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Este primeiro capítulo trata de aspectos gerais da formação de células sangüíneas (hematopoese). São também discutidos os processos que regulam a he- matopoese e os estágios iniciais da formação de eri- trócitos (eritropoese), de granulócitos e monócitos (mielopoese) e de plaquetas (trombocitopoese). Locais de hematopoese Nas primeiras semanas da gestação, o saco vite- lino é o principal local de hematopoese. A hema- topoese defi nitiva, entretanto, deriva de uma po- pulação de células-tronco observada pela primeira vez na aorta dorsal, designada região AGM (aorta- gônadas-mesonefros). Acredita-se que esses pre- cursores comuns às células endoteliais e hemato- poéticas (hemangioblastos) aninhem-se no fígado, no baço e na medula óssea; de seis semanas até 6 a 7 meses de vida fetal, o fígado e o baço são os principais órgãos hematopoéticos e continuam a produzir células sangüíneas até cerca de duas se- manas após o nascimento (Tabela 1.1) (ver Figu- ra 6.1b). A medula óssea é o sítio hematopoético mais importante a partir de 6 a 7 meses de vida fetal e, durante a infância e a vida adulta, é a única fonte de novas células sangüíneas. As células em desenvolvimento situam-se fora dos seios da me- dula óssea, enquanto as maduras são liberadas nos espaços sinusais e na microcirculação medular e, a partir daí, na circulação geral. Nos dois primeiros anos, toda a medula óssea é hematopoética, mas durante o resto da infância há substituição progressiva da medula dos ossos longos por gordura, de modo que a medula hemo- poética no adulto é confi nada ao esqueleto central e às extremidades proximais do fêmur e do úmero (Tabela 1.1). Mesmo nessas regiões hematopoéti- cas, cerca de 50% da medula é composta de gordu- ra (Figura 1.1). A medula óssea gordurosa rema- nescente é capaz de reverter para hematopoese e, em muitas doenças, também pode haver expansão da hematopoese aos ossos longos. Além disso, o fígado e o baço podem retomar seu papel hemato- poético fetal (“hematopoese extramedular”). Células-tronco hematopoéticas e células progenitoras A hematopoese inicia-se com uma célula-tronco multipotente, que pode dar origem às distintas li- Hematopoese C A P Í T U LO 1 Locais de hematopoese, 11 Células hematopoéticas-tronco e células progenitoras, 11 Estroma da medula óssea, 13 Plasticidade das células-tronco, 14 Regulação da hematopoese, 15 Fatores de crescimento hematopoéticos, 15 Receptores de fatores de crescimento e transdução de sinais, 16 O ciclo celular, 17 Apoptose, 19 Fatores de transcrição, 20 Moléculas de adesão, 21 Referências, 21 Tabela 1.1 Locais de hematopoese Feto 0-2 meses (saco vitelino) 2-7 meses (fígado, baço) 5-9 meses (medula óssea) Lactentes Medula óssea (praticamente todos os ossos) Adultos Vértebras, costelas, crânio, esterno, sacro e pelve, extremidades proximais dos fêmures 12 A.V. HOFFBRAND, P.A.H. MOSS & J.E. PETTIT nhagens celulares. Essas células-tronco hemato- poéticas são escassas, talvez uma em 20 milhões de células nucleadas da medula óssea. Embora o fenótipo exato seja desconhecido, ao exame imu- nológico, é CD34+, CD38– e tem a aparência de um linfócito de tamanho pequeno ou médio (ver Figura 21.3). A diferenciação celular a partir da célula-tronco hematopoética passa por uma etapa de células progenitoras comprometidas, isto é, com potencial de desenvolvimento restrito (Figura 1.2). A existência de células progenitoras separa- das para cada linhagem pode ser demostrada por técnicas de cultura in vitro. Células progenitoras muito prematuras devem ser cultivadas a longo prazo em estroma de medula óssea, ao passo que células progenitoras tardias costumam ser cul- tivadas