Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
RITOSFONEBRES HO lKTE~IOR ~~~EN5E ~971 RITOS FÚNEBRES NO INTER!OR CEARENSE CANDID.A GALENO .. :-,;. RITOS FÚNEBRES NO INTERIOR CEARENSE EDITORA HENRIQUETA GALENO FORTALEZA-CE -1977 FICHA CATALOGRAFICA Galeno, Cândida G 153r Ritos fúnebres no interior cearense. Forta- leza, Henriqueta Galeno, 1977. p.72. 1 - Ceará - Usos e costumes. 2 morte e funerais. 1. Título. CDV: 393. 1 SUMARIO Nota preliminar - Ftoríval Seraine/1 In trodução/ 9 Enterro em Canto Grande/Lã Tratamento do corpo/Lã Vestuário do derunto/Lê A guarda do morto/ãl As "inselências"/31 A despedida/Sê Acompanhamen to do enterro/éü "Chega, irmão das almas!"/48 O sagrado e o profano nas "sentinelas"/56 No domínio da lenda/70 5 NOTA PRELIMINAR o estudo dos socíoíatos, isto é, daqueles "fenômenos culturais que consistem na proje- ção diferenciada da natureza social do ho- mem" - conforme as expressões de Guizzet- ti - ocupa lugar relevante no âmbito folcló- rico. Entre eles incluem-se, na generalidade das classificações' especializadas, Os costumes relativos a certos momentos da vida, como o nascimento, o matrimônio e a morte. Os ritos íúnebres e mortuários peculiares às comuni- dades folk acham-se, pois, integrados nesse plano da investigação cultural. Apesar de 'haver merecido a atenção de reputados folcloristas como Pitré, Gubernatís, J. Amades e Hoyos Sainz, o tema, em nosso país, não vem atraindo o mesmo ínteresse que outros aspectos da vida popular, devendo ape- nas salientar-se, a propósito, os artigos de Alceu Maynard Araújo, José Nascimento de Almeida Prado, Gonçalves Fernandes e alguns. mais. 7 Destarté, a-produção de Cândida Galeno - Ritos Fúnebres no Interior Cearense - avulta ,ern .nossa bibliografia folclórica, e não .foí sem 'c~l'níi'~azao__queos membros da Comissão Jul- ·gàdQ~ado Concurso Mário de Andrade.etetua- d~·'e~~'B..Pa~lo', lhe outorgaram "menção hon- . -. .," .~. ", rosa", não' obstante ha.ver sido esse o primeiro -: ~. . .; . - . trabalho da Autora, na especialidade. , .,' Trata-se, em verdade, do resultado de pes- :quXsª'.~x~rcidain loco, em que a matéria é dis- 'tribuida. sob acertada técnica e se acham des-r : . . -: .... :," .~ .critos os aspectos culturais mais significativos 'do fenômeno social. Reeditando a excelente monografia, Cân- '{r'da Galen'Q torna o seu conhecimento mais acessíve,l aos interessados, que dela poderão uti- lizar-se proveitosamente nos estudos compara- tivos. Tomamos apenas a liberdade de .recomen- dar à escritora cearense que prossiga nesse gê- - . .... , nero de pesquisa~, completandoa sua obra com monografias, concernentes a outros momentos daexistência humana,em.especial o riascímen- 'to e o matrimônio. F1.oRIVAL SERAINE ~ INTRODUÇÃO·. Nasceu-me a idéia de escrever este traba- lho depois que estive em julho de 1956 a pas- sar férias no interior do Ceará, com a poetisa Abigail Sampaio, no sítio S. Lourenço, muni- cípio de S. Gonçalo do Amarante, onde se en- sejou oportunidade de assistir a um enterro. e anotar-lhe todas as ocorrências. Enterro na roça, com todo o prímítlvismo que a era do avião a jato, da bomba de hidrogênio e do ci- nemascópio ainda não. logrou- apagar de todo nas regiões longínquas deste país imenso. De volta à capital, li minhas anotações para o. ilustre folclorista conterrãneo Dr-.Flo- rival Seraine, que gostou da, maneira como. observei o. fato em campo e incentivou-me' a prosseguir no trabalhe. Comecei, então, a rebuscar na memória lembranças de outros enterros assistidos na infância, a compiJar dados sobre o assunto, li- dos em diversos autores, a fazer pesquisa com pessoas de diversos pontos do Estado, para ve- rificar as variantes observadas nas diversas re- giões, e deste material colhido surgiu este des- pretensioso estudo, Do meio das minhas remotas lembranças surge-me a cena do primeiro enterro a que as- sisti, criança, na cidade de Jardim, situada ao sul do Estado, na zona limítrofe com Pernam- buco. Era um enterro de l.a classe: morrera a nora do chefe político da localidade. A casa da morta, como a nossa, ficava situada na praça da Matriz, e pude, assim, observar todo o mo- vimento. o enterro verificou-se à noite. O pessoal que o acompanhava, homens, trajava roupa escura e conduzia às mãos velas acesas, de sor- te que a praça ficou repleta de gente e pontea- da de luzes. A banda de música do lugar seguia o cortejo, tocando um "funeral" que arrancava lágrimas às pessoas mais empedernidas. O cai- -.10 " ,. xão da morta, todo preto.eraconduzído à mão por diversos homens. Nunca mais me esqueci desta cena, presen- ciada em 1925. - Depois, fui mudando de cidade, à medida que a instabilidade da vida de magistrado de meu Pai exigia, e assisti a enterros sem conto, de adultos e de crianças, em caixão e em rede, em cidade do interior e na capital. O material dessas observações foi-se sedí- mentando no meu cérebro, até que, agora, o comparecimento a um enterro na roça, reali- zado em rede e ainda com o ritual da "sentine- la" e o canto das "ínselências", avivou em mim o desejo de escrever sobre os ritos fúne- bres no interior do C'eará. Dividirei o meu trabalho nos seguintes ítens: 1. Enterro em Canto Grande 2. Tratamento do corpo 3. Vestuário do defunto 4. Guarda do morto 5. As "ínselêncías" 12 6. 7. 8. 9. 10. A despedida Acompanhamento do enterro "Chega, irmão das almas!" O sagrado e o profano nas "sentinelas," No domínio da lenda. 1. ENTERRO EM CANTO GRANDE Morrera, a 25 de julho de 1956, João Maxi- miniano, agricultor, irmão de Josefa e Rai- munda Maximiniano, as mais afamadas ren- deiras do lugarejo Canto Grande, município de S. Gonçalo do Amarante, que dista uma lé- gua de areia frouxa de Síupé, em cujo cemité- rio se deu o enterro. Logo que acabou de expirar, ajudado pela invocação de "Jesus, Maria, José, a minh'alma vossa é" e pelas orações do Santo Sudário e do Anjo da Guarda, o morto foi trazido da camari- nha para a sala. Houve o cuidado de se efetuar tal transporte com Os pés do defunto para o lado da porta da rua, o que é feito para evitar que morra outra pessoa da casa. - E'ntra-se no mundo pelos pés, são, eles que mandam nosso corpo, por eles devemos sair. 13 No dia em que sai enterro, não se deve var- rer a casa. Não se deixa caixão ou rede em que vaí defunto bater no portal, pois morre outra pessoa. Depois de colocado na sala, o corpo vai ser vestido, ° que se faz cantando a Ave-Maria. Quando se está vestindo o defunto, chama-se por ele, assim: - João, acorda para vestir a tua