e negando a cultura, foge do convívio. O banquete do nobre era também um momento de solidariedade e de união. A mesa passa a representar a vida e os que estão ao seu redor representam as relações existentes entre as pessoas do grupo. O posicionamento ao redor da mesa mostra as igualdades e diferenças entre os participantes, se está sentado ou servindo, se está na cabeceira ou nas laterais, a direita ou a esquerda do anfitrião ou do chefe, tudo demarca a posição social dos participantes. Os lugares à mesa marcam o prestígio de cada integrante, antigamente o chefe estava no centro e a distância de cada um em relação a ele era diretamente proporcional a sua importância. Esse tipo de ritualismo existe ainda hoje em situações formais. A mesa redonda democratizou o posicionamento à mesa, mas essa é uma mobília moderna, antigamente as mesas eram retangulares. A mesa redonda do rei Artur foi algo excepcional para época. Os gestos também marcam as distinções de importância pois, exclui da comunicação aqueles que não os conhecem. As comunidades monásticas elaboraram uma série de regras, impunham o silêncio, concentração, sobriedade e moderação. Os manuais de maneiras à mesa começam a circular nos século XII e XIII, são regras que distinguem quem está participando da refeição de quem está excluído. O comportamento alimentar passa a ser uma barreira social. A forma de partilhar a comida também marca as relações sociais, em tempos medievais, o melhor pedaço da comida era oferecido ao hóspede, qual pedaço da carne vai para cada um dos participantes também marca as hierarquias sociais. Quando se tem uma ave, o peito é considerado a parte nobre e normalmente vai para o mais importante à mesa, sobrando as asas para os de menor importância, sem pensar no gosto do indivíduo. Hoje ainda possuímos algumas regras já naturalizadas, mesmo nas refeições mais simples em ambiente doméstico, tem alguém que prepara, serve e quem começa a se servir, qual alimento vem antes ou depois, qual o tamanho destinado a cada um, etc. AS DIFERENTES PRÁTICAS ALIMENTARES 3. As diferentes práticas Alimentares e o Ato de Comer Sugestão de leitura: SANTOS, L. A. S O corpo, o comer e a comida, “Sobre os gêneros alimentícios”, p. 278-300. Leitura complementar: Cultura e Alimentação - Maria Eunice Maciel Objetivo da aula: compreender o ritmo alimentar nas três principais refeições humanas. Introdução Historicamente, a partir do século XX, temos quatro momentos de refeição: café-da-manhã, almoço, lanche da tarde, jantar. Momentos que prevalecem ainda hoje, sendo o lanche um momento mais casual. Cada um desse momentos possui um código específico de técnicas culinárias, tipos de cozinha, apresentação e consumo que formam o “sistema culinário brasileiro” no qual se pode observar desde as formas de aquisição até o consumo de nossa cultura alimentar, incluindo nossas preferências e paladar, formas de escolha, nossas técnicas e tecnologias culinárias e maneiras à mesa. As refeições, cada vez mais raras, foram substituídas por práticas de alimentação rápidas e irregulares, marmita feita em casa ou pelos restaurantes e fast-foods. As relações sociais ao redor da comida mudam e o mais importante passam a ser as necessidades imediatas: comer para voltar ao trabalho, “matar a fome”, “enganar a fome” ao invés de satisfazer o apetite e o paladar. A mídia dita o que comer nos intervalos “roubados”. Comidas já vem enlatadas ou empacotadas pronta para consumo. No mundo moderno, o trabalho para ganhar dinheiro é mais importante que comer para ter forças para trabalhar, ou seja, mantem-se vivo para trabalhar. O padrão de três refeições principais por dia e os horários estabelecidos são influenciados pelos ritmos corporais associados especialmente aos ritmos do trabalho, ou seja, o ritmo social. O café-da-manhã, é a primeira refeição do dia. Varia um pouco nos horários, mas muito nos alimentos consumidos nas diferentes culturas. Atualmente o café-da-manhã é organizado em torno de uma bebida quente como café, chá ou chocolate, sendo que esse último pode também ser frio. A difusão do café começou no final do século XVIII nos meios aristocráticos e começou a substituir o vinho no desjejum. O café da manhã continental é composto por uma bebida quente (café ou chá acompanhado ou não de leite; ou o leite quente), pão com manteiga ou geléia, pão doce, biscoito e suco de fruta. Café da manhã anglo-saxão: doces, frutas ou saladas e cereais, frio (queijo e presunto), ovos com bacon ou omeletes. Café da manhã simples: bebida quente com ou sem leite. Para nós brasileiros a combinação café com leite é histórica e cultural, marca também um tempo de dominação política dos Estados de São Paulo e Minas Gerais que tinham como símbolos a produção de café e de leite, por isso o período é conhecido com a República do café com leite. No século XIX, o açúcar refinado e branquinho era símbolo de civilidade e pureza em relação ao açúcar mascavo, porém essa crença começa a se abalar nos anos 60 com o aumento de problemas dentários, obesidade e diabetes, juntamente com os movimentos ecológicos contra o sistema capitalista. Desde então o açúcar e a cafeína vêm sendo substituídos pelos adoçantes artificiais como sacarose e café descafeinado, sem que se saiba exatamente quais suas consequências para a saúde e se começa a especular sobre o potencial cancerígeno do adoçante. Volta em cena também os adoçantes naturais como açúcar mascavo e o mel como mais saudáveis e naturais. Não consumir açúcar refinado passa então a ser a nova distinção para uma vida mais civilizada e consciente. O consumo do leite passava pela ideia de que o alimento possui vitaminas parecendo um alimento mágico principalmente para as crianças. As autoridades municipais faziam campanhas para o consumo de leite, sendo este um dos principais alimentos de programas de ajuda alimentar em todo o mundo. A ciência e a tecnologia do início do século XX ajudaram a criar a ideia de alimentos nutritivos, sabendo-se que o leite, assim como as verduras, possuía vitamina A. No entanto, o medo do colesterol colocou o leite e o ovo como vilões da obesidade. Surge então o leite desnatado como base da cesta básica, e os leites enriquecidos com ferro, cálcio e vitaminas. Assim o café da manhã ligth passa a ser o café descafeinada com o leite desnatado e o adoçante artificial. Pão com manteiga é uma outra combinação marcante no desjejum do brasileiro, mas existem também alimentos regionais como cuscuz de milho e raízes, minguais, bolos sem cobertura