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1_psicologia da saúde X psico hospitalar.pdf 48 que seria no Brasil a Psicologia Hospitalar é denominada Psicologia da Saúde em outros países. Entretanto, esses dois conceitos não são equivalentes, em primeiro lugar, pelo próprio significado de tais termos – saúde e hospital. Enquanto saúde se refere a um conceito complexo Resumo: No presente trabalho, apresentamos a definição de Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar, esta última como especialidade exclusivamente brasileira. Refletimos, também, sobre a formação acadêmica, o mercado de trabalho e a realidade da saúde no País. Consideramos que existem incongruências entre a formação de base, a nossa realidade social e a inserção de psicólogos no ramo da saúde. Discutimos a inclusão da Psicologia Hospitalar na Psicologia da Saúde, área ampla que utiliza os conhecimentos das Ciências Biomédicas, Psicologia Clínica e Psicologia Comunitária para intervir em distintos contextos no âmbito sanitário. Palavras-Chave: Psicologia Hospitalar, Psicologia da Saúde, formação profissional, mercado de trabalho, realidade social brasileira. Abstract: In the present article the authors present the Health Psychology and the Hospital Psychology definition, the last one as an exclusive Brazilian specialization. Moreover, we reflect about the academic studies, the work market and the Brazilian health reality. We found some incongruence among the career studies, the social reality and the psychologists’ work in the health field. We discuss the Hospital Psychology incorporation in the Health Psychology area, which uses the Biomedical, Clinical and Community knowledge to intervene in different health contexts. Key Words: Hospital Psychology, Health Psychology, professional studies, work market, Brazilian social reality. O questionamento sobre Psicologia Hospitalar x Psicologia da Saúde começou com a experiência do doutorado no exterior, onde descobrimos, surpreendidas, que a tão difundida especialização na Psicologia, denominada no Brasil de Hospitalar, é inexistente em outros países. A aproximação ao Elisa Kern de Castro Psicóloga (PUC-RS). Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS/CAPES). Doutoranda em Psicologia Clínica e da Saúde na Universidad Autónoma de Madrid, Espanha (bolsista de doutorado pleno CAPES Processo 1129 01/5). Ellen Bornholdt Psicóloga (PUC-RS). Terapeuta em formação pelo Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia (IEPP).Mestre em Psicologia Clínica (PUC- RS/CNPq) e doutoranda em Psicologia Clínica pela Universidad Del Salvador, Buenos Aires, Argentina. Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (3), 48-57 Health psychology x hospital Psychology: definitions and insertion of professional possibilities Ju pi te rim ag es 49 relativo às funções orgânicas, físicas e mentais (WHO, 2003), hospital diz respeito a uma instituição concreta onde se tratam doentes, internados ou não. Assim, o próprio significado da palavra saúde leva-nos a refletir sobre a prática profissional centrada na intervenção primária, secundária e terciária 1 . Já quando nos referimos ao hospital, automaticamente, pensamos em algum tipo de doença já instalada, só sendo possível a intervenção secundária e terciária para prevenir seus efeitos adversos, sejam eles físicos, emocionais ou sociais. Essas diferenças fizeram-nos refletir sobre a nossa própria formação e prática profissional, o que fez surgir algumas perguntas: l O que é, afinal, Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar? Existem diferenças? l Qual a origem desses dois conceitos? l A formação básica universitária e a pós- graduação preparam o psicólogo para a atuação nessas áreas? l A nossa formação é condizente com a demanda e as necessidades do País na área da saúde? l O mercado de trabalho consegue absorver esses profissionais? A partir dessas perguntas, no decorrer do trabalho, buscamos aporte teórico como base para refletir sobre cada questionamento proposto . O que é Psicologia da Saúde A Psicologia da