derradeira camisa. - Esta constbu de uma mortalha de morim branco, vestida por cima das calças e da camisa, com o cordão de São Francisco amarrado à cintura do morto. Quando o defunto é rico, vai ensapatado, engravatado e vestido com a melhor roupa. Quando é pobre, vai de mortalha, que. pode ser branca ou de cor. Na cintura põe-se sempre o cordão de S. Francisco. Não havendo na casa de taipa e palha onde estávamos, uma mesa grande, o defunto foi co- locado numa esteira, no centro da sala com piso de areia socada, sendo acesas quatro velas, colocadas em tijolos, à falta de castiçais, em forma de cruz - uma aos pés, outra à cabecei- T~, uma à direita e outra à esquerda. :14 2. TRATAMENTO DO CORPO Não há entre nós notícia de lavação do corpo, de que trata em seu estudo (1) o escritor José Nascimento de Almeida Prado. Em São Paulo, onde reside o autor e a cujo interior se refere o trabalho em apreço, "depois que o corpo esfria bem, mas antes que comece a enrigecer, mais ou menos 1 hora após a verificação da morte, procede-se à "lavaçâo, lavagem ou banho do corpo", para cujo serviço há também pessoas procuradas e como espe- cíalízadas, em regra estranhos e pessoas. de res- ponsabilidade, "que temcoragem" e geralmen- te gostam mesmo de se prestar para isso" . 1 - "Trabalhos Fúnebres na Roça" - José Nascimento de Almeida Prado - Separata da Revista do Arquivo, n.o CXV - Departamento de Cultura - S. Paulo, 1947. 10 Este uso de se banhar o morto no sul do País talvez se deva à acentuada influência es- trangeira ali existente, visto serem oriundos da Europa e da América do Norte estes hábitos. Em Portugal, informa-me o médico Dr. João Saraiva Leão, ao morrer um cidadão, a primeira coisa que se lhe faz é barbear. Não se compre- .endecomo se possa sepultar um cristão barba- do. O banho vem depois. Na América não só se banha, como se faz a "maquilagem" completa do defunto. Enquanto assim se procede noutros países, •. ' I • , e no sul do nosso próprio, aqui no Nordeste não se banha, não se faz barba ou qualquer "ma- , quilagem" em quem morre, antes de o sepult~r. Apenas, quando se trata de "anjo" (criança), pinta-se-lhe com papel de seda encarnada O'U carmím as faces lívidas. Perguntando à professora do sítio S. Lou- renço (município de São Gonçalo do Amaran- te) e também poetisa, Abigail Sampaio, se era 'costume por lá dar banho nos defuntos, res- 'Pohdeu:"me ela com muito espírito: "Não, o de-, , funto vai com a sujeira que guardou na mo- léstia" . Já em Limoeiro do Norte e em Tauá, cida- des do interior cearense, segundo depoimento das educadoras Carmus'na Arraes Fre.re e Lili Feitosa, depois de morto, fecham-se os olhos di) defunto, amarram-se-lhe O'S pés, cruzam-se-lhe as mãos sobre o peito, penteiam-se-lhe Os ca- belos e faz-se uma limpeza nas partes do corpo que ficam expostas, descobertas, para dar ao morto boa aparência. 3. VESTUARlO DO DEFUNTO Ao acabar de morrer, a pessoa que ajuda o moribundo neste último transe diz-lhe: - F'u- lano, fecha os olhos. Quando a boca do defunto fica aberta, atam-Se-lhe Os queixos, e o mesmo se faz aos. pés e às mãos, que só são soltos ao descer para a. sepultura . .Ao vestirem a mortalha, dizem ao morto: - Fulano, acorda para vestir tua última ca- misa. As mulheres entre nós usam sempre mor- talhas, geralmente traje do santo de maior de- voção na localidade ou na família: traje de Nossa Senhora do Carmo e hábito franciscano, indistintamente, para homens e mulheres, ope- rários e mulheres mais. pobres, por serem mais acessíveis à bolsa de todos. As moças vão tra- ·18_ [adas de branco, ora com vestes de Nossa Se- nhora de Lourdes, Imaculada Conceição, Nossa Senhora de Fátima, ora de Santa Terezinha. Não é costume entre nós a mulher vestir para enterrar-se nenlhuma roupa. que tenha usado em vida, como ocorreu ~~ América com Carmen Miranda, que veio a sepultar-se com vestido vermelho. Aqui a mulher usa sempre mortalha, enquanto os homens tanto podem ir com traje de santo como com _roupa já usada em vida: uniforme, a roupa qH;e serviu no ato I do casamento (Limoeiro do Norte), Quando homem, íníorma-me Lili Feitosa, professora em Tauá, O' morto VA.i com sua rou- pa mais nova, de gravata ê ~apatos; quando mulher, vai em traje de Nossa Senhora do Car- mo, de Fátima ou de outra devoção da morta. Noutras regiões, como por exemplo Canto Grande, Siupé, São Gonçalo (município de S. Gonçalo do Amarante) o defunto tem que levar toda a roupa nova: se é mulher a mortalha de morim e o cordão de São Francisco na cintura, se é homem leva a mortalha por cima da ca- misa e das calças e o cordão de S. Francisco à 19 cintura. Não usam paletó. Isso para os pobres. Os que se 'consideram ricos não usam marta- lha, vão em traje de qualquer santo, íníorma- me Abigail Sampaio . . i! D. Raimunda Maximiniano da Silva, que mora nessa zona, disse-me a razão de não pu- ;derem os defuntas vestir roupa usada, e ter que vestir tudo novo: é porque os anjos, ao vi- Eem buscar a alma do que morreu, seguram-se ria fazenda, que se for usada rasga-se, caindo..;.}... a alma novamente na terra . . ..•... :~ . 4. AGUARDA DO ,MORTO o "velório" do defunto varia muito.de de- nominação. Há lugares em que se chama "sen- tinela" (Itapipoca, Tauá, Juazeiro do-Norte); noutros, "quarto" (São Gonçalo do' Amarante, São Bernardo das Russas e também Juazcir~, do Narte); já em Limoeiro do Nor'te:'chama-se- "guarda" . "Quarto", "sentinela" ou "guarda", como quer que o chamemos, é o ato de ficar com r defunto durante as últimas horas que eleper- manece neste mundo. Quando o passamento severíf'ca à 'tarde, a "sentinela" se estende portodaa noite" quan- do ocorre pela manhã, faz-se o "quarto'tduran- te o dia e o enterro se efetua à tarde, Muito embora tenha 'eu assistido, em 1925, '~'Jrn:·.en- • '!