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MYERS Cap. 8 Memória

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I I
Memória
Sejamos gratos à memória. Costumamosconsiderá-Ia algo garantido, exceto nosmomentos em que ela nos falha. É anossa memória que nos permite reco-nhecer os familiares, falar nossa língua,
encontrar o caminho de casa, além de saber
onde achar água e comida. É a nossa memória
que nos permite desfrutar de uma experiência
e reproduzi-Ia mentalmente para renovar o
prazer. Nossas memórias compartilhadas nos
unem como irlandeses ou australianos, como
sérvios ou albaneses. E, por vezes, é a nossa
memória que nos coloca contra aqueles cujas
ofensas não podemos esquecer.
Em boa parte, você é aquilo de que você
lembra. Sem a memória, o seu depósito de
aprendizagem, não seria possível desfrutar
dos momentos felizes do passado, nem seria
possível sentir culpa ou raiva pelas lembran-
ças dolorosas. Você acabaria por viver em um
eterno presente. Cada momento seria novo.
Cada pessoa seria um desconhecido, cada lín-
gua seria estrangeira, cada tarefa - vestir-se,
cozinhar andar de bicicleta - representaria
um novo desafio. Você seria até mesmo um
estranho para si mesmo, pela ausência
daquele sentimento contínuo de autoconhe-
cimento que se estende do passado distante
até o momento presente. "Se você perde a
habilidade de recuperar suas memórias anti-
gas, você fica sem vida", sugere o pesquisador
da memória [ames McGaugh (2003). "Você
pode perfeitamente se tornar um nabo ou um
repolho."
o Fenômeno da Memória
PARA UM PSICÓLOGO, a memória é a
aprendizagem que persiste através do tempo,
informações que foram armazenadas e que
podem ser recuperadas.
A investigação dos extremos da memória
tem ajudado os pesquisadores a entender o
seu funcionamento. Aos 92 anos, meu pai
sofreu um pequeno acidente vascular ence-
fálico com apenas um efeito curioso. Sua per-
sonalidade genial estava intacta. Sua mobili-
dade era tão boa quanto antes. Ele nos conhe-
cia e, quando colocado diante de uma foto
da família, relembrava o passado em detalhes.
Entretanto, ele perdeu a capacidade de reter
novas informações sobre conversas e episó-
dios do dia a dia. Não sabia dizer qual era o
dia da semana. Informado repetidamente
sobre a morte do cunhado, manifestava sur-
presa cada vez que ouvia a notícia.
No outro extremo estão algumas pessoas
que seriam campeões em Olimpíadas de
memória, como o jornalista russo Shereshe-
vskii, ou S, que precisava apenas ouvir,
enquanto outros jornalistas tinham que ano-
tar o conteúdo das entrevistas (Luria, 1968).
Enquanto eu e você podemos repetir, como
papagaios, uma sequência de 7 - talvez mesmo
9 dígitos -, S podia repetir até 70, desde que
entre a leitura de cada um houvesse um inter-
valo de 3 segundos e que ele estivesse em uma
sala silenciosa. Além disso, ele era capaz de
recordar a ordem de números e palavras tanto
de frente para trás quanto de trás para a
frente. Sua precisão era infalível, mesmo
quando solicitado a recordar uma lista deco-
rada há mais de 15 anos, após ter memori-
zado centenas de outras. "Sim, sim", ele pode-
ria recordar. "Esta foi uma série que você me
disse em seu apartamento ... Você estava sen-
tada à mesa e eu em uma cadeira de balanço ...
Você usava uma blusa cinza e me olhava
assim ..." .
memória a persistência do
aprendizado ao longo do tempo por
intermédio do armazenamento e da
recuperação das informações.
Impressionante? Sem dúvida. Mas consi-
dere a sua própria capacidade de recordar
incontáveis vozes, sons e canções; sabores,
odores e texturas; rostos, lugares e encontros.
É realmente impressionante! Imagine a situ-
ação em que você vê 2.500 fotos de rostos e
lugares por apenas 10 segundos cada um.
Depois, vê 280 dessas fotos pareadas com
outras não mostradas previamente. Se você
for como a maioria dos participantes do expe-
rimento de Ralph Haber (1970), conseguirá
reconhecer 90% das fotos vistas anterior-
mente.
Ou imagine-se olhando para um fragmento
de imagem, como o da FIGURA 8.1. Imagine
também ter olhado para a foto completa por
o FENÔMENO DA
MEMÓRIA
ESTUDANDO A
MEMÓRIA: MODELOS
DE PROCESSAMENTO
DE INFORMAÇÃO
CODIFICAÇÃO: A ENTRADA
DE INFORMAÇÃO
Como Codificamos
O que Codificamos
ARMAZENAMENTO:
RETENÇÃO DE
INFORMAÇÃO
Memória Sensorial
Memória de Trabalho/
de Curto Prazo
Memória de Longo Prazo
Armazenando Memórias
no Cérebro
RECUPERAÇÃO:
ACESSANDOA
INFORMAÇÃO
Pistas de Recuperação
ESQUECIMENTO
Falha na Codificação
Declínio do Armazenamento
Falha na Recuperação
Em Foco: Recuperando
Senhas
CONSTRUÇÃO
DA MEMÓRIA
Informação Enganosa e
Efeitos da Imaginação
Amnésia da Fonte
Distinção entre Memórias
Verdadeiras e Falsas
Recordação do Testemunho
Ocular de Crianças
Memórias de Abuso:
Reprimidas ou Construídas?
APRIMORANDO
A MEMÓRIA
250 CA P í T U LO 8
,
~.. \.", J
r
~ FIGURA 8.1
o que é isto? As pessoas que viram a imagem completa há 17 anos
(na FIGURA 8.2) apresentaram maior propensão a reconhecer esse
fragmento, mesmo tendo esquecido a experiência anterior (Mitchell,
2006).
alguns segundos 17 anos antes. Quando DavidMitchell (2006)
fez essa experiência com algumas pessoas, elas apresentaram
maior propensão para identificar os objetos vistos previamente
do que os membros de um grupo de controle que não tinham
visto os desenhos completos. Além disso, como a cigarra que
ressurge da terra após 17 anos, a memória visual reapareceu
até mesmo para aqueles que não tinham uma lembrança cons-
ciente de ter participado de um experimento tanto tempo
antes!
Como realizamos essas façanhas da memória? Como pode-
mos nos lembrar de coisas sobre as quais não pensamos há
anos e esquecer o nome de alguém que aprendemos há um
minuto? Como as memórias são armazenadas no nosso cére-
bro? Por que algumas memórias dolorosas persistem, como
convidadas indesejáveis, enquanto outras lembranças se vão
rapidamente? Como as lembranças de duas pessoas sobre um
mesmo evento podem ser tão diferentes? Por que, mais adiante
neste capítulo, você lembrará de forma incorreta da frase "O
arruaceiro zangado atirou a pedra na janela"? Como podemos
aprimorar nossa memória? Essas serão algumas das questões
que vamos consider em nossa revisão de mais de um século
de pesquisa sobre a memória.
Estudando a Memória: Modelos
de Processamento de Informação
1: Como os psicólogos descrevem o sistema de
memória humano?
UMMODELODO FUNCIONAMENTODAMEMÓRIApode
nos ajudar a compreender como formamos e recuperamos as
lembranças. Um modelo frequentemente usado como exem-
plo é o do sistema de processamento de informações de um
computador, semelhante à memória humana em alguns
aspectos. Para lembrar de qualquer evento, precisamos con-
duzir a informação ao cérebro (codificação), reter a informa-
ção (armazenamento) e, mais tarde, resgatá-Ia (recupera-
ção). Um computador também codifica, armazena e recupera
informações. Primeiro, ele traduz a entrada (proveniente do
teclado) em linguagem eletrônica, da mesma forma que o
cérebro codifica a informação sensorial em linguagem neu-
ral. O computador armazena permanentemente grandes
quantidades de informações em uma unidade de armazena-
mento, a partir da qual elas poderão ser recuperadas.
Como em todas as analogias, o modelo computacional tem
seus limites. Nossas memórias são menos literais e mais frá-
geis que as do computador. Além disso, a maioria dos compu-
tadores processa as informações rapidamente, porém de modo
sequencial, mesmo quando está alternando tarefas. O cérebro
é mais lento, mas realiza várias tarefas de uma só vez.
codificação o processamento de informações dentro do
sistema de memória - como na extração de significados,
por exemplo.
armazenamento a retenção de informações
codificadas ao longo do tempo.
recuperação o processo de resgatar as informações
que estão armazenadas na memória.
Os psicólogos propuseram diversos modelos de processa-
mento de informaçõesda memória. Um modelo moderno,
o conexionista, vê as memórias como emergindo a partir das
redes neurais interconectadas. Memórias específicas surgem
a partir de padrões de ativação particulares dentro dessas
redes. Em um modelo mais antigo, mas fácil de visualizar,
Richard Atkinson e Richard Shiffrin (1968) propuseram que
nossas memórias se formam em três estágios:
1. Primeiro registramos as informações a serem lembradas
como uma memória sensorial passageira.
2. A partir dela, processamos as informações em um com-
partimento dememória de curto prazo, onde ela é codi-
ficada por reiteração.
3. Finalmente, as informações passam para a memória de
longo prazo, para serem recuperadas posteriormente.
Apesar da importância histórica e da simplicidade didá-
tica, esse processo em três etapas é limitado e falível. Neste
capítulo, adotamos uma versão modificada do modelo de pro-
cessamento em três estágios da memória. Esse modelo atuali-
zado incorpora dois novos e importantes conceitos:
• Algumas informações, como ainda veremos neste
capítulo, pulam os dois primeiros estágios de Atkinson e
Shiffrin e são processadas direta e automaticamente
para a memória de longo prazo, sem estarmos
conscientes delas.
• Memória de trabalho, uma nova compreensão do
segundo estágio de Atkinson e Shiffrin, concentra-se no
processamento ativo das informações nesse estágio
intermediário. Como não nos é possível manter o foco
sobre todas as informações que bombardeiam nossos
sentidos de uma só vez, dirigimos o feixe de luz da
lanterna de nossa atenção sobre certos estímulos que
recebemos - muitas vezes os que são novos ou
importantes. Processamos esses estímulos, junto com as
informações que recuperamos da memória de longo
prazo, na memória de trabalho temporária. A memória
de trabalho associa as informações novas às antigas e
resolve problemas (Baddeley, 2001, 2002; Engle, 2002).
