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1_psicologia da saúde X psico hospitalar.pdf
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que seria no Brasil a Psicologia Hospitalar é
denominada Psicologia da Saúde em outros países.
Entretanto, esses dois conceitos não são
equivalentes, em primeiro lugar, pelo próprio
significado de tais termos – saúde e hospital.
Enquanto saúde se refere a um conceito complexo
Resumo: No presente trabalho, apresentamos a definição de Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar,
esta última como especialidade exclusivamente brasileira. Refletimos, também, sobre a formação acadêmica,
o mercado de trabalho e a realidade da saúde no País. Consideramos que existem incongruências entre a
formação de base, a nossa realidade social e a inserção de psicólogos no ramo da saúde. Discutimos a
inclusão da Psicologia Hospitalar na Psicologia da Saúde, área ampla que utiliza os conhecimentos das
Ciências Biomédicas, Psicologia Clínica e Psicologia Comunitária para intervir em distintos contextos no
âmbito sanitário.
Palavras-Chave: Psicologia Hospitalar, Psicologia da Saúde, formação profissional, mercado de trabalho,
realidade social brasileira.
Abstract: In the present article the authors present the Health Psychology and the Hospital Psychology
definition, the last one as an exclusive Brazilian specialization. Moreover, we reflect about the academic
studies, the work market and the Brazilian health reality. We found some incongruence among the career
studies, the social reality and the psychologists’ work in the health field. We discuss the Hospital Psychology
incorporation in the Health Psychology area, which uses the Biomedical, Clinical and Community knowledge
to intervene in different health contexts.
Key Words: Hospital Psychology, Health Psychology, professional studies, work market, Brazilian social
reality.
O questionamento sobre Psicologia Hospitalar x
Psicologia da Saúde começou com a experiência
do doutorado no exterior, onde descobrimos,
surpreendidas, que a tão difundida especialização
na Psicologia, denominada no Brasil de Hospitalar,
é inexistente em outros países. A aproximação ao
Elisa Kern de
Castro
Psicóloga (PUC-RS).
Mestre em Psicologia
do Desenvolvimento
(UFRGS/CAPES).
Doutoranda em
Psicologia Clínica e da
Saúde na Universidad
Autónoma de Madrid,
Espanha (bolsista de
doutorado pleno CAPES
Processo 1129 01/5).
Ellen Bornholdt
Psicóloga (PUC-RS).
Terapeuta em
formação pelo Instituto
de Ensino e Pesquisa
em Psicoterapia
(IEPP).Mestre em
Psicologia Clínica (PUC-
RS/CNPq) e doutoranda
em Psicologia Clínica
pela Universidad Del
Salvador, Buenos Aires,
Argentina.
Psicologia da Saúde x
Psicologia Hospitalar:
Definições e Possibilidades de Inserção Profissional
PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (3), 48-57
Health psychology x hospital Psychology:
definitions and insertion of professional possibilities
Ju
pi
te
rim
ag
es
49
relativo às funções orgânicas, físicas e mentais
(WHO, 2003), hospital diz respeito a uma
instituição concreta onde se tratam doentes,
internados ou não. Assim, o próprio significado da
palavra saúde leva-nos a refletir sobre a prática
profissional centrada na intervenção primária,
secundária e terciária
1
. Já quando nos referimos
ao hospital, automaticamente, pensamos em
algum tipo de doença já instalada, só sendo possível
a intervenção secundária e terciária para prevenir
seus efeitos adversos, sejam eles físicos, emocionais
ou sociais.
Essas diferenças fizeram-nos refletir sobre a nossa
própria formação e prática profissional, o que fez
surgir algumas perguntas:
l O que é, afinal, Psicologia da Saúde e Psicologia
Hospitalar? Existem diferenças?
l Qual a origem desses dois conceitos?
l A formação básica universitária e a pós-
graduação preparam o psicólogo para a atuação
nessas áreas?
l A nossa formação é condizente com a demanda
e as necessidades do País na área da saúde?
l O mercado de trabalho consegue absorver esses
profissionais?
A partir dessas perguntas, no decorrer do trabalho,
buscamos aporte teórico como base para refletir
sobre cada questionamento proposto .
O que é Psicologia da Saúde
A Psicologia da Saúde tem como objetivo
compreender como os fatores biológicos,
comportamentais e sociais influenciam na saúde
e na doença (APA, 2003). Na pesquisa
contemporânea e no ambiente médico, os
psicólogos da saúde trabalham com diferentes
profissionais sanitários, realizando pesquisas e
promovendo a intervenção clínica. Complementar
a essa definição, o Colégio Oficial de Psicólogos
da Espanha (COP, 2003) conceitua a Psicologia
da Saúde como a disciplina ou o campo de
especialização da Psicologia que aplica seus
princípios, técnicas e conhecimentos científicos
para avaliar, diagnosticar, tratar, modificar e prevenir
os problemas físicos, mentais ou qualquer outro
relevante para os processos de saúde e doença.
Esse trabalho pode ser realizado em distintos e
variados contextos, como: hospitais, centros de
saúde comunitários, organizações não-
governamentais e nas próprias casas dos
indivíduos. A Psicologia da Saúde também poderia
Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional
ser compreendida como a aplicação da Psicologia
Clínica no âmbito médico.
A Psicologia da Saúde já é uma área consolidada
internacionalmente, e, no Brasil, está conquistando
cada vez mais seu espaço. Historicamente, a
American Psychological Association (APA, 2003) foi
a primeira associação de psicólogos a criar um
grupo de trabalho na área da saúde em 1970. Em
1979, foi criada a divisão 38, chamada Health
Psychology, cujos objetivos básicos são avançar no
estudo da Psicologia como disciplina que
compreende a saúde e a doença através da
pesquisa e encorajar a integração da informação
biomédica com o conhecimento psicológico,
fomentando e difundindo a área. A APA publica,
desde 1982, a revista Health Psychology, a primeira
oficial da área. Seguindo a tendência, em 1986,
formou-se, na Europa, a European Health Psychology
Society (EHPS, 2003), uma organização profissional
que visa a promover a pesquisa teórica e empírica
e suas aplicações para a Psicologia da Saúde
européia. Cada país-membro possui, ainda, sua
associação de Psicologia da Saúde, que realiza
atividades como congressos, simpósios, pesquisas
etc. Foram criadas várias revistas especializadas:
British Journal of Health Psychology (Reino Unido),
Revista de Psicologia de la Salud (Espanha), Psicologia
della Salutte (Itália), Gedrag & Gezondheid (Bélgica),
entre outras.
Na América Latina, a Psicologia da Saúde também
está desenvolvendo-se em alguns países. O primeiro
encontro de profissionais da área da saúde ocorreu
em 1984, em Cuba, reuniu cerca de 1000
psicólogos interessados e foi um marco propulsor
para o avanço e o reconhecimento da área (Remor,
1999). A partir desses encontros, constitui-se a
ALAPSA, (2003), uma associação que reúne
diversos países latino-americanos. Os congressos
promovidos pela ALAPSA são recentes, sendo que
o primeiro deles ocorreu em 2001, no México, e
o segundo, em 2003, na Colômbia (Flórez-Alarcon,
2003). Vinculados à ALAPSA, alguns países latino-
americanos possuem também sua própria
associação de Psicologia da Saúde, como, por
exemplo, Colômbia, Cuba, México, Venezuela e
Brasil (ALAPSA, 2003). A Psicologia da Saúde na
América Latina teve um rápido crescimento em
recursos humanos, mas uma insuficiente
incorporação dos psicólogos nos setores de saúde.
Apesar disso, essa área é a que mais absorveu
psicólogos nos últimos 15 anos, no Brasil e em
outros países latino-americanos, principalmente na
Argentina, mas a produção científica continua
escassa. Em nível mundial, as pesquisas em
Psicologia da Saúde estão sendo incrementadas, e
90% delas correspondem aos países
europeus,
Estados Unidos, Japão e Austrália. Já na América
Latina, percebe-se uma insuficiência de estudos
1 Prevenção primária: relativo
à promoção e educação para a
saúde quando não existe
problemas de saúde instalados.
Ex: trabalho com a população
em geral na comunidade sobre
os riscos do contágio do vírus
da AIDS.
Prevenção secundária: já existe
uma demanda e o profissional
atua prevenindo seus possíveis
efeitos adversos. Ex: trabalho
com pessoas que recorrem ao
exame do HIV durante o período
da espera pelo resultado.
Pervenção terciária: diz respeito
ao trabalho com pessoas com
problemas de saúde instalados,
atuando para minimizar seu
sofrimento. Ex: trabalho (de
grupo, psicoterápico, de apoio,
etc.) com pessoas infectadas
pelo vírus HIV.
50
que possibilitem intervenções rápidas para os
problemas de saúde de cada região, respeitando
suas especificidades e contextos socioeconômicos.
Além disso, a formação profissional do psicólogo
latino-americano é limitada em nível de pós-
graduação (Sebastiani, 2000). Várias situações
existentes na América Latina refletem também a
posição brasileira da Psicologia da Saúde.
No Brasil, a própria denominação Psicologia da
Saúde já é problemática, suscitando discussões de
como denominar uma área que aplica os
princípios de Psicologia a problemas de saúde e
doença. É recorrente a confusão de terminologias,
como Medicina Psicossomática, com o tema em
questão - Psicologia Hospitalar (Kerbauy, 2002) –
e com Psicologia Clínica.