ou recheio, cereais matinais. A diversidade de pães é muito grande desde os pães mais gordurosos como croissaints até os pães mais ligths, sem açúcar, de grãos, etc. Para os que querem fazer dieta para emagrecer o pão também parece ser um grande vilão, pois é quase sempre substituído pelas torradas ou biscoitos ou por pão integral. O problema do pão branco é a farinha refinada, como o açúcar refinado, que é um produto mais barato que o integral e aparentemente de mais fácil digestão. A digestão de alimentos integrais é mais complexa do que dos refinados parecendo que esses alimentos sejam mais pesados. A manteiga, companheira do pão, tem também a margarina como substituta, novamente um alimento industrializado no posto de um alimento mais natural. Alimentos industrializados como a margarina, frituras, biscoitos e fast- foods possuem a recém descoberta gordura transaturada, ou “trans”, que aparecem hoje como o veneno da sociedade industrializada. Laticínios do café da manhã: leite, queijo, iogurte. Quando esses produtos são desnatados ou ligth possuem o valor simbólico de dieta saudável, mesmo que o preço e o sabor não sejam acessíveis. Cereais matinais: uma mistura de cereais levemente açucarada que é o simbolo de um alimento saudável e vegetariano, além de virem pronto para consumo e serem higiênicos. Antes desse hábito dos cereais a primeira refeição possuía uma variedade de raízes cozida e comidas quentes com manteiga, frutos cozidos com banana, beijus ou tapioca, cuscuz, bolo de fubá, canjica, polo ou pão de milho, broas e pão. Essa variedade não estava na mesa todo o ano e nem na mesa de toda a população. O leite era pouquíssimo consumido pelos mestiços e custava caro, o café do pobre era ralo e com muito açúcar, o pão não possuía manteiga. As dietas saudáveis propõem a variedade de alimentos e acrescentam ao café continental a fruta da estação. O café da manhã é normalmente feito no ambiente doméstico, mas com o crescimento de padarias, alguns trabalhadores passaram a fazer a primeira refeição nestes ambientes onde o pão está fresquinho. Almoço: refeição do meio do dia Almoço à francesa: vários pratos ingeridos em ordem: entrada, prato principal e sobremesa. Almoço brasileiro: prato único, mistura vários alimentos no mesmo prato, tendo a base da alimentação com arroz-feijão e carne e os complementos como verduras, legumes e saladas; e as frutas e doces de sobremesa. Arroz-feijão a síntese do comer cotidiano brasileiro, a mistura do branco com o preto, da sociedade brasileira. Alguns substitutos regionais: feijão com farinha, feijão e milho (angu), feijão e macarrão; o tradicional arroz, feijão e farinha de mandioca, ou então o arroz com carne, frango ou peixe. O feijão é simbolicamente um alimento completo, forte, fonte de ferro que dá energia, força e faz crescer, mesmo que para alguns o alimento seja pesado e de difícil digestão. O arroz é simbolicamente fraco, mas “enche a barriga”. A farinha de mandioca é considerada pobre nutricionalmente, mas é a principal fonte de energia para 500 milhões de pessoas no mundo, por ser de fácil cultivo, adaptável a climas tropicais, resistente à seca e doenças. É o 6° alimento mais produzido no Brasil. A farinha não tem status, mas persiste em muitas mesas principalmente das classes mais populares. Muitas vezes a farinha é cortada da dieta quando a meta é emagrecer. Batata: na Europa é um alimento base, par nós um complemento, seja na salada, como purê, ou batata-frita. O macarrão pode substituir o arroz e fazer outras combinações regionais. A carne O homem tem uma relação contraditória com a carne sendo as vezes motivo de desejo ou repulsão, apetite ou aversão; com proibição ou restrições temporárias ou permanentes por motivos religiosos. As espécies comestíveis não podem estar nem tão próximas, nem tão longe do homem, animais domésticos ou com laços afetivos fazem parte da família e por isso não se come, bem como não se comem animais desconhecidos, exóticos ou estrangeiros. Os homens comem as espécies intermediárias. Portanto, a carne depende da fauna local como caças e aves, no Brasil temos registros de: jacaré, cobras, tatus, capivaras, antas, tartarugas, patos, marrecos, galinhas, bovinos, porcos, frangos, peixes, carneiro, bode, coelho. A carne de vaca, de frango tem produção intensificada na industrialização, os peixes continuam com pesca artesanal na maior parte. As caças passaram a ser cada mais mais estranhas na mesa dos brasileiros urbanos e e industriais. As carnes de criadouros chegam às mesas completamente transformadas de modo que não é mias possível reconhecer aquele pedaço de carne como parte de um ser vivo. Um ser urbano não está habituado a participar do ato de matar o alimento para comer, o “abate” é feito longe dos olhos da cidade. Assim, o animal se transforma em uma matéria alimentar fonte de proteína. A consolidação desse nova habito alimentar foi resultado de preços favoráveis junto com políticas e estratégias industriais de apresentação do alimento enquanto um produto e não um animal morto. Se vier já limpo, desossado, em porções e congelado, ainda melhor. O frago produzido em grande escala já não tem o sabor da galinha caipira, possui um excesso de hormônios utilizados para promover o crescimento das aves em tempos recordes, hoje enfrenta problemas sanitários com a crise da gripe aviária. A carne vermelha é considerada um alimento forte e importante para satisfação do corpo e da fome, a carne branca é reconhecida como alimento saudável. A carne de frango ainda aparece como a mais apropriada para os convalescentes, mulheres após o parto, doentes de cama com a famosa canja de galinha. Já os peixes, os fritos vem sendo substituído pelos grelhados, cozidos ou assados e de preferência com ervas e condimentos para explorar o paladar e reconstruir o gosto. Jantar: refeição noturna Pode ser uma repetição do almoço ou um lanche que repete alimentos do café da manhã, a sopa é também um típico prato do jantar, principalmente no inverno. Frutas e verdura: a OMS Organização Mundial da Saúde recomenta o consumo de 400 g por dia entre frutas e verduras. O Brasil é um dos países que mais produz esses alimentos e que possui uma rica variedade de flora e frutas tropicais. A distribuição de frutas e verduras depende diretamente dos avanços tecnológicos uma vez que esses alimentos são muito perecíveis e resistem pouco às técnicas de conservação. Frutas e verduras são preferencialmente comidos crus e fresco, podendo servir como complemento de doces ou