·l '21 terro à. noite, não é mais usado este horário de sepultamento entre nós. A hora do entêrro é determinada pela hora da morte. Costuma-se esperar que decorram 24 horas do passamento ao entêrro, devido ao re- ceio de que, enterrando-se antes, talvez a pes- ma esteja viva e possa tornar. Há até uma his- tória passada no interior do Ceará (Quixera- mobím), nos fins do século passado, que me foi relatada pelo Dr. Saraiva Leão e ilustra bem a causa deste medo. Vejamo-Ia. o defunto vinha carregado em rede, quan- do, à certa altura do caminho, cansados os seus carregadores, 'ao defrontarem-se com enorme lagedo que fica na fazenda Salva Vida, puse- ram a rede à margem da estrada, sentaram-se na pedreira e começaram a comer rapadura com farinha, comida típica dessa nossa região. Nessa parada forçada, a morta ressuscitara - a defunta que ia na rede fora vítima de ataque cataléptíco e,.ao voltar a si, em plena estrada, olhou em tomo, viu aqueles homens a comer e conversar e disse-Ines então: - Quero um pe- dacinho de rapadura. O SUE.toque-eles tiveram, ouvindo falar a defunta que conduziam, foi tal que abalaram em louca oorrida,deixando na . estrada a suposta morta. O lagedo, a partir deste dia, ficou sendo conhecido o Lagedo da Rapadura, e ainda lá está desafiando o tempo. A "sentinela" é constituída de grande ajuntamento de pessoas. Parenteaamigos e co- nhecidos do morto ou da sua família vão pres- tar-lhe a última homenagem. O defunto é colocado na sala de visitas, ru, caixão, com o crucifixo sobre o peito, com os pés para a rua e nessa posição será levado à igreja para a encomendação e dali para o ce- mitério. Outra imagem, de São José, algumas ve- zes, por ser o Patrono da boa morte, é colocada numa mesa, e quatro castiçais em redor do caixão, que é posto em cima de quatro cadei- ras, tamboretes ou caixotes. Quando o defunto é pobre e não há na CREio]. cama nem caixão, ele é colocado no chão, em cima de um táboa, porta ou esteira, donde é re- tirado para a rede, na hora do entêrro. As velas ardem durante todo tempo da 23 "'sentinela'" seja noite ou dia, e as rezas mais usadas durante a mesma são: têrço, tirado pela pessoa mais letrada do lugar, ou mais amiga da família: a professora, a estudante; Ofíc o das Almas (Limoeiro do Norte); têrço e Ofício . de Nossa Senhora (Tauá, Juazeiro do Nort c:, . São Gonçalo do Amarante, rtapipoca); terço e ladainha (S. Bernardo das Russas). Nas "guardas" ou "sentinelas", enquanto uns rezam contrítos, outros conversam anima- dos; muitos a elas comparecem só para ter oca- siâo de conversas as mais variadas, até de na- mo.os, enquanto vão sendo distribuídos com os presentes café e cachaça, quando se trata de enterro mais pobre, como o que assisti no mu- nicípio de São Gonçalo. Quando a família do defunto tem posses (Tauá e Juazeiro do Nor- te), distribuem, além do café e bebida, também o caldo de carne. O comum, entretanto, é a distribuição permanente do café para todos e de cachaça entre os homens. Se a família do morto tem recursos e mora em sítio ou fazen- da, oferece aos transportadores do defun to, '24 quando regressam do enterro, almoço ou jan- tar, conforme a hora. Para elaborareste trabalho, colhi infor- mações de muita gente de diversos pontos do Estado. Assim é que o Sr. J. David Aragão, re- sidente em Aires de Sousa, município de So- bral, mandou-me a narrativa das peripécias de uma "sentinela" a que assistira em 1932, no local onde se construia o açude General Sam- paio. Dado o ajuntamento de famintos que afluiam, assediados pela seca, de todos, os re- cantos do Estado, grassavam diversas doenças: sarampo, gripe, disenteria, varíola, morrendo miseravelmente número considerável de pes- soas, especialmente crianças r, Eis como nos fala o Sr. J. David Aragão sobre o que presenciou: - Assisti à morte de um velhinho, filho da terra. Solteiro e na flor dos anos, encontrei ali uma assistência fazendo "sentinela", composta de moças e rapazes em namoro, sentados. em bancos de forquilhas, espalhados pelo terreiro, o que não deixou de chamar-me atenção, espe- cialmente quando uma moça se fez logo meu par. Uma fogueira ardia, ali perto, clareando, 25 em lugar de luz elétrica. Um cafezinho saia sempre, correndo todos os bancos. Lá na sala•. sobre mesa tôsca, em caixão pobre, o defunto, com os queixos amarrados com uma faixa branca. E dos lados, em cada canto da mesa uma lamparina de querosene clareava. Via-se também uma imagem do Senhor, nas mãos postas sobre o peito do cadáver. E na parede a imagem de São José, o advogado dos moribun- dos. Nunca havia eu assístido àquilo, e se me tornou bem curioso, quando vi, na sala, um grupo de mulheres que rodeavam o defunto cantar, em côro, div:ersos benditos, Salve- Rainha e outros cân tãcos.." Em Granja, também no norte do Estado, segundo testem unho de um filho da terra, Sr. Eduardo Carvalho, havia, há trinta anos, idên- tico intuito nas "sentinelas" que por lá se fa- ziam: namoros, narração de anedotas e histó- rias diversas e até apostas para ver quem tinha coragem de ir, dentro da noite, ao cemitério, buscar galhos de cipreste. Em Granja também se cantavam as "inselências" e a banda de mú- sica acompanhava os enterros, tocando "fune- 26 ral", ISto há. 4Ó anos. Em zona diversa, porque no sul do Estado, na cidadede Juazeiro do Nor- te, 20 anos decorridos,quando morria uma pes- soa, o canto das "inselências" fazia parte indis- pensável da "sentinela". Maria Gonçalvesda Rocha Leal, que me forneceu dados a este respeito, disse-me haver crescido ao som das."inselências" que enchiam o silêncio das noites sertanejas de lúgubres, melopéias, chegando a aterrorizar as crianças. Não obstante, continuaram a ser cantadas até 15anos atrás, quando a polícia, por medida de ordem e segurança, proibiu-as, para evitar as desavenças que sempre surgiam no "sereno" que as "inselências" atraiam para o terreiro do defunto. Havia geralmente uma "cantadeira" para tirar rezas, benditos e "inselências". A oração "Repouso eterno, daí-lhes Se- nhor", era tirada por um homem, enquanto o côro respondia: "A luz perpétua, o res- plendor" . Em Juazeiro do Norte, a cujos hábitos fú- nebres estou-me reportando, eram muito can- · tadas as seguintes "ínselêncías" das Virgens e de Nossa Senhora das Dores, cuj as letras e mú- sicas me foram fornecidas pela educadora aci- ma mencionada. Vejamos a "inselência" das Virgens: Uma inselença das virgens Quem mandou foi a Mãe de Deus, Adeus, irmã dos anjos, Irmã dos anjos, adeus. Duas "inselenças" das virgens, depois três, quatro, até completar dez "inselenças". A "in- selença" de Nossa Senhora das Dores, reza assim: Uma inselença de Nossa Senhora das Dores Quem foi que mereceu Esta capela de flores? Os anjos lá no céu tão cantando mil louvores. Esta, como a anterior, é cantada até oom- pletar dez vezes. Pelo texto, as duas "inselências'' acima de- viam ser cantadas de preferência na "sentine- la" de moça, isto é, pessoa que morre virgem. Este "adeus, irmã dos anjos" só pode referir-se. a pessoa que nunca teve contato carnal. Na se- gunda "inselência" também vemos o seguinte: "Quem foi que mereceu esta capela de flo- res?" - capela de flores alusiva, não resta a menor dúvida; à virgindade da morta, pois, como sabemos, o uso da grinalda