A confusão entre o que seria a área clínica, a área
da saúde e também a Psicologia Hospitalar não é
somente de ordem semântica, mas também de
ordem estrutural, ou seja, estão em jogo os
diferentes marcos teóricos ou concepções de base
acerca do fazer psicológico e sua inserção social.
Justamente dessas diferenças, e/ou antagonismos
teórico-ideológicos, surge uma Psicologia da Saúde
(Yanamoto & Cunha, 1998). Considerando essas
possíveis confusões, é importante esclarecer,
também, o conceito de Psicologia Clínica.
O especialista em Psicologia Clínica (CRP, 2003)
também atua na área da saúde em diferentes
contextos, além do consultório particular, inclusive
em hospitais, unidades psiquiátricas, programas de
atenção primária, postos de saúde etc., prevenindo
doenças no âmbito primário, secundário e terciário.
Como se pode observar, esse conceito, de fato,
está intimamente associado ao que é Psicologia da
Saúde. Furtado (1997), nesse sentido, argumenta
que os limites da Psicologia Clínica também são
tênues, e o próprio ensino universitário é
diversificado em seu planejamento. A autora
chegou a essa conclusão a partir de um estudo
que analisou o plano das disciplinas em 10
universidades do Rio Grande do Sul. Apesar das
imprecisões entre essas duas áreas, é importante
diferenciá-las. A Psicologia Clínica centra sua
atuação em diversos contextos e problemáticas em
saúde mental, enquanto a Psicologia da Saúde dá
ênfase, principalmente, aos aspectos físicos da
saúde e da doença (Kerbauy, 2002).
Enfim, a Psicologia da Saúde, com base no modelo
biopsicosossocial, utiliza os conhecimentos das
ciências biomédicas, da Psicologia Clínica e da
Psicologia Social-comunitária (Remor, 1999). Por
isso, o trabalho com outros profissionais é
imprescindível dentro dessa abordagem. Essa área
fundamenta seu trabalho principalmente na
promoção e na educação para a saúde, que
objetiva intervir com a população em sua vida
cotidiana antes que haja riscos ou se instale algum
problema de âmbito sanitário. O trabalho é
multiplicador, uma vez que capacita a própria
comunidade para ser agente de transformação da
realidade, pois aprende a lidar, controlar e
melhorar sua qualidade de vida. Dessa maneira,
torna-se evidente que a Psicologia da Saúde dá
ênfase às intervenções no âmbito social e inclui
aspectos que vão além do trabalho no hospital,
como é o caso da Psicologia Comunitária (Besteiro
& Barreto, 2003; Gonzalez-Rey, 1997).
 O Que é Psicologia Hospitalar
De acordo com a definição do órgão que rege o
exercício profissional do psicólogo no Brasil, o CFP
(2003a), o psicólogo especialista em Psicologia
Hospitalar tem sua função centrada nos âmbitos
secundário e terciário de atenção à saúde, atuando
em instituições de saúde e realizando atividades
como: atendimento psicoterapêutico; grupos
psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia;
atendimentos em ambulatório e unidade de terapia
intensiva; pronto atendimento; enfermarias em
geral; psicomotricidade no contexto hospitalar;
avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico;
consultoria e interconsultoria.
Para que possamos entender o surgimento e a
consolidação do termo Psicologia Hospitalar em
nosso país, é importante ressaltar que as políticas
de saúde no Brasil são centradas no hospital desde
a década de 40, em um modelo que prioriza as
ações de saúde via atenção secundária (modelo
clínico/assistencialista), e deixa em segundo plano
as ações ligadas à saúde coletiva (modelo
sanitarista). Nessa época, o hospital passa a ser o
símbolo máximo de atendimento em saúde, idéia
que, de alguma maneira, persiste até hoje. Muito
provavelmente, essa é a razão pela qual, no Brasil,
o trabalho da Psicologia no campo da saúde é
denominado Psicologia Hospitalar, e, não,
Psicologia da Saúde (Sebastiani, 2003).
É importante ressaltar que nós nos deparamos com
dificuldades para encontrar material teórico e
pesquisas na literatura científica internacional
sobre a Psicologia Hospitalar como campo
específico. Uma das razões seria que essa
denominação é inexistente em outros países além
do Brasil (Sebastiani, 2003; Yanamoto, Trindade
& Oliveira, 2002). Yanamoto, Trindade e Oliveira
(2002) e Chiattone (2000), inclusive, explicam que
o termo Psicologia Hospitalar é inadequado
porque pertence à lógica que toma como
referência o local para determinar as áreas de
atuação, e não prioritariamente às atividades
desenvolvidas. Se já existe fragmentação das práticas
e dispersão teórica da Psicologia, a adoção do
Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt
51
termo Psicologia Hospitalar caminha no sentido
oposto à busca de uma identidade para o psicólogo
como profissional da saúde que atua em hospitais
(Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002).
Diferente do Brasil, em alguns outros países, a
identidade do psicólogo especialista está associada
à sua prática e não ao local em que atua. A APA
(2003) e o COP (2003), por exemplo, demarcam o
trabalho do psicólogo em hospitais como um dos
possíveis locais em que atua o psicólogo da saúde.
Especificamente na Espanha, Rodríguez-Marín
(2003) e Besteiro e Barreto (2003) definem que o
marco conceitual da Psicologia da Saúde é o que
deve servir de base para a Psicologia Hospitalar.
Entretanto, definição parecida a essa é a da brasileira
Chiattone (2000), que diz que a Psicologia
Hospitalar é apenas uma estratégia de atuação em
Psicologia da Saúde, e que, portanto, deveria ser
denominada “Psicologia no contexto hospitalar”.
Rodríguez-Marín (2003) esclarece que a Psicologia
Hospitalar é, então, o conjunto de contribuições
científicas, educativas e profissionais que as
diferentes disciplinas psicológicas fornecem para dar
melhor assistência aos pacientes no hospital. O
psicólogo hospitalar seria aquele que reúne esses
conhecimentos e técnicas para aplicá-los de
maneira coordenada e sistemática, visando à
melhora da assistência integral do paciente
hospitalizado, sem se limitar, por isso, ao tempo
específico da hospitalização. Portanto, seu trabalho
é especializado no que se refere, fundamentalmente,
ao restabelecimento do estado de saúde do doente
ou, ao menos, ao controle dos sintomas que
prejudicam seu bem-estar.
Rodriguez-Marín (2003) sintetiza as seis tarefas
básicas do psicólogo que trabalha em hospital: 1)
função de coordenação: relativa às atividades com
os funcionários
do hospital; 2) função de ajuda à
adaptação: em que o psicólogo intervém na
qualidade do processo de adaptação e
recuperação do paciente internado; 3) função de
interconsulta: atua como consultor, ajudando
outros profissionais a lidarem com o paciente; 4)
função de enlace: intervenção, através do
delineamento e execução de programas junto
com outros profissionais, para modificar ou instalar
comportamentos adequados dos pacientes; 5)
função assistencial direta: atua diretamente com o
paciente, e 6) função de gestão de recursos
humanos: para aprimorar os serviços dos
profissionais da organização.
Chiattone (2000) ressalta, contudo, que, muitas
vezes, o próprio psicólogo não tem consciência
de quais sejam suas tarefas e papel dentro da
instituição, ao mesmo tempo em que o hospital
também tem dúvidas quanto ao que esperar desse
profissional. Se o psicólogo simplesmente transpõe
o modelo clínico tradicional para o hospital e
verifica que este não funciona como o esperado
(situação bastante freqüente), isso pode gerar
dúvidas quanto à cientificidade e efetividade de
seu papel. Desse modo, segundo a autora, o
distanciamento da realidade institucional e a
inadequação da assistência mascarada por um
falso saber pode gerar experiências malsucedidas
em Psicologia Hospitalar.
A partir das definições expostas de Psicologia da
Saúde, que pode se confundir com a Psicologia
Clínica e com a Psicologia Hospitalar, encontramos
semelhanças no que tange às formas de atuação
prática dos especialistas dessas distintas áreas. A
psicoterapia individual ou grupal, por exemplo, é
uma tarefa que pode ser desenvolvida dentro dos
três campos citados. Contudo, percebemos
também particularidades fundamentais. A
Psicologia Clínica propõe um trabalho amplo de
saúde mental nos três níveis de atuação – primário,
secundário e terciário - e a Psicologia da Saúde
também propõe um trabalho abrangente nesses
mesmos níveis, mas aplicada ao âmbito sanitário,
enfatizando as implicações psicológicas, sociais e
físicas da saúde e da doença. No que diz respeito
à Psicologia Hospitalar, sua atuação poderia ser
incluída nos preceitos da Psicologia da Saúde,
limitando-se,entretanto, à instituição-hospital e, em
conseqüência, ao trabalho de prevenção
secundária e terciária.
Algumas Considerações Sobre a
Formação Profissional, a
Realidade Brasileira e o Mercado
de Trabalho
Para que o psicólogo esteja capacitado a trabalhar
em saúde, é imprescindível refletir se sua formação
lhe dá as bases necessárias para essa prática. A
aprendizagem não deve ser só teórica e técnica,
pois o psicólogo tem que ser comprometido
socialmente, estar preparado para lidar com os
problemas de saúde de sua região e ter condições
de atuar em equipe com outros profissionais.
Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional
A confusão entre o
que seria a área
clínica, a área da
saúde e também a
Psicologia Hospitalar
não é somente de
ordem semântica,
mas também de
ordem estrutural, ou
seja, estão em jogo os
diferentes marcos
teóricos ou
concepções de base
acerca do fazer
psicológico e sua
inserção social.
52
Segundo Sebastiani, Pelicioni e Chiattone (2002),
a formação do psicólogo na América Latina e no
Brasil está vinculada basicamente ao tratamento
individual baseado no modelo clínico, que é a
base de sua identidade profissional. Entretanto,
devido à grande demanda de trabalho existente
no âmbito sanitário, muitas vezes profissionais mal-
preparados seguem trabalhando no antigo modelo
clínico individual e atuam na área da saúde sem
ter conhecimento das ferramentas necessárias para
uma atuação coletiva de prevenção e intervenção.
No Brasil, a formação em Psicologia é deficitária
no que se refere aos conhecimentos da realidade
sanitária do País, à participação em pesquisas e em
políticas de saúde, indispensáveis para a
determinação da sua prática e para o
aprimoramento da especialidade (Dimenstein,
2000; Sebastiani, 2003). Essa formação elitista
distancia o aluno e o profissional das demandas
sociais existentes, não os habilitando para lidar
com o sofrimento físico sobreposto ao sofrimento
psíquico, a injustiça social, a fome, a violência e a
miséria (Chiattone, 2000). Em conseqüência,
enquanto as classes privilegiadas têm acesso ao
tratamento psicológico, as classes menos
favorecidas ficam desassistidas, pois o tratamento
clínico gratuito em instituições públicas e clínicas-
escola não abarca as necessidades de grande parte
da população. Muitas vezes, são ensinadas teorias
incompatíveis com a demanda e a realidade social,
promovendo uma concepção de sujeito
desvinculada do seu contexto sociopolítico e
cultural. Obviamente, essas incongruências na
formação de base geram dúvidas quanto à
cientificidade da tarefa do psicólogo em alguns
casos onde a realidade é a da extrema pobreza, já
que a graduação em Psicologia dá ênfase ao
modelo psicodinâmico e suas implicações clínicas,
voltadas para a população mais privilegiada. Em
síntese, a formação em Psicologia deixa
praticamente de lado temáticas relacionadas às
questões macrossociais relativas à saúde,
contribuindo para a manutenção das estruturas
sociais e das relações de poder sem utilizar todo o
seu potencial questionador e transformador
(Almeida, 2000; Dimenstein, 2000).
A falta de pesquisas na área também não privilegia
ações de prevenção de saúde e, sim, ações
emergenciais. Tal situação distorce o trabalho
profissional, provoca o afastamento entre
acadêmicos e profissionais e não contribui para a
ampliação da prática e para a incorporação de
psicólogos recém-formados que querem trabalhar
na área. Com a necessidade crescente de
demonstração das evidências dos resultados das
intervenções psicológicas – o que se chama prática
baseada em provas – o desenvolvimento da
pesquisa básica e aplicada é imprescindível (Ulla
Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt
& Remor, 2003). As evidências dos bons resultados
das intervenções psicológicas, além de propiciarem
avanços no atendimento direto às pessoas, também
abrem campo de trabalho ao psicólogo. Um
exemplo seria o caso de alguns governos de países
europeus que decidiram custear o tratamento
psicológico através da saúde pública sempre que
se cumpram critérios de eficácia, efetividade e
eficiência.
Então, qual seria a formação indicada para os
psicólogos que desejam trabalhar no âmbito da
saúde? Besteiro e Barreto (2003) afirmam que a
formação do psicólogo da saúde deve contemplar
conhecimentos sobre: bases biológicas, sociais e
psicológicas da saúde e da doença; avaliação,
assessoramento e intervenção em saúde, políticas
e organização de saúde e colaboração
interdisciplinar; temas profissionais, éticos e legais
e conhecimentos de metodologia e pesquisa em
saúde. Com relação ao psicólogo da saúde que
atua especificamente em hospitais, é indispensável
um bom treinamento em três áreas básicas: clínica,
pesquisa e programação. Com relação à a área
clínica, o psicólogo deve ser capaz de realizar
avaliações e intervenções psicológicas. Na área de
pesquisa e comunicação, é necessário saber
conduzir pesquisas e comunicar informações de
cunho psicológico a outros profissionais. Por fim,
quanto à área de programação, o profissional deve
desenvolver habilidades para organizar e
administrar programas de saúde. Com essa
formação integrada, é possível melhorar a
qualidade da atenção prestada, garantir que as
intervenções implantadas sejam as mais eficazes
para cada caso, diminuir custos e aumentar os
conhecimentos sobre o comportamento humano
e suas relações com a saúde e a doença (Ulla &
Remor, 2003).
Neste momento em que somos incitados a refletir
sobre nossa profissão para aperfeiçoar nossos
modelos de atuação profissional, como ocorre com
a Psicologia da Saúde, é importante considerar
sempre o aspecto
social em que estamos inseridos,
compreendendo a realidade do nosso país. O
Brasil é o país das contradições, ao mesmo tempo
em que é a décima primeira economia mundial,
portanto, um país rico, ao passo que 1/3 de sua
população é pobre, melhor dito, miserável (WHO,
2003). Um terço de aproximadamente 170
milhões de pessoas significa que 55 milhões vivem
abaixo da linha da pobreza. Para termos uma
dimensão ainda mais clara dessa dura realidade,
podemos pensar que é como se toda a população
dos nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai
fossem miseráveis, isto é, aqueles que não possuem
as condições mínimas de moradia, alimentação,
educação e saúde. O Brasil também é o país das
contradições em si mesmo, ou seja, são também
53
Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional
gigantescas as diferenças econômicas e educacionais da Região Sul/Sudeste e da Norte/Nordeste/Centro-
Oeste. Enfim, é uma nação rica com muitos pobres, como ilustra a tabela:
Tabela 1: Alguns dados demográficos e da saúde no Brasil
População (a) 169.872.856
Crianças e adolescentes (até 19 anos) 40%
Adultos (20-59 anos) 51%
Terceira idade (a partir de 60 anos) 9%
PIB per cápita (b) 7.548 ($)
Gasto total per cápita em saúde (b) 631 ($)
Expectativa de vida da população(b)
 Homens 65,5
 Mulheres 72,0
Mortalidade infantil (b) 43,5
Índice de fertilidade (b) 2,2
Índice de alfabetização (a) 93,2%
 Rio Grande do Sul 93,9%
 Alagoas 68,2%
 São Paulo 95,4%
b) IBGE (2003), Censo Demográfico 2000.
c) WHO (2003), Dados sobre o Brasil.
Como podemos observar a partir desses dados, a
situação do nosso país é alarmante devido
principalmente às desigualdades existentes. Isso
exige de nós, como profissionais e cidadãos
brasileiros, em primeiro lugar, um conhecimento
profundo dessa triste realidade. Conhecendo a
situação que se apresenta, a consolidação de um
trabalho de promoção da saúde pode tornar-se
efetivo. Entretanto, nós, enquanto profissionais da
saúde, estamos preparados para essa realidade?
Acreditamos que, em muitos aspectos, não. Parece-
nos, às vezes, que os profissionais da Psicologia são
um “retrato” da desigualdade da sociedade
brasileira, com suas práticas elitistas que beneficiam
uma pequena parcela da população. Um exemplo
seria a utilização indiscriminada da prática da
psicoterapia individual, em contextos em que a
população ou tem outras necessidades mais
básicas, ou até não chega à instituição por falta de
recursos. Confirma essa idéia a recente pesquisa
realizada sobre o perfil do psicólogo brasileiro (CFP,
2003b), mostrando que 54,9% dos psicólogos que
exercem a profissão trabalham na clínica em
consultório particular, enquanto apenas 12,4% dos
profissionais atuam em Psicologia da Saúde e 0,6%
são pesquisadores.
Queremos esclarecer que consideramos a prática
psicoterápica individual fundamental, e, sem
dúvida, um dos pilares da Psicologia. Entretanto, é
indispensável que sua indicação seja correta. O
que questionamos neste trabalho é o uso
indiscriminado de tal modalidade de intervenção
em determinados setores ou contextos em que
existem outros tipos de intervenção mais
condizentes com as necessidades dos indivíduos.
Como exemplo, pensamos em duas situações em
que a indicação de psicoterapia individual é
questionável: a primeira, no contexto hospitalar, e
a segunda, na comunidade. Situação 1: num
determinado hospital, digamos que exista grande
demanda para o setor da Psicologia com pacientes
internados e se privilegie o trabalho individual.
Tendo em vista a dificuldade de atender todos os
pacientes, o setor decidiria, de acordo com seus
próprios critérios, atender apenas alguns pacientes,
enquanto outros ficariam excluídos desse tipo de
ajuda. Situação 2: digamos que, num posto de
saúde, exista, na sala de espera do ginecologista,
várias mulheres infectadas pelo HIV. O setor da
Psicologia decide, por sua vez, oferecer inscrição
na lista de espera para atendimento individual
psicoterápico. No entanto, essas pessoas seriam
chamadas para atendimento, na melhor das
hipóteses, dentro de um mês. A partir desses
exemplos hipotéticos, mas que podem ocorrer na
realidade, é provável que seja mais produtivo
realizar trabalhos grupais (em suas distintas
modalidades) enfocando a problemática comum
nos dois casos.