A capacidade da memória de trabalho das pessoas difere.
Imagine que uma letra do alfabeto lhe é mostrada e depois
você tem que responder a uma pergunta simples, em seguida,
uma nova letra é mostrada com uma nova pergunta e assim
por diante. Aqueles que conseguem manter o maior número
de bolas mentais no ar - capazes de lembrar do maior número
de letras apesar das interrupções - costumam, no dia a dia,
demonstrar maior inteligência e capacidade de concentração
nas tarefas (Kane et al., 2007; Unsworth e Engle, 2007).
Quando sinalizados a informar o andamento de suas ativi-
dades, a possibilidade de informarem momentos de dispersão
da tarefa em andamento é menor.
memória sensorial a lembrança imediata e muito
fugaz de informações sensoriais no sistema de memória.
ME M Ó R I A 251
~ FIGURA 8.2
Agora você sabe As pessoas que
viram esta imagem completa tiveram,
17 anos depois, maior facilidade para
reconhecer a versão fragmentada na
FIGURA 8.1.
memória de curto prazo memória ativada que retém
poucos itens por pouco tempo, tais como um número de
telefone enquanto é discado, antes de a informação ser
armazenada ou esquecida.
memória de longo prazo o armazenamento
relativamente permanente e ilimitado do sistema de
memória. Inclui as habilidades do conhecimento e as
experiências.
memória de trabalho um entendimento mais recente
da memória de curto prazo, cujo foco é o
processamento ativo e consciente das informações
recebidas pela audição ou pela percepção visuoespacial,
e das informações recuperadas da memória de longo
prazo.
Vamos agora usar nosso modelo atualizado para observar
mais de perto como codificamos, armazenamos e recupera-
mos as informações.
ANTES DE PROSSEGUIR •.•
~ PERGUNTE A S. MESMO
Como você usou as três partes de seu sistema de memória
(codificação. armazenamento e recuperação) para aprender
alguma coisa nova hoje?
~ TESTE A S. MESMO 1
A memória inclui memória de longo prazo, memória sensorial
e memória de trabalho/de curto prazo. Qual a ordem correta
desses três estágios da memória?
As respostas às Questões "Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no
Apêndice B. no final do livro.
Codificação: A Entrada
de Informação
2: Que informações codificamos
automaticamente? Que informações
codificamos empenhados, e como a
distribuição da prática influencia a retenção?
Como Codificamos
Algumas informações, como o caminho que você fez até a
sala de sua última aula, são processadas com muita facili-
dade, liberando seu sistema de memória para se concentrar
em eventos menos familiares. Mas para reter uma informa-
ção nova, como o novo número do celular de um amigo, é
preciso prestar atenção e se esforçar.
Processamento Automático
Graças à capacidade do nosso cérebro de processar atividades
simultâneas (processamento paralelo), uma enorme quan-
tidade de multitarefas ocorre sem a nossa atenção consciente.
Por exemplo, sem esforço consciente, processamos auto-
maticamente informações sobre:
• espaço. Ao estudar, você pode codificar o local na página
do livro onde determinado material aparece; mais tarde,
ao tentar lembrar da informação, é possível visualizar
sua localização.
• tempo. Enquanto seu dia transcorre, você
involuntariamente percebe a sequêncía de
acontecimentos. Mais tarde, quando você se dá conta de
que deixou o casaco em algum lugar, pode recriar a
sequência e refazer seus passos.
• frequência. Sem muito esforço, você acompanha quantas
vezes alguma coisa aconteceu, o que lhe permite
perceber que "é a terceira vez que passo por ela hoje".
• informações bem aprendidas. Por exemplo, ao ver palavras
em seu idioma, quem sabe na lateral de um caminhão, é
impossível não registrar seu significado. Nessas horas, o
processamento automático é tão espontâneo que é
difícil desligá-Ia.
Decifrar as palavras nem sempre foi tão fácil. Quando você
começou a aprender a ler, procurava o som das letras indivi-
duais para chegar às palavras que elas formavam. Com esforço,
era possível avançar lentamente por meras 20 ou 50 palavras
em uma página. Ler, como algumas outras formas de preces-
samento, inicialmente requer atenção e esforço, mas com a
experiência e a prática acaba se tornando automático. Ima-
gine agora aprender a ler frases invertidas como esta:
.ocitámotua ranrot es edop oçrofse moc otnemassecorp O
No início, isso exige esforço, mas após alguma prática a
tarefa acaba se tornando igualmente automática. Desenvol-
vemos muitas habilidades dessa maneira. Aprendemos a diri-
gir, a enviar torpedos pelo celular, a falar uma nova língua,
tudo com um grande esforço no começo e depois mais auto-
maticamente.
processo automático codificação inconsciente de
informações incidentais, como espaço, tempo e
frequência, e de informações bem-aprendidas, como
significados de palavras.
Processamento Empenhado (Effortful)
Codificamos e retemos grande quantidade de informação de
forma automática, mas nos lembramos de outros tipos de infor-
mações, tais como os conceitos deste capítulo, somente com
esforço e atenção. O processamento empenhado (efforlful)
muitas vezes produz memórias duráveis e acessíveis.
Quando aprendemos novas informações, como nomes,
podemos aprimorar nossa memória por meio da reiteração,
ou repetição consciente. O pesquisador pioneiro da memó-
ria verbal, o filósofo alemão Hermann Ebbinghaus (1850-
1909), demonstrou isso após impacientar-se com as espe-
culações filosóficas sobre a memória. Ele decidiu investigar
sua própria aprendizagem e esquecimento de novos mate-
riais verbais.
Para criar um novo material verbal para seus experimen-
tos, Ebbinghaus organizou uma lista de todas as possíveis
sílabas sem sentido formadas pela inserção de uma vogal
entre duas consoantes. Depois, selecionou uma amostra alea-
tória de sílabas, praticou com elas e testou a si mesmo. Para
ter uma ideia da experiência, leia rapidamente, em voz alta,
252 CA P í T U lO 8
çar a aprendizagem ao longo do tempo (Cepeda et al., 2006).
A práticamassiva pode produzir um aprendizado de curto
prazo rápido e gerar sentimentos de confiança. Mas o tempo
de estudo distribuído produz melhores resultados de fixação
de longo prazo. Após estudar por tempo suficiente para domi-
nar o assunto, o estudo adicional torna-se ineficiente, obser-
vam Doug Rohrer e Harold Pashler (2007). Melhor realizar
a revisão extra mais tarde - no dia seguinte se for preciso
lembrar de algo daqui a dez dias ou no mês seguinte se pre-
cisar lembrar de algo daqui a seis meses.
Tempo em
minutos para
reaprender a
lista no dia 2
20
15
10
Com o aumento
das reiterações,
diminui o tempo
de reaprendizado
5
o
8 16 24 32 42 53 64
Número de repetições da lista no dia 1
>- FIGURA 8.3
Curva de retenção de Ebbinghaus Ebbinghaus descobriu que
quanto mais vezes ele praticava uma lista de sílabas sem sentido no
dia 1, menos repetições eram necessárias para reaprender a lista no
dia 2. Em termos simples, quanto mais tempo dedicamos a aprender
novas informações, mais conseguimos retê-Ias. (De Baddeley, 19B2.)
oito vezes ou mais os itens da lista a seguir (de Baddeley,
1982). Tente depois lembrá-los:
JIH, BAZ, FUB, YOX, SU], XIR, DAX, LEQ, VUM, PID, KEL, WAV,
TUV, ZOF, GEK, HIW.
No dia seguinte após ter aprendido a lista, Ebbinghaus conseguia
recordar poucas sílabas. Mas estariam elas inteiramente esque-
cidas? Como a FIGURA 8.3 mostra, quanto mais frequente-
mente ele repetisse a lista em voz alta no primeiro dia, de menos
repetições ele precisava para reaprendê-las no segundo dia. Eis
então a introdução de um princípio simples: A quantidade recor-
dada depende do tempo dedicado à sua aprendizagem. Mesmo após
já termos aprendido um material, o ensaio adicional (supera-
prendizagem) aumenta a retenção. O ponto a ser lembrado: Para
aprender novas informações verbais, a prática - o processamento
empenhado (efforiful) - de fato leva à perfeição.
"Ele deveria testar sua memória recitando os versos."
Abdur-Rahman
Abdul Khaliq, "Memorizing the Quran"
processamento empenhado (effortful) codificação
que exige atenção e esforço consciente.
reiteração a repetição consciente das informações
para mantê-Ias em nível consciente ou para codificá-Ias
para armazenamento.
Pesquisas posteriores revelaram mais sobre a formação de
memórias duradouras. Parafraseando Ebbinghaus (1885),
quem aprende rápido esquece igualmente rápido. Retemos
informações melhor quando a reiteração é distribuída no
tempo (como quando aprendemos os nomes de nossos cole-
gas de turma), um fenômeno denominado efeito de espa-
çamento. Mais de 300 experimentos ao longo do último
século revelaram consistentemente as vantagens de se espa-
efeito de espaçamento a tendência para distribuir o
estudo ou a prática a fim de se obter uma melhor
retenção de longo prazo do que se alcançaria pelo
estudo ou prática intensos.
efeito de posicionamento serial nossa tendência a
lembrar melhor do primeiro e último itens de uma lista.
Em um experimento de nove anos, Harry Bahrick e mais três
membros de sua família (1993) praticaram a tradução de pala-
vras de uma língua estrangeira por um determinado número de
vezes, em intervalos variando entre 14 e 56 dias. Seu achado
consistente: quanto maior o espaço entre as sessões práticas,
melhor sua retenção por mais de cinco anos. Qual seria a apli-
cação prática? O espaçamento do aprendizado - por um semes-
tre ou por um ano, mais do que por curtos períodos de tempo
- pode ajudar não só nos exames finais de toda a matéria, mas
também a reter as informações por toda a vida. Sessões repeti-
das de perguntas e respostas de matéria estudada previamente
também ajudam, um fenômeno que Henry Roediger e ]effrey
Karpicke (2006) chamam de efeito de testagem, completando:
"Os testes são uma maneira poderosa de melhorar o aprendi-
zado, não apenas de avaliá-lo." Em um de seus estudos, os estu-
dantes conseguem lembrar melhor o significado de 40 palavras
em suaili se submetidos a testes repetidos do que se passassem
o mesmo tempo reestudando as palavras (Karpicke e Roediger,
2008). Então eis aqui outro ponto a ser lembrado: o estudo espa-
çado e a autoavaliação superam o estudo massivo.