Saúde tem como objetivo compreender como os fatores biológicos, comportamentais e sociais influenciam na saúde e na doença (APA, 2003). Na pesquisa contemporânea e no ambiente médico, os psicólogos da saúde trabalham com diferentes profissionais sanitários, realizando pesquisas e promovendo a intervenção clínica. Complementar a essa definição, o Colégio Oficial de Psicólogos da Espanha (COP, 2003) conceitua a Psicologia da Saúde como a disciplina ou o campo de especialização da Psicologia que aplica seus princípios, técnicas e conhecimentos científicos para avaliar, diagnosticar, tratar, modificar e prevenir os problemas físicos, mentais ou qualquer outro relevante para os processos de saúde e doença. Esse trabalho pode ser realizado em distintos e variados contextos, como: hospitais, centros de saúde comunitários, organizações não- governamentais e nas próprias casas dos indivíduos. A Psicologia da Saúde também poderia Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional ser compreendida como a aplicação da Psicologia Clínica no âmbito médico. A Psicologia da Saúde já é uma área consolidada internacionalmente, e, no Brasil, está conquistando cada vez mais seu espaço. Historicamente, a American Psychological Association (APA, 2003) foi a primeira associação de psicólogos a criar um grupo de trabalho na área da saúde em 1970. Em 1979, foi criada a divisão 38, chamada Health Psychology, cujos objetivos básicos são avançar no estudo da Psicologia como disciplina que compreende a saúde e a doença através da pesquisa e encorajar a integração da informação biomédica com o conhecimento psicológico, fomentando e difundindo a área. A APA publica, desde 1982, a revista Health Psychology, a primeira oficial da área. Seguindo a tendência, em 1986, formou-se, na Europa, a European Health Psychology Society (EHPS, 2003), uma organização profissional que visa a promover a pesquisa teórica e empírica e suas aplicações para a Psicologia da Saúde européia. Cada país-membro possui, ainda, sua associação de Psicologia da Saúde, que realiza atividades como congressos, simpósios, pesquisas etc. Foram criadas várias revistas especializadas: British Journal of Health Psychology (Reino Unido), Revista de Psicologia de la Salud (Espanha), Psicologia della Salutte (Itália), Gedrag & Gezondheid (Bélgica), entre outras. Na América Latina, a Psicologia da Saúde também está desenvolvendo-se em alguns países. O primeiro encontro de profissionais da área da saúde ocorreu em 1984, em Cuba, reuniu cerca de 1000 psicólogos interessados e foi um marco propulsor para o avanço e o reconhecimento da área (Remor, 1999). A partir desses encontros, constitui-se a ALAPSA, (2003), uma associação que reúne diversos países latino-americanos. Os congressos promovidos pela ALAPSA são recentes, sendo que o primeiro deles ocorreu em 2001, no México, e o segundo, em 2003, na Colômbia (Flórez-Alarcon, 2003). Vinculados à ALAPSA, alguns países latino- americanos possuem também sua própria associação de Psicologia da Saúde, como, por exemplo, Colômbia, Cuba, México, Venezuela e Brasil (ALAPSA, 2003). A Psicologia da Saúde na América Latina teve um rápido crescimento em recursos humanos, mas uma insuficiente incorporação dos psicólogos nos setores de saúde. Apesar disso, essa área é a que mais absorveu psicólogos nos últimos 15 anos, no Brasil e em outros países latino-americanos, principalmente na Argentina, mas a produção científica continua escassa. Em nível mundial, as pesquisas em Psicologia da Saúde estão sendo incrementadas, e 90% delas correspondem aos países europeus, Estados Unidos, Japão e Austrália. Já na América Latina, percebe-se uma insuficiência de estudos 1 Prevenção primária: relativo à promoção e educação para a saúde quando não existe problemas de saúde instalados. Ex: trabalho com a população em geral na comunidade sobre os riscos do contágio do vírus da AIDS. Prevenção secundária: já existe uma demanda e o profissional atua prevenindo seus possíveis efeitos adversos. Ex: trabalho com pessoas que recorrem ao exame do