em meios semi-sólidos. Um exemplo é o primeiro precursor mielóide misto detectável, que origina granulócitos, eritrócitos, monócitos e megaca-riócitos, chamado de CFU (unidade for- madora de colônias)-GEMM (Figura 1.2). A me- dula óssea também é o local primário de origem de linfócitos (Capítulo 8) que se diferenciam de um precursor linfocítico comum. Célula-tronco multipotente Progenitor de eritróides CFUGEMM Célula progenitora mielóide mista BFUE CFUE CFUMeg Progenitor de megacariócito CFUGM Progenitor de granulócito e monócito CFUEo Progenitor de eosinófilo CFUGMEo CFUbaso Timo CFU-M CFU-G Célula-tronco linfóide Eritrócitos Plaquetas Monócitos Neutrófilos Eosinófilos Basófilos Linfócitos Células NK B T NK Figura 1.2 Diagrama mostrando a célula-tronco multipotente da medula óssea e as linhagens celulares que dela se ori- ginam. Várias células progenitoras podem ser identifi cadas por cultura em meio semi-sólido pelo tipo de colônia que for- mam. Baso = basófi lo; BFU = explosão de unidade formadora; CFU = unidade formadora de colônia; E = eritróide; Eo = eosinófi lo; GEMM = granulócito, eritróide, monócito e megacariócito; GM = granulócito, monócito; Meg = megacariócito; NK = células naturalmente citotóxicas. Figura 1.1 Biópsia de medula óssea normal (crista ilíaca posterior). Coloração por hematoxilina-eosina; aproxima- damente 50% do tecido intertrabecular são hematopoéti- cos, e 50%, gordura. FUNDAMENTOS EM HEMATOLOGIA 13 A célula-tronco tem capacidade de auto- renovação (Figura 1.3), de modo que a celula- ridade geral da medula permanece constante em condições normais de saúde. Há considerável ampliação no sistema; assim, uma célula-tronco, depois de 20 divisões celulares, é capaz de pro- duzir cerca de 106 células sangüíneas maduras (Figura 1.3). As células precursoras, no entanto, são capazes de responder a fatores de crescimen- to hematopoético com aumento de produção se- letiva de uma ou outra linhagem celular de acor- do com as necessidades. O desenvolvimento de células maduras (eritrócitos, granulócitos, mo- nócitos, megacariócitos e linfócitos) será abor- dado em outras seções deste livro. Estroma da medula óssea A medula óssea forma um meio adequado para crescimento e desenvolvimento de células-tronco, o qual é composto por células do estroma e de uma rede microvascular (Figura 1.4). As células do estroma incluem adipócitos, fi broblastos, célu- las endoteliais e macrófagos e secretam moléculas (b) Células maduras Proliferação reconhecível de precursores de medula óssea Células progenitoras reconhecidas por técnicas de cultura Células-tronco Auto-renovação Diferenciação e desenvolvimento (a) Figura 1.3 (a) Com a diferenciação crescente, as células da medula óssea perdem a capacidade de auto-renovação à medi- da que amadurecem. (b) Uma única célula-tronco produz, depois de múltiplas divisões (mostradas pelas linhas verticais), < 106 células maduras. Figura 1.4 A hematopoese ocorre em microambiente adequado fornecido pela matriz do estroma na qual as célu- las-tronco crescem e se dividem. Prova- velmente há reconhecimento específi co e locais de adesão (p. 21); glicoproteí- nas extracelulares e outros componen- tes estão envolvidos na ligação. Célula-tronco Matriz extracelular Célula adiposa Fibroblasto Molécula de adesão Fator de crescimento Ligante Receptor de fator de crescimento Célula endotelial Macrófago 14 A.V. HOFFBRAND, P.A.H. MOSS & J.E. PETTIT extracelulares, como colágeno, glicoproteínas (fi - bronectina e trombospondina) e glicosaminoglica- nos (ácido hialurônico e derivados condroitínicos) para formar uma matriz extracelular, além de se- cretarem vários fatores de crescimento necessários à sobrevivência da