"Amente é lenta para desaprender aquilo que levou
muito tempo para aprender."
Sêneca, filósofo romano [4 a.C. - 55 d.e.)
Outro fenômeno, o efeito de posição serial, ilustra os
benefícios adicionais da reiteração. Em um paralelo com a
vida cotidiana, imagine que, no seu primeiro dia num novo
emprego, o gerente apresente você a seus novos colegas de
trabalho. À medida que cumprimenta cada um deles, você
repete (treina) todos os nomes, começando pelos primeiros.
Quando cumprimentar a última pessoa, terá levado mais
tempo ensaiando os primeiros nomes do que os últimos;
assim, no dia seguinte será mais fácil lembrar dos primeiros
nomes. Além disso, o aprendizado dos primeiros nomes pode
interferir no aprendizado dos últimos.
Os pesquisadores demonstraram o efeito da posição serial
mostrando uma lista de itens (palavras, nomes, datas e
mesmo odores) para algumas pessoas e, logo em seguida,
pedindo que repetissem a lista em qualquer ordem (Reed,
2000). Ao se esforçarem para lembrar a lista, em geral elas
lembravam melhor do primeiro e do último item do que
daqueles que estavam no meio (FIGURA 8.4).
Talvez porque os últimos itens ainda estejam na memória
de trabalho, as pessoas conseguem lembrar deles brevemente,
ME M Ó R I A 253
Lembrança
imediata: últimos <, ,,_--:"'I~
itens (efeito de
recentidade)
Percentual 90%
de palavras 80
lembradas
70
60
50
40
30
20
10
O
Lembrança
tardia:
apenas os
primeiros
itens são
mais bem
lembrados
(efeito da
primazia)
/
1 2 3 4 5 6 7 8 9 101112
Posição das palavras na lista
de maneira rápida e precisa (um efeito de recentidade). Mas
após algum tempo - após terem desviado sua atenção dos
últimos itens - elas têm uma melhor lembrança dos primei-
ros itens (um efeito de primazia).
Às vezes, no entanto, a reiteração não basta para armaze-
nar novas informações que serão recuperadas posteriormente
pela memória (Craik e Watkins, 1973; Greene, 1987). Para
compreender o motivo disso, precisamos saber mais sobre
como codificamos as informações para o processamento pela
memória de longo prazo.
o que Codificamos
3: Que métodos de processamento empenhado
ajudam a formar as memórias?
o processamento daquilo que recebemos por nossos sentidos
se parece com a forma como organizamos nossas mensagens
de e-mail. Alguns itens são imediatamente descartados.
Outros são abertos, lidos e retidos. Processamos as informa-
ções pela codificação de seus significados, suas imagens, ou
pela organização mental.
Níveis de Processamento
Quando processamos as informações verbais para armaze-
namento, geralmente codificamos seu significado, asso-
ciando-as, por exemplo, ao que já sabemos ou às nossas supo-
sições. Seouvimos a mar ela como "amarela" ou "amar ela" *
dependerá de como o contexto e a nossa experiência nos
guiam na interpretação e codificação dos sons. (Lembre-se
de que nossas memórias de trabalho interagem com nossas
memórias de longo prazo.)
Será que você consegue repetir a frase sobre o arruaceiro
que apareceu no início deste capítulo ("o arruaceiro zangado
jogou ...")? Talvez, assim como os participantes do experi-
mento promovido por William Brewer (1977), você tenha
lembrado da frase pelo significado que você codificou quando
a leu (por exemplo, "O arruaceiro zangado jogou o tijolo
através da janela") e não como ela estava escrita ("O arrua-
ceiro zangado atirou a pedra na janela"). Referindo-se a essa
*No original: eye-screem, "ice cream" (sorvete), "I scream" (eu grito)"
(N.T.)
~ FIGURA 8.4
O efeito da posição serial Imediatamente após ler
uma lista de itens, é difícil para muitas pessoas lembrar de
todos os itens presentes. (De Craik e Watkins, 1973.)
lembrança,Gordon Bower e Oaniel Morrow (1990) compa-
raram nossas mentes a um diretor de teatro que, recebendo
um roteiro bruto, imagina uma produção teatral completa.
Solicitados mais tarde a lembrar o que ouvimos e lemos, não
nos lembramos literalmente do texto, mas daquilo que codifi-
camos. Assim, ao estudar para uma prova, você pode se lem-
brar melhor de suas anotações do que da própria leitura.
Eis aqui outra frase sobre a qual perguntarei mais à
frente: O peixe atacou o nadador.
Que tipo de codificação você acha que produz a melhor
memória da informação verbal?Acodificação visual da ima-
gem?Acodificação acústica do som? Acodificação semân-
tica do sentido? Cada um desses níveis de processamento
tem seu próprio sistema cerebral (Poldrack eWagner, 2004).
E todos podem ajudar. A codificação acústica, por exemplo,
aprimora a memorização e a aparente verdade de aforismos
em rima. "What sobriety conceals, alcohol reveals" ("O que
a sobriedade oculta, o álcool revela") parece mais preciso do
que "what sobriety conceals, alcohol unmasks" ("o que a
sobriedade revela, o álcool desmascara") (McGlone e Tofi-
ghbakhsh, 2000). O célebre argumento do advogado Johnnie
Cochran ao júri no caso O.J. Simpson - "If the glove doesn't
fit, you must acquit" ("Se a luva não servir, vocês vão deixá-
10 sair") - também é lembrado mais facilmente do que se ele
tivesse dito "If the glove doesn't fit, you must find him not
guilty!" ("Se a luva não couber, vocês devem considerá-lo
inocente! ").
Para comparar codificação visual, acústica e semântica,
FergusCraik e Endel Tulving (1975) mostraram rapidamente
uma palavra para um grupo. Em seguida, fizeram perguntas
que obrigavam as pessoas a processar as palavras em um dos
três níveis: (1) visualmente (a aparência das letras), (2) acus-
ticamente (o som das palavras) e (3) semanticamente (o
sentido das palavras). Para experimentar a tarefa vocêmesmo,
responda rapidamente às questões a seguir:
Exemplos de Perguntas para
Eliciar o Processamento
1. A palavra está em maiúsculas?
2. A palavra rima com gato?
3. A palavra se encaixaria na frase,
"A garota colocou a __ sobre
a mesa"?
Palavra
Mostrada
CADEIRA
pato
arma
Sim Não
codificação visual a codificação de imagens.
254 CA P í T U l O 8
Tipo de
cod ificação
> FIGURA 8.5
Níveis de processamento O processamento
profundo de uma palavra - pelo seu significado
(codificação semântica) - produz melhor
reconhecimento dessa palavra em um
momento posterior do que um processamento
superficial, baseado na sua aparência ou som
(De Craik e Tulving, 1975).
o
.' codificação auditiva a codificação dos sons,
especialmente do som das palavras.
:: codificação semântica a codificação do significado,
incluindo o significado das palavras.
Que tipo de processamento prepararia você melhor para reco-
nhecer as palavras mais tarde? No experimento de Craik e Tul-
víng, o último, a codificação semântica - questão 3 -, produziu
melhor memorização que o "processamento superficial" indu-
zido pela questão 2 e, especialmente, pela 1 (FIGURA 8.5).
e Quantos Fs existem na frase a seguir?
FINISHED FILES ARE THE RESULTS OF YEARS OF
SCIENTIFIC STUDY COMBINED WITH THE
EXPERIENCE OF YEARS.2 Veja a resposta invertida a
seguir. e
'd owo:> anb
op 1\ ouioa s!ew weos anb sejanbe a~uawlepadsa
'S::l sras sop sunõje neprad ~:>OAa~uawlaAeAoJd
'lenS!A anb op s!ew OA!~!pne a~uaWledpu!Jd ras
seJ~al sep lep!u! oaueuresseoord o e oprxap a~Jed w3
Mas, diante de um roteiro tão básico, é difícil criar um
modelo mental. Coloque-se no lugar dos estudantes a quem
]ohn Bransford e Marcia]ohnson (1972) solicitaram lembrar
a seguinte passagem registrada em uma fita de áudio:
O procedimento é realmente muito simples. Primeiro você arruma
o material em grupos diferentes. Claro que uma pilha pode ser
suficiente, dependendo da quantidade do que há para fazer ... Após
o procedimento estar completo, alguém organiza o material em
grupos diferentes de novo. O material então poderá ser colocado
em um lugar apropriado. Por fim, poderá ser usado mais uma
vez, e o ciclo inteiro terá que ser repetido. Porém, isso faz parte
da vida.
Quando os estudantes ouviram o parágrafo que você aca-
bou de ler, sem o sentido do contexto, eles se lembraram
muito pouco dele. Quando informados de que o parágrafo
era sobre lavar roupas (algo que fazia sentido para eles), con-
seguiram se lembrar muito mais do texto - como você pro-
vavelmente o fará após lê-lo de novo. O processamento pro-
2Arquivos encerrados são o resultado de anos de estudo científico com-
binados com a experiência de anos. (N.R.)
Semântica
(tipo de ...)
Acústica
(rima com ...)
Visual
(em maiúsculas?)
10 20 30 40 50 60 70 80 90
Percentual de quem lembrou da palavra posteriormente
100
fundo de uma palavra - pelo seu significado (codificação
semântica) - produz melhor reconhecimento dessa palavra
em um momento posterior do que um processamento super-
ficial, baseado na sua aparência (codificação visual) ou pelo
som (codificação acústica) (Craik e Tulvíng, 1975).
Uma pesquisa como essa sugere as vantagens da reformu-
lação do que lemos e ouvimos em termos significativos. É
comum perguntarem aos atores como conseguem aprender
"todas aquelas falas". Eles fazem isso em primeiro lugar com-
preendendo o fluxo de significado, relatam os atores psicó-
logos Helga Noice e Tony Noice (2006). "Um ator dividiu
uma meia página de diálogo em três [intenções]: 'para agra-
dar', 'para colocá-lo para fora' e para 'apaziguar seus temo-
res'." Com essa sequência significativa em mente, o ator con-
segue lembrar as falas mais facilmente.
Nos experimentos que realizou consigo mesmo, Ebbin-
ghaus estimou que a memorização de material dotado de
sentido exigia um décimo do esforço necessário para memo-
rizar material sem sentido. Conforme o pesquisador da memó-
ria Wayne Wickelgren (1977, p. 346) relatou, "o tempo que
você leva pensando sobre o que está lendo e relacionando-o
ao material previamente armazenado é o procedimento mais
útil que você pode fazer para aprender qualquer fato novo".