acompanhamento de carnes. Graças aos avanços de distribuição, transporte e processamento esses alimentos chegam com grande variedade e rapidamente aos supermercados urbanos. As frutas tropícais produzidas em larga escala (abacaxi, bana, laranja, tangerina, mamão, lima, limão, melão, melancias, manga, etc) podem ser facilmente encontradas em qualquer supermercado e em qualquer época do ano, as frutas “nobre” (mação, pêra, uva) começaram a se popularizar, as frutas “importadas” estão presentes nas grandes redes de supermercado (ameixa, pêssego, kiwi, nectarinas, etc); já as frutas locais e sazonais são raras no supermercados e passa a serem exóticas (umbu, cajá, acerola, siriguela, pitanga, cajú, goiaba, jaca, carambola, cajarana, jambo, cupuaçu, açaí, etc. As frutas são recomendadas para todas as refeições, sólidas ou em forma de suco. Podem substituir um lanche entre refeições ou serem consumidas num momento de fome inesperadas. São vistas como alimentos saudáveis e sem restrição. As verduras e hortaliças também saudáveis aparecem principalmente nas saladas. O açaí tem sido um grande vício da juventude “sarada”, se assemelha a um chocolate, está associado à energia física e espiritual. RELAÇÃO ENTRE CORPO, SAÚDE, IDADE E ALIMENTAÇÃO 4. Relação entre corpo, saúde, idade e alimentação Sugestão de leitura: SANTOS, L. A. S O corpo, o comer e a comida, Cap. 1 O corpo e o comer nas ciências sociais p. 5-31. MONTANARI, M. Comida como cultura. Parte 1 Fabricar a própria comida “prazer e saúde”, p. 83-91. Leitura complementar: Práticas e comportamentos alimentares urbanos Objetivo da aula: compreender a relação simbólica entre a ingestão do alimento e a composição corporal. Compreender a relação simbólica entre a ingestão do alimento em relação à saúde ou doença. Para Lígia Santos, a imagem do corpo passou a fazer parte dos momentos de alimentação, principalmente nos casos extremos de anorexia e obesidade, então a relação corpo, alimentação e saúde passou a fazer parte da realidade. A comida participa da construção do corpo material e do corpo cultural, “somos o que comemos”, nós literalmente incorporamos a comida que colocamos para dentro, é uma relação íntima que implica risco e confiança. A segurança alimentar em tempos modernos era para ser muito mais avançada devido aos conhecimentos e técnicas adquiridas, no entanto, doenças novas relacionadas aos alimentos aparecem frequentemente como a “vaca louca”, gripe aviária, alimentos transgênicos. A relação entre corpo e alimentação fica evidente se observamos a alimentação e os corpos dos norte-americanos e compará-los com o dos franceses, uns mais propensos à obesidade e outros à anorexia e bulimia. No Brasil, a relação de segurança alimentar e corporalidade aparece mais evidentemente nos anos 70 nas camadas trabalhadoras. A obesidade, a anorexia e a bulimia não se referem a uma determinada camada social, pois não estão relacionadas ao acesso ou não aos alimentos, atualmente a quantidade de alimentos é enorme, porém a qualidade nutricional dos mesmos na maior parte é duvidosas, principalmente em alimentos industrializados e manipulados artificialmente. Não somos obesos ou anoréxicos por falta ou excesso de alimentos, mas por uma alimentação desequilibrada de nutrientes. Ao mesmo tempo continuamos com uma parcela da população que não possui acesso aos alimentos. Os corpos não representam uma camada social em alguns casos mas, um culto ao corpo ou ao alimento, o corpo magro nos centros urbanos representa o culto à magreza, o corpo gordo o culto a comida industrializada, ao açúcar e às gorduras, em qualquer classe social. Jjá nos campos o corpo magro representa a escassez de alimento e o corpo gordo, quando tem, à luxuria e abundância alimentar. Hoje as mídias e a tecno-ciência constroem o corpo perfeito e ideal, nada em relação ao corpo fica escondido do olhar, a ciência pode radiografar ou fazer uma ressonância de cada centímetro do corpo e quais os componentes presentes. A biotecnologia também permite a reconstrução do corpo por meio de cirurgias plásticas, implantes, transplantes, cirurgias de mudança de sexo, etc. A construção do corpo também mostra nossa identidade, a imagem corporal externa representa nosso ser interior, assim essência e aparência se confundem. O corpo não é mais destino, carga genética, identidade familiar, o corpo passa a ser controlado, construído, refletido. As sociedades desde os tempos mais remotos produzem tecnologias para prolongar a vida e a juventude, preservar o corpo e a saúde. O mito da saúde perfeita hoje depende não mais de um estado do ser, mas de uma adoção de comportamentos que definem a vida saudável, uma busca pelo bem estar que atualmente está vinculada a ideia de juventude-saúde-beleza, saúde em termos estéticos mais do que biológicos ou médicos. A saúde exige riscos e responsabilidade de escolhas. Por exemplo, o gordo que já foi sinônimo de força e saúde, hoje é indicativo de patologias, mesmo que alguns indicadores de saúde estejam normais. Os riscos se referem a acontecimentos futuros como consequências das práticas presentes, não comer açúcar hoje para não desenvolver diabetes amanhã, comer açúcar hoje mas fazer exercícios amanhã, comer açúcar hoje pois acredita que não terá diabetes amanhã, são todos comportamentos que avaliam os riscos da relação alimentação-corpo-saúde. A dieta alimentar juntamente com a atividade física são as bases da construção do corpo na sociedade do século XXI, esse comportamento implica rotina para a construção do corpo ideal. As atividades físicas precisam de um tempo específico reservado para tal prática, no tempo de não-trabalho. Já a dieta alimentar faz parte do dia a dia por seu uma necessidade básica, o que muda é o pensar sobre essa prática. Não é uma decisão diária, mas sim uma decisão constante durante o dia, todos os dias de o que, como e quando se deve ou não comer. Nessas decisões envolve o controle permanente dos desejos, sensações, fome e ansiedade juntamente com a reconstrução do gosto alimentar. O ato de comer possui uma ambiguidade entre natureza e cultura, se corpo por uma necessidade natural de manter o corpo vivo e não se como por um desejo cultural de manter o corpo magro. Nós nos tornamos o que comemos, seja no plano material como no imaginário, parece um gesto banal, mas modifica todo o funcionamento do nosso organismo. As práticas alimentares são um processo de formação de identidades de grupos e também de construção da identidade do indivíduo. Dieta, alimentação