célula-tronco. Células-tronco mesenquimais são consideradas críticas na for- mação do estroma. As células-tronco são capazes de circular no organismo e são encontradas em pequeno número no sangue periférico. Para deixar a medula óssea, as células devem atravessar o endotélio vascular,e esse processo de mobilização é aumentado pela administração de citoquinas, como o fator estimu- lante de colônias granulocíticas (G-CSF) ou o fa- tor estimulante de colônias granulocítico-macro- fágicas (GM-CSF) (p. 107). O processo reverso, de volta ao lar (homing), parece depender de um gradiente quimiocinético, no qual o fator deriva- do do estroma (SDF-1) é crítico. Várias interações críticas mantêm a viabilidade das células-tronco e a produção no estroma de fator de células-tronco (SCF) e proteínas Jagged expressas no estroma, e seus respectivos receptores c-Kit e Notch, expres- sos em células-tronco. Plasticidade das células-tronco Há evidências crescentes de que as células-tronco do adulto, em diferentes órgãos, são multipotentes e podem gerar vários tipos de tecidos (Figura 1.5). Estudos sobre pacientes e animais que receberam transplante de células-tronco hematopoéticas (Ca- pítulo 21) sugeriram que essas células podem con- tribuir para tecidos, tais como nervoso, hepático e muscular. A contribuição de células da medula óssea de doadores adultos a tecidos não-hema- topoéticos, se houver, é pequena. A persistência de células pluripotentes na vida pós-natal, célu- las-tronco órgão-específi cas e fusão das células transplantadas com células do hospedeiro foram propostas, entretanto, como explicação alternativa de muitos resultados sugestivos de plasticidade da células-tronco. Tecido nervoso Músculo, tendão, cartilagem, etc. Célula-tronco epitelial Célula-tronco nervosaCélula-tronco mesenquimal Células mielóides e linfóides (a) Células-tronco embrionárias (b) Células-tronco adultas Célula-tronco hemopoética Fígado, etc. Célula totipotente Figura 1.5 (a) Células no embrião recém-formado são capazes de ge- rar todos os tecidos do organismo e são designadas totipotentes. (b) Células-tronco especializadas do adulto, da medula óssea, dos tecidos nervoso, epitelial e outros, originam células diferenciadas do mesmo te- cido e, possivelmente, outros teci- dos (ver texto). FUNDAMENTOS EM HEMATOLOGIA 15 Regulação da hematopoese A hematopoese começa com a divisão de uma célula-tronco: uma das células-fi lhas substitui a célula-mãe, como célula-tronco (auto-renova- ção), e a outra compromete-se em uma linha de diferenciação. Essas células progenitoras compro- metidas precocemente expressam baixos níveis de fatores de transcrição, que podem comprometê- las a linhagens específi cas. A seleção da linhagem de diferenciação pode depender tanto de alocação aleatória como de sinais externos recebidos pela célula progenitora. Foram isolados vários fato- res de transcrição que regulam a diferenciação ao longo das principais linhagens celulares. Por exemplo, PU.1 compromete células para a linha- gem mielóide, enquanto GATA-1 tem um papel essencial na diferenciação eritropoética e mega- cariocítica. Fatores de crescimento hematopoéticos Os fatores de crescimento hematopoéticos são hor- mônios glicoprotéicos que regulam a proliferação e a diferenciação das células progenitoras hemato- poéticas e a função das células sangüíneas madu- ras. Podem agir no local em que são produzidos por contato célula a célula ou circular no plasma. Tam- bém podem ligar-se à matriz extracelular, formando nichos aos quais aderem as células-tronco e as pro- genitoras. Os fatores de crescimento podem causar não só proliferação celular, mas também podem es- timular diferenciação, maturação, prevenir apoptose e afetar