de flores de laranjeira entre nós é privilégio das virgens. Entre o povo do Nordeste o tabu em torno da virgindade, mormente no interior, é coisa. seríssíma, mantém-se inalterável. Moça que perde a virgindade, sem ser pelo casamento, corresponde a morrer em vida para a família e a sociedade, que a relegam ao ostracismo. Quando morrem solteiros, rapazes ou mo- ças, têm enterro diferente, o caixão é azul e as coroas ou flores que acompanham são brancas, símbolo da virgindade, Em Juazeiro do Norte, quando morria uma moça, o enterro só podia ser acompanhado por moças e crianças, em respeito à pureza da morta. A "sentinela" dura toda a noite, ao som 2Q das "ínselêncías", da reza do Ofício de Nossa Senhora, do terço e da ladainha. Quando vem "rompendo a barra", isto é, amanhecendo, can- tam então o seguinte bendito: Lá vem a barra do dia, Lá vem a Virge Maria. Lá vem três anjinho do céu Para sua companhia. As rezas, os benditos, as palestras, os na- moros, a distribuição de café e cachaça prosse- guem até que chegue a hora da despedida. 30 5. AS "INSELÊNCIAS" Começou-se em seguida a rezar, eram 13 horas, aproximadamente, "Maria Valei-me", o Santo Ofício e outros benditos, Cantou-se a "inselência" das Almas" que é repetida doze vezes, mudando-se apenas o primeiro verso: Uma inselência das almas Quem nos deu foi a Mãe de Deus, Adeus, irmão das almas, Ó irmão das almas, adeus. Na 2.a vez canta-se alterando o 1.0 verso da seguinte forma: Duas, inselências das almas Na 3.a vez: - Três inselências das almas, 31 - e assim por diante, até cantar doze vezes, com o restante da quadra igual à primeira. As "inselêncías" têm diversas letras e mú- sicas, e diversas delas foram cantadas no "quarto" feito a João Maximiniano. Raimunda Maximiniano da Silva, prima do morto, que foi o grande amor de sua vida, é exímia "cantadeíra" (nome que se dá, no inte- rior do Ceará, às carpideíras) , acostumada a cantar nas "sentinelas" dos defuntos da região. Neste enterro, porém, a sua dor impediu-a de cantar e as "inselêncías" foram tiradas pelas jovens Maria Silva, Francisca e Antônia Maxi- miniano, sobrinhas do morto, Sentadas no chão, do lado dos pés do cadáver, tinha cada uma delas um lenço na mão, que, de vez em quando levavam aos olhos como se isso fizesse parte do ritual, pois não estão chorando. Vão cantando seguidamente as "inselências", pri- meiro a das Almas, depois a dos Anjos, mesmo sendo enterro de adulto: 32 Lá vai um anjinho pro céu Todo cercado de luz, Nossa Senihora da Guia Abra as portas, meu Jesus r , Deus te salve,casa santa, Onde Deus fez a morada, Onde mora o cálix bento E a hóstia consagrada. Os versos prosseguem neste diapasâo, até completarem doze anjinhos , O número de vezes que f(~ repetem os ver" sos varia: há "inselências" que devem ser can- tadas 7, 10, 11 nu 12 vezes e delas r:IOS fala a poetisa paraibana radicada €m S. Paulo, Mari- lita Pozzoli: "Vão cantar a noite inteira até o dia raiar. Vão cantar as "inselença" que é pro João se salvar. Uma "inselença" da Virge da Conceição, Deus num primitas que eu morra sem Icunfíssão, r 3::3: Duas "inselença" da Virge da Conceição, Deus num primitas que eu morra sem lcunfissào, Três "inselença" da Virge da Conceição, Deus, num primitas que eu morra sem lcunfíssão, Quatro "inselença" - São doze "ínselença" E não pode parar Porque senão dá azar ... " Quando se aproxima a hora do enterro, canta-se então o Santo Ofício, (Ofício de Nossa Senhora), o que foi feito por um tio do morto, Raímundo Maxíminíano da Silva, homem de idade avançada, acompanhado por Josefa, irmã do morto e outras pessoas presentes. No trecho do Ofício em que há overso - "Desce Deus do Céu para às criaturas" - os rezadores se inclinam até encostar a testa no chão. O Ofício é reza muito em uso em toda a região e é cantado, tanto como o terço e a la- dainha são rezados.dê joelhos. Depois dele vem então a "ínselêncía" da Despedida, também cantada doze vezes, da seguinte forma: Bendito, louvada seja Meu Jesus da Piedade. VaE10Srezar aos doze após talos E a San tíssíma Trindade. É um irmâo apóstolo Que ganhou o Paraíso, Adeus, irmão, adeus, Até dia de juiza. QuandO' eu falo em Deus, me alegra No meio da cristandade, Me alembro das três pessoas, irmão, Da Santíssima Trindade. E-sta "inselência" é das mais longas, pois estes versas vão repetidas doze vezes, com esta simples mudança: É um irmão apóstolo, na I." vez, Somos dois irmãos apóstolos, na 2.a, Somas três irmãos apóstolos, na 3.a e assim por diante, acrescentando: Que ganhemas O' paraíso, a partir da 2';a vez. Depois de rezada a "inselência da despedi- da", a rede é trazida para a sala, depois de colo- cada numa grade feita de quatro paus fortes. Às testas da grade são amarradas os punhos da rede onde o defunto é colocado sem que cressea cantoria. Ao colocar o morto verificaram que a grade estava muito estreita, não dando passa- gem ao corpo enlarguecido pela posição dos braços cruzados e das mãos trançadas sobre o peito. Apesar de experimentarem a entrada do cadáver em todas as posições, de quina, virado para um e outro lado, não conseguiram fazê-to entrar ..Colocam novamente o defunto na estei- ra no centro da sala e voltam com a rede para o terreiro a fim de alargar a grade. Enquanto o enterro não sai, fica-se rezan- do ou cantando terços, benditos, "inselências", pois é corrente que quando não se reza, o de- mônio vem para perto do morto, em forma de raposa ou de cachorro. Sem que cesse a reza, ouve-se por fim a cantoria da "despedida" propriamente dita, nestes termos: Lá se vai quem cá tornou Que Jesus nos concedeu, Vem nos renovar saudade Adeus, Nossa Senhora, adeus. Se o tempo for durante Eu cá tornarei avir, Vem nos renovar saudade Adeus, Nossa Senhora, adeus. Ajudai-me meu povo, Ajudar-me a despedir, Até dia de juizo Adeus, Nossa Senhora, adeus. Adeus casa, adeus saudade, Onde as aves entristeceram, Vem nos renovar saudade Adeus, Nossa Senhora, adeus. Nesta "ínselência" o termo durante (se o tempo for durante) quer dizer duradouro, e o verso "eu cá tornarei a vir", evidencia clara- mente a idéia cristã da sobrevivência do espí- rito, ou a idéia espírita da reencarnação. 