e comer são constantes na ordem do dia. As mídias, a medicina, as publicidades, os nutricionistas estão a todo momento informando para o consumidor, paciente, leitor, telespectador, cidadão, aluno alertas sobre o que que se pode e o que se deve comer, misturando as lógicas do mercado com as necessidades sociais materiais e simbólicas. De alimentos naturais a alimentos exóticos e produtos industriais tudo está a disposição para consumo e cheio de informações nutricionais da natureza dos alimentos e das adições ou não de produtos naturais ou químicos. É importante o consumidor saber sobre a cadeia alimentar bem como os componentes alimentares desde a produção onde é feita, formas de conservação, distribuição e transporte até as transformações dos gêneros alimentícios. A industrialização interfere tanto na produção como na transformação culinária. Com a perda do “saber cozinhar” o gosto se tornou padronizado e homogêneo e ao mesmo tempo uma emergência de recuperar a culinária local. Os produtos industrializados são a maior parte da alimentação contemporânea. A indústria que manipula o alimento, não mais a mãe que o faz com amor e rito com o gostinho de comida de mãe. O alimento é um objeto comestível não identificável, envelopado, sem vida dentro de um saco plástico. O frio o preserva da deterioração do tempo, mas ao mesmo tempo tira-lhe a vida e os elementos vitais da comida. Os alimentos industrializados representam a liberdade das tarefas culinárias domésticas cotidianas, é a facilidade, a rapidez e praticidade do mundo moderno. O imaginário sobre como o alimento entra e é absorvido pelo corpo interfere nas escolhas dos alimentos, por exemplo, o açaí é altamente consumido por jovens que praticam atividades físicas como fonte de reposição de energia, mas não se vê essa energia como caloria pois se está consumindo uma fruta da região da amazônia que traz um simbólico de natureza exótica, saudável e segura. Assim a mídia passa a relação entre comer e comida e as noções de risco e segurança alimentar construindo uma novo imaginário sobre a ato de alimentar-se. A escolha não se dá pelo gosto, pelo paladar ou pelas preferências, mas pela publicidade do alimento industrializado que diz se o alimento é adequado ou não. O café da manhã deve possuir alimentos ricos em vitaminas e fibras juntamente com líquidos lácteos, fez-se então o iogurte com cereais e frutas que vai garantir o bom funcionamento intestinal. Existe uma suposta liberdade de escolha, no entanto, a publicidade controla o que, quando, como, quanto e com quem comer. A identidade alimentar está interiorizada no indivíduo que deve constantemente reavaliar as informações para construir uma nova identidade alimentar, essa pluralidade de práticas alimentar marca o novo estilo de vida. Esse novo estilo de vida destrói antigas práticas alimentares, como as refeições em família e o ato de comer, tudo passa a ser alimentar-se e nutrir-se de modo desregulado, simples, rápido e sem pensar na companhia. Refeições dentro do escritório, pequenos petiscos no trânsito, antes e depois de ir à academia, etc. Isso tudo acompanhado das compulsões alimentares e das restrições alimentares. Por outro lado, com a industrialização os risco alimentares relacionados ao saneamento e a higiene estão muito mais controlados por órgãos de controle de qualidade, rótulos informativos, material adequado para a conservação de alimentos, refrigeração para conservação de alimentos frescos, transportes adaptados para cargas perecíveis, etc. Então os riscos de saneamento e higiene podem ser facilmente controlados, no entanto os riscos das transformações industriais e genéticas são pouco conhecidos, além dos riscos da composição dos alimentos como colesterol, açúcares entre outros males como conservantes, corantes, etc. São riscos relacionados não só ao formato corporal, mas também à saúde. A mídia e a ciência tem divulgados informações importantes e contribuído para novas representações sobre alimentos que contenham, carboidratos, lipídios, proteínas, vitaminas, ácido graxos, ômega 3, e seus benefícios para a saúde. O interior do corpo era visto como um espaço secreto, hoje se conhece cada parte do processo de absorção alimentar. Desvendado esse mistura se constrói uma nova imagem em relação ao ato de se alimentar. O alimento que começa a ser triturado na boca, passa pelo esôfago para chegar ao estômago que transforma e decompõe os nutrientes por meio de enzimas, esse bolo quando chega ao intestino começa a ser absorvido os nutrientes que são interessantes e importantes para o corpo. Glândulas produzem as enzimas e neurônios respondem aos estímulos passando informações para o cérebro. Os nutrientes percorrem todo o organismos via circulação sanguínea, reconstruindo, hidratando, combatendo doenças, renovando as células. Quando se ingere excesso de um nutriente ou muitos nutrientes nocivos a circulação e as celulas receberão também parte desses nutrientes causando doenças e má circulação do sangue e dos líquidos. No entanto, no imaginário das pessoas, a ideia de energia nem sempre está associada a de calorias, um alimento energético como açaí, ou bebidas tônicas, são muito calóricos, mas o imaginário é que esses alimentos preenchem nosso corpo de vitalidade como num jogo de videogame, que você encontra comida e a barrinha de vitalidade cresce e conforme você vai andando essa barrinha vai se desgastando. No videogame não temos o acúmulo de calorias que nos deixa gordos, apenas a vitalidade quando encontra a comida. Energia, vitalidade e força para desenvolver as atividades do dia a dia dependem de calorias reservadas no corpo, mas não das calorias acumuladas. A publicidade alimentar pode ajudar como pode maquiar os riscos do produto alimentar e o imaginário ao seu redor. São as escolhas diárias que constroem o hábito alimentar: seleção, comparação, prioridades, resistências, restrições são parte desse processo complexo de escolha. Existe uma suposta liberdade que só é aproveitada se temos consciência e controle sobre nossas escolhas de o que comer, quando comer e com quem comer. Mas antes de escolhermos temos que ter em mente que estamos limitados a um sistema alimentar cultural, nacional, regional, aos hábitos alimentares familiares ou grupais, os quais podemos ampliar e diversificar. O ser humano é onívoro, ou seja, como uma variedade de alimentos, diferente de alguns animais que são herbívoros ou carnívoros, ou ovíparos que comem somente uma classe de alimentos como ervas, carnes ou