as funções de células maduras (Figura 1.6). Os fatores de crescimento compartilham um certo número de propriedades (Tabela 1.2) e agem em diferentes etapas da hematopoese (Ta- bela 1.3 e Figura 1.7). Ativação de fagocitose, destruição, secreção Proliferação Diferenciação Célula inicial Célula final G-CSF G-CSF Ativação funcional Monócito Neutrófilo G-CSF Supressão da apoptose G-CSF Maturação G-CSF Figura 1.6 Os fatores de crescimen- to podem estimular a proliferação de células primitivas da medula óssea, di- rigir a diferenciação para um ou outro tipo de célula, estimular a maturação celular, suprimir a apoptose e afetar a função de células maduras que não se dividem, como ilustrado nesta fi gura para G-CSF, no caso de um progenitor primitivo mielóide e de um neutrófi lo. 16 A.V. HOFFBRAND, P.A.H. MOSS & J.E. PETTIT Células do estroma são as principais fontes de fatores de crescimento, com exceção da eritropo- etina, 90% da qual são sintetizados no rim, e da trombopoetina, sintetizada principalmente no fíga- do. Um aspecto importante da ação dos fatores de crescimento é que podem agir sinergicamente no estímulo a proliferação ou diferenciação de uma célula em particular; além disso, a ação de um fa- tor de crescimento em uma célula pode estimular a produção de outro fator de crescimento ou de um receptor de fator. O fator de células-tronco (SCF) e o ligante Flt (Flt-L) agem localmente nas células- tronco multipotentes e nos progenitores precoces mielóides e linfóides (Figura 1.7). A interleuquina 3 (IL-3) e o GM-CSF são fatores de crescimento multipotenciais com atividades superpostas. G- CSF e trombopoetina aumentam os efeitos de SCF, Flt-L, IL-3 e GM-CSF na sobrevida e na diferen- ciação das células hematopoéticas primitivas. Esses fatores mantém um pool de células- tronco e células progenitoras hematopoéticas, so- bre o qual agem fatores de ação tardia (eritropoe- tina, G-CSF, M-CSF, IL-5 e trombopoetina) para aumentar a produção de uma ou outra linhagem, em resposta às necessidades do organismo. A for- mação de granulócitos e monócitos, por exemplo, pode ser estimulada por infecção ou infl amação por meio da liberação de IL-1 e fator de necrose tumoral (TNF), os quais, por sua vez, estimulam células do estroma à produção de fatores de cres- cimento em uma rede interativa (ver Figura 7.4). Contrariamente, citoquinas como o fator de cres- cimento transformador � (TGF-�) e o interferon-� (IFN-�) podem exercer um efeito negativo na he- matopoese e podem ter um papel no desenvolvi- mento de anemia aplástica (p. 253-254). Receptores de fatores de crescimento e transdução de sinal Os efeitos biológicos dos fatores de crescimento são mediados por receptores específi cos nas cé- lulas-alvo. Muitos receptores (p. ex., receptor de eritropoetina [epo-R], GM-CSF-R) pertencem à superfamília dos receptores hematopoéticos, que dimerizam após conectarem-se a seus ligantes. A dimerização do receptor leva à ativação de uma complexa série de vias de transdução de sinais intracelulares: as três principais são a via JAK/STAT, a via proteinoquinase ativada por mi- togênio (MAP) e a via fosfatidilinositol 3 (PI3) quinase (Figura 1.8; ver também Figura 19.2). As proteinoquinases Janus-associadas (JAK) são uma família de quatro proteinoquinases tirosina-especí- fi cas que se associam aos domínios intracelulares dos receptores de fatores de crescimento (Figura 1.8). Uma molécula de fator de crescimento liga- Tabela 1.2 Características gerais dos fatores de crescimento mielóides e linfóides Glicoproteínas que agem em concentrações muito baixas Atuam hierarquicamente Em geral, produzidos por muitos tipos de células Em geral, afetam mais que uma linhagem Em geral, ativos