O ponto a ser lembrado: A quantidade do que é lembrado
depende do tempo dedicado ao aprendizado e de sua capaci-
dade de dar sentido ao que deseja memorizar.
Guardamos excelentes lembranças daquilo que podemos
relacionar a nós mesmos. Se perguntados sobre como certos
adjetivos descrevem uma outra pessoa qualquer, geralmente
os esqueceremos; perguntados sobre o quão bem os adjetivos
nos descrevem, lembraremos melhor dos termos usados -
especialmente aqueles de culturas individualistas ocidentais.
Esse fenômeno é chamado de efeito de autorreferência (Symons
e Iohnson, 1997; Wagar e Cohen, 2003). Dessa forma, você
terá mais proveito se levar algum tempo buscando dar um
sentido pessoal àquilo que está estudando. Informações con-
sideradas "relevantes para mim" são processadas de maneira
mais profunda e se mantêm mais acessíveis.
imagética imagens mentais; um poderoso auxílio para
o processamento empenhado, especialmente se
combinado à codificação semântica.
mnemônicos auxílios para a memória, especialmente
aquelas técnicas que usam imagens vívidas e recursos
de organização.
ME M Ó R I A 255
Codificação Visual
Por que temos que nos esforçar para memorizar fórmulas, defi-
nições e datas, ainda que possamos facilmente lembrar onde
estivemos ontem, quem estava conosco, onde sentamos e o
que vestíamos? Uma diferença é a maior facilidade para lem-
brar de imagens mentais. Nossas primeiras memórias - pro-
vavelmente de algo que aconteceu por volta dos 3 ou 4 anos
de idade - envolvem imagética visual. Lembramos melhor de
palavras concretas, que conduzem à elaboração de imagens
mentais, do que de palavras abstratas, com pouca conexão
visual. (Quando eu perguntar mais à frente, de quais destas
três palavras - máquina de escrever, vazio, cigarro, inerente, fogo,
processo- você recordará mais facilmente?) Se você ainda se
lembra da frase sobre o arruaceiro da pedra, provavelmente
não será apenas pelo sentido codificado, mas pela imagem
visual que a frase ocasionou. A memória para substantivos
concretos, como "cigarro", é auxiliada pela codificação tanto
semântica quanto visual (Marschark et al., 1987; Paivio,1986).
Dois códigos são melhores que um.
Graças a essa durabilidade das imagens vívidas, nossa lem-
brança de uma experiência é muitas vezes colorida por seu
melhor ou por seu pior momento - o melhor momento de
prazer ou alegria, e o pior momento de dor ou frustração (Fre-
drickson e Kahneman, 1993). Lembrar os pontos altos e esque-
cer os eventos mundanos pode explicar o fenômeno da retros-
pectiva otimista (Mitchell et al., 1997): as pessoas tendem a
recordar eventos como férias no campo mais positivamente
do que de fato o foram quando os estavam vivenciando. Uma
visita à Disney é lembrada menos pelo calor e filas interminá-
veis do que pelos brinquedos, passeios e comida.
A imagética está no centro de muitos dispositivos mne-
mônicos (assim denominados em decorrência da palavra
"memória" em grego). Os antigos estudiosos e oradores gre-
gos desenvolveram técnicas mnemônicas para aiudá-Ios a
lembrar de longas passagens e discursos. Alguns recursos mne-
mônicos modernos apoiam-se em códigos acústicos e visuais.
Por exemplo, o sistema de palavras conexas exigeque inicial-
mente se memorize um verso: "Um é atum; dois são bois· três
é chinês; quatro é prato; cinco é brinco; seis são reis; sete é t~pete;
oito é biscoito; no nove, chove; dez são pastéis."* Sem muito
esforço, você es~ará apto a contar pelas palavras conexas, em
vezde usar os numeros: atum, bois, chinês ... , e então associará
visualmente as palavras aos itens a serem lembrados. Agora
você está pronto para desafiar qualquer um a lhe dar uma
lista de compras para memorizar. Cenouras? Imagine-as den-
tro de um atum. Leite? E só pensar em vacas e bois. Papel-
toalha? Imagine-o enrolado na coroa do rei. Pense nas pala-
vras conexas e verá as imagens associadas: cenouras, leite,
papel-toalha. Com poucos erros (Bugelski et al., 1968), você
será capaz de recordar todos os itens em qualquer ordem. Os
gênios da memória conhecem o poder desse tipo de sistema.
Um estudo com astros com alto desempenho nos Campeo-
natos Mundiais de Memória mostrou que eles não são excep-
cionalmente inteligentes, mas são superiores na utilização de
estratégicas mnemônicas espaciais (Maguire et al., 2003).
Organizando as Informações
para Codificação
Os truques mnemônicos ajudam a organizar o material para
nossa recuperação posterior. Quando o parágrafo de Brans-
*No original: "One is a bun; two is a shoe; three is a tree; four is a door;
five is a hive; six is sticks; seven is heaven; eight is a gate; nine is a swine;
ten is a hen." (N.T.)
1. <j J !D eu \ "V1 '1
2. K L C I S N E
3. KLCISNE NVESE YNA I CSTTIH TNOO
4. NICKELS SEVEN ANY IN STITCH DONT
5. NICKELS SEVEN ANY IN STITCH DONT
SAVES AGO A SCORE TIME ANO
NINE WOOOEN FOUR YEARS TAKE
6. DONT TAKE ANY WOOOEN NICKELS
FOUR SCORE ANO SEVEN YEARS AGO
A STITCH IN TIME SAVES NINE-
~ FIGURA 8.6
Efeitos do agrupamento (chunking) sobre a memória Quando
organizamos as informações em unidades significativas, tais como
letras, palavras e frases, conseguimos lembrar mais facilmente delas.
(De Hintzman, 1978.)
ford e ]ohnson sobre lavar roupa passou a ter sentido, foi
possível organizar as sentenças em uma sequência. Nós pro-
cessamos as informações mais facilmente quando podemos
organizá-Ias em unidades ou estruturas significativas.
Agrupamento (Chunking) Observe a linha 1 da FIGURA
8.6 por alguns segundos, então afaste o olhar e tente repro-
duzir o que viu. Impossível não é? Mas você pode facilmente
reproduzir a segunda linha, que não é menos complexa. De
forma semelhante, a linha 4 será ainda mais fácil de memo-
rizar do que a 3, embora ambas contenham as mesmas letras.
Evocê poderia lembrar o sexto grupo mais facilmente que o
quinto, embora ambos contenham as mesmas palavras.
Como essas unidades demonstram, lembramos mais facil-
mente das informações quando podemos organizá-Ias em
agrupamentos com algum sentido que possamos administrar.
O processo de agrupamento ocorre tão naturalmente que
sequer nos damos conta dele. Se o inglês é sua língua nativa,
poderá reproduzir com perfeição os 150 ou mais segmentos
de linhas que formam as palavras nas três frases do item 6
da FIGURA 8.6. Seria algo surpreendente para alguém não
familiarizado com o inglês.
Eu também fico igualmente impressionado com a habili-
dade de uma pessoa que domina o chinês e que, após obser-
var a FIGURA 8.7, é capaz de reproduzir todos os traços ali
contidos; ou de um mestre do xadrez que, após observar o
tabuleiro por 5 segundos, consegue recordar a posição exata
da maioria das peças (Chase e Simon, 1973); ou, ainda, de
um craque de basquete que, após observar rapidamente a
quadra por 4 segundos, consegue lembrar a posição exata dos
jogadores (Allard e Burnett, 1985). Todos nós nos lembra-
mos com mais clareza das informações quando somos capa-
zes de organizá-Ias em um arranjo com significado pessoal.
O agrupamento também pode ser usado como uma téc-
nica mnemônica para lembrar de material pouco familiar.
*Citações e provérbios ingleses, sem correspondência exata com o portu-
guês. "Don'ttake anywooden nickels" é similar a "Não leve gato por lebre",
mas se refere a moedas de madeira usadas durante a Grande Depressão,
nos EUA. "Four score and seven years" refere-se a um discurso de Abraham
Lincoln, que, por sua vez, é uma referência bíblica à passagem do tempo.
"A stitch in time saves nine" tem o equivalente em português de "Uma
pílula a tempo poupa nove", cf. LACERDA,Roberto Cortes de. Dicionário
de provérbios: francês, português, inglês. Editora Unesp, 2004. (N.T.)
256 C A P í T U l O 8
>- FIGURA 8.7
Um exemplo de agrupamento - para aqueles que
leem chinês Apósobservarestes caracteres,vocêconsegue
reproduzi-Ios com exatidão? Se conseguir, é porque sabe
chinês.
Quer lembrar das cores do arco-íris na ordem de seus com-
primentos de onda? É só gravar a combinação mnemônica
"Vermelho lá vai violeta", em que "lá vai" são as iniciais das
cores laranja, amarelo, verde, azul e índigo. Precisa decorar
os nomes dos cinco grandes lagos da América do Norte, pense
na palavra HOMES (casas, em português) para as iniciais dos
lagos Huron, Ontário, Michigan, Erie e Superior. Nos dois
casos, agrupamos as informações em uma forma mais fami-
liar, criando uma palavra (chamada de acrônimo) com as
primeiras letras de cada um dos itens a serem lembrados.
Na discussão sobre codificação por imagens,
apresentei seis palavras e avisei que iria perguntar
quais eram mais tarde. Quantas dessas palavras você
consegue lembrar agora? Dessas, quantas têm forte
apelo visual? Quantas têm apelo visual menor? (Você
pode conferir sua lista com as seis palavras
invertidas a seguir.)
osseoord 'O::>0l
'a~uaJau! 'oJJeôp 'o!ze/\ 'Ja/\aJ::>saep eu!nbljlW
Hierarquias Quando as pessoas se especializam numa área,
começam a processar as informações não só pelo agrupa-
mento, mas também em hierarquias compostas por alguns
poucos conceitos amplos, divididos e subdivididos em con-
ceitos e fatos mais específicos. Este capítulo, por exemplo,
tem o objetivo de ajudar você a não só entender os aspectos
elementares da memória, mas também a organizar esses fatos
em princípios amplos, como a codificação; em subprincípios,
como o processamento automático e o processamento empe-
nhado; e em conceitos ainda mais específicos, como a signi-
ficação, a imagética e a organização (FIGURA 8.8).