HIV durante o período da espera pelo resultado. Pervenção terciária: diz respeito ao trabalho com pessoas com problemas de saúde instalados, atuando para minimizar seu sofrimento. Ex: trabalho (de grupo, psicoterápico, de apoio, etc.) com pessoas infectadas pelo vírus HIV. 50 que possibilitem intervenções rápidas para os problemas de saúde de cada região, respeitando suas especificidades e contextos socioeconômicos. Além disso, a formação profissional do psicólogo latino-americano é limitada em nível de pós- graduação (Sebastiani, 2000). Várias situações existentes na América Latina refletem também a posição brasileira da Psicologia da Saúde. No Brasil, a própria denominação Psicologia da Saúde já é problemática, suscitando discussões de como denominar uma área que aplica os princípios de Psicologia a problemas de saúde e doença. É recorrente a confusão de terminologias, como Medicina Psicossomática, com o tema em questão - Psicologia Hospitalar (Kerbauy, 2002) – e com Psicologia Clínica. A confusão entre o que seria a área clínica, a área da saúde e também a Psicologia Hospitalar não é somente de ordem semântica, mas também de ordem estrutural, ou seja, estão em jogo os diferentes marcos teóricos ou concepções de base acerca do fazer psicológico e sua inserção social. Justamente dessas diferenças, e/ou antagonismos teórico-ideológicos, surge uma Psicologia da Saúde (Yanamoto & Cunha, 1998). Considerando essas possíveis confusões, é importante esclarecer, também, o conceito de Psicologia Clínica. O especialista em Psicologia Clínica (CRP, 2003) também atua na área da saúde em diferentes contextos, além do consultório particular, inclusive em hospitais, unidades psiquiátricas, programas de atenção primária, postos de saúde etc., prevenindo doenças no âmbito primário, secundário e terciário. Como se pode observar, esse conceito, de fato, está intimamente associado ao que é Psicologia da Saúde. Furtado (1997), nesse sentido, argumenta que os limites da Psicologia Clínica também são tênues, e o próprio ensino universitário é diversificado em seu planejamento. A autora chegou a essa conclusão a partir de um estudo que analisou o plano das disciplinas em 10 universidades do Rio Grande do Sul. Apesar das imprecisões entre essas duas áreas, é importante diferenciá-las. A Psicologia Clínica centra sua atuação em diversos contextos e problemáticas em saúde mental, enquanto a Psicologia da Saúde dá ênfase, principalmente, aos aspectos físicos da saúde e da doença (Kerbauy, 2002). Enfim, a Psicologia da Saúde, com base no modelo biopsicosossocial, utiliza os conhecimentos das ciências biomédicas, da Psicologia Clínica e da Psicologia Social-comunitária (Remor, 1999). Por isso, o trabalho com outros profissionais é imprescindível dentro dessa abordagem. Essa área fundamenta seu trabalho principalmente na promoção e na educação para a saúde, que objetiva intervir com a população em sua vida cotidiana antes que haja riscos ou se instale algum problema de âmbito sanitário. O trabalho é multiplicador, uma vez que capacita a própria comunidade para ser agente de transformação da realidade, pois aprende a lidar, controlar e melhorar sua qualidade de vida. Dessa maneira, torna-se evidente que a Psicologia da Saúde dá ênfase às intervenções no âmbito social e inclui aspectos que vão além do trabalho no hospital, como é o caso da Psicologia Comunitária (Besteiro & Barreto, 2003; Gonzalez-Rey, 1997). O Que é Psicologia Hospitalar De acordo com a definição do órgão que rege o exercício profissional do psicólogo no Brasil, o CFP (2003a), o psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada nos âmbitos secundário e terciário de atenção à saúde, atuando em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria. Para que possamos entender o surgimento e a consolidação do termo Psicologia Hospitalar em nosso país, é importante ressaltar que as políticas de saúde no Brasil são centradas no hospital desde a década de 40, em um modelo que prioriza as ações de saúde via atenção secundária (modelo clínico/assistencialista), e