nas células-tronco/progenitoras e nas células funcionais fi nais Em geral, têm interações sinérgicas ou aditivas com outros fatores de crescimento Quase sempre agem no equivalente neoplásico da célula normal Ações múltiplas: proliferação, diferenciação, maturação, ativação funcional, prevenção de apoptose de células progenitoras Tabela 1.3 Fatores de crescimento hematopoético Agem nas células do estroma IL-1 TNF Agem nas células-tronco pluripotentes SCF Flt-L Agem nas células progenitorasmultipotentes IL-3 GM-CSF IL-6 G-CSF Trombopoetina Agem em células progenitoras comprometidas G-CSF* M-CSF IL-5 (CSF-eosinófi lo) Eritropoetina Trombopoetina* Flt-L = Flt ligante; G e GM-CSF = granulócito e fatores estimulantes de colônias granulocítico-macrofágicas; IL = interleucina; M-CSF = fator estimulante de colônias macrofágicas; SCF = fator de célula-tronco; TNF = fator de necrose tumoral. *Trombo = estes também agem sinergicamente com fatores ante- riormente ativos em progenitores pluripotentes. FUNDAMENTOS EM HEMATOLOGIA 17 se simultaneamente ao domínio extracelular de duas ou três moléculas receptoras, causando sua agregação. A agregação dos receptores induz a ati- vação dos JAKs, que, então, fosforilam membros do transdutor de sinal e do ativador de transcri- ção da família dos fatores de transcrição. A con- seqüência é a dimerização e translocação destes, do citoplasma para o núcleo, através da membrana nuclear. Dentro do núcleo, dímeros STAT ativam a transcrição de genes específi cos. Um modelo para o controle da expressão gênica por um fator de transcrição é mostrado na Figura 1.9. A importân- cia clínica dessa via comprovou-se pelo achado de uma mutação ativando o gene JAK2 como causa da policitemia vera (p. 240). JAK também pode ativar a via MAPK, que é regulada por Ras e controla a proliferação. Qui- nases PI3 fosforilam lipídeos do inositol, os quais têm um amplo espectro de efeitos em seqüência – incluindo ativação de AKT (proteinoquinase B) –, causando bloqueio da apoptose e outras ações (Figura 1.8; ver também Figura 19.2). Domínios diferentes da proteína receptora intracelular po- dem sinalizar para diferentes processos, como proliferação ou supressão da apoptose, mediados por fatores de crescimento. Um segundo grupo, menor, de fatores de cres- cimento, incluindo SCF, Flt-3L e fatores estimu- lantes de colônias macrofágicas (M-CSF) (Tabela 1.3), liga-se a receptores que têm um domínio ex- tracelular semelhante ao das imunoglobulinas, li- gado por uma ponte transmembrana a um domínio tirosinoquinase citoplásmico. A ligação de fatores de crescimento resulta na dimerização desses re- ceptores e na conseqüente ativação do domínio de tirosinoquinase. A fosforilação de resíduos de tirosina no próprio receptor gera sítios de ligação para proteínas sinalizadoras, que iniciam comple- xas cascatas de eventos bioquímicos, resultando em alterações na expressão gênica, na prolifera- ção celular e na prevenção da apoptose. O ciclo celular O ciclo de divisão celular, em geral designado simplesmente como ciclo celular, é um processo Figura 1.7 Diagrama do papel dos fatores de crescimento na hematopoese normal. Fatores múltiplos de crescimento agem nas células-tronco primitivas e progenitoras da medula óssea. EPO = eritropoetina; PSC = célula-tronco multipo- tente; SCF = fator de célula-tronco; TPO = trombopoetina. Para outras abreviações, veja a Figura 1.2. IL-3 IL-3 TPO Plaquetas Monócitos Neutrófilos EosinófilosEritrócitos SCF EPO GM-CSF GM-CSF BFUEMeg CFUMeg CFUE BFUE PSC CFUM CFUG CFUGM M-CSF G-CSF IL-5 CFUEo CFUGEMM CFUGMEo 18 A.V. HOFFBRAND, P.A.H. MOSS & J.E. PETTIT Expressão gênica MYC, FOS MAP-quinase Apoptose bloqueada RAF RAS Dímeros