Organizar o conhecimento em hierarquias nos ajuda a
recuperar as informações com eficiência. Gordon Bower e
seus colegas (1969) demonstraram isso apresentando pala-
vras de forma aleatória ou agrupadasem categorias. Quando
organizadas em grupos, a recordação das palavras era duas a
três vezes melhor. Esses resultados mostram os benefícios de
organizar o que se estuda - de dar atenção especial aos tópi-
cos de um capítulo, cabeçalhos, questões prévias, resumos e
questões para autoavaliação. Se você puder hierarquizar os
conceitos de um capítulo de acordo com sua organização
geral, é provável que lembre deles de modo mais eficaz na
hora de um teste. Ler e anotar na forma de tópicos - tipo de
organização hierárquica - também pode ser proveitoso.
agrupamento (chunking) organizar os itens em
unidades familiares administráveis; normalmente ocorre
de maneira automática.
memória icônica uma memória sensorial momentânea
de estímulos visuais; uma memória fotográfica ou
pictórica que não dura mais do que poucos décimos de
um segundo.
ANTES DE PROSSEGUIR ...
>- PERGUNTE A SI MESMO
Você consegue imaginar três maneiras de empregar os
princípios desta seção para melhorar seu próprio aprendizado
e retenção de ideias importantes?
>- TESTE A SI MESMO 2
Qual seria a estratégia mais eficaz para aprender e reter uma
lista de nomes de figuras históricas por uma semana? Epor
um ano?
As respostas às questões "Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no
Apêndice B, no final do livro.
Armazenamento: Retenção
de Informação
NO CORAÇÃO DA MEMÓRIA ESTÁO ARMAZENAMENTO.
Se, depois de algum tempo, você lembrar de uma experiên-
cia, de alguma forma ela foi armazenada e resgatada. Tudo o
que é armazenado em nossa memória de longo prazo se man-
tém adormecido, esperando ser despertado por algum estí-
mulo. Qual é a capacidade de armazenamento de nossa
memória? Vamos começar pelo primeiro tipo de armazena-
mento de memória relatado no modelo de processamento
em três estágios - nossa efêmera memória sensorial.
Codificação
(automáticaou comesforço[effortfulD
Significado
>- FIGURA 8.8
Aorganização favoreceamemória Quando
organizamos as palavras ou conceitos em
grupos hierárquicos, conforme ilustrado aqui
com conceitos deste capítulo, lembramos
deles mais facilmente do que quando são
apresentados aleatoriamente.
Imagética Organização
Agrupamentos Hierarquias
Memória Sensorial
ME M Ó R I A 257
4: o que é a memória sensorial?
Que porção desta página você conseguiria perceber e lembrar
com uma exposição menor do que o piscar de um flash? O
pesquisador George Sperling (1960) pediu a algumas pessoas
que fizessem algo assim ao mostrar-lhes três linhas com três
letras cada, por apenas um vigésimo de segundo (FIGURA
8.9). Após o desaparecimento das nove letras da tela, as pes-
soas só conseguiam lembrar de metade delas.
Isso ocorreu porque essas pessoas tiveram pouco tempo
para olhar as letras? Não, Sperling, de modo bastante inteli-
gente, demonstrou que as pessoas podiam ver e se lembrar de
todas as letras, mas apenas momentaneamente. Em vez de
pedir-lhes que lembrassem todas as nove letras, Sperling fez
soar um som em tom baixo, médio e alto após apresentar as
letras. Essa pista direcionava as pessoas a relatar apenas as
letras presentes em uma das linhas - no alto, no meio ou
embaixo -, respectivamente. Agora elas raramente perdiam
uma letra, mostrando que as nove estavam momentanea-
mente disponíveis para serem recordadas.
O experimento de Sperling revelou a presença de uma
memória fotográfica efêmera denominada memória icônica.
Por alguns décimos de segundo, nossos olhos registram uma
representação exata de uma cena e nós podemos nos lembrar
de qualquer parte dela em detalhes impressionantes. Mas, se
Sperling atrasasse o sinal sonoro com o tom adequado por
mais de meio segundo, a imagem se teria desfeito e os parti-
cipantes da pesquisa só conseguiam recordar de metade das
letras de novo. Nossa tela visual se desfaz muito rapidamente
à medida que novas imagens se sobrepõem às antigas.
memória ecoica uma memória sensorial momentânea
de um estímulo auditivo; se a atenção está voltada para
outra coisa, os sons e as palavras ainda podem ser
lembrados por 3 ou 4 segundos.
Também temos uma impecável, embora efêrnera, memória
para estímulos auditivos, chamada memória ecoica (Cowan,
1988; Luet al., 1992). Imagine a si mesmo em uma conversa,
enquanto presta atenção na televisão. Se o seu interlocutor
ligeiramente irritado perguntar "O que eu acabei de falar?",
você vai recuperar as últimas palavras ditas de sua câmara de
eco mental. Os ecos auditivos costumam durar cerca de 3 ou
4 segundos.Os experimentos com asmemórias icônica e ecoica
K z R
Q B T
s G N
~ FIGURA 8.9
Memória fotográfica momentânea Quando George Sperling piscava
um grupo de letras semelhante ao quadro acima por um vigésimo de
segundo, as pessoas conseguiam lembrar de apenas metade das letras.
Mas, quando sinalizadas a lembrar uma linha específica imediatamente
após o desaparecimento das letras, eram capazes de fazer isso quase
que com perfeição.
nos ajudaram a compreender as gravações iniciais das infor-
mações sensoriais no sistema de memória.
Memória de Trabalho/de Curto Prazo...... . ,.•......•••.......•.......•......••...
5: Quais são a duração e a capacidade das
memórias de curto e de longo prazo?
Em meio à vasta quantidade de informações registrada por
nossa memória sensorial, iluminamos algumas com o foco de
nossa atenção. Também resgatamos informações do armaze-
namento de longo prazo para a apresentação "ao vivo". Entre-
tanto, a não ser que nossa memória de trabalho codifique de
maneira significativa ou reitere a informação, ela rapidamente
desaparecerádo nosso armazenamento de curto prazo.Durante
a viagem de nossos dedos do caderno de telefones até o tele-
fone, a lembrança de um número específico pode evaporar.
Para descobrir com que velocidade a memória de curto
prazo desaparece, LloydPeterson e Margaret Peterson (1959)
pediram a voluntários para lembrar de grupos de três conso-
antes, como CHJ. Para evitar que reiterassem (ou reverberas-
sem) as letras, os pesquisadores pediam aos participantes que,
por exemplo, contassem a partir de cem, de trás para a frente,
diminuindo três números por vez. Após 3 segundos, as pes-
soas lembravam as letras apenas metade das vezes; após 12
segundos, raramente se lembravam de qualquer uma delas
(FIGURA 8.10). Sem o processamento ativo, a memória de
curto prazo tem vida limitada.
Amemória de curto prazo é limitada não apenas na dura-
ção, mas também na capacidade, normalmente podendo
armazenar cerca de sete bits de informação (com uma mar-
gem de mais ou menos dois). George Miller (1956) definiu
essa capacidade de memória como o Mágico Número Sete,
mais ou menos dois. Não surpreendentemente, quando algu-
mas companhias telefônicas obrigaram os assinantes nos EUA
a acrescentar o número de código de área ao número de sete
dígitos, muitas pessoas relataram problemas em reter o
número recém-aprendido.
Percentual dos 90% ~fque lembraram 80das consoantes
70
60 Perda
50 rápida semreiteração
40
30
20
10
O
3 6 9 12 15 18
Tempo em segundos entre a
apresentação das consoantes e a
solicitação para que fossem lembradas
(sem permissão para reiterar)
~ FIGURA 8.10
Perda da memória de curto prazo A não ser que as informações
verbais sejam reiteradas, elas podem ser esquecidas rapidamente. (De
Peterson e Peterson, 1959; veja também Brown, 1958.)
258 ( A P í T U l O 8
o Mágico Número Sete tornou-se a contribuição da
psicologia a uma intrigante lista de setes mágicos -
as sete maravilhas do mundo, os sete mares, os sete
pecados capitais, as sete cores primárias, as sete
notas da escala musical, os sete dias da semana -
sete setes mágicos.
Nossa memória de curto prazo é um pouco melhor para
dígitos aleatórios (como os de um número de telefone) do
que para letras aleatórias, que às vezes têm sons similares. É
um pouco melhor para a informação que ouvimos do que
para as imagens que vemos. Grosso modo, tanto criançasquanto adultos têm lembranças de curto prazo para tantas
palavras quanto as que podem falar em 2 segundos (Cowan,
1994; Hulme e Tordoff, 1989). Em comparação às palavras
que podem ser faladas em inglês, os sinais de Libra, a língua
de sinais usada para comunicação entre deficientes auditivos,
levam mais tempo para serem articulados. E, com certeza, a
memória de curto prazo é capaz de reter menos sinais do que
as palavras pronunciadas (Wilson e Emmorey, 2006).
Sem reiteração, a maioria de nós retém na memória de
curto prazo apenas cerca de quatro agrupamentos de infor-
mações (por exemplo, letras agrupadas de maneira significa-
tiva, como BBC, FBI, KGB, CIA) (Cowan, 2001; ]onides et
al., 2008). Eliminar a reverberação, dizendo, por exemplo,
"te te te" enquanto se ouvem números aleatórios também
reduz a memória para cerca de quatro itens. O princípio básico
é que, a qualquer momento, processamos de forma consciente
apenas uma quantidade muito limitada de informações.
Memória de Longo Prazo
No livro Um estudo em vermelho, de Arthur Conan Doyle,
Sherlock Holmes apresenta uma teoria popular sobre a capa-
cidade da memória:
Considero que o cérebro de um homem originariamente é como
um pequeno sótão vazio que temos que mobiliar com os móveis
de nossa escolha ... É um erro pensar que o pequeno cômodo tem
paredes elásticas e pode se distender para qualquer tamanho.
Dependendo de como for, haverá um tempo em que, para qual-
quer conhecimento novo, teremos que esquecer algo que sabía-
mos antes.
Em oposição à crença de Sherlock Holmes, todavia, nossa
capacidade de armazenamento da memória de longo prazo é
essencialmente ilimitada. Nossos cérebros não são como
sótãos, que uma vez cheios só podem estocar novos itens se
os antigos forem descartados.
