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Direitos Fundamentais em Paulo Banavides

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A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos direitos 
fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos 
do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos vis­
to nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura ju rí­
dica, ocorrendo porém o emprego mais freqüente de direitos humanos e 
direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência 
aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamen­
tais parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.
Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade 
e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam, 
segundo Hesse, um dos clássicos do direito público alemão contempo­
râneo.1 Ao lado dessa acepção lata, que é a què nos serve de imediato 
no presente contexto, há outra, mais restrita, mais específica e mais nor­
mativa, a saber: direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito 
vigente qualifica como tais.
Com relação aos direitos fundamentais, Carl Schmitt estabeleceu 
dois critérios formais de caracterização. ~ -
Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais to­
dos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento 
constitucional.
Pelo segundo, tão form al quanto o primeiro, os direitos fundamen­
tais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais 
elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis (unabänderliche) 
ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), a saber, direitos uni­
camente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição.3
Já do ponto de vista material, os direitos fundamentais, segundo 
Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espé­
cie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada 
Estado tem seus direitos fundamentais específicos.4
Vinculando os direitos fundamentais propriamente ditos a uma con­
cepção do Estado de Direito liberal, sem levar em conta a possibilidade 
de fazer-se, como se fez, desses direitos primeiro uma abstração e, a se­
guir, uma concretização, independente da modalidade de Estado e ideo­
logia, em ordem a tomá-los compatíveis com o sentido de sua universa­
lidade, Carl Schmitt, nas considerações sobre o assunto, retrata com in ­
teira exatidão o caráter de tais direitos enquanto direitos da primeira ge­
ração.
Senão, vejamos:
Os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, en­
tende ele, os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em 
face do Estado. E acrescenta: numa acepção estrita são unicamente os 
direitos da liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um lado 
ao conceito do Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em 
princípio ilim itada diante de um poder estatal de intervenção, em princí­
pio lim itado, mensurável e controlável.5
Corresponde assim, por inteiro, a uma concepção de direitos abso­
lutos, que só excepcionalmente se relativizam “ segundo o critério da lei” 
ou “dentro dos lim ites legais”. De tal modo que - prossegue Schmitt 
noutro lugar da Teoria da Constituição - as limitações aos chamados 
direitos fundamentais genuínos aparecem como exceções, estabelecendo-se unicamente com base em lei, mas lei em sentido geral; a limitação 
se dá sempre debaixo do controle da lei, sendo mensurável na extensão 
e no conteúdo.6
A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade é à 
dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos condu­
zirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direi­
tos como ideal da pessoa humana. A universalidade se manifestou pela 
vez primeira, qual descoberta do racionalismo francês da Revolução, por 
ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Hom em de 1789.
A percepção teórica identificou aquele traço na Declaração france­
sa durante a célebre polêmica de Boutm y com Jellinek ao começo do 
século X X . Constatou-se então com irrecusável veracidade que as de­
clarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar 
em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se 
dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando 
m uito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, 
conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a 
Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. 
Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas 
as formulações solenes já feitas acerca da liberdade.
Os direitos do homem ou da liberdade, se assim podemos exprimi- 
los, eram ali “direitos naturais, inalienáveis e sagrados” , direitos tidos 
também por imprescritíveis, abraçando a liberdade, a propriedade, a se­
gurança e a resistência à opressão.
O fim de toda comunhão política não podia ser outro senão conser­
vá-los, rezava o célebre texto. O teor de universalidade da Declaração 
recebeu, aliás, essa justificativa lapidar de Boutm y: “Foi para ensinar o 
mundo que os franceses escreveram; fo i para o proveito e comodidade 
de seus concidadãos que os americanos redigiram suas Declarações.7
2. Os direitos fundamentais da primeira geração /
Em rigor, o lema revolucionário do século X V III, esculpido pelo 
gênio político francês, exprimiu em três princípios cardeais todo o con­
teúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a se- 
qüência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. 
Com efeito, descoberta a fórmula de generalização e universalida­
de, restava doravante seguir os caminhos que consentissem inserir na 
ordem jurídica positiva de cada ordenamento político os direitos e conteú­
dos materiais referentes àqueles postulados. Os direitos fundamentais 
passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações suces­
sivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o 
qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: 
a universalidade material e concreta, em substituição da universalidade 
abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jus- 
naturalismo do século X V III.
Enfim , se nos deparam direitos da primeira, da segunda e da tercei­
ra gerações, a saber, direitos da liberdade, da igualdade e da fraternida­
de, conforme tem sido largamente assinalado, com inteira propriedade, 
por abalizados juristas. Haja vista a esse respeito a lição de Karel Vasak 
na aula inaugural de 1979 dos Cursos do Instituto Internacional dos D i­
reitos do Homem, em Estrasburgo.
Vejamos agora de que maneira esses direitos se trasladaram para a 
esfera normativa e em que fase nos achamos.
Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os pri­
meiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os 
direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um pris­
ma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.
Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na codificação política, 
em verdade se moveram em cada país constitucional num processo di­
nâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, confor­
me a natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visua­
lizar a cada passo uma trajetória que parte com frequência do mero reco­
nhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até ga­
nhar a m áxim a amplitude nos quadros consensuais de efetivação demo­
crática do poder.
Essa linha ascensional aponta, por conseguinte, para um espaço 
sempre aberto a novos avanços. A história comprovadamente tem aju­
dado mais a enriquecê-lo do que a empobrecê-lo: os direitos da primeira 
geração - direitos civis e políticos - já se consolidaram em sua projeção 
de universalidade formal, não havendo Constituição digna desse nome 
que Os não reconheça em toda a extensão.
Os direitos da primeirageração ou direitos da liberdade têm por ti­
tular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculda­
des ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço 
mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição pe­
rante o Estado.
Entram na categoria do statiis negativus da classificação de Jelli- 
nek e fazem também ressaltar na ordem dos valores políticos a nítida 
separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa 
separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter antiestatal dos 
direitos da liberdade, confonne tem sido professado com tanto desvelo 
teórico pelas correntes do pensamento liberal de teor clássico.
São por igual direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o 
homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que 
compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual.
3. Os direitos fundamentais da segunda geração
Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. 
Dominam o século X X do mesmo modo como os direitos da primeira 
geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e 
econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, intro­
duzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, de­
pois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do 
século X X . Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não 
podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de 
ser que os ampara e estimula.
Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram 
inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filo só fi­
cas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas 
Declarações solenes das Constituições marxistas e também de maneira 
clássica no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, so­
bretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.
Mas passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tive­
ram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de. direitos que 
exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatá­
veis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos.
De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à cha­
mada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concre­
tização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos 
processuais de proteção aos direitos da liberdade. Atravessaram, a se­
guir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, 
desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o 
preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.. De tal sorte que os direitos fundamentais da segunda geração ten­
dem a tomar-se tão justiciáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é 
a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada 
com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programáti­
co da norma.
Com efeito, até então, em quase todos os sistemas jurídicos, preva­
lecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabili­
dade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade 
mediata, por via do legislador.
4. A teoria objetiva dos direitos fundamentais:
os valores e as garantias institucionais como abertura de caminho 
para a universalidade concreta desses direitos
Com o advento dos direitos fundamentais da segunda geração, os 
publicistas alemães, a partir de Schmitt, descobriram também o aspecto 
objetivo, a garantia de valores e princípios com que escudar e proteger 
as instituições.
Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão im por­
tante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção 
clássica dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma reali­
dade social m uito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração 
da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde 
se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densida­
de dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporcio­
na em toda a plenitude.
Descobria-se assim um novo conteúdo dos direitos fundamentais; 
as garantias institucionais.
Essa concepção de direitos fundamentais que contêm garantias ins­
titucionais - e segundo a qual, portanto, os direitos fundamentais não 
são apenas os direitos da liberdade - deve ser recebida com alguma cau­
tela, pois a liberdade, ao contrário do que acontece com a propriedade, 
não é suscetível de “ institucionalizar-se” como garantia. Se isto ocorres­
se, destruída ficaria a natureza mesma desse direito, sem dúvida o mais 
clássico direito dos direitos a que o homem aspira. Foi o que judiciosa­
mente assinalou Albert Bleckmann, analisando a fundamentação teórica 
dos direitos fundamentais.
Graças às garantias institucionais, determinadas instituições rece­
bem uma proteção especial, conforme disse Carl Schmitt,9 para resguar­
dá-las da intervenção alteradora da parte do legislador ordinário. São. 
segundo o mesmo publicista, uma categoria de direitos fundamentais, 
direitos que se não confundem porém com os da liberdade, porquanto a 
estrutura dos mesmos é lógica e juridicam ente outra.10 Demais, é da es­
sência da garantia institucional a limitação, bem como a destinação a 
determinados fins e tarefas.
Não resultou assim d ifíc il a tarefa empreendida por aquele jurista 
de identificar, entre outras, as seguintes garantias institucionais: as que 
rodeiam o funcionalismo público, o magistério, a autonomia m unicipal, 
as confissões religiosas, a independência dos juízes, a exclusão de tribu­
nais de exceção etc.