ovos. Sendo onívoros o homem tem uma oferta maior de alimentos que o nutrem, no entanto, precisamos de uma variedade maior de alimentos para mantermos a saúde. Assim o homem oscila entre a neofobia (medo do novo) e a neofilia (desejo pelo novo), essa oscilação se expressa também na relação aversão- desejo. O alimento pode ser uma fonte de prazer, como de mal estar e até provocar doenças. Da mesma forma a alimentação é uma fonte de energia, vitalidade e saúde, porém pode ser um vetor de intoxicação, envenenamento, carência. A desestruturação das práticas alimentares no Brasil é visível. Nosso sistema alimentar tem influência das três raças fundadoras da sociedade brasileira: indígena, portuguesa (européia) e africana. No entanto, nas últimas décadas a cultura alimentar americana tem contribuído para a desestruturação de nossas refeições. O controle da alimentação pela razão é um fenômeno muito antigo, mas nem sempre com o objetivo da perda de peso, que é uma preocupação recente da humanidade. Desde o século XVII a ideia de dieta alimentar tenta impor uma disciplina ao ato de comer como uma forma de controle sobre o corpo e os desejos. No século XIX que dieta alimentar passa a ter uma conotação de controle da massa corporal, visando a dieta mínima com o máximo de produção de energia para alimentar soldados em guerra e prisioneiros a baixo custo, o mesmo raciocínio foi usado para alimentar as massas de trabalhadores nas indústria, como se o corpo fosse uma máquina esperando combustível para poder funcionar, sendo esse combustível apenas proteína e calorias. Com a evolução das ciências nutricionais descobre-se que o corpo precisa de muitos outros nutrientes para manter o bom funcionamento. No século XX o termo dieta passa a ter uma preocupação médica de saúde, começa a se pensar em uma dieta humana universal perfeita que possa alimentar qualquer etnia, geração ou classe. Médicos, farmacêuticos, nutricionistas e nutrólogos passam a ver o alimento como um remédio ou uma droga que pode ser usada para prevenção ou tratamento de doenças, uma nova construção social. No mundo contemporâneo dieta é uma modalidade de autocontrole, autodisciplina para construir a aparência corporal e a auto- identidade, prescrita e recomendada para todos os indivíduos. O tema dieta- saúde-magreza faz parte do discurso desde revistas femininas até o discurso médico, juntamente com a palavra de ordem “moderação”. Essa disciplina e controle reconstrói o gosto alimentar para um gosto light. A percepção da alimentação não é mais uma questão quantitativa, mas na qualitativa, pensa-se o nutriente em primeiro plano e depois a quantidade, o que comer e em que proporção. Dieta para a cura / dieta para a saúde / dieta para a modulação corporal / dieta para a beleza / dieta para o espírito / dieta para o prazer / dieta para o bem estar / dieta para a socialização. Nessas dietas os fatores socioculturais são vistos como barreiras, pois as preferências, o gosto e o hábito são considerados secundários no momento de preparar uma dieta, se preocupam mais com o “nutrir” que com o “comer”. Segundo Montanari, o uso do fogo nas práticas de cozinha serve para “melhorar” o alimento, torná-los mais saborosos e duradouros, além de mais seguros para a saúde. Dessa forma a cozinha e a ciência dietética andam juntas. A ciência dietética tem também uma reflexão de prática médica desde séculos antes de Cristo. O princípio fundamental dessa medicina se baseava no princípio de que todo ser vivo – plantas, animais e homens – possuía na sua natureza uma combinação de quatro fatores agrupados dois a dois: quente/frio, seco/úmido, que correspondem aos quatro elementos (fogo, ar, terra e água). Acreditava-se que a perfeita saúde do homem dependia da combinação e equilíbrio desses quatro elementos. Quando um deles prevalece causa um desequilíbrio que pode ser uma doença ou próprio da idade (jovens são mais quentes e úmidos, velhos mais secos e frios) ou do gênero (homens são quentes e secos, mulheres frias e úmidas). O ambiente, o trabalho, a idade, o clima ou qualquer outra razão causam impactos no homem e esse deve restaurar o equilíbrio pelo controle alimentar. Assim, quem possui uma doença considerada úmida deve preferir alimentos secos e vice-versa, se a saúde está equilibrada deve-se comer de modo equilibrado, ou seja, temperado. Deste modo a cozinha era uma arte de manipulação e de combinação dos alimentos para atingir a qualidade certa ao produto. Se o alimento é muito quente deve-se esfriá-lo ou combiná-lo com alimentos frios, corrigindo e equilibrando não só a alimentação, como também o próprio produto alimentar. Uma carne muito seca deve ser fervida, e uma muito úmida deve ser assada. Quando o animal é jovem se pode fazer um assado, quando é velho, deve-se fazer um cozido, por isso que “galinha velha dá bom caldo”. Da mesma forma a cozinha pré- moderna criou a combinação de melão com presunto (úmido com seco), ou pera com queijo. Os enólogos, conhecedores de vinho, são especialistas nessa combinação de equilibrar os quadro elementos, pois temos o vinho seco ou suave ou o vinho doce, cada um é destinado a acompanhar um tipo de alimento inverso à sua qualidade. Os molhos que acompanham carnes e peixes tem a mesma função de equilíbrio os elementos e tempero dos pratos, tornando-os digestíveis e saborosos. A cozinha e dietética pré-moderna pretende juntar a digestibilidade ao prazer de comer, o desejo é uma necessidade e prazer um incentivo à saúde, pensava-se: “o que é mais agradável para o gosto é melhor para a digestão”. A ordem dos pratos durante a refeição também devem favorecer a boa absorção e digestão. Orienta-se iniciar a refeição com alimentos leves como frutas doces e perfumadas e verduras cruas ou cozidas que podem ser condimentadas com azeite ou vinagre, as frutas ácidas e adstringentes ficam para o final da refeição. A idéia de que o que é prazeroso é saudável é uma ideia da antiguidade medieval, naquele tempo a dieta e restrição alimentar significavam a construção de uma cultura gastronômica, tempos em que dietética e gastronomia andavam juntas. A partir do século XVII, a dietética começou a analisar os alimentos pelas suas características químicas que nada estão associadas às experiências sensoriais do sabor, do gosto e do prazer. Carboidrato e vitamina não possuem gosto, mas visam a saúde do indivíduo à mesa. Assim a relação saúde e prazer estão dissociadas na ciência dietética ou nutricional. Hoje acredita-se que “tudo que é gostoso engorda”. O