Pi nas alturas: No momento em que este livro ia para
a gráfica, o recorde mundial de memorização do pi
ainda pertencia ao japonês Akira Haraguchi, que,
segundo alguns relatos, recitou os 100.000 primeiros
algarismos do pi corretamente em 2006. (Associated
Press, 2006)
Essa capacidade é vividamente ilustrada por pessoas capa-
zes de proezas fenomenais com a memória (TABELA 8.1).
Considere os testes com a memória do psicólogo Rajan Maha-
devan, na década de 1990. Se lhe déssemos um bloco de 10
números dos primeiros 30.000 dígitos de pi, após alguns
momentos de pesquisa mental para a cadeia de algarismos
ele diria a série a partir dali, disparando números como uma
metralhadora (Delaney et al., 1999; Thompson et al., 1993).
Ele também era capaz de reverberar 50 dígitos aleatórios - de
trás para a frente. Isso não é um dom genético, segundo ele;
qualquer um pode aprender a fazê-Io. Entretanto, dada a
influência genética em tantos outros traços humanos, e
sabendo que o pai de Rajan podia memorizar obras comple-
tas de Shakespeare, deve-se perguntar sobre a participação
dos genes nessa história. Devemos lembrar que muitos fenô-
menos psicológicos, incluindo a capacidade da memória,
podem ser estudados através de diferentes níveis de análise,
incluindo o biológico.
Armazenando Memórias no Cérebro
6: Como o cérebro armazena nossas memórias?
Eu me maravilhava com minha velha sogra, pianista e orga-
nista aposentada. Aos 88 anos, seus olhos cegos não podiam
mais ler partituras. Porém, se a colocássemos diante de um
teclado, ela conseguia tocar centenas de hinos sem um erro,
incluindo alguns que ela não tocava há mais de 20 anos.
Onde, no seu cérebro, ela teria armazenado essas milhares
de sequências de notas?
potenciação de longo prazo (PLP) um aumento do
potencial de disparos das sinapsesapós uma
estimulação rápida e breve. Acredita-se que seja a base
neural do aprendizado e da memória.
"Nossas memórias são flexíveis e se sobrepõem, um
quadro-negro panorâmico com um estoque infinito de
giz e apagadores."
Elizabeth Loftus E' Katherine Ketcham, The
1'1yth ot Represseti 1'1emary, 1994
Por algum tempo, alguns cirurgiões e pesquisadores da
memória acreditaram que os flashbacks resultantes de esti-
mulação cerebral durante as cirurgias eram evidências de que
todo o nosso passado, e não apenas a música praticada há
muito tempo, estava "lá dentro", com todos os detalhes, ape-
nas esperando para ser resgatado. Mas, quando Elizabeth
Loftus e Geoffrey Loftus (1980) analisaram as "memórias"
vívidas deflagradas pela estimulação cerebral, eles descobri-
ram que esses aparentes flashbacks eram inventados, e não
revividos. O psicólogo Karl Lashley (1950) demonstrou ainda
que as memórias não residem em um único ponto específico.
Ele treinou ratos para que encontrassem a saída de um labi-
rinto, depois cortou partes do córtex de seus cérebros e os
testou novamente. Surpreendentemente, descobriu que não
importava que uma pequena seção do córtex fosse removida,
os ratos retinham pelo menos uma parte da solução para o
labirinto. Assim, apesar da vasta capacidade de armazena-
mento do cérebro, não armazenamos as informações como
as bibliotecas fazem com os livros, em locais identificados e
precisos.
Mudanças Sinápticas
Em busca de pistas sobre o sistema de armazenamento do
cérebro, os pesquisadores contemporâneos da memória foram
em busca de um traço da memória. Apesar de o cérebro repre-
sentar a memória em grupos distribuídos de neurônios, as
células nervosas precisam se comunicar através de suas
sinapses (Tsien, 2007). Assim, o desafio de compreender a
base física da memória - como as informações se "encarnam"
ME M Ó R I A 259
TABELA 8.1
_;5: E"~~:»C':;::~ 5;" E
RECORDES MUNDIAIS EM CAMPEONATOS DE MEMÓRIA
Dos campeonatos mundiais de memória, aqui estão alguns recordes recentes, de 2008:
RecordeDisputa/Descrição
Cartas rápidas
Menor tempo para memorizar um baralho com as 52 cartas misturadas 26 segundos
Cartas em uma hora
O máximo de cartas memorizado em uma hora (52 pontos para cada baralho correto; 26 pontos se houver 1 erro)
Algarismos rápidos
O máximo de algarismos aleatórios memorizados em 5 minutos
1.404 pontos
396 algarismos
181 pontos
Nomes e rostos
O máximo de nomes e sobrenomes memorizados em 15 minutos após ver cartas com rostos
(1 ponto para cada nome ou sobrenome soletrado corretamente;
1/2 ponto para cada nome pronunciado corretamente mas soletrado de maneira errada)
Algarismos binários
O máximo de algarismos binários (101101 etc.) memorizado em 30 minutos após ver linhas de 30 algarismos
Fontes: usamemoriad.com e worldmemorychampionship.com
na matéria - provocou o surgimento de estudos sobre os pon-
tos de encontro das sinapses, onde os neurônios se comuni-
cam uns com os outros através de seus neurotransmissores
mensageiros.
"Abiologia da mente será tão importante cientificamente
para este [novo] século quanto a biologia genética [foi]
para o século XX."
Erik Kandel, discurso ao receber o prêmio
Nobel de 2000
Sabemos que a experiência modifica as redes neurais do
cérebro; devido a um aumento de atividade em uma deter-
minada via, as interconexões neurais se formam ou são refor-
çadas (ver o Capítulo 4). EricKandel e lames Schwartz (1982)
observaram essas alterações nos neurônios emissores de um
animal simples, a lesma-do-mar da Califórnia, ou Aplysia.
Suas meras 20.000 células nervosas são especialmente gran-
des e acessíveis, permitindo aos pesquisadores a observação
das mudanças sinápticas durante o aprendizado. No Capí-
tulo 7, relatamos como a lesma-do-mar pode ser classica-
mente condicionada (com choques elétricos) a recolher de
forma reflexa suas brânquias quando esguichamos água nela,
da mesma forma que soldados com trauma de combate pulam
ao ouvir o som de um graveto se partindo. Observando as
conexões neurais da lesma antes e depois do condiciona-
mento, Kandel e Schwartz mapearam as alterações. Quando
o aprendizado ocorreu, a lesma liberou uma maior quanti-
dade do neurotransmissor serotonina em certas sinapses. Essas
sinapses se tornaram então maiseficientes na transmissão
de sinais.
O aumento na eficiência sináptica melhora a eficiência
dos circuitos neurais. Em experimentos, a estimulação rápida
das conexões de certos circuitos de memória aumentou sua
sensibilidade por horas ou mesmo semanas. O neurônio emis-
4.140 algarismos
sor* agora precisava de menos estímulo para liberar seus
neurotransmissores, e os locais de recepção * do neurônio
receptor podiam aumentar (FIGURA 8.11). Esseprolongado
aumento do potencial de disparo neural, chamado de poten-
ciação de longo prazo (PLP), proporciona uma base neural
para o aprendizagem e associações da memória (Lynch, 2002;
Whitlock et al., 2006). Diversas linhas de comprovação con-
firmam que a PLPé uma base física para a memória:
• As drogas que bloqueiam a PLPinterferem na
aprendizagem (Lynch e Staubli, 1991).
• Camundongos mutantes submetidos a engenharia
genética para anular a enzima necessária para a PLPnão
conseguem achar a saída de um labirinto (Silva et al.,
1992).
• Ratos que receberam uma droga para aumentar a PLP
aprenderam o caminho do labirinto cometendo a
metade do número habitual de erros (Service, 1994).
• A injeção em ratos de substâncias que bloqueiam a
preservação de PLPapaga o aprendizado recente
(Pastalkova et al., 2006).
Alguns biólogos que pesquisam a memória ajudaram a
fundar empresas farmacêuticas que estão competindo pelo
desenvolvimento e testes de drogas para a melhoria da memó-
ria. Seumercado-alvo inclui os milhões de pessoas que sofrem
com o mal de Alzheimer, outros tantos milhões com deterio-
ração cognitiva leve, que muitas vezes se torna Alzheimer, e
incontáveis outras que adorariam reverter o relógio do declí-
nio da memória associado ao envelhecimento. Das memórias
ampliadas provavelmente podem resultar lucros ainda maio-
res.
Uma abordagem é o desenvolvimento de drogas que
aumentam a produção da proteína CREB,que pode ativar ou
desativar os genes. Você deve lembrar que os genes codificam
*Foi mantida a terminologia da obra em inglês "sending neuron" e "recei-
ving neuron". Atualmente são utilizados os termos neurônio pré-sináp-
tico e pós-sináptico, respectivamente. (N.R.)
260 C A P íT U l O 8
>- FIGURA 8.11
Locais de receptores duplos Imagens de
microscópio eletrônico mostram apenas um
ponto receptor (cinza) indo em direção a um
neurônio emissor antes da potenciação de longo
prazo (esquerda) e dois pontos após a PLP
(direita). Uma duplicação dos pontos de recepção
significa que o neurônio receptor teve sua
sensibilidade aumentada para detectar a presença
de moléculas neurotransmissoras que podem ser
liberadas pelo neurônio emissor. (De Toni et aI.,
1999.)
a produção de moléculas de proteínas. Com os disparos neu-
rais repetidos, os genes da célula nervosa produzem proteínas
que fortalecem a sinapse, possibilitando o PLP (Fields, 2005).
O estímulo da produção de proteína CREB pode levar a uma
maior produção de proteínas que ajudam a reformar as
sinapses e a consolidar a memória de curto prazo em memó-
ria de longo prazo. Lesmas-do-mar, camundongos e drosófi-
Ias que tiveram a produção de CREB aumentada apresenta-
ram melhorias na memória.
Outra abordagem é o desenvolvimento de drogas que esti-
mulam o glutamato, um neurotransmissor que melhora a
comunicação sináptica (PLP). Resta ainda descobrir se tais
drogas podem melhorar a memória sem efeitos colaterais
desagradáveis e sem encher nossas mentes com trivialidades
que seria melhor esquecer. Enquanto isso, um aprimorador
da memória eficaz, seguro e gratuito já se encontra disponí-
vel nos campi universitários: estudo seguido de sono ade-
quado! (Veja o Capítulo 3.)