Nesse sentido, Moura (2003), refletindo sobre “a
psicologia que temos e a psicologia que queremos”,
analisa essa prática tradicionalmente empreendida
pelos psicólogos. Com a diminuição da procura
de clientes para os seus consultórios particulares
devido ao empobrecimento da população, os
psicólogos foram obrigados a trabalhar com pessoas
cada vez mais carentes. Isso gerou o que a autora
denominou uma “crise na Psicologia”, a partir da
discrepância entre as propostas terapêuticas e a
realidade do Brasil. A prática profissional passou a
ser questionada no que tange à eficácia e
adequação da Psicologia frente às questões de
Com a diminuição
da procura de
clientes para os seus
consultórios
particulares devido
ao empobrecimento
da população, os
psicólogos foram
obrigados a
trabalhar com
pessoas cada vez
mais carentes.
54
ordem social. Dimenstein (2000) afirma, ainda, que
muitos dos problemas dos quais o psicólogo passou
a deparar-se escapam do domínio da clínica, pois
referem-se às condições de vida da população.
Tais dificuldades passaram a ser um entrave para
as atividades de assistência pública à saúde tendo
em vista a falta de preparo nessa área.
Para mostrar tais discrepâncias, dois estudos
empíricos relatam a prática de psicólogos no
contexto hospitalar. No primeiro estudo (Yanamoto
& Cunha, 1998), foram entrevistadas cinco
psicólogas, no segundo (Yanamoto, Trindade &
Oliveira, 2002), participaram 25, todos atuando
em hospitais no Rio Grande do Norte. Foram
analisados os seguintes aspectos: formação
acadêmica, trajetória profissional, caracterização
das atividades realizadas e avaliação do trabalho
realizado nos hospitais. Dentre os resultados
principais, aparece uma formação universitária
deficitária e não condizente com a prática
profissional, condições adversas de trabalho e
práticas que, muitas vezes, não se distinguem do
fazer clínico tradicional em consultório privado.
Observa-se que todos os profissionais que
trabalham diretamente com os pacientes
desenvolvem atividades psicoterápicas em suas
diversas modalidades: breve, de apoio, individual
ou grupal .
Levando em conta a realidade de nosso país e de
nossa profissão, perguntamo-nos: onde poderia
se inserir o psicólogo para abrir novas frentes de
mercado de trabalho de acordo com as
necessidades da população?
Um dos primeiros passos seria a inserção do
psicólogo em equipes de saúde interdisciplinares.
A interlocução entre os diversos saberes seria a
maneira de oferecer um cuidado mais completo,
eficaz e de acordo com as necessidades da
população (Almeida, 2000; Kerbauy, 2002). Além
da utilização de suas práticas e técnicas usuais, o
psicólogo também poderia participar
politicamente das decisões sanitárias. Relacionado
a isso, algumas mudanças já se percebem. Por
exemplo, nos últimos anos, o Conselho Federal
de Psicologia vem trabalhando para transformar
essa situação, tentando sensibilizar a categoria
profissional para o desenvolvimento de ações
sociais em distintas áreas da Psicologia (Conselho
Federal de Psicologia, 1994). Assim, estudos sobre
a prática profissional do psicólogo, no Brasil, têm
apontado para dois movimentos contrários: por
um lado, a supremacia de atividades classificadas
como pertencentes ao âmbito da clínica; por outro,
a emergência de movimentos buscando novas
formas de inserção profissional.
O relato de Miyazaki et al. (2002) esclarece como
pode ocorrer um processo de mudança permitindo
maior inserção profissional de acordo com a
realidade do País. Descrevendo o desenvolvimento
e estágio atual do serviço de Psicologia de um
hospital em São José do Rio Preto, os autores
explicam a evolução de uma equipe de psicologia
eminentemente clínica individual para um trabalho
dentro dos moldes do que seria a Psicologia da
Saúde. A intervenção individual não dava conta
da demanda, e então foi instalado um programa
denominado Aprimoramento em Psicologia da
Saúde. Este possuía duração de dois anos e
combinava a prática à pesquisa em Psicologia da
Saúde. Segundo o relato, a atuação foi realizada
em equipes interdisciplinares, abrangendo os níveis
primário, secundário e terciário de atendimento.
As intervenções se davam no ambulatório, no
hospital, em centro de saúde-escola e na
comunidade, sempre combinadas com pesquisas
que justificassem suas ações. O hospital, na
atualidade (2002), possuía 40 psicólogos (docentes,
contratados e aprimorandos).
A partir dessas idéias, evidencia-se o quanto urgem
revisões e atualizações, tanto ao nível de formação
profissional quanto de estratégias de inserção dos
psicólogos. É preciso romper com a “prática do
silêncio”, que compreende o indivíduo isolado
da sociedade (Moura, 2003), e elaborar um
modelo profissional que considere a ação histórica
dos homens. A Psicologia é uma ciência jovem, e
Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt
Observa-se que todos
os profissionais que
trabalham
diretamente com os
pacientes
desenvolvem
atividades
psicoterápicas em
suas diversas
modalidades: breve,
de apoio, individual
ou grupal .
55
sua participação histórica nos programas de saúde tende a ser tímida. Queremos destacar a importância de
podermos discutir, compreender e assumir a função e o papel que nos cabe para transformar a realidade
sanitária no País. O próprio psicólogo necessita dessas reflexões para que, efetivamente, torne seu trabalho
vetor nos programas de saúde e abra espaço para a atuação de novos profissionais nessas equipes.
Em última análise, acreditamos que, se o indivíduo não pode vir até o psicólogo, o psicólogo pode ir até
ele. Isso significa entrar em contato com a dura realidade do nosso país. Conhecendo a população
brasileira, os psicólogos podem utilizar seus conhecimentos para chegar a todos, independentemente de
seus recursos: os que têm condições e desejam um tratamento particular, e também aqueles que nem
sequer sabem o quanto poderiam ser ajudados por profissionais dessa área.
Considerações Finais
No presente trabalho, procuramos esclarecer e sintetizar o que é a Psicologia da Saúde e a Psicologia
Hospitalar. Aprofundando o estudo e os fundamentos dessas áreas, chegamos à conclusão que a Psicologia
Hospitalar brasileira, tal como é descrita, estaria incluída na área mais abrangente da Psicologia da Saúde.
Para justificar nosso posicionamento, construímos uma tabela em que se resumem as principais semelhanças
e diferenças entre Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar a partir do material já apresentado.
Tabela 2: Diferenças entre Psicologia Hospitalar e Psicologia de Saúde
Psicologia Hospitalar (Brasil) Psicologia de Saúde
Atenção secundária e terciária Atenção primária, secundária e terciária
Atuação em hospitais Atuação em centros de saúde, hospitais, ONGs etc.
Prática profissional no hospital não Prática profissional na área da saúde exige
exige especialização obrigatória especialização obrigatória em alguns países
Pratica interdisciplinar Pratica interdisciplinar (em alguns hospitais e outras
(em alguns hospitais) instituições de saúde)
Distintas teorias psicológicas utilizadas Distintas teorias psicológicas utilizadas
Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional
Como se verifica na tabela, a Psicologia da Saúde
amplia a atuação do psicólogo hospitalar.
Contudo, é possível que, em muitos hospitais do
Brasil, os psicólogos realizem seus trabalhos em
distintos setores de acordo com a definição da
Psicologia da Saúde. No Brasil, entretanto,
oficialmente, essa definição não existe como
especialização oficial definida pelo CRP, ao
contrário da Psicologia Hospitalar, que é uma
especialidade.
Nós nos perguntamos: essa definição
exclusivamente brasileira de “Psicologia
Hospitalar” é adequada? Pensamos que, como essa
denominação já está consolidada na linguagem
dos psicólogos e de outros profissionais da saúde
brasileiros, parece óbvio que permaneça. No
entanto, estamos de acordo com Chiattone (2000),
Yanamoto e Cunha (1998) e Yanamoto, Trindade
e Oliveira (2002) quando declaram que seria mais
adequado referir-nos à Psicologia no contexto
hospitalar como um trabalho que faz parte da
Psicologia da Saúde. Além disso, consideramos
importante ressaltar que essa denominação pode
ser inadequada se tratarmos a Psicologia da Saúde
como sinônimo de Psicologia Hospitalar, pois
intervenções em saúde que necessitariam ser
realizadas fora do hospital poderiam não ser
supridas, principalmente aquelas relativas à
prevenção primária. Todas essas questões estão
diretamente associadas às reais necessidades e
demandas da população brasileira.
A polêmica sobre a existência de uma área única
abrangente ou de duas áreas distintas, Psicologia
Clínica ou Psicologia da Saúde, é tema de debate
internacional (Yanamoto, Trindade & Oliveira,
2002), e claro, deve ser prioritariamente nacional.
Nossa inquietude frente às mencionadas
contradições das áreas de especialização e ainda
da existência de uma Psicologia Hospitalar
brasileira foi a mola propulsora para a presente
reflexão. Estando fora do Brasil, vimos “de longe”,
e assim, de maneira distinta, nossa realidade, tanto
de país quanto de profissão. Justamente por
acreditarmos no desenvolvimento do Brasil e da
Psicologia propomos este questionamento. Mais
que respostas, temos perguntas. Mais que certezas,
temos inquietações. Mais que conformismo, temos
a esperança neste país, dito em desenvolvimento,
em que existem realidades de primeiro e terceiro
mundo que se chocam constantemente.