ativos de STAT Ativação da expressão gênica STATs JAK JAK AKT Quinase Pl3 Membrana plasmática Núcleo Fator de crescimento M G2 G1 S Rb p53 Dano no DNA E2F Figura 1.8 Controle da hematopo- ese por fatores de crescimento. Os fatores agem em células que expres- sam o receptor correspondente. A li- gação de um fator de crescimento a seu receptor ativa as vias JAK/STAT, MAPK e PI3K (ver Figura 19.2), o que provoca ativação transcripcio- nal de genes específi cos. E2F é um fator de transcrição necessário para a transição celular da fase G1 para a S. E2F é inibido pelo gene supres- sor tumoral Rb (retinoblastoma), o qual pode ser ativado indiretamente por p53. A síntese e a degradação de certas ciclinas (Figura 1.10) estimu- la a célula a passar pelas diferentes fases do ciclo celular. Os fatores de crescimento também podem su- primir a apoptose pela ativação de AKT (proteinoquinase B). Figura 1.9 Modelo para controle de expressão gênica por fator de transcrição. O domínio de ligação com DNA de um fator de transcri- ção liga uma seqüência amplifi ca- dora específi ca adjacente a um gene estrutural. O domínio de transati- vação então liga uma molécula de RNA-polimerase, aumentando sua ligação com a caixa TATA. A RNA- polimerase inicia a transcrição do gene estrutural para formar RNA mensageiro. A translação do mRNA pelo ribossomo gera a proteína co- difi cada pelo gene. RNA-polimerase + fatores acessórios Transcrição Domínio de ligação com DNA Domínio de transativação Amplificador de seqüência de DNA Caixa de seqüência TATA (promotor) Gene estrutural FUNDAMENTOS EM HEMATOLOGIA 19 complexo que se situa no core da hematopoese. Disfunção da proliferação celular também é a cha- ve do desenvolvimento de neoplasias malignas. A duração do ciclo celular varia de tecido a tecido, mas os princípios básicos são comuns a todos. O ciclo é dividido em uma fase mitótica (fase M), durante a qual a célula divide-se fi sicamente, e uma interfase, durante a qual os cromossomos duplicam-se e a célula cresce antes da divisão (Figura 1.10). A fase M é subdividida em mitose, na qual divide-se o núcleo, e citoquinese, em que ocorre a fi ssão celular. A interfase é dividida em três estágios prin- cipais: uma fase G1, na qual a célula começa a orientar-se no sentido da replicação, uma fase S durante a qual duplica-se o conteúdo de DNA (Figura 1.10b) e os cromossomas replicam-se, e a fase G2, na qual as organelas são copiadas e aumenta o volume citoplasmático. Se as células repousarem antes da divisão, elas entram em um estágio G0 , em que podem permanecer por longos períodos. O número de células em cada estágio do ciclo pode ser avaliado pela exposição da célula a um agente químico ou marcador radioativo que se incorpore ao DNA recém-formado ou por citome- tria em fl uxo. O ciclo celular é controlado em dois check- points, que agem como freios para coordenar o processo de divisão no fi m das fases G1 e G2. Duas classes principais de moléculas controlam esses checkpoints, proteinoquinases ciclina-de- pendentes (Cdk) que fosforilam alvos protéicos em seqüência e ciclinas, que se ligam às Cdks e regulam sua atividade. Um exemplo da importân- cia desses sistemas é demonstrado pelo linfoma de células do manto, que resulta da ativação cons- titucional da ciclina D1, como resultado de uma translocação cromossômica (p. 222). Apoptose A apoptose é um processo regulado de morte ce- lular fi siológica no qual as células são estimuladas a ativar proteínas intracelulares que levam à sua morte. Morfologicamente, é caracterizada por en- colhimento celular, condensação da cromatina nu- clear, fragmentação do núcleo e quebra do DNA em sítios internucleossômicos. É um processo im- portante de