SIGNIFICADO DOS ALIMENTOS 5. O significado dos alimentos Bibliografia sugerida: SANTOS, L. A. S O corpo, o comer e a comida, “Os líquidos”; “outros gêneros alimentícios”; “Representações dos nutrientes”. p. 300-315. Leitura complementar: MONTANARI, M. Comida como cultura. “Assado e cozido”, p. 77-81. O significado da alimentação - Geraldo Romaneli Objetivo da aula: compreender as relações simbólicas de cada grupo alimentar como as carnes, verduras, legumes, frutas, grãos, cereais, líquidos, óleos, etc. Claude Levi-Strauss, antropólogo francês que morou e trabalhou no Brasil ao escrever “O cru e o Cozido” mostra que esses dois estados dos alimentos reflete também as transformações sociais. As classificações cru e cozido, alimento e comida, doce e salgado classificam não só alimentos como coisas, pessoas e até comportamentos morais. Por exemplo a mulher é simbolicamente equacionada como “comida” e o feminino é simbolicamente “doce”, assim o salgado e o indigesto são coisas duras e crueis. Algo muito caro é salgado, uma vida difícil e cheia de sofrimentos é uma vida amarga. O cru se liga ao estado de selvageria, de estado de natureza; já o cozido depende de uma sociedade organizada socialmente, com técnicas mais elaboradas. No dito popular “o apressado come cru” a relação entre cru e pressa mostra que o ato social de comer exige uma pausa, um momento de preparo e atenção a alimentação, um modo civilizado de se alimentar, quando não há essa pausa se retorna a uma estado de selvageria. Comer o cozido exige calma e transformação de um alimento em comida, essa transformação e preparo da comida deve ativar o olhar, o cheiro e o gosto, ou seja, provoca nossos sentidos através dos olhos, do nariz e da boca para então entrar no estômago e “encher a barriga”, trazer saciedade. Sendo assim, a comida no seu aspecto simbólico faz a mediação entre a cabeça e a barriga, entre o corpo e a alma, ou seja, conecta em um só ato códigos sociais normalmente separados como o gustativo ou o paladar (doce, salgado, amargo, ácido, picante, bom-ruim; e tato quente-frio), código de odores ou olfativo (bom cheiro, alimento sadio e bom), código visual (aparência, comer com os olhos, “olho maior que a barriga”), código digestivo (fácil ou difícil digestão). A comida cozida está associada ao lar, aos parentes e amigos, às intimidades da mesa, ao afeto. O cozido é o nome de um prato muito comum nas refeições brasileiras, onde se junta, vegetais, legumes, carne inventados na própria ocasião com os alimentos disponíveis. Ou seja, é a mistura de coisas que estavam eventualmente separadas no mundo, é a união e a celebração de alimentos diversos em um só prato, pessoas diversas em uma só casa. Já o cru está fora no universo do lar, no trabalho, na desarmonia, da “realidade crua e nua”. Outros ditos populares que estão associando comida com coisas ou pessoas: Pão-duro = avarento comer o pão adormecido = fazer economia, ter pouco dinheiro; pão, pão; queijo, queijo = separar as coisas que não são iguais; dar água na boca = quando queremos muito algo; estar com a faca e o queijo na mão = ter a vitória certa; estar por cima da carne seca = ter poder; ser convidado para comes e bebes = ser convidado para uma festa, reunião; falar da boca pra fora = falar algo impossível, absurdo, que não será digerido (da boca pra dentro); comer do bom e do melhor = vida boa, rica, saborosa Algo sem sal = algo sem graça; cuspir no prato que comeu = desdenhar ou ignorar algo ou alguém que já lhe fez bem; Não só de pão vive o homem = não basta só uma coisa para satisfazer o homem Segundo Montanari, o assado e cozido possuem papéis opostos no plano simbólico, a oposição entre cultura e natureza, doméstico e selvagem. O assado enquanto técnica de cozimento está mais para o lado da natureza do selvagem, uma vez que necessita apenas do fogo sobre o qual a carne cozinha diretamente, um animal colocado no espeto girando sobre a chama viva. A carne mantém seu gosto forte. “Os comportamentos alimentares são frutos não apenas de valores econômicos, nutricionais, salutares, racionalmente perseguidos, mas também de escolhas (ou de coerções) ligadas ao imaginário e aos símbolos de que somos portadores e, de alguma forma, prisioneiros” (p. 79) O cozido, que se transforma por meio da água, exige um recipiente culturalmente construído para conter a carne, por isso assume, o valor simbólico de uma sociedade mais domesticada, mais cultural que natural, longe da floresta. A casa parece o ambiente natural desse tipo de preparação, ou seja, a cozinha ao interno da casa. A panela do cozido era o centro da cozinha camponesa, burguesa e monásticas, seja para cozinhar a carne como os legumes. Cozinhar em panela significa também não perder o suco nutritivo da carne, retê-lo e concentrá-lo na água. O caldo obtido poderia ser reutilizado em outros preparos junto com outras carnes, legumes, verduras, cereais. A panela traz a ideia da economia, da conservação e não desperdício do alimento. Na oposição cozido/assado há também a oposição de gêneros. O assado é masculino, típico do caçador, o cozido é feminino, típico da cozinheira doméstica que vive na cozinha. É o homem que acende e mantém o fogo do assado aceso, o domínio sobre as forças da natureza o controle do fogo. Como no churrasco ao ar livre, ambiente tipicamente masculino que se contrapõe a complexidade da cozinha doméstica. Já Lígia Santos analisa os símbolos em outros alimentos como: Os líquidos: As bebidas alcoólicas são um grande desafio na mudança de hábitos, principalmente para homens adultos das camadas mais populares, sendo a cerveja a bebida de preferência nacional nos finais de semana. Bebidas alcoólicas como cerveja e vinho são símbolos de comunhão divina e social. Em algumas culturas ela permite a ligação entre o profano e o sagrado, entre o homem e o mundo superior devido ao êxtase, representa um transporte ao sagrado. No mundo contemporâneo a embriaguez é repreensível e prejudicial à saúde, por isso o consumo do álcool é controlado e disciplinado por meio de campanhas e leis de restrição e proibição do consumo, seja por faixa etária (sendo permitido apenas para maiores de 18 anos), seja por atividades a serem realizadas após o consumo como dirigir. No mais toda bebida alcoólica possui uma mensagem educativa de alerta quanto à moderação, idade e proibições. O vinho é uma bebida alcoólica que possui uma certa liberação devido a pesquisas que mostram seus efeitos benéficos para a prevenção de doenças cardiovasculares. A cerveja