56
Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt
Recebido 27/03/02 Aprovado 08/08/04
 Elisa Kern de Castro
 E-mail:elisa.kern@uam.es
Ellen Bornholdt
E-mail:ellenb@terra.com.br
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189
O psicólogo no hospital geral: estilos e coletivos de pensamento
Fabia Monica Souza dos Santos1
Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Ana Maria Jacó-Vilela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Resumo: O artigo busca refletir sobre alguns embasamentos acerca das diferentes configurações do psicólogo que atua na 
área da saúde, em especial no hospital geral, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre o que constitui este ajustamento 
profissional. Como resultado, indicamos quatro coletivos de pensamento que julgamos serem os mais comuns: Psicologia 
Hospitalar, Psicologia Médica, Saúde Mental e Psicologia da Saúde. Apontamos algumas das especificidades desses coletivos, 
destacando a necessidade da realização de pesquisas em que os psicólogos atuantes em instituições hospitalares possam narrar 
suas histórias de inserção e delimitação da práxis profissional.
Palavras-chave: hospitais gerais, psicologia da saúde, história da psicologia.
Psychologists in general hospitals: styles and collectives of thought
Abstract: This article aims to reflect upon the different configurations of psychologists who work in the health field, 
specifically in a general hospital, with a view to improve knowledge on what constitutes this professional adjustment. 
As a result, we indicate four collectives of thought that we judge to be the most common: Hospital Psychology, Medical 
Psychology, Mental Health and Health Psychology. We point some of the peculiarities of these collectives, highlighting the 
need of further research in which psychologists working in hospitals can narrate their histories of insertion and delimitation 
of the professional practice.
Keywords: hospital general, health care psychology, history of psychology.
El psicólogo en el hospital general: estilos y colectivos de pensamiento
Resumen: Ese artículo reflexiona sobre algunos fundamentos de las diversas configuraciones del psicólogo que actúa en el 
área de la salud, especialmente en el Hospital General, con el objetivo de ampliar el conocimiento acerca de los elementos 
constituyentes de ese ajuste profesional. Como resultado de esta investigación, llegamos a cuatro colectivos de pensamiento 
que juzgamos ser los más comunes: Psicología del Hospital, Psicología Médica, Salud Mental y Psicología de la Salud. 
Señalamos algunas de las particularidades de estos colectivos, poniendo en relieve la necesidad de realizar investigaciones 
en las cuales los psicólogos que actúan en instituciones hospitalares puedan narrar sus historias de inserción y delimitación 
de la práctica profesional.
Palabras clave: hospitales generales, psicología de la salud, historia de la psicología.
Endereço para correspondência:
Prof. Dra. Fabia Monica Souza dos Santos. Universidade Estácio de Sá, 
campus R9 (Taquara/RJ). Rua André Rocha, 838. CEP 22.710-560. Rio 
de Janeiro-RJ, Brasil. E-mail: fabia@edu.estacio.br
1
Os relatos cotidianos de psicólogos inseridos na área da 
saúde no Brasil, aliados a alguns trabalhos descritos na lite-
ratura especializada (Fongaro & Sebastiani, 1996; Pitta, 1999; 
Gioia-Martins & Rocha Júnior, 2001; Angerami-Camon, 
2002; Spink, 2003; Pereira, 2003; Straub, 2005), apontam 
uma progressiva incorporação destes profissionais nos mais 
diversos locus de atuação: hospitais especializados, Centros 
de Atenção Psicossocial (CAPS), postos de saúde, Progra-
mas de Saúde da Família, institutos e hospitais gerais e de 
emergência. Principalmente se tomarmos como referência a 
década de 1990, pois nela temos o início da ampliação ex-
ponencial nas vagas oferecidas tanto no segmento privado 
quanto no setor público.
Tradicionalmente, a idéia de “saúde” se confundia no 
campo de atuação do psicólogo com a atuação na clínica 
privada, que com o passar do tempo, sofreu redução e/ou 
modificações em suas possibilidades de atuação, dando lu-
gar à nova perspectiva de inserção do psicólogo na saúde. 
Esta idéia atualmente compõe um cenário híbrido, no qual 
o aumento no número de profissionais da psicologia não foi 
acompanhado por um crescimento compatível na quantidade 
de pesquisas e nas diversas possibilidades de formação qua-
lificada na área (Pereira, 2003).
Ao trazer estas considerações à tona, propomos no pre-
sente artigo discutir questões que perpassam a atuação dos 
psicólogos em hospitais gerais, abordando algumas das com-
posições identitárias que julgamos mais presentes na atuali-
dade. Evitamos, todavia, cair no risco da simplificação de 
que tais questões surgiram de forma natural, o que nos leva 
a enfocar também alguns aspectos históricos que possibili-
tam compreender as condições de expansão deste cenário, ao 
longo, principalmente, das três últimas décadas.
Nossas reflexões estão pautadas também na experiên-
cia
cotidiana de uma das autoras como psicóloga da Secre-
taria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro 
(SESDEC-RJ), e da pesquisa de doutorado realizada no Pro-
grama de Pós-graduação em Psicologia Social (PPGPS) da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 
2005, intitulada Histórias da Psicologia e dos seus atores no 
cenário da saúde: O hospital geral e seus nós. Como ponto 
de partida, destacamos que a incursão proposta em nossas 
investigações localiza-se, em seu mapa mais imediato, na 
área da Psicologia Social, a partir da qual propomos pensar a 
Paideia
maio-ago. 2009, Vol. 19, No. 43, 189-197
190
Psicologia e a Saúde como objetos negociados no cotidiano, 
nas relações que envolvem papéis, crenças, representações, 
em suas construções históricas sincrônicas e diacrônicas. 
Assim, objetivamos neste trabalho analisar algumas idéias 
que permitam situar nossa proposta tomando como questão 
principal a necessidade de decompor uma compreensão mais 
clara sobre a história e a prática da psicologia na saúde e no 
espaço complexo do hospital geral (HG).
Terreno dos mais híbridos, o HG comporta ao mesmo 
tempo a essência da multiprofissionalidade e a faceta do cor-
porativismo, a multiplicidade do adoecimento e a singula-
ridade de cada paciente, a Psicologia ancorada em diversas 
abordagens e a defesa por um campo unitário de atuação. 
Ao psicólogo que se aventura nesta seara torna-se necessário 
buscar subsídios para um estilo próprio de atuação.
Além do fato de se tratar de uma área recente no contexto 
brasileiro, principalmente se levarmos em consideração outras 
áreas mais clássicas da Psicologia, a interseção entre Psico-
logia e Saúde incorporou a dimensão social de diferentes 
formas ao longo das últimas décadas, atravessando três fa-
ses com características bastante peculiares, como nos aponta 
Spink (2003). Inicialmente, até pela proximidade temporal 
com o modelo de clínica privada, privilegiou-se a dimen-
são intra-individual, quando a psicogênese dos problemas de 
saúde e das teorias da personalidade permeou o arcabouço 
principal da Psicologia na área, fortemente influenciada pela 
corrente psicanalítica e pela psicossomática. A idéia de que 
a emoção “não domesticada” gera a doença predominava 
nessa primeira fase, que perdeu força a partir do momento 
em que se tornou possível reconhecer a multicausalidade do 
processo de adoecimento (Spink, 2003). Passam a ser con-
sideradas, numa segunda fase, as “correlações entre even-
tos estressantes na vida do indivíduo e o aparecimento da 
doença, buscando nexos causais entre experiências de vida 
e o adoecer” (Spink, 2003, p. 45). Uma terceira fase, mais 
recente, vem apontar a doença como fenômeno psicosso-
cial, construído historicamente e no qual a perspectiva do 
paciente passa a ser destacada e diretamente incorporada ao 
fazer dos profissionais de saúde. O que está em jogo não é 
mais explicitar a rede de causalidade da doença, para preve-
nir o seu surgimento, mas sim compreender a doença como 
um “indicador de ideologia de uma determinada sociedade” 
(Spink, 2003, p. 47). A doença deixa de ser uma experiência 
individual e a ótica privilegiada deixa de ser prioritariamente 
a do médico.
Tais fases não representam, de forma alguma, perspec-
tivas estáticas claramente definidas. Mesmo com a incor-
poração de uma perspectiva psicossocial na interface entre 
Psicologia e Saúde, estas representações coexistem atual-
mente com algumas abordagens que continuam tratando as 
doenças em suas variáveis causais e individualmente origi-
nadas. Da mesma forma, embora a terceira fase descrita seja 
recente, é possível identificarmos perspectivas anteriores que 
já compreendiam a doença como um indicador ideológico de 
determinado grupo social, como é o caso da proposição de 
Ludwik Fleck (Fleck, 1935/1979; Löwy, 1994; Pfuetzenreiter, 
2002), como veremos logo adiante.
À luz das observações acima, consideramos que a re-
construção de algumas das diversas configurações que abri-
gam a Psicologia em sua interface com a área de Saúde, 
constitui o primeiro desafio a ser enfrentado para tratar o 
tema. As inúmeras abordagens do psicólogo que se aventura 
nesse cenário deixam transparecer um mosaico em que vá-
rios aspectos se diferenciam, ao mesmo tempo em que alguns 
deles se sobrepõem. São inúmeras perspectivas de atuação, 
delimitações, e diversos desafios.