manutenção da homeostasia tecidual na hematopoese e no desenvolvimento de linfócitos. A apoptose resulta da ação de proteases de cis- teína intracelulares, chamadas de caspases, que são ativadas depois da clivagem e levam à digestão de DNA por endonuclease e desintegração do esque- leto celular (Figura1.11). Há duas vias principais pelas quais as caspases são ativadas. A primeira é a sinalização por meio de proteínas da membrana como Fas ou receptor de TNF via seu domínio de morte intracelular. Um exemplo desse mecanismo é mostrado por células T citotóxicas ativadas que expressam ligante Fas que induz apoptose em cé- M Fase M G2 G1 G0 S Interfase(a) (b) Cdk2 Cdk2 Cdk2 Ciclina A Ciclina B CiclinaE Fase do ciclo celular G1 S G2 M C on te úd o de D N A 4c 2c Figura 1.10 (a) Estágios do ciclo celular. A progressão através do ciclo celular é regulada por combinações es- pecífi cas de proteinoquinases ciclina-dependentes (Cdk) e proteinociclinas. A síntese e degradação de diferentes ciclinas estimula a célula a passar através das diferentes fases do ciclo, embora o papel exato de cada heterodímer ainda não esteja estabelecido. (b) Relação entre o con- teúdo de DNA da célula, expresso em unidades arbitrárias como 2c aumentando para 4c, e sua posição no ciclo ce- lular. (Adaptada de Wickramasinghe S.N. [1975] Human Bone Marrow, Blackwell Scientifi c, Oxford, p. 13) 20 A.V. HOFFBRAND, P.A.H. MOSS & J.E. PETTIT lulas-alvo. A segunda via faz-se pela liberação de citocromo c das mitocôndrias. O citocromo c liga- se à Apaf-1 que, então, ativa as caspases. O dano ao DNA induzido por irradiação ou por quimiote- rapia pode agir por essa via. A proteína p53 tem um papel importante em “sentir” quando há dano ao DNA. Ela ativa a apoptose, aumentando o nível celular de BAX, que aumenta a liberação de cito- cromo c (Figura 1.11) e bloqueia o ciclo celular, impedindo que a célula lesada se divida (Figura 1.8). O nível celular de p53 é rigidamente contro- lado por uma segunda proteína, MDM2. Depois da morte, as células apoptóticas expõem moléculas que levam à sua digestão pelos macrófagos. Tal como as moléculas que medeiam apop- tose, há várias proteínas intracelulares que pro- tegem as células contra a apoptose. O exemplo mais bem-caracterizado é a BLC-2, que é o pro- tótipo de uma família de proteínas relacionadas, algumas das quais são antiapoptóticas, e outras, como a BAX, são pró-apoptóticas. A relação in- tracelular de BAX e BCL-2 determina a susce- tibilidade relativa das células à apoptose e pode agir pela regulação da liberação de citocromo c pelas mitocôndrias. Muitas alterações genéticas associadas a doen- ças malignas diminuem o índice de apoptose e pro- longam a sobrevida celular. O exemplo mais claro é a translocação do gene da BCL-2 para o locus da cadeia pesada de imunoglobulina na translocação t(14;18) no linfoma centro-folicular. A superex- pressão da proteína BCL-2 torna as células B ma- lignas menos suscetíveis à apoptose. Apoptose é o destino normal da maioria das células B que são selecionadas nos centros germinativos linfóides. Várias translocações que levam à fusão de proteínas como t(9;22), t(1;14) e t(15;17) também resultam em inibição da apoptose (Capítulo 10). Além disso, genes que codifi cam proteínas envol- vidas na mediação da apoptose quando há dano ao DNA, como a p53 e a ATM, também sofrem mutações freqüentes e podem fi car inativos em doenças hematopoéticas malignas. Fatores de transcrição Fatores de transcrição regulam a expressão gênica pelo controle da transcrição de genes específi cos ou de famílias de genes. Tipicamente contêm ao BCL-2 BCL-2 aumentada Fator de sobrevivência, p. ex., fator de crescimento Fator de morte, p. ex., ligante