O polêmico constitucionalista de Weimar colocou nos seguintes ter­
mos o seu conceito de garantias institucionais: primeiro, que haja urna 
garantia e que esta, de ordinário, seja de natureza constitucional; a seguir, 
que a garantia tenha um objeto específico, a saber, uma “instituição”, 
visto que do contrário não se poderia falar de “garantia institucional” ; e, 
finalmente, que se refira a algo atual, presente e existente, dotado de 
forma e organização, a que já se prende também uma situação jurídica 
constatável; a garantia institucional contém sempre, segundo a lição da- 
cfuele publicista, elementos de garantia de um status quoV
Não se confundem porém as garantias institucionais com as “ ga­
rantias do instituto” . Estas últim as, segundo Schmitt, ocorrem sempre 
em proveito de institutos jurídicos de direito privado: a propriedade, o 
direito sucessório, a fam ília, o casamento. Séndo também garantias de 
direito constitucional, garantem relações jurídicas e complexos normati­
vos típicos, tradicionalmente sólidos, ao passo que as garantias institucio­
nais são pertinentes a instituições de direito público que “compõem uma 
parte da administração de assuntos públicos” .12
Tendo sido o formulador do moderno conceito de garantia institucio­
nal, tão fecundo no campo do Direito Público, Carl Schmitt não ignorou 
porém a velha noção de garantia constitucional ou garantia da Constituição ( VerfàssungsgaranCie), da qual só se pode com certeza falar, segundo 
ele, quando a Constituição se identifica com a garantia que oferece, e 
uma violação da garantia é, sem mais, uma violação da “própria Consti­
tuição” ; enfim , quando um ataque (Angríff) ao objeto garantido é ataque 
à Constituição mesma.13
Não se pode deixar de reconhecer aqui o nascimento de um novo 
conceito de direitos fundamentais, vinculado materialmente a uma liber­
dade “objetivada”, atada a vínculos nonnativos e institucionais,14 a va­
lores sociais que demandam realização concreta e cujos pressupostos 
devem ser “criados” , fazendo assim do Estado um artífice e um agente 
de suma importância para que se concretizem os direitos fundamentais 
da segunda geração.
A busca desses pressupostos inspira,em rigor, o eixo norm ativo ao 
redor do qual gravitam não somente as novas Constituições senão tam­
bém boa parte da legislação de direitos fundamentais das últim as déca­
das constante de tratados, pactos e convenções.
A nova universalidade dos direitos fundamentais é inseparável da 
criação desses pressupostos fáticos. Sobre eles já não tem o indivíduo 
propriamente poder. Passaram a ser vistos numa perspectiva também de 
globalidade, enquanto chave de libertação material do homem. Ganha­
ram pois um novo nível de ação, bem mais alto, que não é o de um Estado 
particular, mas o de uma comunidade de Estados ou de toda a com uni­
dade de Estados.
Todos os princípios da Constituição que obrigam o legislador são 
garantias institucionais na acepção ampla de Schmitt. Mas em verdade a 
maior das garantias constitucionais (e não apenas das garantias institucio­
nais) seria'indubitavelmente aquela que produzisse os pressupostos fáti­
cos, indispensáveis ao pleno exercício da liberdade, e sem os quais esta 
se converteria numa ficção, conforme ficou sobejamente demonstrado 
depois que se ultrapassou a universalidade abstrata dos direitos huma­
nos fundamentais da primeira geração.
O conceito de garantia institucional, que foi tão afirm ativo para es­
corar e legitimar a segunda geração de direitos fundamentais, enfrenta 
desde m uito a sua crise, com perda de substância e densidade, como se 
fora já um conceito em aparente estado de dissolução. Perdeu, depois da 
contribuição de Schmitt, muito do teor inicial de precisão e, não obstante a reconhecida existência de uma teoria institucional dos direitos fun­
damentais, ainda não se cristalizaram noções claras e científicas acerca 
desse instituto.
Afigura-se-nos que para tanto deveras contribuiu o alargamento do 
conceito de instituição, que em Schmitt fora primacialmente um conjun­
to de regras jurídicas, um complexo normativo e, de últim o, na crença 
de alguns juristas, se dilatou tanto que ocupa uma esfera de situações de 
fato, onde o social e o existencial, produzindo a instituição fática, ten­
dem a quebrantar os vínculos que ela possa ter ainda com a juridicidade.
A importância porém das garantias institucionais é que elas revalo­
rizam sobremodo os direitos da liberdade, até então concebidos numa 
oposição irremediável entre o indivíduo e o Estado, e o fizeram na me­
dida em que se pôde transitar de uma concepção de subjetividade para 
uma concepção de objetividade, com respeito aos princípios e valores 
da ordem jurídica estabelecida.
Se na fase da primeira geração os direitos fundamentais consistiam 
essencialmente no estabelecimento das garantias fundamentais da liber­
dade, a partir da segunda geração tais direitos passaram a compreender, 
além daquelas garantias, também os critérios objetivos de valores, bem 
como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a 
unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras.
1 Cresceu, pois, com a introdução dos direitos fundamentais da se­
gunda geração o juízo de que esses direitos representam de certo modo 
uma ordem de valores, compondo uma unidade de ordenação valorativa 
que alguns juristas temem possa ressuscitar ou correr o risco de ressus­
citar a rejeitada concepção de sistema, à qual, segundo Scheuner, os di­
reitos fundamentais seriam irredutíveis.15
De acordo com a nova teorização dos direitos fundamentais, as pres­
crições desses direitos são também direito objetivo e isso levou, segundo 
Schmitt, à superação daquela distinção material entre as duas partes bá­
sicas da Constituição, em que os direitos fundamentais eram direitos pú­
blicos subjetivos ao passo que as disposições organizatórias constituíam 
unicamente direito objetivo.16
A concepção de objetividade e de valores relativamente aos direi­
tos fundamentais fez com que o princípio da igualdade tanto quanto o da liberdade tomassem também um sentido novo, deixando de ser mero 
direito individual que demanda tratamento igual e uniforme para assu­
mir, conforme demonstra a doutrina e a jurisprudência do constituciona­
lism o alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio 
do Estado.
5. Os direitos fundam entais da terceira geração
A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e 
subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em 
seguida a que se buscasse uma outra dimensão dos direitos fundamen­
tais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fra­
ternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude de 
sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica 
de direitos individuais ou coletivos.17
Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acres­
centa historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssi­
mo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração 
tendem a cristalizar-se no fim do século X X enquanto direitos que não 
se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, 
de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatá­
rio o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirm a­
ção como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os pu­
blicistas e juristas já os enumeram com fam iliaridade, assinalando-lhe o 
caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na 
esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da 
reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio am­
biente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
A teoria, com Vasak e outros, já identificou cinco direitos da frater­
nidade, ou seja, da terceira geração: o direito ao desenvolvimento, o d i­
reito à paz; o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o 
patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.
A relação de Vasak, em verdade, é apenas indicativa daqueles que 
se delinearam em contornos mais nítidos contemporaneamente; é possí­
vel que haja outros em fase de gestação, podendo o círculo alargar-se à 
medida que o processo universalista se for desenvolvendo.
Ao contrário de Vasak, a expressão que Etiene-R. Mbaya, o brilhante 
jusfílósofo de Colônia, formulador do chamado “direito ao desenvolvi­
mento” , usa para caracterizar os direitos da terceira geração é solidarie­
dade e não fraternidade.
O direito ao desenvolvimento foi o tema de uma aula de E. Mbaya 
inaugurando os Cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, 
em 1972. Em 1977 a Comissão dos Direitos do Homem das Nações U ni­
das, apoiada na contribuição daquele professor universitário, formalizou, 
mediante resolução, o reconhecimento do sobredito direito. Durante a 3a 
reunião daquela Comissão em 1980, foi ele incluído na Resolução Final 
do órgão.
O direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a 
indivíduos, segundo assevera o próprio Mbaya, o qual acrescenta que 
relativamente a indivíduos ele se traduz numa pretensão ao trabalho, à 
saúde e à alimentação adequada.18
Adm ite que a descoberta e a formulação de novos direitos são e se­
rão sempre um processo sem fim, de tal modo que quando “um sistema de 
direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liber­
dade que devem ser exploradas”. Com base nessa constatação, proclama 
o jurista a adequação e a propriedade de linguagem relativa ao reconheci­
mento de três gerações de direitos fundados no princípio da solidariedade.
1 N o atual estádio de desenvolvimento do Direito, esse princípio, se­
gundo o mesmo Mbaya, exprime-se de três maneiras:
“ 1 . 0 dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus 
atos, os interesses de outros Estados (ou de seus súditos);
“2. Ajuda recíproca (bilateral ou m ultilateral), de caráter financeiro 
ou de outra natureza, para a superação das dificuldades econômicas (in ­
clusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabeleci­mento de preferências de comércio em favor desses países, a fim de li­
quidar déficits); e
“ 3. Um a coordenação sistemática de política econômica.”