Ao ingressar na área da Saúde, rapidamente o psicó-
logo é intimado a buscar uma alocação marcada pela escolha 
de uma abordagem específica para dar conta de sua prática 
profissional. Este fato o leva ao seguinte questionamento: 
que conjunto de técnicas e referencial teórico referenda a 
sua prática profissional nesse espaço multidimensionado? A 
tentativa de responder a essa pergunta pode incliná-lo a uma 
busca desordenada, nutrida pela rotina de uma instituição de 
saúde na qual a urgência das demandas exige uma ação ime-
diata e muitas vezes solitária.
Pode ser difícil responder a qual destas delimitações se 
pertence, pois muitas vezes o psicólogo nem mesmo sabe 
quais são e como diferenciá-las. Trata-se de um aglomerado 
de idéias, que circunscrevem conjuntos de crenças, aborda-
gens teóricas, estilos, estratégias de atuação e paradigmas, 
certa cultura que permeia cada um dos agrupamentos iden-
titários em questão. Nesse cenário, destacamos quatro for-
matos para uma visita direcionada, como aqueles que, em 
nossa opinião, se apresentam como os mais impregnados no 
discurso cotidiano dos psicólogos que atuam em hospitais 
gerais.
Para realizar o percurso proposto, o presente artigo está 
organizado nas seguintes seções: a metodologia utilizada e 
nossa pesquisa; reflexões a partir dos conceitos de estilo e 
coletivo de pensamento de Fleck; alguns coletivos de Psico-
logia no hospital geral; e considerações finais.
Método
Trata-se de um estudo teórico, neste sentido, o percurso 
metodológico seguido voltou-se para composição de refe-
rências que pudessem contribuir para análise das contingên-
cias que levam psicólogos a construírem um determinado 
modelo de atuação na área da Saúde, mais especificamente 
no HG. Procedemos a um levantamento da literatura espe-
cializada referente tanto à história da inserção do psicólogo 
em hospitais gerais quanto aos diferentes tipos de atuação 
profissional que lá exercem. Além disso, investigamos a li-
teratura de cunho sócio-profissiográfico que nos permitisse 
compreender as nuances deste trabalho e as perspectivas que 
auxiliam os psicólogos a construir suas estratégias de atuação 
nesse espaço.
Além do material bibliográfico, lançamos mão também de 
entrevistas com psicólogos de HG vinculados à SESDEC-RJ, 
Paideia, 19(43), 189-197
191
quando conseguimos captar que aquilo que faziam pode-
ria ser delimitado em diferentes denominações: Psicologia 
Hospitalar, Psicologia Médica, Saúde Mental e Psicologia 
da Saúde. Nossa empreitada foi justamente organizar o que 
cada um desses conjuntos representa. Para isso, usamos 
como instrumento os conceitos de Estilo de Pensamento e 
de Coletivo de Pensamento apresentados por Fleck em sua 
proposta epistemológica para a investigação em saúde.
Reflexões a partir dos conceitos de Estilo e Coletivo 
de Pensamento de Fleck
A proposta epistemológica de Ludwik Fleck (1896-
1961) foi desenvolvida originalmente na década de 1930 e se 
referia, inicialmente, a uma nova abordagem sobre o desen-
volvimento do conceito de sífilis. Sua proposição tornou-se 
referencial para a pesquisa na área de saúde, pois analisava a 
doença a partir de uma concepção dinâmica e histórica. Para 
Fleck, as enfermidades são entidades nosológicas em sua 
maioria fictícias, necessitando sempre de atualizações e mo-
dificações, o que instaura uma nova ordem de relacionamen-
to com o “doente”
e o fato científico que o envolve (Fleck, 
1935/1979; Pfuetzenreiter, 2002). Como suas pesquisas es-
tão voltadas basicamente para a produção de conhecimento 
no contexto da detecção da sífilis, suas conclusões apontam 
que a doença “não foi ‘descoberta’ apenas por um cientista, 
ou por um pequeno grupo deles, mas foi o produto de um 
esforço coletivo da comunidade de especialistas; além dis-
so, foi moldada pelas múltiplas interações desta comunidade 
com outros grupos sociais” (Löwy, 1994, p. 236).
Com as noções de “coletivo de pensamento” e “estilo 
de pensamento”, Fleck fornece contribuições preciosas para 
pensarmos sobre a forma como as informações passam a ser 
compartilhadas no cotidiano, criando significações e diferen-
tes possibilidades de compreensão e modificação dos fatos 
sociais. É a partir destes pressupostos que realiza uma histo-
riografia da pesquisa biomédica fundamentada na gênese e 
no desenvolvimento dos fatos científicos em um laboratório 
biomédico (Fleck, 1935/1979; Löwy, 1994; Pfuetzenreiter, 
2002), fornecendo ainda subsídios para compreendermos o 
modo como indivíduos constroem sentido no dia-a-dia e, 
nosso interesse mais particular, como indivíduos escolhem e 
compartilham significados dentro de uma determinada marca 
profissional.
Nosso maior interesse na pesquisa realizada está rela-
cionado às formas como psicólogos atuantes em hospitais 
gerais vivenciam os coletivos de pensamento que lhes são 
apresentados como possibilidades de atuação, como seus 
significados são compartilhados e as maneiras como cada 
profissional adere a essas marcas para compor seu próprio 
estilo de pensamento e sua singularidade de atuação. Propo-
mos, dessa forma, uma apropriação da análise efetuada por 
Fleck para que possamos refletir, para além da construção de 
uma determinada categoria nosológica, sobre os constructos 
identitários que alocam os psicólogos no HG – por exemplo, 
aqueles da saúde mental, como os que trabalham com as do-
enças de risco psicossocial, ou os psicólogos da psicologia 
médica como aqueles que priorizam a relação médico pa-
ciente em sua atuação.
Em seus primeiros escritos, Fleck abordou o objeto da 
epistemologia como sendo a busca pela depuração de um 
“estilo de pensamento”, ou seja, a disposição para o perce-
ber orientado, a percepção dirigida para um foco e que leva 
à construção de um “coletivo de pensamento”. Na verdade, 
não podemos falar de um único estilo de pensamento, mas 
sim de vários estilos que se encontram em constante revi-
talização. Essa pluralidade de estilos de pensamento leva a 
uma infinidade de coletivos de pensamento, cada um destes 
tentando forjar uma unidade. Estilo de Pensamento e Coletivo 
de Pensamento são, portanto, dois conceitos direcionados 
à mesclagem entre o caráter ao mesmo tempo individual e 
coletivo da construção de idéias pelos sujeitos em interação 
social.
Para Fleck, o estilo de pensamento cria a realidade a par-
tir das negociações incessantes entre os atores, negociações 
que vão, progressivamente, materializando os fatos sociais. 
Tal realidade é dotada de organização e jogos inter-relacio-
nais nos quais o coletivo de pensamento se consolida em um 
contexto em que idéias e significações são, até deter-minado 
ponto, compartilhadas. Dessa forma, tanto o coletivo de pen-
samento é nutrido pelos diferentes estilos de pensamento que 
o compõem quanto ao mesmo tempo possui a função de me-
diador desses estilos de pensamento, construindo-os.
Como afirma Pfuetzenreiter (2002, p. 151):
No conceito de coletivo de pensamento está impreg-
nado o estado de conhecimento e meio cultural em 
que se encontra o sujeito cognoscente. (...). O co-
nhecer é uma atividade condicionada socialmente, 
com ênfase na importância dos esforços coletivos 
na conquista do conhecimento científico. É muito 
difícil a observação de contribuições individuais. 
Assim, as idéias compartilhadas por um determi-
nado grupo (coletivo de pensamento) formariam o 
estilo de pensamento. (...) O epistemólogo leva em 
consideração as diversas visões e interpretações de 
um mesmo fato por diferentes grupos de indivíduos, 
o que resulta em vários estilos de pensamento.
Nesta perspectiva, o pensamento se modifica constan-
temente em conformidade com os sistemas sociais de idéias 
que o circundam, sendo cada idéia pré-formada não a partir 
de uma origem individual, mas sim coletiva, na qual fato e 
conhecimento têm um caráter altamente temporário. Assim, 
o pensamento é uma rede intrincada de idéias estruturadas, 
rica em detalhes, o que garantiria a natureza homogênea das 
opiniões e uma regularidade histórica em seu desenvolvimento 
(Fleck, 1935/1979). Tais noções auxiliam na compreensão 
dos sistemas de pensamento que envolvem as vertentes da 
Psicologia em instituições de saúde, a enorme variedade de 
Santos, F. M. S, & Jacó-Vilela, A. M. (2009). O psicólogo no hospital geral.
192
concepções que ora parecem se agrupar submissamente den-
tro dos títulos que as acolhem e ora parecem se desdobrar, 
perdendo sua identidade.