Após a potenciação de longo prazo ter ocorrido, passar
uma corrente elétrica pelo cérebro não destruirá velhas
memórias. Mas a eletricidade vai fazer com que lembranças
muito recentes sejam completamente apagadas. Essa experi-
ência ocorre tanto em animais de laboratório quanto em pes-
soas deprimidas submetidas a eletroconvulsoterapia (ECT).
Uma pancada na cabeça pode ter o mesmo efeito. Jogadores
de futebol americano e boxeadores nocauteados momenta-
neamente não costumam lembrar dos eventos imediatamente
anteriores ao nocaute (Yarnell e Lynch, 1970). As informa-
ções na memória de curto prazo antes da pancada não tive-
ram tempo de ser consolidadas na memória de longo prazo
antes de as luzes se apagarem.
e Apesar de a ECT aplicada à depressão
comprometer a lembrança de experiências recentes,
a maior parte das memórias se mantém intacta (ver
o Capítulo 15).•
Hormônios do Estresse e a Memória
Os pesquisadores interessados na biologia da mente também
observaram de perto a influência das emoções e dos hormô-
nios do estresse sobre a memória. Quando estamos excitados
ou estressados, os hormônios do estresse estimulados pelas
emoções produzem mais energia da glicose para abastecer a
atividade cerebral, sinalizando para o cérebro que algo impor-
tante aconteceu. Além disso, a amígdala, dois agrupamentos
onde as emoções são processadas no sistema límbico, aumen-
tam a atividade e as proteínas disponíveis nas áreas do cére-
bro onde as memórias se formam (Buchanan, 2007; Kensin-
ger, 2007). O resultado? O estímulo pode gravar determina-
dos eventos no cérebro e ao mesmo tempo desfazer as memó-
rias de eventos neutros que ocorreram mais ou menos na
mesma época (Birnbaum et al., 2004; Brewin et al., 2007).
"Experiências emocionais mais fortes provocam memórias
mais intensas e confiáveis", afirma [arries McGaugh (1994,
2003). Após experiências traumáticas - uma emboscada
durante a guerra, uma casa em chamas, um estupro -, lem-
branças vívidas de eventos assustadores podem reaparecer de
novo e de novo. É como se fossem gravados a fogo. Isso faz
sentido do ponto de vista da adaptação. A memória serve para
predizer o futuro e nos alertar para perigos potenciais.
De maneira contrária, emoções mais fracas resultam em
memórias mais fracas. Pessoas que recebem drogas que blo-
queiam os efeitos dos hormônios do estresse terão maior difi-
culdade para lembrar de detalhes sobre histórias desagradá-
veis (Cahill, 1994). Essa conexão é apreciada por aqueles que
trabalham no desenvolvimento de drogas que, administradas
após uma experiência traumática, podem amenizar memó-
rias persistentes. Em um experimento, vítimas de acidentes
de carro, estupro e outros traumas foram submetidas a um
tratamento com propranolol ou com placebo por 10 dias após
o evento traumático. Nos testes feitos 3 meses mais tarde,
metade do grupo do placebo e ninguém do grupo que rece-
beu a droga apresentaram sinais de transtornos pelo estresse
(Pitman et al., 2002, 2005).
Se você sofreu uma experiência traumática,
gostaria de tomar algum remédio que deixasse essa
memória amortecida?
• O que é mais importante - suas experiências ou a
memória que você tem delas? e
Alterações hormonais provocadas pelas emoções ajudam
a explicar por que lembramos por muito tempo de eventos
o estresse profundo fica gravado na memória Eventos causadores
de estresse profundo, como os incêndios descontrolados na Califórnia
em 2007, podem se tornar partes indeléveis das memórias dos que
passaram por eles.
ME M Ó R I A 261
chocantes ou excitantes, como nosso primeiro beijo, ou dos
rumos de nossas vidas ao sabermos da morte de um amigo.
Em uma pesquisa do instituto de pesquisa Pew, de 2006,95%
dos adultos norte-americanos afirmaram que eram capazes
de lembrar exatamente onde estavam e o que faziam quando
ouviram a notícia do ataque de 11 de setembro de 2011. Essa
clareza percebida das memórias de eventos surpreendentes e
significativos levou alguns psicólogos a chamarem-nas de
memórias de flash. É como se o cérebro comandasse: "Foto-
grafe isso!". As pessoas que passaram pelo terremoto de San
Francisco de 1989 fizeram exatamente isso. Um ano e meio
mais tarde, lembravam perfeitamente de onde estavam e o
que faziam (aslembranças foram conferidas com os registros
feitos um ou dois dias após o abalo). As lembranças de outras
pessoas que simplesmente ouviram falar dos acontecimentos
relacionados ao terremoto eram mais passíveis de erros (Neis-
ser et al., 1991; Palmer et al., 1991). As memórias de flash
que as pessoas revivem, reiteram e discutem também podem
resultar em erros (Talarico et al., 2003). Ainda que nossas
memórias de flash sejam notáveis por sua vivacidade e pela
confiança com que nos permitem relembrá-las, informações
equivocadas podem se infiltrar nelas (Talarico e Rubin,
2007).
Existem outros limites para as lembranças intensificadas
pelo estresse. Quando prolongado - como em casos de abuso
contínuo ou de combate -, o estresse pode agir como um
ácido, corroendo as conexões neurais e encolhendo a área do
cérebro (o hipocampo) que é vital para assentar as memórias
(mais sobre isso no Capítulo 12). Além disso, quando os hor-
mônios do estresse súbito começam a fluir, memórias mais
antigas podem ser bloqueadas. Isso é verdade para ratos que
procuram o caminho até um alvo escondido (de Quervain
et al., 1998). E é verdade para aqueles de nós cujas mentes
ficam em branco na hora de falar em público.
Armazenando Memórias
Implícitas e Explícitas
Uma futura memória entra no córtex pelos sentidos e depois
percorre todo o caminho até as profundezas do cérebro. Pre-
cisamente para onde ela vai depende do tipo de informação,
como ilustram de maneira radical aqueles que, como no caso
do meu pai mencionado antes, sofrem de um tipo de amné-
sia que os impede de formar novas memórias.
O caso mais famoso é o do paciente conhecido por todos
os neurocientistas como H. M., que foi submetido, em 1953,
a uma remoção cirúrgica necessária de uma parte do cérebro
envolvida com a fixação de novas memórias de fatos e de
experiências. A perda do tecido cerebral deixou suas antigas
lembranças intactas - no último relatório, ele ainda fazia
diariamente suas palavras cruzadas. Mas a conversão de novas
experiências em armazenamento de longo prazo era outra
questão. "Conheço H. M. desde 1962 e ele ainda não sabe
quem eu sou", observou sua pesquisadora de longa data
Suzanne Corkin (Adelson, 2005).
memória de flash uma memória clara de um momento
ou evento emocionalmente significativo.
amnésia a perda de memória.
memória implícita retenção independente de
lembranças conscientes. (Também chamada de memória
não declarativa.)
memória explícita memória de fatos e experiências de
que a pessoa é capaz de lembrar conscientemente e
"declarar". (Também chamada de memória declarativa.)
O neurologista Oliver Sacks (1985, pp. 26-27) descreveu um
outro paciente assim, ]immie, que sofrera danos cerebrais. [ím-
mie não reteve mais memórias - ou seja, nenhum senso do
decorrer do tempo - desde seu acidente, em 1945. Em 1975,
perguntaram-lhe o nome do presidente dos EUA, e ele respon-
deu: "FOR está morto. Truman está no comando." Referia-se a
Franklin Delano Roosevelt, presidente dos EUA de 1933 a
1945.
Quando ]immie disse que sua idade era 19 anos, Sacks colo-
cou um espelho diante dele: "Olhe no espelho e diga o que vê.
É um jovem de 19 anos olhando para você?
]immie ficou transtornado, agarrou-se à cadeira, prague-
jou e ficou histérico: "O que está acontecendo? O que acon-
teceu comigo? Isso é um pesadelo? Estou louco? É uma piada?"
Quando desviaram sua atenção para algumas crianças que
jogavam beisebol, seu pânico cessou, o espelho pavoroso foi
esquecido.
Sacks mostrou a ]immie uma foto da National Geographic. "O
que é isto?", perguntou-lhe.
"É a Lua", ]immie respondeu.
"Não, não é", Sacks respondeu. "É uma foto da Terra tirada
da Lua."
"Doutor, o senhor está brincando? Alguém teria que ter
levado uma câmera até lá!"
"Naturalmente."
"Caramba! O senhor está de brincadeira - como é que iam
fazer isso?" A reação de surpresa de ]immie era a de um jovem
de 60 anos atrás reagindo maravilhado diante de sua viagem
de volta para o futuro.
Testes cuidadosos com essas pessoas revelam algo ainda
mais estranho: embora fossem incapazes de lembrar de fatos
novos ou de qualquer coisa que tivessem feito recentemente,
]immie e os outros em condições semelhantes são capazes de
aprender. Diante de figuras nas quais as imagens são difíceis
de ser encontradas (como na série Onde Está Wally?), elas
podiam voltar a encontrá-Ias rapidamente mais tarde. São
capazes de achar o caminho do banheiro, ainda que não con-
sigam dizer onde é. Conseguem aprender a ler textos espelha-
dos, escritos de trás para a frente, ou de resolver quebra-cabe-
ças, são ensinadas até mesmo a desempenhar tarefas comple-
xas (Schacter, 1992, 1996; Xu e Corkin, 2001). E podem ser
submetidas a um condicionamento clássico. No entanto, fazem
tudo isso sem ter consciência do processo de aprendizado.
Essas vítimas de amnésia são de alguma forma como as
pessoas com lesão cerebral que não podem conscientemente
reconhecer rostos, mas cujas respostas fisiológicas a rostos
familiares revelam um reconhecimento implícito (incons-
ciente). Seus comportamentos desafiam a concepção de que a
memória é um sistema simples e unificado. Em vez disso, pare-
cemos ter dois sistemas de memória operando em paralelo
(FIGURA 8.12). O que quer que tenha destruído as lembran-
ças conscientes dos indivíduos com amnésia, não destruiu sua
capacidade inconsciente de aprender. Conseguem aprender como
fazer alguma coisa - a chamada memória implícita (memó-
ria não declarativa). Mas podem não saber e afirmar que sabem
- a chamada memória explícita (memória declarativa).