6. Os direitos fundamentais da quarta geração
O Brasil está sendo im pelido para a utopia deste fim de século: a 
globalização do neoliberalismo, extraida da globalização econômica. O
18. Etiene-R. Mbaya, Menschenrechte im Nord-Sued Verhaeltnis, manuscrito 
que supomos ainda inédito e que nos foi gentilmente enviado pelo autor. neo liberalism o cria, porém, mais problemas do que os que intenta resol­
ver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo 
à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de 
soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da 
sociedade.
A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhu­
ma referência de valores. Mas nem por isso deixa de fazer perceptível 
um desígnio de perpetuidade do statu quo de dominação. Faz parte da 
estratégia mesma de formulação do futuro em proveito das hegemonias 
supranacionais já esboçadas no presente.
Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, so­
bre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria 
dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos 
povos da periferia.
G lobalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no 
campo institucional. Só assim aufere humanização e legitimidade um 
conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de últim o, poderá 
aparelhar unicamente a servidão do porvir.
A globalização política na esfera da normatividade jurídica intro­
duz os direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira 
fase de institucionalização do Estado social.
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à 
informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da 
sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, 
para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de 
convivência.
A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de 
ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialm ente possível 
graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente 
sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sis­
tema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta já das con­
taminações da m ídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de 
índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo 
isso, obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual 
como direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, en­
quanto direito do gênero humano, projetado e concretizado no últim o 
grau de sua evolução conceituai.
Força é dirim ir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: 
o vocábulo “ dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo “geração” , caso este últim o venha a induzir apenas sucessão crono­
lógica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antece­
dentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira gera­
ção, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, 
direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, 
permanecem eficazes, são infra-estruturais. form am a pirâmide cujo ápi­
ce é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política 
para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanida­
de parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu prim eiro e 
largo passo.
Os direitos da quarta geração não somente culm inam a objetivida­
de dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem - sem, 
todavia, removê-la - a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os 
direitos da primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas so­
brevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principiai, ob­
jetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida 
eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento 
jurídico.
Daqui se pode, assim, partir para a asserção de que os direitos da 
segunda, da terceira e da quarta gerações não se interpretam, concreti­
zam-se. E na esteira dessa concretização que reside o futuro da globali­
zação política, o seu princípio de legitimidade, a força inCorporadora de 
seus valores de libertação.
D a globalização econômica e da globalização cultural m uito se tem 
ouvido falar. Da globalização política só nos chegam, porém, o silêncio 
e o subterfúgio neoliberal da reengenharia do Estado e da sociedade. 
Imagens, aliás, anárquicas de um futuro nebuloso onde o Hom em e a 
sua liberdade - a liberdade concreta, entenda-se - parecem haver ficado 
de todo esquecidos e postergados.
Já, na democracia globalizada, o Homem configura a presença mo­
ral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o centro de grãvidade, a 
corrente de convergência de todos os interesses do sistema. Nessa de­
mocracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enun­
ciados - direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas - será 
obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional supre­
ma, à propositura da ação de controle, sempre em moldes compatíveis 
com a índole e o exercício da democracia direta.
Enfim , os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cida­
dania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles 
será legítima e possível a globalização política. 7. A nova universalidade dos direitos fundam entais
Os direitos da primeira, da segunda e da terceira gerações abriram 
caminho ao advento de uma nova concepção de universalidade dos d i­
reitos humanos fundamentais, totalmente distinta do sentido abstrato e 
metafísico de que se impregnou a Declaração dos Direitos do Homem 
de 1789, uma Declaração de compromisso ideológico definido, mas que 
nem por isso deixou de lograr expansão ilim itada, servindo de ponto de 
partida valioso para a inserção dos direitos da liberdade - direitos civis 
e políticos - no constitucionalismo rígido de nosso tempo, com uma am­
plitude form al de positivação a que nem sempre corresponderam os res­
pectivos conteúdos materiais.
A nova universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, 
desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, posi- 
tividade e eficácia. E universalidade que não exclui os direitos da liber­
dade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos 
de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igual­
dade e da fraternidade.
Foi tão importante para a nova universalidade dos direitos funda­
mentais o ano de 1948 quanto o de 1789 o fora para a velha universali­
dade de inspiração liberal.
Com efeito, em 10 de dezembro de 1948 a Assembléia Geral das 
Nações Unidas mediante a Resolução n. 217 (III) aprovou a Declaração 
Universal dos Direitos do Homem, sem dúvida uma Declaração progra­
mática, mas que não deixou de ser a carta de valores e princípios sobre 
os quais se hão assentado os direitos das três gerações, objeto aqui de 
exame.
Dentre outros documentos relativos a direitos humanos produzidos 
este século, merecem especial menção: a Declaração dos Direitos do 
Povo Trabalhador e Explorado, do Congresso Soviético Panrusso de 
1918, convertido em Capítulo I da Constituição da República Soviética 
da Rússia, de 5 de julho de 1918; a Carta das Nações Unidas, de 26 de 
junho de 1945, as Resoluções da Comissão de Direitos Humanos das 
Nações Unidas, os Pactos sobre Direitos Humanos das Nações Unidas, 
tais como o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto 
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 19 de dezembro 
de 1966; a Convenção Européia dos Direitos do Homem e das Liberda­
des Fundamentais, de 4 de novembro de 1950, a Carta Social Européia, 
de 18 de outubrode 1961, a Convenção Americana dos Direitos do H o­
mem, de 26 de novembro de 1969 e a Carta.Africana de Banjul dos D i­
reitos do Homem e dos Direitos dos Povos, de 27 de junho de 1981A nova universalidade procura, enfim , subjetivar de forma concreta 
e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo 
que antes de ser o homem deste ou daquele país, de uma sociedade de­
senvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente 
qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela uni­
versalidade.
8. A Declaração Universal dos Direitos do Homem
Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de de­
zembro de 1948, o humanismo político da liberdade alcançou seu ponto 
mais alto no século X X . Trata-se de um documento de convergência e 
ao mesmo passo de uma síntese.
Convergência de anseios e esperanças, porquanto tem sido, desde 
sua promulgação, uma espécie de carta de alforria para os povos que a 
subscreveram, após a guerra de exterm ínio dos anos 30 e 40, sem dúvi­
da o mais grave duelo da liberdade com a servidão em todos os tempos.
Síntese, também, porque no bronze daquele monumento se estampa­
ram de forma lapidar direitos e garantias que nenhuma Constituição insu- 
ladamente lograra ainda congregar ao redor de um consenso universal.
Se a Declaração exprime esse grau adiantadíssimo de consciência 
dá homem livre, cidadão de todas as pátrias, bem merece ela que se faça 
a respeito de sua importância um ligeiro exame doutrinário.
Erra todo aquele que vislumbra no valor das Declarações dos D irei­
tos Humanos uma noção abstrata, metafísica, puramente ideal, produto 
da ilusão ou do otimism o ideológico. A verdade é que sem esse valor 
não se explicaria a essência das Constituições e dos tratados, que objeti­
vamente compõem as duas faces do direito público - a interna e a externa.
A história dos direitos humanos - direitos fundamentais de três ge­
rações sucessivas e cumulativas, a saber, direitos individuais, direitos 
sociais e direitos difusos - é a história mesma da liberdade moderna, da 
separação e limitação de poderes, da criação de mecanismos que auxiliam 
o homem a concretizar valores cuja identidade ja z prim eiro na Socieda­
de e não nas esferas do poder estatal.
Quando se faz do Estado unicamente um fim , privando-o de sua 
tarefa legítim a de coadjutor eficaz da libertação das dependências, para 
erigi-lo em nascente e estuário de todos os valores, é que se perde de 
forma irremediável a faculdade de discernir os grandes momentos da tra­
jetória libertadora, com que as idéias se afirm am e os princípios prevalecem; mas prevalecem em ordem a fazer o homem menos sujeito à coa­
ção das regras compulsivas e menos atado ao império das necessidades, 
sempre responsáveis, no ampliado universo da vida social, por uma di­
minuição dos espaços livres e autodeterminativos da pessoa humana.
Se bem examinarmos a evolução dos documentos declaratórios dos 
direitos humanos desde o século X V III aos nossos dias, verificaremos 
talvez, com certa suipresa e júbilo, que há uma constante e uma lógica 
nos sucessivos graus históricos de sua qualificação.
Do campo filosófico ao campo jurídico, do direito natural ao direito 
positivò, das abstrações do contrato social aos códigos, às constituições 
e aos tratados, depois de cursar a via revolucionária, essas Declarações 
fizeram vingar um gênero de sociedade democrática e consensual, que 
reconhece a participação dos governados na formação da vontade geral 
e governante. Ergueram-se desse modo conceitos novos de legitimação da 
autoridade, dos quais o mais importante vem a ser aquele que engendrou 
a chamada teoria do poder constituinte (pouvoir constituant). Mas poder 
constituinte cuja titularidade nos sistemas democráticos há de pertencer 
sempre à Nação e ao Povo, portanto, à soberania política do cidadão.