Em paralelo à perspectiva de Fleck, procuramos adotar 
a postura construcionista da qual fala Spink (2003, p. 25), 
ao buscar “fugir do enquadre intra ou interindividual, situ-
ando as pessoas na interseção de suas histórias pessoais e a 
história da sociedade em que vivem”. As noções de coletivo 
e estilo de pensamento surgem nesse contexto para auxiliar 
a focalizar “as visões de mundo de pessoas pensadas como 
sujeitos ativos, produtores de conhecimento no afã de dar 
sentido ao mundo e que, nesse percurso, constroem efetiva-
mente o mundo de artefatos e sociabilidade que chamamos 
de ‘realidade’” (Spink, 2003, p. 25).
Psicologia Hospitalar, Psicologia Médica, Saúde Men-
tal e Psicologia da Saúde constituem algumas (em nos-
so olhar, as principais) unidades dentro do espaço do HG 
em que essas regras e orientações acabam sendo impostas, 
transformam-se em constructos representativos de diversos 
coletivos de pensamento, que se tornam as opções dispo-
níveis aos que ingressam (Fleck, 1935/1979). No entanto, 
encaixar-se em um desses coletivos de pensamento pode ser 
uma tarefa um tanto quanto difícil, por dois motivos básicos 
e profundamente inter-relacionados. O primeiro deles é que 
esses agrupamentos são ainda cercados de uma significativa 
indefinição, carecendo de maior delimitação teórica e prá-
tica, dificultando assim uma escolha coerente. Além disso, 
os conteúdos inerentes à atuação do psicólogo em um HG 
circulam de forma flutuante entre os coletivos citados.
É dessa forma que nossa indagação caminha no senti-
do de tentar explicitar as idéias principais que constituem/
definem cada um desses coletivos. A motivação inicial está 
ligada à constatação de que, ao se nomear como psicólogo 
hospitalar, nada previamente determinado exclui este mes-
mo profissional de se utilizar de conhecimentos técnicos da 
Saúde Mental ou da Psicologia Médica, da mesma forma que 
os que se definem como psicólogos da saúde poderiam flu-
tuar bem pelos outros coletivos. Mas na prática ocorre certo 
conhecimento, subliminar, que contra-indica uma aderên-
cia múltipla. Trata-se de uma espécie de imposição subje-
tiva pela qual o psicólogo se vê diante da obrigatoriedade 
de posicionamento, principalmente pelos demais colegas de 
profissão, levando a escolhas muitas vezes destituídas de 
coerência interna. Falamos aqui de uma pressão social no 
sentido da exigência para que o profissional se situe teórica e 
tecnicamente em um desses coletivos, posicionando-se e de 
certa forma situando seus pares em relação a seus embasa-
mentos teóricos e suas estratégias de atuação na instituição 
hospitalar.
Tais posições parecem compor um campo ambíguo, no 
qual encontramos um conjunto de idéias e técnicas para o 
exercício da profissão ao psicólogo que
se habilita a envere-
dar pela área da Saúde, ao mesmo tempo em que verificamos 
significativas dificuldades de nomeação da prática profissio-
nal e uma alocação que permite um exercício profissional 
menos conflituoso. Nesse sentido, tomamos emprestadas 
as palavras de Spink ao utilizar de dois argumentos aparen-
temente excludentes, o de que “a psicologia da saúde tem 
contornos claros e bem delimitados; e que a psicologia da 
saúde é um pântano de enfoques teóricos, com mais areia 
movediça do que terra firme” (Spink, 2003, p. 61). É a partir 
dessa zona de conflitos do exercício profissional que tecemos 
nossas inquietações, nesse sentido, explicitaremos a seguir 
coletivos de pensamentos em hospitais gerais.
Alguns coletivos de psicologia no hospital geral
Pensando a composição da psicologia em sua interface 
com a saúde, sugerimos a alocação do Rio de Janeiro como 
um tablado em que diversos modos de atuação estão ocor-
rendo simultaneamente, cada qual com a sua especificidade. 
Dentre esses esquetes, darmos prioridade à Psicologia da 
Saúde (PS), à Psicologia Hospitalar (PH), à Psicologia Médi-
ca (PM) e à Saúde Mental (SM) tem o objetivo não de apon-
tar esses quatro coletivos de pensamento como os únicos que 
permeiam a atuação do psicólogo na área da saúde, ou como 
coletivos de pensamento rígidos e bem estruturados, mas sim 
defender que são, sem dúvida algumas, as mais comuns e 
bem estruturadas peças nas quais os psicólogos têm atuado 
ultimamente. A intenção desta metáfora não é a de apontar 
um caráter forjado na prática profissional do psicólogo que 
atua na área da saúde, mas sim a de aproximar o leitor a uma 
materialização destas reflexões de forma a torná-las mais 
concretas, principalmente para quem não circula pelos espaços e 
instituições de saúde em que se originam.
Seja na esfera do serviço público ou nas instituições pri-
vadas, a Psicologia ligada à área da Saúde, na realidade bra-
sileira, ainda tem uma história significativamente recente. Há 
pouco mais de trinta anos começaram a se alocar de forma 
sistemática e oficial os primeiros psicólogos em instituições 
públicas de saúde no Brasil. O trabalho desenvolvido por 
eles engatinhava em discussões sobre interdisciplinaridade, 
análise institucional, psicossomática e, de uma maneira ge-
ral, sobre a própria questão da Saúde Mental.
A Psicologia Hospitalar, a Psicologia Médica, a Saúde 
Mental e a Psicologia da Saúde se apresentam como coleti-
vos nos quais se enquadram especificidades e saberes dos 
diferentes tentáculos da nossa prática profissional, surgidas 
em momentos, contextos e situações absolutamente singu-
lares. Nosso interesse é buscar compreender essas diferentes 
construções, como culturas que perpassam as maneiras como 
os psicólogos compreendem, elaboram e lidam com a rede 
dinâmica que envolve o palco da saúde em nosso país. De-
fendemos a hipótese de que se apresentar como psicólogo 
hospitalar ou como profissional de saúde mental, por exem-
plo, delimita não apenas um conjunto particular de referên-
cias teóricas e formas de atuação, mas fornece visibilidades 
muito específicas, permitindo uma determinada forma de cir-
culação dentro do hospital e da comunidade de psicólogos e 
demais profissionais de saúde.
Paideia, 19(43), 189-197
193
Nossa investigação levou-nos a considerar, como um 
dos pontos principais para nossas reflexões sobre o tema, que 
cada profissional constrói paulatinamente o seu arcabouço 
teórico-prático a partir de um conjunto de saberes e fazeres 
marcados por sua história pessoal, incluindo a formação pro-
fissional. As escolhas de abordagem são formadas por um 
estilo pessoal, identificações com outros profissionais da 
área e processos de elaboração teórica. Assim, a formação 
obtida precisa se nutrir do acordo/confronto com a realidade 
de ação profissional para se estabelecer. Dessa forma, vamos 
procedendo a escolhas que nos levam a revalidar ou questio-
nar nosso acervo conceitual para a área, fazendo com que, ao 
final, possamos dizer que escolhemos uma determinada linha 
ou abordagem.
Considerando esse processo, partimos do pressuposto 
de que cada um dos coletivos destacados aqui indica um 
conjunto de idéias, representações, preceitos teóricos, estilos 
de abordagem, técnicas e fundamentos que o delineiam for-
mando uma especificidade. Esta, no entanto, apresenta uma 
enorme fluidez, que muitas vezes dissipa e mistura essas di-
ferentes abordagens. Trata-se de um conjunto de negociações 
e renegociações que oscila entre o estilo de pensamento e 
o coletivo de pensamento dos quais Fleck trata. Em nosso 
caso, destacamos o estilo de pensamento como uma cons-
trução subjetiva que cada um cria a partir de sua apropriação 
dos conteúdos compartilhados em um plano coletivo. Ao re-
contar sua própria história de construção profissional e inserção 
em uma unidade hospitalar, cada psicólogo não apenas ex-
põe elementos desses coletivos e estilos de pensamento, mas 
os recompõem.
Na análise desse panorama, um importante caminho, a 
nosso ver, é a historicização dessas especificidades. Assim, 
um marco histórico fundamental no resgate da atuação da 
Psicologia no âmbito da Saúde é o trabalho realizado pela 
psicóloga Matilde Neder a partir do início da década de 
1950, no Hospital de Clínicas de São Paulo, em um registro 
que antecede à própria constituição da Psicologia enquanto 
profissão regulamentada. Trata-se da emergência da Psicolo-
gia Hospitalar no Brasil, que apresenta como suporte inicial 
a construção do trabalho psicológico por ela desenvolvido, 
durante algum tempo de forma solitária, na Clínica Ortopé-
dica e Traumatológica do Hospital de Clínicas. Hoje, com 
pouco mais de 80 anos de idade, Matilde Neder ainda é uma 
figura ativa no cenário da Psicologia Hospitalar brasileira 
(Angerami-Camon, 2004).
Matilde Neder fundou uma maneira de fazer psicolo-
gia que visava articular os conhecimentos da Psicanálise e 
da Psicologia Analítica de Jung com uma abordagem breve, 
conciliando ainda a arte terapia e a terapia ocupacional. Sur-
ge intimamente vinculada à prática específica do psicólogo 
no hospital, abordando prioritariamente o paciente, a partir 
da compreensão dos processos de somatização e do contexto 
pessoal de adoecimento, com trabalhos realizados em dife-
rentes setores dentro da unidade de saúde, cada um com sua 
especificidade.