Fas Liberação de citocromo c Inibe Domínio de morte Procaspases Caspases APOPTOSE Dano ao DNA Drogas citotóxicas Radiação Expressão do gene BAX Proteína BAX aumentada p53 Figura 1.11 Representação da apop- tose. A apoptose é iniciada via dois es- tímulos principais: (i) sinal através de receptores da membrana celular como receptor de Fas ou fator de necrose tumoral (TNF) ou (ii) liberação de ci- tocromo c da mitocôndria. Os recepto- res de membrana sinalizam apoptose por um domínio intracelular de morte levando à ativação de caspases que digerem DNA. O citocromo c liga- se à proteína citoplasmática Apaf-1, levando à ativação de caspases. A re- lação intracelular de pró-apoptóticos (p. ex., BAX) e antiapoptóticos (p. ex., BCL-2) da família BCL-2 pode infl uenciar a liberação de citocromo c. Os fatores de crescimento aumentam o nível de BCL-2, que inibe a liberação de citocromo c, enquanto o dano de DNA, ativando a p53, aumenta o nível de BAX, que, por sua vez, aumenta a liberação de citocromo c. FUNDAMENTOS EM HEMATOLOGIA 21 menos dois domínios: um domínio de ligação ao DNA, como um zíper de leucina ou hélice-alça- hélice que se liga a uma seqüência específi ca do DNA, e um domínio de ativação, que contribui para a montagem do complexo de transcrição em um gene promotor. Moléculas de adesão Uma grande família de moléculas de glicopro- teínas, chamadas moléculas de adesão, medeia a ligação de células precursoras da medula, leucó- citos e plaquetas a vários componentes da matriz extracelular, ao endotélio, a outras superfícies e umas às outras. As moléculas de adesão na super- fície de leucócitos são denominadas receptores e interagem com moléculas (chamadas ligantes) na superfície de células-alvo potenciais. Há três fa- mílias principais: 1. Superfamília de imunoglobulinas. Inclui receptores que reagem com antígenos (recep- tores de células T e imunoglobulinas) e molé- culas superfi ciais de adesão independentes de antígenos. 2. Selectinas. São principalmente envolvidas na adesão de leucócitos e plaquetas ao endotélio na infl amação e na coagulação. 3. Integrinas. São envolvidas na adesão celular à matriz extracelular, por exemplo, ao coláge- no na cicatrização de feridas e na adesão de leucócitos e de plaquetas. As moléculas de adesão são importantes no desenvolvimento e na manutenção da resposta infl amatória e imunológica e nas interações de plaquetas e leucócitos com a parede dos vasos. A expressão de moléculas de adesão pode ser mo- difi cada por fatores extra e intracelulares, e essa alteração pode ser quantitativa ou funcional. A expressão dessas moléculas pode ser aumentada por IL-1, TNF, interferon-�, ativação de célula T, adesão a proteínas extracelulares e infecção viral. O padrão de expressão das moléculas de adesão em células tumorais pode determinar seu modo de disseminação e a localização tecidual, por exemplo, o padrão de metástases de células carcinomatosas e de células de linfomas em pa- drão folicular ou difuso. As moléculas de ade- são também podem determinar que as células circulem na corrente sangüínea ou permaneçam fi xas no tecido. Há, também, a possibilidade de determinarem parcialmente a suscetibilidade de células tumorais às defesas imunológicas do or- ganismo. Referências Adolfsson J., Mansson R., Buza-Vidas N. et al. (2005) Identifi cation of Flt3+ lympho-myeloid stem cells lacking erythro-megakaryocytic potential: a revised road map for adult blood lineage commitment. Cell 121,295-306. Cantor A.B. and Orkin S.H. (2002) Transcriptional re- gulation of erythropoiesis: an affair involving multi- ple partners. Oncogene 21,3368-76. Hochedlinger K. and Jaenisch R. 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