37 6. .A' DESPEDIDA Chegada a hora de sair o enterro, vem a despedida da família, ponto culminante da cena mortuária. A despedida é feita em geral com grandes choros, beijos, abraços no morto, lágrimas abundantes e exclamações que como- vam 08. presentes. Há ainda a tragédia dos des- maios, dos ataques nervosos, remediados pelo socorro dos amigos, dos chás calmantes, da esfregação dos pulsos com álcool e, moderna- mente, com a aplicação de injeções sedativas, etc .. Terminados os últimos adeuses, fecha-se o caixão e acha ve é guardada pela família do morto. Em Juazeiro do Norte, usava-se anti- gamente fechar o caixão do defunto com ca- deado. Hoje se usa apenas fechadura simples, " ·,38 e dela temos notícia através desta quadra do nosso poeta Soares Bulcão: A chave de fita escura Com que fechei teu caixão, Ê a mesma da fechadura Que trancou meu coração. .39 7. ACOMPANHAMENTO DO ENTEHHO Colocado por fim o defunto na rede, trazi- da pela segunda vez para o centro da sala, re- pousa este de braços cruzados sobre O' peito. ""- rede é carregada por quatro homens, cada um dos quais segura uma das pontas dos quatro paus que formam a grade. Na zona de S. Gonçalo do Amarante o en- terra [,8 faz geralmente entre quatorze e quin- ze horas, debaixo de um sol de fogo, tendo os acompanhantes que romper uma légua de areia, subindo morro, com a rede aos ombros. Para terem ânimo nesta escalada, tomam ca- chaça, quando vêm para a casa do defunto, e nesta a garrafa de cachaça anda entre os que vão acompanhar o enterro, para que cada um tome seu "trago". No caminho ainda vão pa- rando nas vendas para tomar outras "doses". \ 40 No trajeto de casa para o cemitério os acompanhadores do enterro marcham em com- -.passo de trote e vão gritando, numa espécie de aboio: - Chega, "irmão das almas" -. para que venham outras pessoas ajudar a carregar o de- funto. Este, ao ser levado para o cemitério, não · deve parar diante de nenhuma residência, o · que é sinal de mau agouro - está chamando · outro. No entêrro verificado no cemitério de Siu- pé, não houve toque de sinal, (dobre de sino), nem encomendação do corpo na igreja, em vir- tude da ausência de padre na região. A rede foi conduzida diretamente para o cemitério, onde foi depositada no chão, enquanto abriam a · cova, após o que o corpo foi enterrado apenas com a mortalha. Rede e lençol voltaram para a família e, depois de bem lavados, terão a ser- ventia anterior. -;41. \; A hora da saída do enterro varia entre 8, 10, 16 e 17horas, de acordo com a da morte; à noite, só em casos excepcionais.A professora Carmusina Arraes Freíre, disse-me ter assisti- do excepcionalmente, nestes últimos anos, em Limoeirodo Noite, a um enterro à noite e com velas acesas. Em Juazeiro do Norte, mesmo du- rante o dia, usavam Os acompanhantes velas acesas, distribuídas pela família do morto. Com o encarecimento do custo de vida perdeu-se essecostume. Nesta cidade também era uso das famílias ricas fazerem acompanhar os enterros do toque do "funeral", Já em Tauá e Limoeiro do Norte não se usa acompanhamento de en- terro commúsica, mas com a reza do terço, ti- rado pelo Padre, que abre o oortejo, e pelo "sinal" que vai tocando o sino, de acordo com à vontade e posses da família; quem quer mais sinal paga mais, uma, duas horas, contanto que a um defunto cristão não deve faltar o "[Ir.Ct~", que tanto pode ser simples como do- brado, isto é, tocado em um só sino ou em mais de um. Para enterro de crianças usa-se o repi- . que, combinação de sons festivos de sinos. João Brígido, no seu livro "O Ceará (lado cômico)" traz esta página sobre o "sinal": "Um Peixoto, do Riacho-da-Sangue, con- tava assim o enterro de sua mãe: - Quando a velha minha mãe morreu, tio José disse ao são cristão: Toca vintem! toca , " I' . té !'v.ntem: ... e o smo começou: Vln m ..... VIn- tém! l/tas tiMané arrojou pra riba e disse ao são cristão: toca tostão, toca tostão e o sino come- çou: tostão... tostão ... Depois veio o Padre, botaram ela no girau da igreja e sairam cantando. Vintém era o sinal em sino pequeno, de som estridente; tostão no sino maior, de som cavernoso. Girau da igreja era a tumba, que os convidados carregavam à mão. Um nosso tio-avô, sempre convidado para fazer tais honras, desapontou um dia: - Quanto defunto morre nesta vila eu hei de carregar! ... Quando eu morrer, não há de haver quatro diabos que me carreguem!" O enterro é acompanhado pelo vigário, por homens, mulheres e crianças. Quando o morto é bem relacionado ou pertence a alguma asso- ciação religiosa, é seguido por todas as outras irmandades, que vão formando alas de um lado e outro do caixão, transportado pelos amigos do defunto. Em algumas cidades do interior, como por exemplo em Juazeiro do Norte, usava- se cantar no acompanhamento dos enterros de moças e de crianças o bendito - "Com minha Mãe estarei". o préstito entra obrigatoriamente na igre- ja, a não ser em caso de suicídio, quando nem passa pela igreja e nem se enterra no "sagra- do". o Padre faz a encomendação do corpo e segue à frente do cortejo até o cemitério. A fa- mília e os amigos mandam fazer coroas com inscrições, que são colocadas sobre o caíxâo, 44 Quando o defunto é pessoa bemrelacionada ou importante, é político ou autoridade, há dis- cursos no cemitério e, ao descer o caixão à cova, (isso se faz de preferência nos enterros pobres), os amigos colocam sobre ele uma pá de terra. Em Limoeiro do Norte, cada acompanhante do entêrro põe sobre o defunto uma mão cheia de terra e raramente usa a pá, o que é uma supers- tâção: colocando a terra com a mão, a pessoa não terá medo da alma do morto. Quando o enterro é feito no interior, a fa- mília do morto, querendo e podendo, manda buscar caixão envernizado na capital; quando há falta de transporte, manda fazer, na própria cidade, caixão de cedro coberto de fazenda pre- ta e com galões dourados, quando o morto é casado ou viúvo. Anjo, moça e rapaz têm caixão coberto de fazenda azul e enfeitado com galões prateados. Mas, esses enterros de que estamos falando são enterros de cidade do interior, feitos em caixão. Vejamos agora quando o enterro é feito em rede e vem de sítios ou fazendas distantes, onde não há cemitérios. 