O fato é que os primeiros psicólogos hospitalares no 
Brasil, já na década de 1950, na experiência de São Paulo, 
realizavam um trabalho de atendimento sistemático, tendo 
como uma das suas estratégias principais de atuação a pre-
paração psicológica de pacientes para cirurgia, procedimento 
que só começa a ser melhor delimitado como estratégia de 
atuação a partir da década de 1980 (Doca & Costa Júnior, 
2007). As ações adotadas ainda de forma “intuitiva” no iní-
cio da Psicologia em hospitais gerais vão sendo progressi-
vamente constituídas como ferramentas técnicas, mas não 
podemos desconsiderar que muitas delas surgem em mo-
mentos históricos bem anteriores.
Além de Neder, historicamente outros nomes vão com-
pondo a chamada Psicologia Hospitalar, mas a literatura 
específica mostra que se mantém a predominância do refe-
rencial teórico psicanalítico e da abordagem psicossomática. 
No entanto, podemos também encontrar uma vertente que 
realiza a Psicologia Hospitalar a partir da filosofia existen-
cial-humanista, como citado por Angerami-Camon (2002). 
Seu pioneirismo resulta em um longo trabalho de delimitação, 
discussão e ensino que levou, em seus desdobramentos, a 
uma vertente que alia este ramo da Psicologia diretamente à 
abordagem da psicossomática.
Paralelamente outro coletivo foi se constituindo, deno-
minado Psicologia Médica, com um trabalho assentado em 
bases diferentes das apontadas pela Psicologia Hospitalar,
em um viés que a situa como área de conhecimento profun-
damente ligada ao saber médico, na medida em que se cir-
cunscreve justamente a partir de uma generalidade que não 
a torna especificidade do psicólogo. A Psicologia Médica 
se apresenta como uma disciplina interligada às diferentes 
especialidades que circulam pelos serviços de saúde, tendo 
como objeto principal a relação médico paciente, ou de for-
ma mais genérica, a relação profissional de saúde paciente, 
em seus desdobramentos patogênicos ou terapêuticos, em 
uma abordagem primordialmente psicanalítica.
Como dado histórico, é pertinente citar que o primeiro 
curso de Pós-graduação em Psicologia Médica no Brasil 
foi criado em 1983, no Instituto de Pós-Graduação Médica 
Carlos Chagas (RJ), com uma filosofia de atuação que vem 
sendo desenvolvida no Centro de Medicina Psicossomática 
e Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Mi-
sericórdia do Rio de Janeiro. Dois nomes que se destacam 
nessa história inicial são Abram J. Eksterman, atualmente 
diretor do Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia 
Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Misericóridia do 
Rio de Janeiro, e Danilo Perestrello, fundador do referido 
centro, em uma forte vinculação com a Psicanálise.
A Psicologia Médica assenta-se na proposição do cará-
ter dinâmico dos processos de adoecimento e de promoção 
de saúde, considerando fundamentais os processos psicos-
somáticos, porém privilegiando, nesta compreensão, as 
formas como o paciente se vincula e interage com os pro-
fissionais de saúde, bem como os processos de transferência 
envolvidos nessas relações. A interconsulta é apontada como 
Santos, F. M. S, & Jacó-Vilela, A. M. (2009). O psicólogo no hospital geral.
194
instrumento primordial de atuação, pois se entende que a 
inter-relação é a possibilitadora de uma visão psicodinâmica 
sobre o processo de promoção de saúde.
A Psicologia Médica leva em consideração a interação 
entre corpo e mente, ou seja, considera os fatores psicoló-
gicos que afetam a condição médica, o que caracteriza sua 
visão psicossomática. Já na abordagem da Psicologia Hos-
pitalar, a visão psicossomática surge atrelada à situação de 
diagnóstico de patologias como câncer, Aids, ou situações 
como a internação em unidades intensivas, amputações e 
intercorrências diretamente vinculadas ao processo de adoe-
cimento, como elemento adjacente no referencial teórico da 
Psicologia Médica.
Na literatura especializada, os primeiros registros de 
psicólogos inseridos em instituições de saúde referem um tra-
balho que integrava o saber psicológico à educação médica 
(Gioia-Martins & Rocha Júnior, 2001). Tal prática, no entanto, 
não ocorria nem de forma sistematizada nem sequencial, já 
que o próprio saber psicológico ainda se encontrava em bus-
ca de reconhecimento da sua especificidade.
Outro coletivo de destaque na formação e atuação dos 
psicólogos da área da Saúde é a Saúde Mental (SM). Nesse 
contexto, o marco fundamental é o movimento da Reforma 
Psiquiátrica, que implementou novos olhares e práticas em 
relação ao paciente com transtorno mental grave, redefinindo a 
própria definição de Saúde Mental: há um rompimento com 
a noção de doença mental e com a própria Psiquiatria, sur-
gindo a noção de risco psicossocial. Utilizamos aqui a refe-
rência ao risco psicossocial como um conjunto de situações 
em que o indivíduo se encontra potencialmente exposto às 
exigências de sua existência que podem levá-lo a desencadear 
reações e respostas indesejadas e prejudiciais a si mesmo ou 
a terceiros. Diz respeito às ameaças que o meio externo e 
interno trazem ao sujeito, quando o indivíduo se encontra 
mais suscetível a apresentar respostas/reações insalubres, 
patológicas ou desadaptadas. Algumas das situações de risco 
psicossocial são os acidentes e violências (dados como epi-
demiologicamente relevantes e como principal atuação dos 
hospitais de emergência), envenenamentos (especificamente, 
as tentativas de suicídio), quadros psiquiátricos (inserindo-se 
aqui o alcoolismo e a drogadição), reações psíquicas à hos-
pitalização (depressão, quadros de ansiedade, dentre outras), 
e também a atuação junto à gravidez de alto risco e à gravi-
dez em adolescentes, situações que promovem quadros que 
propiciam e justificam uma atuação da Saúde Mental (Impa-
gliazzo e cols., 2003). O mote principal trazido a partir da 
década de 1980 é a diminuição de leitos hospitalares até a 
progressiva desativação das unidades manicomiais, criando 
formas alternativas de atendimento à clientela dos chamados 
“doentes mentais”. A preferência passa a ser a do modelo de 
atendimento que enfatiza a reintegração do paciente psi-
quiátrico à esfera social, o que leva à criação de uma série de 
suportes até então inexistentes: os modelos de atenção diária 
(hospitais-dia, CAPS), os modelos de assistência domiciliar, 
o atendimento nos hospitais gerais e a necessidade de criação 
de suporte nessas unidades, entre outros (Brasil, 2002).
A Saúde Mental se compõe como coletivo no qual cir-
culam os mais diferentes saberes, de todos mencionados, é ela 
quem traz, de forma mais nítida, uma proposição político-
ideológica aliada a uma diversidade de abordagens teórico-
práticas. A maior parte das vertentes que compõem este 
coletivo tem sua origem nas militâncias que visavam carac-
terizar o doente mental como sujeito de valores e direitos, e 
não como doente estigmatizado.
Uma das discussões mais recentes na área diz respeito 
à viabilidade ou não de se criarem leitos psiquiátricos em 
unidades gerais de saúde (hospitais gerais), o que tem pro-
vocado intenso embate entre os profissionais da área. O de-
bate acalorado vai ganhando cada vez mais espaço em um 
contexto no qual tem se tornado fundamental a expansão, 
concreta, do coletivo de Saúde Mental. Na atualidade, por 
exemplo, levando-se em consideração o contexto dos hos-
pitais públicos municipais e estaduais no Rio de Janeiro, os 
Serviços de Psicologia têm sido progressivamente substitu-
ídos por equipes de Saúde Mental, multiprofissionais, com-
postas na sua grande maioria por psicólogos, psiquiatras e 
terapeutas ocupacionais.
Podemos, dessa forma, entender a Saúde Mental como 
uma área de articulação política e social compondo estilos de 
atuação profissional diversificados, nos quais a especificidade 
da atuação do psicólogo parece contrastar com as tentativas 
de constituir o campo como essencialmente multifacetado. 
Dessa forma, surge como disciplina aglutinadora do trabalho 
com demandas específicas, trazendo à tona a necessidade de 
reorganização e ampliação da noção de atenção psicossocial. 
Na atualidade, portanto, o foco tem caminhado no sentido da 
ampliação das demandas que dizem respeito à atuação em 
Saúde Mental, mas ainda permanece superficial a discussão 
acerca das competências específicas de cada um dos diferen-
tes agentes dentro desse vasto coletivo de pensamento.
A Psicologia da Saúde (PS), nova disciplina específica 
dentro do saber psicológico contemporâneo, assim como 
todas as outras subdisciplinas psicológicas, surge após cer-
ta consolidação de seu campo de atuação, que passa a ser 
definido e delimitado como campo de conhecimento após 
aquele ganhar status e corporeidade na prática profissional 
de quem o compõe. Dessa forma, se a Psicologia inserida 
em instituições de saúde, no contexto brasileiro, começou a 
surgir como prática profissional de forma mais sistematizada 
e reconhecida na década de 1970, passou a ter status den-
tro da comunidade acadêmica e científica principalmente a 
partir da década de 1990. Neste ponto cabe a lembrança de 
que, no Brasil, a regulamentação do exercício da profissão 
de psicólogo ocorreu em agosto de 1962, e no seu início, o 
trabalho encontrava-se basicamente voltado para a área da 
clínica privada

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