deixa em segundo plano as ações ligadas à saúde coletiva (modelo sanitarista). Nessa época, o hospital passa a ser o símbolo máximo de atendimento em saúde, idéia que, de alguma maneira, persiste até hoje. Muito provavelmente, essa é a razão pela qual, no Brasil, o trabalho da Psicologia no campo da saúde é denominado Psicologia Hospitalar, e, não, Psicologia da Saúde (Sebastiani, 2003). É importante ressaltar que nós nos deparamos com dificuldades para encontrar material teórico e pesquisas na literatura científica internacional sobre a Psicologia Hospitalar como campo específico. Uma das razões seria que essa denominação é inexistente em outros países além do Brasil (Sebastiani, 2003; Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002). Yanamoto, Trindade e Oliveira (2002) e Chiattone (2000), inclusive, explicam que o termo Psicologia Hospitalar é inadequado porque pertence à lógica que toma como referência o local para determinar as áreas de atuação, e não prioritariamente às atividades desenvolvidas. Se já existe fragmentação das práticas e dispersão teórica da Psicologia, a adoção do Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt 51 termo Psicologia Hospitalar caminha no sentido oposto à busca de uma identidade para o psicólogo como profissional da saúde que atua em hospitais (Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002). Diferente do Brasil, em alguns outros países, a identidade do psicólogo especialista está associada à sua prática e não ao local em que atua. A APA (2003) e o COP (2003), por exemplo, demarcam o trabalho do psicólogo em hospitais como um dos possíveis locais em que atua o psicólogo da saúde. Especificamente na Espanha, Rodríguez-Marín (2003) e Besteiro e Barreto (2003) definem que o marco conceitual da Psicologia da Saúde é o que deve servir de base para a Psicologia Hospitalar. Entretanto, definição parecida a essa é a da brasileira Chiattone (2000), que diz que a Psicologia Hospitalar é apenas uma estratégia de atuação em Psicologia da Saúde, e que, portanto, deveria ser denominada “Psicologia no contexto hospitalar”. Rodríguez-Marín (2003) esclarece que a Psicologia Hospitalar é, então, o conjunto de contribuições científicas, educativas e profissionais que as diferentes disciplinas psicológicas fornecem para dar melhor assistência aos pacientes no hospital. O psicólogo hospitalar seria aquele que reúne esses conhecimentos e técnicas para aplicá-los de maneira coordenada e sistemática, visando à melhora da assistência integral do paciente hospitalizado, sem se limitar, por isso, ao tempo específico da hospitalização. Portanto, seu trabalho é especializado no que se refere, fundamentalmente, ao restabelecimento do estado de saúde do doente ou, ao menos, ao controle dos sintomas que prejudicam seu bem-estar. Rodriguez-Marín (2003) sintetiza as seis tarefas básicas do psicólogo que trabalha em hospital: 1) função de coordenação: relativa às atividades com os funcionários do hospital; 2) função de ajuda à adaptação: em que o psicólogo intervém na qualidade do processo de adaptação e recuperação do paciente internado; 3) função de interconsulta: atua como consultor, ajudando outros profissionais a lidarem com o paciente; 4) função de enlace: intervenção, através do delineamento e execução de programas junto com outros profissionais, para modificar ou instalar comportamentos adequados dos pacientes; 5) função assistencial direta: atua diretamente com o paciente, e 6) função de gestão de recursos humanos: para aprimorar os serviços dos profissionais da organização. Chiattone (2000) ressalta, contudo, que, muitas vezes, o próprio psicólogo não tem consciência de quais sejam suas tarefas e papel dentro da instituição, ao mesmo tempo em que o hospital também tem dúvidas quanto ao que esperar desse profissional. Se o psicólogo simplesmente transpõe o modelo clínico tradicional para o hospital e verifica que este não funciona como o esperado (situação bastante freqüente), isso pode gerar dúvidas quanto à cientificidade e efetividade de seu