Os direitos humanos, tomados pelas bases de sua existencialidade 
primária, são assim os aferidores da legitimação de todos os poderes 
sociais, políticos e individuais. Onde quer que eles padeçam lesão, a So­
ciedade se acha enferma. Uma crise desses direitos acaba sendo também 
uma crise do poder em toda sociedade democraticamente organizada.
9. A teoria da crise política (crise constituinte) 
e os direitos fundamentais
O problema dos direitos humanos fundamentais no século X X , so­
bretudo na sociedade brasileira, não deve ficar desmembrado de uma 
teoria da crise política, cuja análise se faz imprescindível para podermos 
sondar o alcance e extensão das dificuldades que agora o País atravessa.
Com efeito, a crise política de uma Nação pode percorrer três dis­
tintos graus nesta escala: em primeiro lugar é crise do Executivo, que 
normalmente chega ao seu termo quando se muda a chefia de governo 
ou advém, de maneira bem-sucedida, uma nova política; a seguir, crise 
constitucional - de solução ainda possível - mediante uma Emenda à 
Constituição ou, nos casos mais graves e excepcionais, por via da refor­
ma total ou da promulgação doutra lei maior; enfim , se converte ela em 
crise constituinte, a de terceiro e derradeiro grau, quando deixa de ser 
tão-somente a crise de um Governo ou de uma Constituição para se transformar em crise das instituições ou da Sociedade mesma, em seus 
últim os fundamentos.
Não precisamos descer ao primeiro século de nossa história consti­
tucional para ilustrarmos com exemplos o deplorável quadro das crises 
que continuam a afligir-nos desde que fundamos a comunhão nacional.
Nunca, porém, as três conjunturas se conjugaram com tamanho ím ­
peto e força como nas décadas da segunda metade do século X X . Um a 
só época constitucional - a do transcurso da Constituição de 1946 - co­
loca-nos diante do desastre de legitimidade a que ontem chegamos e do 
qual, em nossos dias, ainda não emergimos.
Efetivamente, durante aquele singular período de nossa existência, 
vimos primeiro uma crise de governo ou crise executiva, quando Getú- 
lio Vargas entrou em conflito com o Congresso e, não podendo resolver 
a pendência, suicidou-se.
A seguir, decorridos menos de dez anos, passamos por uma crise 
constitucional, com a renúncia de Jânio Quadros e a introdução do par­
lamentarismo do Ato Adicional. Já não se tratava então de substituir um 
Governo, mas de alterar a própria forma de Governo, numa experiência, 
aliás, malograda.
Finalmente, não se resolvendo a crise constitucional, mediante o re­
tomo ao presidencialismo, cedo ela se converteu na mais funesta de to­
das as crises: a crise constituinte, que recai sobre o Governo, a Consti­
tuição e a Sociedade.
Nessa crise submergimos durante todo o período autoritário em que 
o País se governou por Atos Institucionais e decretos-leis.
Toda vez que os desesperos coletivos somam os infortúnios gera­
dos pelas três crises, produz-se a desmoralização política da Sociedade 
e os direitos humanos fundamentais padecem muito com isso.
A tragédia da organização constitucional dos países do Terceiro 
M undo decorre grandemente da impossibilidade de fazer estáveis as for­
mas democráticas da Sociedade, açoitadas de problemas sociais, econô­
micos e financeiros quase insolúveis numa estrutura de poder onde o 
Estado é tudo e a Nação civil m uito pouco.
Ontem, quando havia separação entre Estado e Sociedade, o Estado 
liberal era o Estado da legalidade-, agora que essa separação inexiste, ou 
já não pode existir, o liberalismo somente há de sobreviver num Estado 
social de legitimidade.
Mas sobreviver como? À sombra das Constituições e dos Tribunais 
Constitucionais, cuja jurisprudência atualiza, a cada aresto oracular, tanto a matéria dos direitos sociais como a da limitação de poderes. Remo­
vendo ambigüidades ou solvendo controvérsias, faz-se,-pela via herme­
nêutica, o texto se acercar da realidade, ou seja, produz-se a eficácia, a 
juridicidade, o respeito e o cumprimento rigoroso das nonnas constitu­
cionais.
10.A Declaração Universal e a proteção dos direitos sociais no Brasil
Basta, pois, que se atente na índole dos direitos sociais para com­
preender que o problema da legitimidade é hoje crucial, não podendo 
ser eficazes as Constituições em cuja moldura jurídica ele não se resolve 
em harmonia com as aspirações do consenso.
O coração das Constituições estáveis se localiza como órgão de 
continuidade nas disposições do processo legislativo de reforma constitu­
cional. A parte intangível do ordenamento, que se furta à intervenção re­
formista é também de capital importância. Guardamos a esse respeito 
uma tradição de rigidez presente a cada texto constitucional do período 
republicano.
Mas uma novidade da m aior importância trouxe, de últim o, a nova 
Constituição: os direitos e garantias individuais recebem ali uma prote­
ção suprema, vedando-se ao poder constituinte derivado a introdução de 
emenda que tenda a suprimi-los.
A garantia se robustece por igual com dispositivo idêntico tocante 
à separação de poderes, pois sem esta não há liberdade nem direitos hu­
manos debaixo da proteção constitucional. O constituinte brasileiro deu 
assim um passo significativo de cunho formal, que coloca fora de deli­
beração as propostas de emenda tendentes a abolir aqueles direitos.
Ocorre, porém, que o avanço teria m uito mais profundidade se 
abrangesse também o substrato social da Constituição, pelo menos os 
direitos sociais que, desde a Carta de 1934, compõem a base teórica e 
positiva de nossa modalidade de Estado social, os quais, sem retrocesso, 
têm sido consagrados pela evolução do constitucionalismo brasileiro du­
rante os últim os cinqüenta anos.
É óbvio, por consegiiinte, que uma conquista dessa envergadura faria 
constitucionalmente irrevogáveis os grandes progressos já obtidos para a 
construção da Sociedade justa, livre e igualitária a que todos aspiram.
Um a Constituição aberta não deve abrigar preconceitos. O mesmo 
poder constituinte que deu um passo de abertura em relação ao passado, 
contra o privilégio da im utabilidade do sistema republicano, tomando possível, por via de emenda constitucional, a eventual introdução até 
mesmo da monarquia constitucional federativa, teria dado um passo m ui­
to mais avançado e gigantesco em relação ao futuro, se fizesse intangí­
veis, dentro da normatividade constitucional, aqueles direitos fundamen­
tais já consagrados que regem as relações mútuas entre o trabalho è o 
capital.
A Declaração Universal dos Direitos do Hom em é o estatuto de li­
berdade de todos os povos, a Constituição das Nações Unidas, a carta 
magna das minorias oprimidas, o código das nacionalidades, a esperança, 
enfim , de promover, sem distinção de raça, sexo e religião, o respeito à 
dignidade do ser humano.
A Declaração será porém um texto meramenté romântico de bons 
propósitos e louvável retórica, se os países signatários da Carta não se 
aparelharem de meios e órgãos com que cumprir as regras estabelecidas 
naquele documento de proteção dos direitos fundamentais e sobretudo 
produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis.
 
“A interpretação é a sombra que segue o coipo. Da mesma maneira 
que nenhum corpo pode livrar-se da sua sombra, o Direito tampouco 
pode livrar-se da interpretação”, disse o constitucionalista espanhol Ja- 
vier Perez Royo, no capítulo V do seu Curso de Direito Constitucional. 
E a seguir completou a base de sua lição com outra assertiva não menos 
lúcida e lapidar: “ Sem interpretação não há direito” , ou, com mais pro­
priedade, “não há direito que hão exija ser interpretado” .
Verdades tão óbvias, ele as trouxe à colação unicamente para mani­
festar estranheza e perplexidade diante da “ausência total” com que se 
manteve durante século e meio a interpretação afastada do Direito Cons­
titucional, e “a sua presença súbita nas últimas décadas” .2
Tem ele máxima razão em afirmar que o Direito Constitucional há 
sido, pois, um direito sem interpretação, até meados do século X X , e 
que só depois dos anos 50 é que se veio efetivamente a falar de interpre­
tação da Constituição.3
Principia, a nosso ver, desde aquela década, a ascensão hegemôni­
ca da Hermenêutica na esfera do Direito Constitucional. Quatorze anos 
antes, porém, do Prof. Javier Perez, na mesma linha desse pensamento 
crítico, havíamos ponderado já a surpresa que nos causava a completa 
ausência, em nossos compêndios de Direito Constitucional, de capítulos 
consagrados à interpretação. Foi essa uma lacuna que buscamos preen­
cher no Brasil há cerca de duas décadas com o nosso Direito Constitucio­
nal, lançado em 1980.4
O que se disse genericamente acerca da interpretação da Constitui­
ção vale também para a henuenêutica dos direitos fundamentais, que en­
tra por igual retardada na ciência constitucional da segunda metade do 
século X X . Trata-se, por conseguinte, de tema que parece virgem nas 
letras jurídicas do País, pelo menos nos seus tratados de Direito Consti­
tucional.