45 A rede usada para enterro é a comum, com varandas de croché ou de malha, de preferên ~ cia branca. O morto vem envolto em lençol. Na ocasião do enterro, tanto a rede corno o lençol são retirados e voltam para a família que, de- pois de lavá-los, passa a usá-los como dantes. O cadáver é lançado à cova apenas C:Jn1 a mor- talha. Corno já relatei no m.lClO deste trabalho, para facilitar o transporte a rede em que o de- funto é conduzido vai colocada em. uma s:a~L feita de quatro paus fortes" em cujas testas os punhos são atados. Em outras ocasiões e cn maior número de localidades usam apenas urr pau furte e longo, em cujas extremidades sâc presos os punhos da rede. Dois carregadores, :::,'; a rede pende de pau, e quatro se vai em grade levam o defunto numa marcha em compass, de trote. Esta observação muito oportuna da mar eha em compasso de trote em que é levado ( defunto, foi-me feita por Maria Gonçalves, de 46 Rocha Leal e Martins d'Alvarez se refere a esta cadência própria da marcha de carregar defun- to denominando-a de marche-marche. Geralmente vem o defunto acompanhado de grande número de pessoas, algumas a cava- lo, outras a pé, e que se vão revezando no car- regamento, Em zonas de várzeas extensas e planas, como as do vale do Jaguaribe, o acom- panhamento também é feito em bicicletas, transporte característico da zona. 8. "CHEGA, IRMÃO DAS ALMAS!" Durante a jornada, não se dispensa bebi- da, de preferência cachaça. Assim, vão os acompanhantes "matando o bicho" em todas as vendas por onde passam. Vão conversando pelo caminho, contam anedotas, riem. Há re- giões, como a de S. Gonçalo do Amarante, por mim visitada e onde assisti ao enterro inicial- mente descrito, em que, quando o cortejo se aproxima de uma casa onde há homem, gritam O'S acompanhantes - "Chega, írmâo das al- mas!", para que venha alguém auxiliá-los, en- quanto noutras, como Limoeiro do Norte, não se faz convite na estrada a pessoas que encon- tram, estas seguem espontaneamente o en- terro. Vejamos, pela descrição que nos faz o poe- ta Martíns d'Alvarez, a maneira. como eram feitos, há quarenta 'anos, os enterros-de roça-da sua terra natal - Barbalha (2r:: "Trata-se do funeral que se costuma fazer na roça. Antes, porém, é bom advertir aos que não conhecem o interior nordestino, que o ser- tanejo de lá tem duas paixões na vida: o cavalo e a rede. 'o cavalo para a luta e-a rede para o descanso. Assim, quando o sertanejo morre ou "descansa", como também se diz entre eles, ainda é na rede que vaí levado ao.cemitério; Se morre no sitio ou na fazenda, a rede é atada pelos punhos a uma longa estaca de madeira. Dentro dela põem o defunto e cobrem-no com um lençol. Quase todos os sertanejos são cató- licos fervorosos; daí só admitirem o sepulta- mento de seus mortos no cemitério do povoado ou cidade mais próxima, ao qual chamam sim- plesmente "o sagrado". Como sempre precisam de auxílio para carregamento do defunto atra- vés de longos percursos, instituiram uma asso- ciação denominada "Irmandade das Almas". 2 - "O Nordeste que o Sul não conhece" - Martlns d'Alvarez - Publicação do Rotary Olub de aio Pau- lo - 1955. _,Qg.~~o .têm, portanto, um.deíunto a enterrar, os irmãos das .Almas da vizinhança se reúnem, '~J~ois<ie,les.suspendem aos ombrosas .extremida- <. d,e1?da -estaca.ida _qual pende a rede com·o de- fu,uto, e s~ vão estrada em fora, mudando de .carregadores .aqui -e ali. Durante o percurso os ;;.homensmarcham aceleradamentee umdeles, '. de vez.em quandogrita bem alto conclamando .D,8 conírades que moram perto para aux.liá-loc ,;.9c;>_p::1O .todos são ocupados durante o dia, estes ,..funerais tem sempre lugar à noite, o Que torna -t ~" ,_ •. , "" . . - . i:;ai.nd_~mais triste e lúgubre o cortejo. Este quadro, a que assisti .muitas vezes na ,,-minha meninice, ficou-me gravado de tal modo no espírito, que pude reproduzí-lo, há bem ,.pouco tempo, neste poema: .).... . . . Dentro da noite, num marche-marche cortando a fita da estrada clara, os homens seguem, num marche-marche, levando a rede pro cemitério. Dentro da rede se embalançando, bambo e curvado como um presunto, como um presento dentro de um. saco, se embalançando vai o defunto.' E a voz dos homens, de quando. em quando fere a dormêncía . das horas calmas, num. vago apêlo . cheio de angústia: - Vínde ajudar-nos, Irmãos das Almas! Punhos atados à longa estaca, que os homens levam suspensa aos ombros, a rede segue para a cidade, '. . ,. ·····51 leva o defunto ,,", ,.', para o "sagrado"., .. ' .... I" Grilos ~\~ila;p",: ",.; :- dentro q~.mato. ';'} Sapos r(!~pQn~aÍn" ,_ , na escuridão.:';) ",' -' , ~" .. ;..• - '.:, ,.' E o vento 're,~~;_) .." nas folhas secas, singelos Atos, de COlúiíç'ã;o: j; , E a voz doshomens sobe na nôite'·, ." ':,<,1; como o louco anséío de mãos, espalmas, mãos .que aflítivas pedem sOcorro:" .',. ; - Vinde ajudar-nos, Irmãos das Almas! .••. i A rede ..passa suspensa: em ..ombros" se embalançando, ;" se embalanç~49:~ .. ,;. :'.' , ; Come)' se o" morto fosse a ninar , E aves noturnas tecendo ágoíros, ,; sobre o cortejo, cheias de espanto, rasgam mortalhas negras pelo ar. E 00 triste apêln que os homens lançam, de vez em quando, nas horas calmas, apenas o eco, bruxoleante, responde ao longe: ... Irmãos das Almas!" Há uns bons quarenta anos, Martins d'Al- varez assistiu, na zona sul do ,E~t~<l:o,no Carírí, a um enterro assim descrito. Hoje, volvidos todos estes anos, assisto noutra zona" no norte 53 00 mesmo Estado, a enterro semelhante. Hou- ve apenas duas variantes: a hora em que o en- terro é realizado e a maneira de conduzir a rede. No assistido outrora, o enterro se fazia à noite, por estarem durante o dia todos ocupa- dos. A rede era atada pelos punhos a uma lon- ga estaca de madeira ..O enterro a que tive de assistir, realizou-se às 14 horas. A rede estava colocada numa grade feita de quatro estacas fortes. Razão tinha, pois, José Nascimento de Almeida Prado quando disse que no nordeste, pelo espírito conservador e índole do povo, de- vem perdurarpor mais tempo esses costumes dos nossos maiores ..' . É costume que, ao aproximar-se do cemi- tério, os mesmos homens que saíram com a rede de casa também entrem com ela no cam- po santo. Quando, no lugarejo para onde se dirige o enterro há igreja, o corpo fica no adro, espe- rando que cavem a sepultura. Onde não há igreja, o cadáver fica no cemitério, enquanto abrem a cova. 54 o acompanhamento do Padre e o toque do "sinal" são pagos pela família do morto. Se ela é pobre e o enterro é feito com auxilio dos co- nhecidos, o defunto, irá para o céu mesmo sem sinal e sem Padre. g. o SAGRADO E O PROF'ANO NAS "SENTINELAS" Artur Ramos, referindo-se ao guardamen-to do defunto, itambi ou funeral (3), diz que o mesmo "constitui para uns pretexto para co- mer, motivo de festas para outros e para alguns causa de choros e de lamúrias: é uma cerímô- nia em que o profano corre de mistura com o sagrado. Chora-se, dão-se tiros em sinal de tristeza, mas simultânamente dançam, jogam, brincam, comem e embrigam-se. " Efetivamente o guardamento do defunto, que entre nós toma o nome de "sentinela" "guarda" ou "quarto", é ocasião de mágoa, choro, Iamentações para a família do