RITOSFONEBRES HO lKTE~IOR ~~~EN5E ~971 RITOS FÚNEBRES NO INTER!OR CEARENSE CANDID.A GALENO .. :-,;. RITOS FÚNEBRES NO INTERIOR CEARENSE EDITORA HENRIQUETA GALENO FORTALEZA-CE -1977 FICHA CATALOGRAFICA Galeno, Cândida G 153r Ritos fúnebres no interior cearense. Forta- leza, Henriqueta Galeno, 1977. p.72. 1 - Ceará - Usos e costumes. 2 morte e funerais. 1. Título. CDV: 393. 1 SUMARIO Nota preliminar - Ftoríval Seraine/1 In trodução/ 9 Enterro em Canto Grande/Lã Tratamento do corpo/Lã Vestuário do derunto/Lê A guarda do morto/ãl As "inselências"/31 A despedida/Sê Acompanhamen to do enterro/éü "Chega, irmão das almas!"/48 O sagrado e o profano nas "sentinelas"/56 No domínio da lenda/70 5 NOTA PRELIMINAR o estudo dos socíoíatos, isto é, daqueles "fenômenos culturais que consistem na proje- ção diferenciada da natureza social do ho- mem" - conforme as expressões de Guizzet- ti - ocupa lugar relevante no âmbito folcló- rico. Entre eles incluem-se, na generalidade das classificações' especializadas, Os costumes relativos a certos momentos da vida, como o nascimento, o matrimônio e a morte. Os ritos íúnebres e mortuários peculiares às comuni- dades folk acham-se, pois, integrados nesse plano da investigação cultural. Apesar de 'haver merecido a atenção de reputados folcloristas como Pitré, Gubernatís, J. Amades e Hoyos Sainz, o tema, em nosso país, não vem atraindo o mesmo ínteresse que outros aspectos da vida popular, devendo ape- nas salientar-se, a propósito, os artigos de Alceu Maynard Araújo, José Nascimento de Almeida Prado, Gonçalves Fernandes e alguns. mais. 7 Destarté, a-produção de Cândida Galeno - Ritos Fúnebres no Interior Cearense - avulta ,ern .nossa bibliografia folclórica, e não .foí sem 'c~l'níi'~azao__queos membros da Comissão Jul- ·gàdQ~ado Concurso Mário de Andrade.etetua- d~·'e~~'B..Pa~lo', lhe outorgaram "menção hon- . -. .," .~. ", rosa", não' obstante ha.ver sido esse o primeiro -: ~. . .; . - . trabalho da Autora, na especialidade. , .,' Trata-se, em verdade, do resultado de pes- :quXsª'.~x~rcidain loco, em que a matéria é dis- 'tribuida. sob acertada técnica e se acham des-r : . . -: .... :," .~ .critos os aspectos culturais mais significativos 'do fenômeno social. Reeditando a excelente monografia, Cân- '{r'da Galen'Q torna o seu conhecimento mais acessíve,l aos interessados, que dela poderão uti- lizar-se proveitosamente nos estudos compara- tivos. Tomamos apenas a liberdade de .recomen- dar à escritora cearense que prossiga nesse gê- - . .... , nero de pesquisa~, completandoa sua obra com monografias, concernentes a outros momentos daexistência humana,em.especial o riascímen- 'to e o matrimônio. F1.oRIVAL SERAINE ~ INTRODUÇÃO·. Nasceu-me a idéia de escrever este traba- lho depois que estive em julho de 1956 a pas- sar férias no interior do Ceará, com a poetisa Abigail Sampaio, no sítio S. Lourenço, muni- cípio de S. Gonçalo do Amarante, onde se en- sejou oportunidade de assistir a um enterro. e anotar-lhe todas as ocorrências. Enterro na roça, com todo o prímítlvismo que a era do avião a jato, da bomba de hidrogênio e do ci- nemascópio ainda não. logrou- apagar de todo nas regiões longínquas deste país imenso. De volta à capital, li minhas anotações para o. ilustre folclorista conterrãneo Dr-.Flo- rival Seraine, que gostou da, maneira como. observei o. fato em campo e incentivou-me' a prosseguir no trabalhe. Comecei, então, a rebuscar na memória lembranças de outros enterros assistidos na infância, a compiJar dados sobre o assunto, li- dos em diversos autores, a fazer pesquisa com pessoas de diversos pontos do Estado, para ve- rificar as variantes observadas nas diversas re- giões, e deste material colhido surgiu este des- pretensioso estudo, Do meio das minhas remotas lembranças surge-me a cena do primeiro enterro a que as- sisti, criança, na