papel. Desse modo, segundo a autora, o distanciamento da realidade institucional e a inadequação da assistência mascarada por um falso saber pode gerar experiências malsucedidas em Psicologia Hospitalar. A partir das definições expostas de Psicologia da Saúde, que pode se confundir com a Psicologia Clínica e com a Psicologia Hospitalar, encontramos semelhanças no que tange às formas de atuação prática dos especialistas dessas distintas áreas. A psicoterapia individual ou grupal, por exemplo, é uma tarefa que pode ser desenvolvida dentro dos três campos citados. Contudo, percebemos também particularidades fundamentais. A Psicologia Clínica propõe um trabalho amplo de saúde mental nos três níveis de atuação – primário, secundário e terciário - e a Psicologia da Saúde também propõe um trabalho abrangente nesses mesmos níveis, mas aplicada ao âmbito sanitário, enfatizando as implicações psicológicas, sociais e físicas da saúde e da doença. No que diz respeito à Psicologia Hospitalar, sua atuação poderia ser incluída nos preceitos da Psicologia da Saúde, limitando-se,entretanto, à instituição-hospital e, em conseqüência, ao trabalho de prevenção secundária e terciária. Algumas Considerações Sobre a Formação Profissional, a Realidade Brasileira e o Mercado de Trabalho Para que o psicólogo esteja capacitado a trabalhar em saúde, é imprescindível refletir se sua formação lhe dá as bases necessárias para essa prática. A aprendizagem não deve ser só teórica e técnica, pois o psicólogo tem que ser comprometido socialmente, estar preparado para lidar com os problemas de saúde de sua região e ter condições de atuar em equipe com outros profissionais. Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional A confusão entre o que seria a área clínica, a área da saúde e também a Psicologia Hospitalar não é somente de ordem semântica, mas também de ordem estrutural, ou seja, estão em jogo os diferentes marcos teóricos ou concepções de base acerca do fazer psicológico e sua inserção social. 52 Segundo Sebastiani, Pelicioni e Chiattone (2002), a formação do psicólogo na América Latina e no Brasil está vinculada basicamente ao tratamento individual baseado no modelo clínico, que é a base de sua identidade profissional. Entretanto, devido à grande demanda de trabalho existente no âmbito sanitário, muitas vezes profissionais mal- preparados seguem trabalhando no antigo modelo clínico individual e atuam na área da saúde sem ter conhecimento das ferramentas necessárias para uma atuação coletiva de prevenção e intervenção. No Brasil, a formação em Psicologia é deficitária no que se refere aos conhecimentos da realidade sanitária do País, à participação em pesquisas e em políticas de saúde, indispensáveis para a determinação da sua prática e para o aprimoramento da especialidade (Dimenstein, 2000; Sebastiani, 2003). Essa formação elitista distancia o aluno e o profissional das demandas sociais existentes, não os habilitando para lidar com o sofrimento físico sobreposto ao sofrimento psíquico, a injustiça social, a fome, a violência e a miséria (Chiattone, 2000). Em conseqüência, enquanto as classes privilegiadas têm acesso ao tratamento psicológico, as classes menos favorecidas ficam desassistidas, pois o tratamento clínico gratuito em instituições públicas e clínicas- escola não abarca as necessidades de grande parte da população. Muitas vezes, são ensinadas teorias incompatíveis com a demanda e a realidade social, promovendo uma concepção de sujeito desvinculada do seu contexto sociopolítico e cultural. Obviamente, essas incongruências na formação de base geram dúvidas quanto à cientificidade da tarefa do psicólogo em alguns casos onde a realidade é a da extrema pobreza, já que a graduação em Psicologia dá ênfase ao modelo psicodinâmico e suas implicações clínicas, voltadas para a população mais privilegiada. Em síntese, a formação em Psicologia deixa praticamente de lado temáticas relacionadas às questões macrossociais relativas à saúde, contribuindo para a manutenção das estruturas sociais e das relações de