morto, 3 - "O Negro Brasileiro" - Artur Ramos, BibliQteca de Divulgação Cientiflça,R1o, 19a4. más para o ajuntamento de pessoas que sem- pre se forma no chamado "sereno", é lugar para encontro de namorados, de amigos que se distraem contando anedotas, e outras vezes lugar para desavenças entre pessoas que, exce- dendo-se na bebida que comumente distribuem nessas ocasiões, perdem o controle. Namoros, conversas e arruaças fazem com que o ambien- te da "sentinela" perca aquele clima de proíun- da tristeza, de pesado luto que espantaria fa- talmente os que ali vão, não para rezar ou pres- tar a última homenagem ao morto, mas para folgar. Daí a razão de se terem acabado, em algumas zonas, como no Juazeiro do Norte, as "sentinelas" com o canto das "inselêncías'v.o que ainda atraia mais gente. Corroborando o que acima expressa Artur Ramos, vamos encontrar em escritores do sé- culo passado, como Rodolfo Teófilo e Juvenal Galeno, primos e contemporâneos, o relato fiel, no primeiro, em prosa, no segundo, em verso, da maneira como era recebida e comemorada pelos pais a morte de uma criança. Esse fato, em vez-de proporcionar tristeza, era motivo de grande satisfação, pois é corrente ainda -hoje que quem manda um "anjinho pro céu tem quem interceda noite e dia por si junto :ie nem"." A Igreja nos fornece na pa.rte relativa à li- turgia dos mortos esclarecimento para expli- carmos a razão de ter degenerado a "sentinela" feita às crianças em festa, em dança, em lou- vação. Diz a liturgia dos mortos, no que se refere à sepultura das crianças: "Quando uma crian- ça morre antes de ter o uso da razão, vai logo para 0' céu louvar a Deus com Osanjos. Assim, nos salmos não se diz RE'QUIEM AETERNAM MAS SIM GLORIA PATRI; a missa é a dos Anjos, com paramentos brancos e GLORIA IN EXCELSIS. Cantam-se Vésperasdos Anjos" (4) A caminho da Igreja, no. enterro, cantam- se os Salmos 118, 148, 149, 150. NO'Salmo 149 encontramos 0' seguinte: "Cantai ao Senhor um cântíco novo. Louve-O a assembléia dos fiéis - 4 - "Missal Quotidiano e Vesperal" - Dom Gaspar Le- . febure - Bruges, Bélgica. 58- Louvem em côro o seu nome: cantem-lhe ao som do tambor e do saltérío'' . No Salmo 150há esta parte: "Louvar-O ao som da trombeta: Louvaí-O com o saltérío e a cíta:ra. Louvai-O com tímbales e em côro: Lou- vai-O com instrumentos de corda e cem órgão." Creio estar aí a explicação para a maneira altamente profana como foi em algum tempo comemorada a morte das crianças. O "cântico novo" do salmo, com que a assembléia dos fiéis devia louvar o Senhor, o louvor ao som do tam- bor e do saltério, com tímbales e em côro, com instrumentos de corda e com órgão, veio sendo corrompido através dos tempos, deturpado pelas sucessivas gerações até ser reduzido à "função" e ao "samba" de que nos falam os escritores acima citados. Vejamos como nos descreve Rodolfo Teó- filo (5) a cena a que intitulou de "morrer criança" e que lhe causou grande estranheza: "Atraído pelos acordes de uma viola, cno- i - "O CUnduru" - Rodolfo Teófilo - COntos _ L" edi- ção - Tip, Minerva, Oeará, Fortaleza, 1910. 59" romíngandoum baíão, cheguei auma casinha de palha à sombra, de umfrondoso cajueiro: Um samba em dia nãosaritificado, era-caso estranho. Aproximei-me e vi reunida no terreiro-dá casa muita gente em traje domingueiro. Um tocador, um caboclo novo e franzíno, arrancava do instrumento tão.doces melodias que não parecia um leigo na arte da música. Como vibravam aquelas cordas com tanta har- . I'moma. A viola; a lendária viola, o instrumento querido do baile popular, vai pouco a pouco cedendo o lugar à harmônica do paroara, de uma melopéia áspera e pouco melodiosa. Ao lado do tocador sentavam-se dois mestí-, ços, Os cantadores, os bardos da plebe, que vi- nham louvar - a bela sociedade - no dizer, deles. As caboclas formavam roda. Quase todas vestiam o casaco de cassa florida e tinham os cabelos amarrados em cocó, cercado de cravôs. de defunto. . ;.: ;,Os homens, . de. camisa e calça" cercavam -por .sua vez o grupo de 'mulhere~,. Aproximei -me.quanto pude .. Q1,leria.·sabe) o motivo do samba em dia útil. Um dos cantadores 'cantou esta, quadra: . Vivaseu Chico .das Neves, Viva Rosa de .Jesus, Viva o anjo filho deles Que foi de Deus ver a luz....... <,,' t, A quadra deu-me o 'motivo da festa: era a morte de uma criança. Que selvagens, pensei. Aberei-me da pequena janela que se abria para o terreiro. A salinha da entrada estava deserta, 'apenas o anjo, deitado no seu taboleiro, guar- 'dado por um caboclo velho, o avô dele, que ca- beceava, não de sono, mas de aguardente. 01 anjo, o cadáver de uma criança de pou- co mais de um ano, estava amortalhado de .branco, tinha as mãos cruzadas sobre o peito, . sustentando uma pequena cruz de papelão _dourado. Da cinta para baixo matizavam o alvo sudário inúmeros laços de fita estreita, de va- riadas cores. A cabeça emergia de um ramalhe- te de cravos amarelos. As faces, rubras de car .• mim, fingindo vida, destoavam dos olhos, mui- to abertos, mas rem brilho, apagados. O cabo- clinho estava teso como um prego. Lá fora fervia o samba. Os cantadores não cessavam de louvar a dita daquele menino que morrera sem ter pecado. As tijelas de aluá passavam de mão em mão e, de quando em vez, alguns copos de aguardente eram distribuídos aos convivas mais graduados. Aquela alegria, aquela folgança me faziam mal. Que usança bárbara! Eu desconhecia essa página do viver do povo. Seria possível que até a mãe do anjo se regozijasse com a morte do filho, dançasse em roda do seu cadáver? Não, a mãe é sempre mãe. Ela devia estar na cama- rinha, afogando a sua dor no mais copioso pranto. Até as mães dos brutos choram, quan- do lhes morrem Os filhos. Pensava assim, quan- do a voz tremida de um dos cantadores mos- trou-me como sofria a mãe do anjo: 62 . , :;' . " Viva Rosa de Jesus, Que dança agora na roda Com seu Bento das Marrecas Rapaz galante, da moda, Viva a mãe do nosso anjo Que dança agora na roda. Fitei a cabocla e tive o desgosto de ver que ela não estava ali somente por comprazer. Dan- çava toda requebrada, saracoteando, tendo o rosto radiante de satisfação. Que bárbaros! Olham a morte de modo diferente. Não tê:m nervos para sentir as delicadas filigranas da saudade. Eu não compreendia a psicologia do povo. Eu os cria fracos, quando talvez fossem fortes até o estoicismo. O que via, não era fortaleza, era dureza de coração, era insensibilidade. Demorei -me para assistir o fim daquela cena selvagem. Não esperei muito tempo Era a hora de mandar o