Tendo lido uma história uma vez, eles a releem mais rápido
em uma segunda vez, mostrando a memória implícita. Con-
tudo, não há memória explícita, pois não conseguem lembrar
de já tê-Ia lido antes. Se a palavra perfume lhes é mostrada
repetidamente, não recordarão de já a ter visto. Porém, quando
solicitados a dizer a primeira palavra que lhes venha à mente
iniciada por per, falam perfume, demonstrando prontamente
seu aprendizado. Através dessas tarefas, até mesmo pacientes
de Alzheimer, cujas memórias explícitas de pessoas e eventos
se perderam, demonstram a habilidade de formar novas
memórias implícitas (Lustig e Buckner, 2004).
262 CA P í T U l O 8
Tipos de memórias de
longo prazo
Explícita (declarativa)
Com lembrança
consciente
Processada no
hipocampo
Fatos -
conhecimento geral
Eventos vivenciados
pessoalmente
Implícita (não declarativa)
Sem lembrança consciente
Processada por outras áreas do
cérebro, incluindo o cerebelo
Habilidades - mataras
e cognitivas
Condicionamento
clássico
> FIGURA 8.12
Subsistemas de memória Processamos e armazenamos nossas memórias explícitas e implícitas separadamente. Assim, uma pessoa pode perder
a memória explícita (tornando-se amnésica), mas ainda manter a memória implícita de algum material que não seja capaz de lembrar de maneira
consciente.
o Hipocampo Essas histórias notáveis nos levam a per-
guntar: será que nossos sistemas de memória implícita e
explícita funcionam em diferentes áreas cerebrais? Exames
de varredura cerebral, como a tomografia computadorizada
por emissão de pósitrons (PET), em pessoas lembrando pala-
vras (Squire, 1992), e autópsias de pessoas que sofreram
amnésia, revelaram que as novas memórias explícitas de
nomes, imagens e eventos são fixadas através do hipocampo,
um centro neural do lobo temporal que também faz parte
do sistema límbico do cérebro (FIGURA 8.13; Anderson et
al., 2007).
e O sistema de memória em duas vias reforça um
princípio importante apresentado na descrição do
processamento paralelo feita no Capítulo 6:
realizações mentais, como a visão, o pensamento e a
memória, podem parecer habilidades simples, mas
não são. Pelo contrário, dividimos as informações em
diferentes componentes para serem processados de
maneira separada e simultânea. e
"As tecnologias [de varreduracerebral] estão
revolucionando o estudo do cérebro e da mente da
mesma forma como o telescópio revolucionou o estudo do
céu,"
Endel Tulving (1996)
Lesões no hipocampo, portanto, afetam alguns tipos de
memória. O chapim-de-cabeça-negra (Poecile atricapillus),
típico da América do Norte, como alguns outros pássaros, é
capaz de guardar a comida em centenas de lugares e voltar a
esses esconderijos não identificados meses depois, mas não se
tiver o hipocampo removido (Kamil e Cheng, 2001; Sherry e
Vaccarino, 1989). Como o córtex, o hipocampo é lateralizado.
(Temos dois deles, cada um exatamente acima de cada ouvido
e cerca de três centímetros para dentro.) Lesão em um ou em
outro parece provocar resultados diferentes. Lesão no hipo-
campo esquerdo compromete a capacidade de lembrar de infor-
mações verbais, mas não de recuperar memórias visuais de
desenhos e de locais. Lesão no hipocampo direito provoca o
problema inverso (Schacter, 1996).
Novas pesquisas também destacam as funções de sub-
regiões do hipocampo. Uma parte é ativada quando as pessoas
aprendem a associar nomes a rostos (Zeineh et al., 2003).
Outra parte é ativada quando a memória dedica-se a esforços
mnemônicos espaciais (Maguire et al., 2003b). A área poste-
rior, que processa a memória espacial, é maior em motoristas
de táxi londrinos que passam mais tempo circulando pelo labi-
rinto de ruas da cidade (Maguire et al., 2003a).
O hipocampo é ativado durante o sono de ondas lentas,
quando as memórias são processadas para serem recuperadas
mais tarde. Quanto maior a atividade do hipocampo durante
o sono após uma atividade de treinamento, melhor será a
memória do dia seguinte (Peigneux et al., 2004). Mas essas
memórias não ficam armazenadas permanentemente no hipo-
campo. Em vez disso, ele parece funcionar mais como um porto
de cargas, onde o cérebro registra e mantém temporariamente
os elementos de um episódio a ser lembrado - ele registra chei-
ros, sentimentos, sons e locais. Depois, como a transferência
de arquivos antigos para um porão, as memórias migram para
serem armazenadas em algum outro lugar. A remoção do hípo-
campo três horas depois de os ratos terem aprendido o local
de algum novo alimento saboroso interfere nesse processo e
impede a formação da memória de longo prazo; a remoção
após 48 horas não tem esse efeito (Tse et al., 2007). O sono
> FIGURA 8.13
O hipocampo As memórias explícitas para fatos e episódios são
processadas no hipocampo e alimentadas para outras regiões do cérebro,
onde são armazenadas.
ME M Ó R I A 263
auxilia essa consolidação da memória. Durante o sono, nosso
hipocampo e o córtex cerebral apresentam ritmos de ativida-
des simultâneos, como se estivessem dialogando (Euston et
al., 2007; Mehta, 2007). Os pesquisadores suspeitam que o
cérebro está repetindo as experiências do dia ao transferi-Ias
para o armazenamento de longo prazo no córtex.
Uma vez armazenadas, nossas repetições mentais dessas
experiências passadas ativam diversas partes dos lobos frontal
e temporal (Fink et al., 1996; Gabrieli et al., 1996; Marko-
witsch, 1995). Lembrar de um número telefônico e mantê-lo
na memória de trabalho, por exemplo, ativaria uma região do
córtex frontal esquerdo; recuperar um momento de uma festa
provavelmente ativaria uma região no hemisfério direito.
O Cerebelo Apesar de o hipocampo ser um local tempo-
rário de processamento para suas memórias explícitas, você
pode perdê-lo e ainda fixar suas lembranças para atividades
e associações condicionadas. [oseph LeDoux (1996) relata a
história de uma paciente com lesão cerebral cuja amnésia a
deixou incapaz de reconhecer seu médico: todos os dias, ele
apertava sua mão' e se apresentava. Um dia, após estender-
lhe a mão, ela deu um pulo para trás, pois o médico assus-
tou-a com uma tachinha na palma. Na outra vez em que ele
retornou para se apresentar, ela se recusou a apertar sua mão,
mas não conseguiu explicar o motivo. Após sofrer um con-
dicionamento clássico, ela não seria capaz de fazê-lo,
O cerebelo, a região cerebral que se projeta atrás do tronco
encefálico, desempenha um papel essencial na formação e
no armazenamento das memórias implícitas criadas pelo con-
dicionamento clássico. Com o cerebelo lesionado, as pessoas
não podem desenvolver certos reflexos condicionados, como
associar um som a um sopro de ar iminente, portanto não
piscam em antecipação ao sopro (Daum e Schugens, 1996;
Green e Woodruff-Pak, 2000). Ao interromper metodica-
mente a função de percursos diferentes no córtex e no cere-
belo de coelhos, os pesquisadores demonstraram que os coe-
lhos também não conseguem aprender a piscar como uma
reação condicionada quando o cerebelo está temporariamente
desativado (Krupa et aI, 1993; Steinmetz, 1999). A formação
de memórias implícitas precisa do cerebelo.
Nosso sistema duplo de memória explícita e implícita ajuda
a explicar a amnésia infantil: as reações e habilidades implícitas
que aprendemos durante a infância chegam muito longe em
nosso futuro, ainda que, quando adultos, não lembremos (expli-
citamente) de nada de nossos três primeiros anos. Asmemórias
Cerebelo O cerebelo tem uma participação importante na formação e
no armazenamento de nossas memórias implícitas.
explícitas infantis têm uma meia-vida aparente. Emum estudo,
os eventos vividose discutidos com a mãe aos 3 anos foram 60
por cento lembrados aos 7,mas apenas 34 por cento aos 9 anos
(Bauer et al., 2007). Quando adultos, a memória consciente
dos nossos primeiros três anos é vazia, pois boa parte de nossa
memória explícita é ordenada em palavras que crianças que
ainda não falam desconhecem e também porque o hipocampo
é uma das últimas estruturas cerebrais a amadurecer.
ANTES DE PROSSEGUIR ...
> PERGUNTE A S. MESMO
Você pode citar um exemplo em que o estresse o ajudou a
lembrar de algo e outro caso em que o estresse interferiu
sobre sua lembrança??
> TESTE A S. MESMO 3
Uma amiga lhe conta que o pai dela sofreu uma lesão
cerebral em um acidente. Ela se pergunta se a psicologia é
capaz de explicar por que ele ainda consegue jogar damas tão
bem. mas tem tanta dificuldade para manter uma conversa
equilibrada. O que você pode responder?
As respostas às Questões "Teste a Si Mesmo" podem ser encontradas no
Apêndice B. no final do livro.
Recuperação: Acessando
a Informação
7: Como podemos extrair as informações da
memória?
PARALEMBRARDE UM EVENTO é preciso mais do que
colocá-Io para dentro (codificar) e mantê-lo lá (armazena-
mento). Para a maioria das pessoas, a memória é recordar,
a capacidade de recuperar informações não disponíveis na
consciência. Para um psicólogo, a memória é qualquer sinal
de que algo aprendido semanteve. Assim, o reconhecimento
ou o reaprendizado mais rápido das informações também
se referem à memória.
hipocampo um centro neural localizado no sistema
límbico; ajuda a processar memórias explícitas para
armazenamento.
recuperação uma medida da memória em que a
pessoa precisa recuperar informações obtidas antes,
como num teste de preenchimento de lacunas.
reconhecimento uma medida da memória em que a
pessoa precisa apenas identificar os itens anteriormente
aprendidos, como em um teste de múltipla escolha.
reaprendizagem uma medida da memória que avalia a
quantidade de tempo ganho quando se aprende um
determinado assunto pela segunda vez.
Muito tempo depois de você não ser mais capaz de lem-
brar da maioria das pessoas que estudaram com no ensino
médio, você ainda poderá reconhecer suas fotos no livro de
formatura e identificar seus nomes numa lista. Harry Bahrick
e seus colegas (1975) relataram que as pessoas que tinham
se formado há 25 anos não se recordavam de muitos de seus
antigos colegas, mas reconheciam 90% de suas fotos e nomes.
Se você for como a maioria dos estudantes, provavelmente
264 C A P í T U l O 8
Lembrando do passado Mesmo que Oprah Winfrey e Brad Pitt

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