cidade de Jardim, situada ao sul do Estado, na zona limítrofe com Pernam- buco. Era um enterro de l.a classe: morrera a nora do chefe político da localidade. A casa da morta, como a nossa, ficava situada na praça da Matriz, e pude, assim, observar todo o mo- vimento. o enterro verificou-se à noite. O pessoal que o acompanhava, homens, trajava roupa escura e conduzia às mãos velas acesas, de sor- te que a praça ficou repleta de gente e pontea- da de luzes. A banda de música do lugar seguia o cortejo, tocando um "funeral" que arrancava lágrimas às pessoas mais empedernidas. O cai- -.10 " ,. xão da morta, todo preto.eraconduzído à mão por diversos homens. Nunca mais me esqueci desta cena, presen- ciada em 1925. - Depois, fui mudando de cidade, à medida que a instabilidade da vida de magistrado de meu Pai exigia, e assisti a enterros sem conto, de adultos e de crianças, em caixão e em rede, em cidade do interior e na capital. O material dessas observações foi-se sedí- mentando no meu cérebro, até que, agora, o comparecimento a um enterro na roça, reali- zado em rede e ainda com o ritual da "sentine- la" e o canto das "ínselências", avivou em mim o desejo de escrever sobre os ritos fúne- bres no interior do C'eará. Dividirei o meu trabalho nos seguintes ítens: 1. Enterro em Canto Grande 2. Tratamento do corpo 3. Vestuário do defunto 4. Guarda do morto 5. As "ínselêncías" 12 6. 7. 8. 9. 10. A despedida Acompanhamento do enterro "Chega, irmão das almas!" O sagrado e o profano nas "sentinelas," No domínio da lenda. 1. ENTERRO EM CANTO GRANDE Morrera, a 25 de julho de 1956, João Maxi- miniano, agricultor, irmão de Josefa e Rai- munda Maximiniano, as mais afamadas ren- deiras do lugarejo Canto Grande, município de S. Gonçalo do Amarante, que dista uma lé- gua de areia frouxa de Síupé, em cujo cemité- rio se deu o enterro. Logo que acabou de expirar, ajudado pela invocação de "Jesus, Maria, José, a minh'alma vossa é" e pelas orações do Santo Sudário e do Anjo da Guarda, o morto foi trazido da camari- nha para a sala. Houve o cuidado de se efetuar tal transporte com Os pés do defunto para o lado da porta da rua, o que é feito para evitar que morra outra pessoa da casa. - E'ntra-se no mundo pelos pés, são, eles que mandam nosso corpo, por eles devemos sair. 13 No dia em que sai enterro, não se deve var- rer a casa. Não se deixa caixão ou rede em que vaí defunto bater no portal, pois morre outra pessoa. Depois de colocado na sala, o corpo vai ser vestido, ° que se faz cantando a Ave-Maria. Quando se está vestindo o defunto, chama-se por ele, assim: - João, acorda para vestir a tua derradeira camisa. - Esta constbu de uma mortalha de morim branco, vestida por cima das calças e da camisa, com o cordão de São Francisco amarrado à cintura do morto. Quando o defunto é rico, vai ensapatado, engravatado e vestido com a melhor roupa. Quando é pobre, vai de mortalha, que. pode ser branca ou de cor. Na cintura põe-se sempre o cordão de S. Francisco. Não havendo na casa de taipa e palha onde estávamos, uma mesa grande, o defunto foi co- locado numa esteira, no centro da sala com piso de areia socada, sendo acesas quatro velas, colocadas em tijolos, à falta de castiçais, em forma de cruz - uma aos pés, outra à cabecei- T~, uma à direita e outra à esquerda. :14 2. TRATAMENTO DO CORPO Não há entre nós notícia de lavação do corpo, de que trata em seu estudo (1) o escritor José Nascimento de Almeida Prado. Em São Paulo, onde reside o autor e a cujo interior se refere o trabalho em apreço, "depois que o corpo esfria bem, mas antes que comece a enrigecer, mais ou menos 1 hora após a verificação da morte, procede-se à "lavaçâo, lavagem ou banho do corpo", para cujo serviço há também pessoas procuradas e como espe- cíalízadas, em regra estranhos e pessoas. de res- ponsabilidade, "que tem