faz parte do processo de socialização em períodos de lazer para o brasileiro, possuindo consumidores mais controlados e moderados até os excessivos. O consumo de cerveja está assocado ao crescimento da barriga, e por isso é um dos principais alvos quando se quer uma dieta e reeducação alimentar, pois além de engordar é um produto com “calorias vazias”, ou seja, sem nutrientes que o corpo precisa, somente calorias que rapidamente se transformam em açúcar no sangue. Deixar de beber é um processo que envolve não só a saúde, mas o controle do vício, a socialização, a estética corporal e até a moral religiosas em alguns casos. O refrigerante é a bebida da juventude, tão viciante e “vazia” como a cerveja. Historicamente associado a um produto artificial, altamente calórico, engorda, nada nutritivo, faz mal e “dá celulite”. Os refrigerantes ligths são aceitos pois engordam “menos”. Normalmente os refrigerantes estão restritos aos finais de semanas ou dias de festas para crianças e adolescentes. A agua-ardente era muito consumida antes da chegada da cerveja, hoje estão restritas às caipirinhas nos churrascos ou feijoadas, que são refeições mais raras. Outras bebidas estimulantes como café, chá e chocolate também tem seu consumo controlado para efeitos de estética e saúde. São bebidas estimulantes do corpo e também da economia pré-industrial e comércio internacional. Novas formas de preparo são introduzidas a fim de diminuir a cafeína e o açúcar. As recomendações em relação às bebidas visam a diminuição dos alcoólicos e refrigerantes e um aumento dos sucos e água desde que sem açúcar e de boa procedência não existe restrições. Sucos engarrafados, em caixinha, em polpa e em outras formas de conservação se difundem e passam a fazer parte do dia a dia, mesmo que se tenha perdido o sabor, a cor, o frescor e os nutrientes. A água que acompanha o estilo de vida saudável serve tanto para hidratar, energizar e purificar o corpo como para enganar a fome. A garrafinha de água é simbólica e apresenta normalmente uma menção atlética com saís minerais “repositores” da perda diária, acompanhando o consumidor como parte de sua aparência. Por não possuir calorias a água substitui qualquer outra bebida. A água de coco é um produto natural que também está se industrializando, mas mantém seu simbolismo de bebida leve, saudável, hidratante e revigorante. Alimentos industrializados: a industrialização dos produtos alimentícios provocou uma grande mudança no modo de ver e pensar a comida no pós 1° Guerra Mundia. Aumentou-se a disponibilidade e quantidade de alimentos, a distinção passava a ser de qualidade (de 1ª, 2ª, sem qualificação ou falsificados), a cozinha passa a ter uma dispensa para alimentos em caixas e latas, ao invés do alimento fresco e natural. Ao mesmo tempo vieram os problemas de excesso, veneno e toxidade. A qualidade não é mais visível na aparência devido aos aditivos. O alimento passa a ser inteiramente manipulado e alterado para atingir sua qualidade e nutrição ideal. Não se sabe mais o que se come, pois o alimento vem completamente refigurados, com isso se tenta reidentificar o produto com rótulos, etiquetas e garantias. O alimento industrializado em relação ao natural é fraco, sem sustento e sem gosto, seja o leite, ou o frango. Em contrapartida cresce o mercado de alimentos naturais: o natural artesanal, o natural nutritivo, o natural sem agrotóxico, e o natural publicitário (sem conservantes, sabor natural de laranja, etc). O sanduíche “natural” muitas vezes é recheado de produtos industrializados enlatados como milho, atum, ervilha, etc. Os produtos diet/light: identificados como saudáveis, mesmo que a etiqueta seja uma função da própria publicidade, independente de regras para tal. E as propagandas vinculam esses produtos a um estilo de vida feliz e do mundo feminino. Açúcares, doces e chocolates: o açúcar foi um marco de distinção social por ser raro e caro, foi identificado como marca do “bom gosto”, usado também contra o stress, fadiga mental e para acalmar os nervos, por isso a oferta de “água com açúcar” para quem está nervoso. As cozinheiras portuguesas trouxeram várias receitas de doces e bolos que depois cresceram com a entrada das africanas na cozinha: quindins, cocadas, bolos. Atualmente se faz uma grande campanha para a redução da quantidade de açúcar em todas as comidas doces, bem como a redução ou extinção do consumo de doces e chocolates. Em alguns casos o adoçante artificial entra como estratégia de restrição do açúcar refinado. As barras de cereais ricas em fibras e de baixo teor calórico entrou como um substituto do chocolate, as gelatinas também são vistas como uma sobremesa leve e saudável, apesar dos corantes e aromatizantes. Peixe = ômega 3 = saúde castanhas = bom colesterol alimentos novos e crus = vitalidade, energia vital laranja = vitamina C feijão/ fígado = ferro = força gordura = colesterol = doença frutas e verduras = vitaminas = saúde Os alimentos estão se transformando em seus nutrientes, assim comer e nutrir- se começam a se unir num só ato, as pessoas passam a gostar das vitaminas, do ferro e do ômega 3. A gordura: no século XX estava associada ao tempero que dá sabor à comida, uma mandioca ou batata assada não tem o mesmo sabor que as mesmas fritas. Com as relações entre gordura e doenças cardiovasculares começou a lipofobia (medo da gordura) seja ela visível ou invisível como os lipídios. Os churrascos passaram a ser condenados. A gordura perde status. O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ALIMENTAÇÃO 6. O desenvolvimento histórico da alimentação Leitura básica: CARNEIRO, H. Comida e sociedade, Cap. 5 Alimentação na pré-história, p. 45-50; Cap. 6 Comer vegetais, p. 51-63; Cap. 7 Comer animais, p. 63-75; Cap. 8 As especiarias, as navegações e a mundialização da alimentação, p. 75-86, Cap. 13 A historiografia internacional das alimentação, p. 131-154 Leitura complementar: MONTANARI, M. Comida como cultura. Parte 1 Fabricar a própria comida, p. 21-33. Objetivo da aula: compreender os primeiros comportamentos alimentares na espécie humana e suas transformações no tempo, bem como seus aspectos simbólicos em cada fase, da caça e coleta à agricultura e pecuária. Economia de predação de alimento do homem “selvagem” dependente da natureza: A alimentação da Pré-História dependia das oportunidades de caça e da coleta e dos primórdios do cultivo. Há mais de 1 milhão de anos as características da espécie Homo habilis permitia que o polegar opositor desse habilidades