cadáver para o cemitério. O velho que o guardava teve ordem de con- duzí-lo. Deram-lhe uma lanterna de papel branco, com uma vela acesa, que segurouna '63 mão direita, enquanto o pai 'do morto, com grande desamor,sem um olhar de despedida, sem um beijo, o beijo da pragmática dos civili- zados, punha o taboleiro na cabeça do velho e o mandava embora. A mâevíu sair o filho, para nunca mais voltar e não o procurou para dar-lhe o último beijo! Eu julgava cruel aquele proceder porque . ignorava o modo de sentir do povo. Este desco- nhece o beijo que, entre a gente educada, faz muito mal e nenhum bem. A morte para eles f:- um beneficio, a cessação dos. sofrimentos, como párias que são da humanidade. Quando oenterro passou, os sambistas for- maram ala e romperam nos mais estrondosos vivas ao anjinho, ao pai e mãe dele e à sua ma- drinha, a Virgem da Conceição. Enquanto a gente assim berrava, foguetes estouravam no ar. Sumido que foi o esquife, continuou o sam- ba na mais viva animação. Saciado de tanta barbaria retirei-me, intrigado com semelhante usança" . Esse uso de que há memória apenas nas páginas de, escritores antigos, como Rodolfo Teófilo,e Juvenal Galeno, hoje está completa- mente abolido.Das pessoas com quem falei ne.. nhuma me deu notícia desse costume antiga de celebrar comdança e cantaria a morte een- terro de um anjo. Eis como Juvenal Galeno (6) descreve a função, explicando-a antes com a seguinte nota: "É comum entre o povo festejar a morte da criança. Logodepois do enterro, faz-se uma função, e nesta, ao som da viola, entoa-se a desafio louvores ao anjinho e aos pais deste, enquanto dança-se a bomdançar e perto estou- ra a roqueira ou bacamarte. Dizem - que feliz é quem morre em tenra idade, porque livra-se do futuro sofrimento e talvez da perdição eter- na, e que o anjo vai ao céu advogar a causa de seus pais. " Agora nos descreve cena idêntica à narra- 6 - "Lendas e Canções Populares", 2.& edição _ Gualter R. Silva, Editor...:,;.. Fortaleza, 'Ceata, UI92,.' ' da por Rodolfo Teófilo, apenas com uma va- ríante: fala-nos da "função" realizada antes do enterro dovanjo", estando este ainda na sala, enquanto Juvenal descreve a animação, mas já depois de realizado o enterro. Não 01....s- tante, de uma ou de outra forma, esse era cos- tume primitivo, chegando mesmo às raias da selvageria. o ANJINHO Cantiga a Desafio - Nós que somos cantadores Da função junto à viola, Enquanto dançam, cantemos Ao soar de castanhola: Louvemos da casa o dono, Can temos nosso louvor, A quem mandou um anjinho Para os pés do Redentor. -- Para 02, pés do Redentor Por seu pai e mãe pedir; Como são eles ditosos, E mais serão no porvir; 00- I Por isso agora se ínãama, Nesta função o meu estro; Haja aluá e aguardente, Ai, senão, senão não presto! - Ai, senão, senão não presto, Não é zombaria, não, A roqueira não estoura, Sem carrego e sem tíção; Por isso sou atendido, Já sou outro, a voz se afina; Vivam os pais do belo anjinho, Enfeitado de bonina. - Enfeitado de bonina, O anjo pra o céu subiu, Um adeus dizendo ao mundo, Quando a morrer se sorriu! Por isso agora o louvemos Nesta tão bela função, Enquanto na igreja o sino, Toca o bom do sacristão. - Toca obom do sacristão, Ê o sinal da alegria, De Jesus foi para o seio, O anjinho neste dia. Por isso o louvo contente, Contigo,' meu companheiro, Ê'nquanto lá toca o sino, Dança o povo no terreiro. - Dança o povo no terreiro, Onde corre a viração, Pois ° riso e felicidade Têm aqui habitação; Por isso agora louvemos, Ao som da corda dourada, Do anjo o pai venturoso, Do anjo a mãe estimada. - Do anjo a mãe estimada, Ouça atenta o meu dizer: Como a Tola vi seu filho Voar ao' céu com prazer; Por isso cantando eu louvo O anjinho que fugiu Deste vale só de prantos, Onde a dor talvez sentiu. -' "Onde a dor talvez sentiu, Sentã-la não pode mais, , Na terra passou ligeiro, Qpal brisa nos laranjais; Por isso louvando, eu digo Da viola ao camarada: Brademos três vezes - vivam Os donos desta morada! - Os donos desta morada, Pai e mãe do belo anjinho, Que por entre frescas flores, Voou como um passarinho; Por isso meu camarada Brademos na ocasião: Salve o anjo, os donos vivam Desta casa e da função! ... -"69; 10. NO DOMíNIO DA LENDA Interessante é verificar como certos fatos verídicos, pelo caráter extraordinário de que muitas. vezes se revestem, assumem, com o cor- rer do tempo, foros de lenda, e como histórias fantásticas correm de boca em boca, como se realmente não tivessem acontecido. A respeito da invasão motorizada do ser- tão, pelo caminhão, trem e até avião, ainda é possível encontrar recantos onde os habitas primitivos continuam os mesmos e um exem- plo frisante desta assertiva é termos encontra- do hoje, decorridos quarenta anos da época fo- calizada por Martins d'Alvarez, no enterro de roça a que se reporta e em zona diversa, os mesmos costumes por ele descritos. O avanço da civilização,com.o seu cortejo obrigatório de utilitarismo e de deslocaçãopara : 70 segundo plano das coisas do espírito, quase que não permite mais em nossos dias a manuten- ção de clima favorável para a sobrevivência do que assume caráter lendário. Não obst'ante, é dos nossos dias a história que me contou a pro- fessora Carmusina Arraes Freire, residente na cidade, sede de Bispado, de Limoeiro do Norte. Eis o que ela nos conta, com a recomendação de merecer fé, por ter sido ouvido de pessoas verídicas: - Um homem acompanhava todos os en- terros que passavam à sua porta, Morava ele numa fazenda do município de Iracema, Ceará. Não se sabe porque o referido homem, ao acom- panhar os enterros, só ia até determinado lugar. Ultimamente morre esse homem. Levam- no para 0' cemitério mais próximo. Não conse- guiram, porém, ultrapassar o lugar de onde ele sempre voltava dos enterros. E lá se ficou o cor- po dele no sopé da ladeira. No local uma cruz foi erigida para que a tradição sertaneja trans- mi ta essa história às gerações vindouras, di- zendo da força invisível que deteve o cortejo ali, impedindo que fosse adiante o cadáver do 7t -sertanejo avaro de maior generosidade para acompanhar os. mortos à sua últímamorada. •• •• * São estes alguns dos RITOS FÚNEBRES ]),9 INTERIOR DO CEARÁ, vários já inteira- mente desaparecidos, como o da louvação do ,:'~anjínho", de que só temos notícia através de escritores de outro século, outros ainda em ple- no vigor, como o do enterro em rede, encontra- 'do em extensaregião do Ceará, ou o da "senti- nela" comas "ínselêncías", atualmente já mui to raras. 7'i
Compartilhar