Mas antes de versarmos diretamente a matéria interpretativa dos d i­
reitos fundamentais, faz-se mister formular um conceito desses direitos 
em harmonia com a sua linha evolutiva mais recente, levando em conta, 
a esse respeito, dimensões desconhecidas até meados do século X X e 
que lhe dilataram consideravelmente o âmbito de incidência social, alte­
rando desde as raizes o respectivo relacionamento com o Estado, o qual 
dantes se mantinha circunscrito ordinariamente a uma esfera negativa e 
subjetivista de puro teor antiestatal.
Considerando, pois, os aspectos positivos que ora prevalecem às 
antigas- noções de resistência e defesa, configurativas do conceito unila­
teral de liberdade, imperante na versão clássica do constitucionalismo 
liberal, os direitos fundamentais incorporaram ao seu âmbito as presta­
ções do Estado, as garantias institucionais, o sentido objetivo da norma 
e a qualificação valorativa. É isto que consente, conforme ponderou A l- 
bert Bleckmann, defini-los “como as normas objetivas da Constituição 
que regulam as relações dos indivíduos com o Estado” .3
À sombra, portanto, da conjugação do subjetivo com o objetivo, dis­
correremos em seguida acerca da hermenêutica dos direitos fundamentais.
Tod vincula-se, de neces­
sidade, a uma teoria dos direitos fundamentais; esta, por sua vez, a uma 
teoria da Constituição, e ambas - a teoria dos direitos fundamentais e a 
teoria da Constituição - a uma indeclinável concepção do Estado, da 
Constituição e da cidadania, consubstanciando uma ideologia, sem a 
qual aquelas doutrinas, em seu sentido político, jurídico e social mais 
profundo, ficariam de todo ininteligíveis. De tal concepção brota a con­
textura teórica que faz a legitimidade da Constituição e dos direitos 
fundamentais, traduzida numa tábua de valores, os valores da ordem 
democrática do Estado de Direito onde jaz a eficácia das regras constitu­
cionais e repousa a estabilidade de princípios do ordenamento jurídico, 
regido por uma teoria material da Constituição.
Os publicistas que mais afortunadamente classificaram ou identifi­
caram teorias de direitos fundamentais, sem, todavia, as desenvolver, ti­
veram, com certeza, esse notabilíssimo mérito: o de patentear a im possi­
bilidade de alguém atuar na esfera interpretativa de direitos fundamen­
tais ou de cláusulas da Constituição tendo recurso unicamente ao em­
prego de técnicas jurídicas de interpretação assentadas no simples exa­
me de texto das variadas disposições legais. Fora esta, com efeito, a pra­
xe peculiar tanto à metodologia clássica do positivism o como ao seu
dedutivismo formalista, o qual costumava operar sobretudo nos distritos 
tradicionais do Direito Privado.
Quando trasladado, porém, ao campo do Direito Público, esse for­
malismo positivista intentava equiparar a Constituição à lei, como se fos­
sem ambas dotadas da mesma estrutura, natureza e substância. Tratar a 
Constituição exclusivamentecomo lei é de todo impossível. Constitui­
ção é lei, sim, mas é sobretudo direito, tal como a reconhece a teoria 
material da Constituição.
Compreendê-la como direito, e não apenas como lei, ao revés, por­
tanto, do que fazia o positivismo legalista, significa, enfim, desatá-la dos 
laços silogísticos e dedutivistas, que lhe embargavam a normatividade e 
a confinavam, pelo seu teor principiai, ao espaço da programaticidade 
destituída de juridicidade.
Daqui se infere o seguinte: aquele dedutivismo formalista excluía da 
Ciência do Direito e da tarefa hermenêutica a consideração de princípios 
e valores, sem cuidar que estes formam o tecido material e o substrato 
estrutural já da Constituição, já dos direitos fundamentais. Afastados da 
interpretação, sem eles não há, em rigor, concretização, por não haver 
“pré-compreensão” ( Vorverstãndnis), e, não havendo “ pré-compreen- 
são”, quase todo o Direito Público tende a ficar abalado em seus alicerces, 
fundamentos e legitimidade. Tudo isso à míngua de conteúdos reais, por 
Obra de um formalismo que, apartado do universo real, tolhe, na opera­
ção cognitiva, executada por um intérprete prisioneiro da racionalidade 
lógica, o alcance da presença e ação do elemento indutivo, este fator tão 
importante na captação dos sentidos normativos.
Aqueles valores e princípios representam, por conseguinte, a maté­
ria-prim a da Nova Hermenêutica; esta, outra coisa não é senão a própria 
teoria material da Constituição.
Aliás, “ a teoria material da Constituição é a hermenêutica mesma 
do Direito Constitucional” - disse, em 1961, numa assembléia de juris­
tas alemães em Freiburg, o constitucionalista Horst Ehmké, conforme 
lembrou há pouco Klaus Stem, com inteiro senso da atualização dessa 
assertiva. E Ehmke acrescentou que os direitos fundamentais são, no 
fundo, a Gretchen Frage, a questão vexatória de toda a Hermenêutica.6
O Direito Constitucional, ao criar, assim, a Nova Hermenêutica, que 
lhe é específica, acolheu no plano científico do Direito as considerações 
axiológicas, mas referidas unicamente àqueles valores vazados no direi- to positivo e que desde muito, por um certo ângulo, constituem a maté­
ria-prima do sociologismo jurídico ou do concretisrao, de Ehrlich a Karl 
Engisch. Com isso, o Direito Constitucional, se não arruinou, pelo me­
nos fez arcaico o formalismo metodológico da Teoria Pura do D ireito.7
O jurista Karl Korinek, embora não aceite a distinção entre os méto­
dos imerpretativos aplicados ao Direito Constitucional e aqueles utiliza­
dos nas demais disciplinas jurídicas - o que, em últim a análise, im plica 
uma restrição à Nova Hermenêutica - , admite, todavia, que a interpreta­
ção constitucional, e, por via aditiva, acrescentamos nós, a dos direitos 
fundamentais, se reveste de características especiais decorrentes da sin­
gularidade de sua problemática, do lugar que a Constituição ocupa no 
sistema global da ordem jurídica e das amiudadas imprecisões conceituais 
estampadas nos textos constitucionais.8
Sob a égide, em grande parte, da Nova Hermenêutica, o constitucio­
nalismo de renovação da segunda metade do século X X já oferece os 
seguintes resultados: a criação cientifica de um novo Direito Constitucio­
nal, ou, pelo menos, a reconstrução desse ramo da ciência jurídica; a 
formação de uma teoria material da Constituição, fora dos quadros con­
ceituais do jusnaturalismo e das rígidas limitações do positivism o for- 
malista, ou seja, o da velha linha de Gerber, Laband, Anschütz, Jellinek 
- este mais atenuadamente - e, de últim o, Kelsen; a inauguração no 
Direito Público de um novo pólo de investigações interpretativas, dan­
tes concentradas em esfera nomeadamente jusprivatista ou juscivilista; a 
elaboração de duas novas teorias hermenêuticas: uma de interpretação 
da Constituição, mais ampla, e outra de interpretação dos direitos funda­
mentais, mais restrita, ambas, porém, originais e autônomas; a introdução 
do princípio da proporcionalidade no Direito Constitucional, ampliando 
avassaladoramente a esfera de incidência desse ramo da ciência do di­
reito, sobretudo no sentido da proteção mais eficaz dos direitos funda­
mentais perante o Estado; o reconhecimento da eficácia normativa dos 
princípios gerais de direito, convertidos doravante em princípios consti­
tucionais e, portanto, erguidos do seu grau de subsidiariedade interpre- 
tativa nos Códigos até o topo da hierarquia normativa do sistema jurídico;
a pluridimensionalidade, a par da plurifuncionalidade dos direitos fun­
damentais, dantes vistos no antigo Direito Constitucional tão-somente 
pelo prisma de sua subjetividade; a expansão normativa do Direito Cons­
titucional a todos os ramos do Direito, acompanhada de uma afirmação 
definitiva de superioridade hierárquica, e, finalmente, a tese vitoriosa .de 
que a Constituição é direito, e não idéia ou mero capitulo da Ciência 
Política, como inculcava a tese falsa de Burdeau e doutros constitucio- 
nalistas franceses filiados à linha da reflexão constitucional que se vin­
culava à ideologia já ultrapassada do liberalismo clássico.
Nomes respeitáveis e provectos da ciência jurídica contemporânea 
contribuiram deveras para que se operasse no Direito Constitucional essa 
mutação renovadora e fecunda, tão decisiva em afiançar-lhe a suprema­
cia sobre todas as demais ciências do Direito.