manuais, no que se refere a alimentação a espécie era onívoro oportunista, ou seja, se alimentava de vegetais e carne animal quando as encontravam. Nos anos 80 descobriu-se que os primeiros hominídeos eram ladrões de carniça e não hábeis caçadores de animais de grande porte, o que demonstrava que a alimentação essencial seria de vegetais. Há 1 milhão de anos, a espécie já havia sofrido algumas alterações biológicas e se tornou Homo erectus, a postura ereta ajudou na mudança alimentar, começava a impor uma alimentação mais carnívora. Por milênios a humanidade dependia da predação de vegetais e animais, se alimentavam principalmente de vegetais, mas já demonstrava sua vocação onívora, como uma diversidade de carnes e plantas. Onívoro significa aquele que se alimenta tanto de alimentos de origem vegetal como de origem animal. Há 500 mil anos, com o domínio do fogo, o hábito alimentar mudou. Além do domínio do fogo dominava-se técnicas como assar e defumar, além de técnicas de conservação como a secagem, a salga e a estocagem. Porém dependiam de produtos escassos e incontroláveis que os obrigavam ao nomadismo e impedia a ampliação do povoado. Nômades são as populações que não possuem residência fixa e se locomovam em busca de alimento e abrigo conforme a necessidade. No paleolítico, cerca de 40 a 10 mil anos a espécie evoluiu para o Homo sapiens e começou a se expalhar pelo planeta. A caça de animais de grande porte começou a ser possível. O recuo das geleiras no mesolítico possibilitou uma diversificação alimentar. A alimentação da espécie começa a ampliar, pois encontram plantas e animais diversos em cada área do planeta. Assim, enquanto espécie a alimentação fica mais variada, no entanto, cada agrupamento familiar possui apenas a possibilidade de escolha de alimentos que se encontram em seu habitat natural. Os habitantes das américas não conhecem os alimentos de outros continente e vice-versa. Economia de produção de comida do homem “civil” separado da natureza: Na época do neolítico a mais de 9 mil anos, houve uma primeira marca de revolução e ruptura cultural com a domesticação e o cultivo de plantas em algumas regiões. Os grãos cultivados passaram também a serem cozidos, o que significa que era necessário um recipiente para tal procedimento o que só foi possível com a fabricação da cerâmica em primeiro momento. A agricultura nasceu no Oriente Próximo e Médio a cerca de 10 mil anos atrás, foi desenvolvida também nos territórios da Ásia central-oriental (9 mil anos), da América (8 mil anos), e da Europa (entre 8 e 6 mil anos). As primeiras sociedades eram de caçadores e coletores que aproveitavam os recursos naturais, o crescimento da população dependia de formas de conseguir maior quantidade de comida. Com o desenvolvimento de novas técnicas alimentares foram surgindo sociedades diversas, dedicadas à agricultura e ao pastoreio, que produziam a própria comida, selecionando recursos disponíveis e transformando o ambiente ao criarem áreas de plantio onde antes haviam campos ou bosques. A passagem da economia de predação para uma economia de produção foi decisiva para a relação homem e território. Isso não impediu e não impede até hoje formas mistas de se conseguir alimento e se relacionar com o território. A invenção da agricultura construiu o homem “civil”, separado da natureza e dos “homens selvagens”. A domesticação de plantas e animais dá ao homem uma noção de liberdade e domínio sobre o mundo natural. O arado e as obras de irrigação e organização agrária era um ato de violência à mãe Terra, por isso, os povos com pensamento mágico realizavam rituais de fecundidade para tentarem reequilibrar a relação com a mãe Terra. As religiões asseguravam a fertilidade da terra e a abundância de alimentos. As sociedades agrícolas cresceram rapidamente, enquanto que sociedade caçadoras e coletoras deviam continuar controlando a taxa de natalidade para manter estável a densidade demográfica com o tipo de economia. Os povos agricultores desenvolveram o sedentarismo, se procriando mais e conquistando novos espaços para o cultivo. Sedentários, nesse caso, são as populações que não precisam mais se locomover em busca de alimentos e proteção, pois possuem residência fica e plantam seu próprio alimento. A agricultura pode ter sido uma necessidade demográfica e econômica devido às mudanças climáticas e aos esgotamento florestal. Entre as plantas foram selecionadas as mais produtivas e nutritivas, principalmente os cereais. Em torno dessas plantas organizou-se sociedade com relações econômicas, políticas, culturais, religiosas diferentes. As grandes civilizações ocidentais foram fundadas a partir de alimentos domesticados. Outras descobertas de técnicas culinárias possibilitaram a liberação do homem e sua adaptação em ambientes adversos como a moagem, umedecimento e cozimento das sementes. A caça e a domesticação de animais também possibilitaram uma organização sexual do trabalho e a fabricação de instrumentos específicos. A invenção das cidades só foi possível com o domínio agrícola, a partir de então o homem começava a dividir seus espaço segundo funções diferentes, o campo produz alimento e a cidade produz instrumentos e ideias. As sociedades começaram a mudar as paisagens. O homem civil passa a construir artificialmente a sua comida, comida que marca a distinção natureza e cultura, homem selvagem, homem civil. O pão no mediterrâneo possui essa função simbólica, além de nutricional: o pão não existe na natureza e somente o homem “civilizado” sabe fazer, pois exige conhecimento, técnica, experiência e reflexão que historicamente veio da mulher, já o vinho e a cerveja, bebidas fermentadas vem de um saber masculino. Transformação dos alimentos em comidas: Minerais: Sal, indispensável na aliemntação humana (6 a 8g/dia/pessoa), condimento, conservador de cereais e carnes. O sal é o principal dos domínio, obtido por técnicas de evaporação da água do mar de modo natural ou com ajuda do fogo, por extração de jazidas subterrâneas em minas (Áustria e Polônia) e extração de superfícies salinas. O sal marca também o início do comércio por ser um gênero de primeira necessidade era usado como moeda (de onde deriva o termo salário) e como controle político e econômico. O sal e a água são os dois minerais básicos da alimentação humana, ambos do reino vegetal. Água: alimento essencial à viva. Vegetais: alimento básico da humanidade começaram com os grãos que passaram a ser cultivados.
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