Dentre os juristas alemães que tiveram papel de destaque na fixa­
ção dos novos rumos impostos ao Direito Constitucional, tendo por base 
a Tópica e a Nova Hermenêutica, faz-se mister ressaltar os seguintes: 
Theodor Viehweg, com Tópica e Jurisprudência, estampado em 1953; 
Martin Kriele, com Teoria da Produção Jurídica, de 1967; Joseph Esser, 
com Pré-Compreensão e Escolha dos Métodos na Aplicação do Direito, 
de 1970; Friedrich Müller, com a Metódica Jurídica, de 1971; e H. J. Koch 
e H. Ruessmann, com a Teoria da Fundamentação Jurídica, de 1982.
/ São igualmente dignos de menção, por constarem dos quadros cria­
tivos da Nova Hermenêutica constitucional, os juristas Horst Ehmke, 
Ulrich Scheuner e Peter Hãberle. Escreveram eles obras cuja leitura se 
faz indeclinável para bem compreendermos as transformações de que 
promanou o Direito Constitucional contemporâneo.
2. O velho Direito Constitucional da separação de poderes e o novo 
D ireito Constitucional dos direitos fundam entais: do positivism o 
fo rm a l em decadência ao pós-positivism o m aterial em ascensão
Com a queda do positivismo e o advento da teoria materíal da Cons­
tituição, o centro de gravidade dos estudos constitucionais, que dantes 
ficava na parte organizacional da Lei Magna - separação de poderes e 
distribuição de competências, enquanto forma jurídica de neutralidade 
aparente, típica do constitucionalismo do Estado liberal - se transportou 
para a parte substantiva, de fundo e conteúdo, que entende com os direi­
tos fundamentais e as garantias processuais da liberdade, sob a égide do 
Estado social.
Organizar os poderes e traçar a linha das competências indispensá­
veis ao seu correto e efetivo funcionamento fora anteriormente a preo- 585
cupaçâo dominante das forças e correntes mais conservadoras que cir­
culavam no constitucionalismo da idade liberal, sobretudo em França, 
durante a segunda metade do século X X ; tal preocupação, todavia, ainda 
se exprime no pensamento constitucional. Um jurista e cientista político 
do quilate de Burdeau, até há pouco, não tinha a Constituição por “di­
reito” , mas por “ idéia” , e, em razão disso, não a levava tão a sério como 
devia, conforme inculcou muito bem, recentemente, o publicista Favoreu.
Considerável número de cientistas daquele país, segundo o mesmo 
jurista, se tem aferrado ao entendimento de que a Constituição não é 
direito, “ por tratar-se de um texto demasiado vago, excessivamente ge­
ral, que carece de força normativa e que não tem nenhuma densidade 
enquanto norma” .9
Talvez semelhante entendimentoderive do juízo expendido pelos 
publicistas acerca da estrutura especial das normas constitucionais, que, 
sendo, não raro, abertas, incompletas e imprecisas ou demasiado genéri­
cas, impetram para sua interpretação, conforme assinalou Gem, o em­
prego de métodos distintos daqueles normalmente utilizados na herme­
nêutica das leis.10 Por isso mesmo, servem, a nosso ver, como critérios 
mais eficazes no âmbito da interpretação constitucional, e não como pe­
ças meramente auxiliares ou tributárias da metodologia clássica.
Tomando, porém, ao conceito de Burdeau acerca da Constituição, 
acima referido, cabe, agora, indagar: mas, se não é direito nem lei, que 
é, então, a Constituição? U m texto político? U m corpo de normas pro­
gramáticas? Uma carta de boas intenções? Nada disso. A Constituição é 
mesmo a Lei das Leis e o Direito dos Direitos; o código de princípios 
normativos que fazem a unidade e o espírito do sistema, vinculado a uma 
ordem social de crenças e valores onde se fabrica o cimento de sua pró­
pria legitimidade.
A pertinácia da escola francesa de arredar a Constituição do direito 
e da lei reflete, ém grande parte, a decadência, o atraso e a baixa ou 
nenhuma influência que o Direito Constitucional francês, de certo modo 
fossilizado, exerceu durante vasto período ulterior a II Grande Guerra 
Mundial sobre a doutrina e a jurisprudência dos tribunais, em contraste 
com o influxo luminoso doutras épocas em que avultavam o poder e a 
força de irradiação de seus princípios, nomeadamente os de sua filosofia dos direitos naturais do homem. Essa filosofia fora a coluna do constitu­
cionalismo da liberdade, imperante durante os séculos X V III e X IX , des­
de o advento das Constituições.
Mas da herança francesa ficou algo sólido, perpetuado na tradição 
do Estado de Direito e que tem importância para a conservação da liber­
dade e a formulação constitucional desse conceito nos termos do binô­
mio Estado e Sociedade: o princípio da separação de poderes.
Em verdade, na Constituição, a tripartição e a organização dos po­
deres são, de último, tocante à sua estrutura, a imagem do Estado, ao 
passo que os direitos fundamentais compõem a efígie da Sociedade. Es- 
pelhando-a, exibem tais direitos uma extrema complexidade, por retra­
tarem os fatores sociais do poder, sujeitos a constantes variações, das 
quais recebem um certo grau de relevância interpretativa.
A densidade problemática dos direitos fundamentais desdobra-se 
em quatro dimensões sucessivas ou camadas cumulativas superpostas: 
direitos da primeira, da segunda, da terceira e da quarta gerações, toman­
do os da segunda, terceira e quarta gerações, do ponto de vista hermenêu­
tico, uma importância contemporânea incomparavelmente superior à de 
todas as questões que outrora, no contencioso constitucional, envolviam 
as relações entre os Poderes.
Com efeito, a esfera mais crítica e delicada para o estabelecimento 
de um Estado de Direito era, na idade do Estado liberal, a organização 
jurídica dos Poderes, a distribuição de suas competências e, por conse­
guinte, a harmonia e o equilíbrio funcional dos órgãos de soberania, bem 
como a determinação de seus limites. Hoje, os direitos fundamentais 
ocupam essa posição estrutural culminante.
Enfim , podemos sintetizar que, ao tempo do velho Direito Consti­
tucional - o da separação de poderes - a tensão transcorria menos no 
campo das relações dos cidadãos com o Estado - a filosofia da burgue­
sia liberal cristalizada na racionalidade jurídica dos Códigos já pacifica­
ra grandemente essas relações! - do que no domínio mais sensível e de­
licado das relações entre os Poderes, donde pendia, perante a força do 
Estado, e a desconfiança remanescente das épocas do absolutismo, a 
conservação da liberdade em toda a sua dimensão subjetiva. Nesse con­
texto avultava e se mantinha sempre debaixo de suspeita o Poder Exe­
cutivo, sobretudo nas monarquias constitucionais, onde ficava mais os­
tensivamente sujeito aos freios e controle do sistema parlamentar.
Já com o novo Direito Constitucional, a tensão traslada-se, de ma­
neira crítica e extremamente preocupante, para a nervosa esfera dos di­
reitos fundamentais. A partir de então, a Sociedade procura aperfeiçoar 5S7
o sistema regulativo de aplicação desses direitos, em termos de um cons­
titucionalismo assentado sobre as incoercíveis expectativas da cidadania 
postulante.
Os direitos fundamentais são a sintaxe da iibérdade nas Constitui­
ções. Com eles, o constitucionalismo do século X X logrou a sua posi­
ção mais consistente, mais nítida, mais característica. Em razão disso, 
faz-se mister introduzir talvez, nesse espaço teórico, o conceito do juiz 
social, enquanto consectário derradeiro de uma teoria material da Cons­
tituição, e sobretudo da legitimidade do Estado social e seus postulados 
de justiça, inspirados na universalidade, eficácia e aplicação imediata 
dos direitos fundamentais. Coroam-se, assim, os valores da pessoa hu­
mana no seu mais elevado grau de juridicidade e se estabelece o prima­
do do Homem no seio da ordem jurídica, enquanto titular e destinatário, 
em última instância, de todas as regras do poder.
N o que concerne ainda à figura abstrata do juiz social, este incor­
pora em seu juízo ou aparelho de reflexão e entendimento uma vasta e 
sólida pré-compreensão das questões sociais, pressuposto inalterável de 
toda a hermenêutica constitucional e de seu conceito de concretização; 
enfim, aquilo que os alemães com rigor científico costumam designar, 
numa feliz expressão de linguagem, por Vorverstândnis e que sói fazer 
na cabeça do magistrado a ratio das decisões judiciais com mais sensi-. 
bilidade para os direitos fundamentais e para o quadro social da ordem 
jurídica, a que se prende, doravante, a dimensão nova, concreta e objeti­
va daqueles direitos.
A dimensão objetiva, apesar do reconhecimento da doutrina domi­
nante, tem sido, todavia, alvo de alguns reparos, como aqueles que par­
tiram de Dieter Grimm, publicista e juiz constitucional na Alemanha.
E m obra recente, intitulada O Futuro da Constituição (D ie Zukunft 
der Verfassung),]] ressalta ele que, na Dogmática dos direitos fundamen­
tais, depois da II Grande Guerra Mundial, as inovações mais importantes 
foram a descoberta do princípio da proporcionalidade e o desenvolvimen­
to (Entfaltung) do conteúdo jurídico-objetivo dos direitos fundamentais.12
Esse conteúdo jurídico-objetivo provoca a chamada “hipertrofia dos 
direitos fundamentais” (Bettennann). Mas configura, ao mesmo passo, 
numa variação incontrastavelmente qualitativa, o rompimento e a mu­
dança da relação direta, exclusiva e unidimensional do cidadão com o 
Estado, e vice-versa. Relação característica do status negativus e do sub- jetivismo individualista da idade liberal. Sucedeu-lhe, porém, outra rela­
ção, agora mais ampla - pluridimensional e plurifuncional que é a do 
status positivas, mediante o qual se reconciliam o cidadão, a Sociedade 
e o Estado. A hegemonia traslada-se, então, para a Sociedade, com as 
novas gerações de direitos fundamentais incorporadas ao constituciona­
lismo contemporâneo, transformando a Constituição em ordenamento 
jurídico fundamental da Sociedade, e não apenas do Estado.
Com efeito, os direitos fundamentais, ao extrapolarem aquela rela­
ção cidadão-Estado, adquirem, segundo Bõckenfõrde, uma dimensão até 
então ignorada - a de norma objetiva, de validade universal, de conteú­
do indeterminado e aberto, e que não pertence nem ao Direito Público, 
nem ao Direito Privado, mas compõe a abóbada de todo o ordenamento 
jurídico enquanto direito constitucional de cúpula.13
Resultaram já da dimensão jurídico-objetiva inovações constitucio­
nais de extrema importância e alcance, tais como: a) a irradiação e a 
propagação dos direitos fundamentais a toda a esfera do Direito Priva­
do; em rigor, a todas as províncias do Direito, sejam jusprivatistas, se­
jam juspublicísticas;b) a elevação de tais direitos à categoria de princí­
pios, de tal sorte que se convertem no mais importante pólo de eficácia 
normativa da Constituição; c) a eficácia vinculante, cada vez mais enér­
gica e extensa, com respeito aos três Poderes, nomeadamente o Legisla­
tivo; d) a aplicabilidade direta e a eficácia imediata dos direitos funda­
mentais, com perda do caráter de normas programáticas; e) a dimensão 
axiológica, mediante a qual os direitos fundamentais aparecem como 
postulados sociais que exprimem uma determinada ordem de valores e 
ao mesmo passo servem de inspiração, impulso e diretriz para a legisla­
ção, a administração e a jurisdição; f) o desenvolvimento da eficácia in- 
terprivatos, ou seja, em relação a terceiros (D rittw irkung), com atuação 
no campo dos poderes sociais, fora, portanto, da órbita propriamente dita 
do Poder Público ou do Estado, dissolvendo, assim, a exclusividade do 
confronto subjetivo imediato entre o direito individual e a maquina esta­
tal; confronto do qual, nessa qualificação, os direitos fundamentais se 
desataram; g) a aquisição de um “ duplo caráter” (Doppelcharakter, D o - 
ppelgestalt ou Doppelqualifizierung), ou seja, os direitos fundamentais 
conservam a dimensão subjetiva— da qual nunca se podem apartar, pois, 
se o fizessem, perderiam parte de sua essencialidade - e recebem um aditivo, uma nova qualidade, um novo feitio, que é a dimensão objetiva, 
dotada de conteúdo valorativo-decisório, e de função protetora tão exce­
lentemente assinalada pelos publicistas e juízes constitucionais da Alema­
nha; h) a elaboração do conceito de concretização, de grau constitucio­
nal, de que se têm valido, com assiduidade, os tribunais constitucionais 
do Velho Mundo na sua construção jurisprudencial em matéria de direi­
tos fundamentais; i) o emprego do princípio da proporcionalidade vin­
culado à hermenêutica concretizante, emprego não raro abusivo, de que 
derivam graves riscos para o equilíbrio dos Poderes, com os membros 
da judicatura constitucional desempenhando de fato e de maneira insólita 
o papel de legisladores constituintes paralelos, sem todavia possuírem, 
para tanto, o indeclinável título de legitimidade; e j) a introdução do con­
ceito de pré-compreensão ( Vorverstãndnis), sem o qual não há concreti­
zação.
Convém assinalar que o jurista Grimm, já mencionado, advertiu 
acerca dos riscos e da necessidade de cautela no tocante à dimensão ob­
jetiva dos direitos fundamentais, mas o fez com algum exagero - algo 
unicamente cabível se, por imprudência, elastecêssemos sem limites o 
alcance da própria teoria material da Constituição, desamparando-a de 
sua eficácia normativa.
Exprimiu aquele autor o receio, freqüente entre os teoristas liberais 
e conservadores, de que o status quo social fique exposto à instabilidade 
e à controvérsia, como sói acontecer toda vez que se interpretam os di­
reitos fundamentais apenas pelo prisma da objetividade jurídica.
Em rigor, a compreensão mais larga desses direitos e de suas fun­
ções, mediante uma interpretação jurídico-objetiva sem fronteiras, pode­
ria acarretar a perda de racionalidade na aplicação das regras jurídicas, 
o afrouxamento dos cânones da hermenêutica clássica e o advento de 
uma nova metodologia interpretativa, inclinada a fortalecer abusivamen­
te o poder judicial, propiciando a usurpação das competências políticas 
de ordinário reservadas aos demais Poderes, a saber, o Legislativo e o 
Executivo.14
Reflexões desse teor conduzem, de necessidade, a uma indagação 
maior acerca da legitimidade que teria o Poder Judiciário para manter, 
por via de sua função hermenêutica, tal superioridade sobre os Poderes 
Legislativo e Executivo. A hermenêutica constitucional, por exemplo, 
não teria como tolher a politização dessa relação de poderes, com a he­
gemonia do Judiciário e o quebrantamento da garantia que o clássico princípio de Montesquieu de alguma maneira sempre representou.para a 
liberdade no Estado moderno.
Afigura-se-nos, porém, haver para tanto uma saída possível: aquela 
vislumbrada na Metódica de Friedrich Miiller, constante dè sua Teoria 
Estruturante do Direito. Ela afasta esse perigo e protege os direitos fun­
damentais com a hermenêutica normativa da concretização compreendida 
na moldura de um Estado democrático de Direito, onde avulta sobretudo 
a eficácia das regras constitucionais fora de todo formalismo exclusivo, 
unilateral e restritivo, sem janelas ou abertura para o universo das reali­
dades sociais concretas; estas que, na aplicação hermenêutica, fazem 
parte, indissociavelmente, da própria natureza, vida, substância e nor- 
matividade do preceito jurídico, do qual a praxis é conteúdo integrativo 
e essencial. Sem a praxis, o texto legislativo tanto nos Códigos como 
nas Constituições é pré-normativo, qual se infere da Teoria Estruturante 
do Direito, do eminente jurista de Heidelberg.
Em verdade, a obra de M iiller é a teorização jurídica da praxis e 
sua estruturação por via hermenêutica. Nessa assertiva inserem-se duas 
originalidades de seu pensamento: a primeira, a natureza ju ríd ic a de sua 
teoria, que não é sociológica nem filosófica, mas estritamente científica; 
a segunda, a unificação pragmática do sein com o sollen, isto é, do ser 
com o dever-ser, na linha de um largo e abrangente realismo, dissolven- 
dp e ultrapassando, assim, a dualidade clássica do positivismo formal 
mediante o emprego de uma metodologia hermenêutica que se percebe 
de cunho nitidamente indutivo e que importa a rejeição de todos os 
elementos dedutivistas, cuja aderência essencial ao texto, supostamente 
nonnativo em si mesmo, sempre foi o timbre das correntes fonnalistas 
tradicionais.
Invalidadas as objeções do positivismo formalista que teme o co­
lapso da normatividade das Constituições com o emprego dos critérios 
materiais de interpretação dos direitos fundamentais, caberá, feitas as 
ressalvas de risco já apontadas, manter o reconhecimento der importân­
cia capital da dimensão objetiva.
Precisamente por ignorar essa dimensão dos direitos fundamentais, 
que hoje são a alma das Constituições, e não operar com os conceitos de 
pré-compreensão e concretização, é que o Direito Constitucional, du­
rante sua fase positivista mais acentuada, se irmanou ao Estado e ao D i­
reito Administrativo e, de último, adotando aqueles conceitos, na idade 
do pós-positivismo, se irmana mais à Sociedade e à Ciência Política.
Isto fica deveras nítido quando se transita da dimensão subjetiva - 
que ocupou todas as épocas do Direito Constitucional clássico - para a 591
dimensão objetiva, ou seja, para as nascentes da materialidade valorati- 
va e institucional, onde reside a funcionalidade intrínseca daqueles di­
reitos, e se chega, enfim, por via interpretativa e classificatória, a uma 
configuração que compreende os direitos da segunda, da terceira e da 
quarta gerações, valendo-se para tanto de uma nova metodologia, cujo 
ponto culminante se alcança mediante o conceito de concretização.
Verificamos, então, o seguinte: há na Constituição normas que se 
interpretam e normas que se concretizam. A distinção é relevante desde 
o aparecimento da Nova Hermenêutica, que introduziu o conceito novo 
de concretização, peculiar à interpretação de boa parte da Constituição, 
nomeadamente dos direitos fundamentais e das cláusulas abstratas e ge­
néricas do texto constitucional. Neste são usuais preceitos normativos 
vazados em fórmulas amplas, vagas e maleáveis, cuja aplicação requer 
do intérprete uma certa diligência criativa, complementar e aditiva para 
lograr a completude e fazer a integração da norma na esfera da eficácia 
e juridicidade do próprio ordenamento. Na Velha Hermenêutica, regida 
por um positivismo lógico-formal, há subsunçao; em a Nova Hermenêu­
tica, inspirada por uma teoria material de valores, o que há é concretiza­
ção; ali, a nonna legal, aqui, a norma constitucional; uma interpretada,a 
outra concretizada.
Se exagerarmos, porém, na teoria material da Constituição, toma­
mos a reiterar, o Direito Constitucional corre o grave risco de dissolu­
ção; já não será ciência, mas literatura política, e, além de entrar em de­
clínio de normatividade, ele sê flexibilizará, disperso nos casuísmos do 
poder ou nas soluções tópicas de um decisionismó sem juridicidade, que 
confunde poderes, extingue garantias e transgride competências. Faz-se, 
assim, movediça a ordem constitucional, e todo o sistema jurídico se des­
loca para üm campo de instabilidade. Não é, contudo', o arbítrio, e sim a 
liberdade em toda a sua multivalência, que compõe a base e a essência 
da teoria material da liberdade. Com a liberdade, vista sempre à luz das 
complexidades de nossa época, é de esperar passe essa teoria definitiva- 
mente a prevalecer na região da doutrina.
No dorso de antíteses tais como Estado e Sociedade, lei e Consti­
tuição, legalidade e legitimidade, legalismo e constitucionalismo, sub- 
sunção e concretização, norma unidimensional - que é a norma-texto - 
e norma pluridimensional, nos termos da concepção genial e estraturan- 
te de Friedrich M iiller, a saber, norma-texto, norma-programa, norma- 
âmbito, norma-direito e norma-decisão, é que se percebe com toda a evi­
dência a linha de separação no Direito Constitucional contemporâneo 
do pós-positivismo material, em ascensão, ao positivismo formal em de­
cadência.592 CURSO DE D IR EITO C O NSTITUCIO N AL
O primeiro esplende em riqueza e fecundidade inovadora, fazendo 
nascer da gestação de seus conceitos a Nova Hermenêutica, ao passo 
que o segundo jaz embalsamado num formalismo álgido e refratário aos 
conteúdos velozes e dinâmicos daquele universo novo de direitos funda­
mentais em expansão; alheado da realidade, freqüenta unicamente as pá­
ginas do Direito Constitucional clássico, de inspiração liberal.
Em suma, o pós-positivismo, de raízes manifestamente axiológicas, 
elaborou uma metodologia que fez da hermenêutica o capítulo mais im ­
portante do novo Direito Constitucional. M ax Scheler e Nicolai Hart- 
mann, na Filosofia, e Kaufmann, Holstein e Smend, no Direito, foram 
os grandes precursores desse movimento de renovação e antagonismo à 
escola positivista.
3. A necessidade de fazer eficazes os direitos fundamentais 
e a insuficiência da Velha Hermenêutica
Os direitos fundamentais, em rigor, não se interpretam; concretizam- 
se. A metodologia clássica da Velha Hermenêutica de Savigny, de ordiná­
rio aplicada à lei e ao Direito Privado, quando empregada para interpre­
tar direitos fundamentais, raramente alcança decifrar-lhes o sentido.
Os métodos tradicionais, a saber, gramatical, lógico, sistemático e 
histórico, são de certo modo rebeldes a valores, neutros em sua aplicação, 
e por isso mesmo impotentes e inadequados para interpretar direitos fun­
damentais. Estes se impregnam de peculiaridades que lhes conferem um 
caráter específico, demandando técnicas ou meios interpretativos distin­
tos, cuja construção e emprego gerou a Nova Hermenêutica.
Com acuidade, Hans-Joachim Koch assinalou a complexidade e a 
peculiaridade n , destacando a 
necessidade de considerar os seguintes aspectos, indubitavelmente de 
extrema relevância: o círculo de proteção que deve envolver cada direi­
to fundamental, as respectivas reservas de lei, as normas legais preen- 
chedoras dessas reservas, as normas jurídicas infralegais, sobretudo os 
decretos, as normas de legislação procedimentais e de competência e os 
demais mandamentos da Constituição, tais como o pertinente ao princí­
pio do Estado de Direito.15
Demais disso, é de observar que a hermenêutica dos direitos funda­
mentais requer vias de investigação que transcendem os caminhos aber tos pelo emprego dos métodos interpretativos da escola clássica de Sa- 
vigny. Isto deriva da peculiaridade mesma imanente 4 estrutura normati­
va desses direitos fundamentais, que exigem, segundo Koch, “ decisões 
de prioridade” ou primazia, tais como “entre sua pretensão de tutela 
{Schutzanspruch) e as interferências legislativas ou entre direitos funda­
mentais conflitantes, isto é, posições constitucionais cuja harmonia deve 
ser levada a cabo por via do legislador” .16
A partir daí se coloca, obviamente, o recurso ao princípio da pro­
porcionalidade, que também serve de apoio à metodologia da Nova Her­
menêutica.17
Refere Stem que a revolta contra os métodos clássicos de interpre­
tação - “patrimônio comum da jurisprudência” - partiu da Teoria Geral 
do Direito e do Direito Público, o que é verdade.18 Mas foi especifica­
mente no campo do Direito Constitucional que a ofensiva aos critérios 
interpretativos tradicionais se fez com mais ímpeto e de maneira mais 
bem-sucedida.
Nesse âmbito depara-se-nos Ulrich Scheuner entre os primeiros ju ­
ristas alemães a manifestarem descrença na possibilidade de interpretar 
os direitos fundamentais com os instrumentos do formalismo, peculiares 
à metodologia clássica da Lógica Jurídica, tradicionalmente aplicada ao 
Direito C ivil.19
Impetrava ele, ao contrário, para cada direito fundamental uma in­
terpretação histórico-cultural, fundada na consideração tanto da história 
como da tradição, e vinculada sobretudo à compreensão de seu conteú­
do objetivo, bem como à dilucidação material de seus problemas.20
Entendia Scheuner, porém, numa contradição manifesta, que os di­
reitos sociais, com exceção de alguns, não eram justiciáveis21 - uma posição vulnerável, em grande parte já ultrapassada pela doutrina mais 
avançada do Direito Constitucional do século X X .
Entre a interpretação da Constituição e a interpretação dos direitos 
fundamentais há apertados vínculos, servindo os princípios que regem 
aquela ao esclarecimento do significado das normas pertinentes a esses 
direitos.
Com respeito à Lei Fundamental de Bonn, diz Klaus Stem, que a 
interpretação dos direitos fundamentais “é o mais importante teatro de 
guerra na luta pela interpretação” dessa Lei.22 E, a seguir, referindo a 
importância de tais direitos, se vale de u ’a máxima célebre do jurista R. 
v. Gneist ao formular os direitos fundamentais como “postulados gerais 
da Sociedade” .23
Aliás, na Alemanha, durante a República de Weimar, a interpreta­
ção dos direitos fundamentais ficara atada à metodologia clássica de 
Savigny. Em conseqüência disso, girava ao redor da lei e de suas técni­
cas interpretativas, sem valor hermenêutico autônomo, que só adquire 
por ensejo da segunda metade do século X X , por obra dos novos con­
ceitos de interpretação produzidos pela Tópica.
Tocante aos direitos fundamentais, dominava ainda o cenário ju rí­
dico da época de Weimar, segundo adverte aquele constitucionalista, 
uma acesa controvérsia a respeito da aplicação de duas teorias interpre­
tativas: a teoria subjetiva, dominante na jurisprudência e na doutrina, 
sobretudo com Anschütz - o principal comentador da Constituição de 
Weimar - , e a teoria objetiva; a primeira, volvida para o constituinte, 
buscando-lhe a expressão de vontade, e a segunda, para a natureza, a 
independência e o sentido próprio do direito fundamental, interpretati- 
vamente desmembrado de seu instituidor.24
D e qualquer modo, os publicistas alemães desse período chegaram 
a vislumbrar três aspectos de capital relevância quanto aos direitos fun­
damentais: primeiro, a sua função protetora, capacitada a impor limites 
e deveres, tanto à autoridade legislativa como administrativa; segundo, 
o caráter unitário e unificador de que são dotadas tais normas de direitos 
fundamentais, sem embargo de sua variedade material de conteúdo, e 
terceiro, o princípio da efetividade desses direitos, cunhado por Thoma, 
princípio mediante o qual se determina que, em caso de dúvida na esfera 
interpretativa, cabe a preferência àquela norma mais apta a desdobrar com maior intensidade a eficácia jurídica do direito fundamental.23 O 
princípio compieta-se teoricamente,

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