poder sem utilizar todo o seu potencial questionador e transformador (Almeida, 2000; Dimenstein, 2000). A falta de pesquisas na área também não privilegia ações de prevenção de saúde e, sim, ações emergenciais. Tal situação distorce o trabalho profissional, provoca o afastamento entre acadêmicos e profissionais e não contribui para a ampliação da prática e para a incorporação de psicólogos recém-formados que querem trabalhar na área. Com a necessidade crescente de demonstração das evidências dos resultados das intervenções psicológicas – o que se chama prática baseada em provas – o desenvolvimento da pesquisa básica e aplicada é imprescindível (Ulla Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt & Remor, 2003). As evidências dos bons resultados das intervenções psicológicas, além de propiciarem avanços no atendimento direto às pessoas, também abrem campo de trabalho ao psicólogo. Um exemplo seria o caso de alguns governos de países europeus que decidiram custear o tratamento psicológico através da saúde pública sempre que se cumpram critérios de eficácia, efetividade e eficiência. Então, qual seria a formação indicada para os psicólogos que desejam trabalhar no âmbito da saúde? Besteiro e Barreto (2003) afirmam que a formação do psicólogo da saúde deve contemplar conhecimentos sobre: bases biológicas, sociais e psicológicas da saúde e da doença; avaliação, assessoramento e intervenção em saúde, políticas e organização de saúde e colaboração interdisciplinar; temas profissionais, éticos e legais e conhecimentos de metodologia e pesquisa em saúde. Com relação ao psicólogo da saúde que atua especificamente em hospitais, é indispensável um bom treinamento em três áreas básicas: clínica, pesquisa e programação. Com relação à a área clínica, o psicólogo deve ser capaz de realizar avaliações e intervenções psicológicas. Na área de pesquisa e comunicação, é necessário saber conduzir pesquisas e comunicar informações de cunho psicológico a outros profissionais. Por fim, quanto à área de programação, o profissional deve desenvolver habilidades para organizar e administrar programas de saúde. Com essa formação integrada, é possível melhorar a qualidade da atenção prestada, garantir que as intervenções implantadas sejam as mais eficazes para cada caso, diminuir custos e aumentar os conhecimentos sobre o comportamento humano e suas relações com a saúde e a doença (Ulla & Remor, 2003). Neste momento em que somos incitados a refletir sobre nossa profissão para aperfeiçoar nossos modelos de atuação profissional, como ocorre com a Psicologia da Saúde, é importante considerar sempre o aspecto social em que estamos inseridos, compreendendo a realidade do nosso país. O Brasil é o país das contradições, ao mesmo tempo em que é a décima primeira economia mundial, portanto, um país rico, ao passo que 1/3 de sua população é pobre, melhor dito, miserável (WHO, 2003). Um terço de aproximadamente 170 milhões de pessoas significa que 55 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. Para termos uma dimensão ainda mais clara dessa dura realidade, podemos pensar que é como se toda a população dos nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai fossem miseráveis, isto é, aqueles que não possuem as condições mínimas de moradia, alimentação, educação e saúde. O Brasil também é o país das contradições em si mesmo, ou seja, são também 53 Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional gigantescas as diferenças econômicas e educacionais da Região Sul/Sudeste e da Norte/Nordeste/Centro- Oeste. Enfim, é uma nação rica com muitos pobres, como ilustra a tabela: Tabela 1: Alguns dados demográficos e da saúde no Brasil População (a) 169.872.856 Crianças e adolescentes (até 19 anos) 40% Adultos (20-59 anos) 51% Terceira idade (a partir de 60 anos) 9% PIB per cápita (b) 7.548 ($) Gasto total per cápita em saúde (b) 631 ($) Expectativa de vida da população(b) Homens 65,5 Mulheres 72,0 Mortalidade infantil (b) 43,5 Índice de fertilidade (b) 2,2 Índice de alfabetização (a) 93,2% Rio Grande do Sul 93,9% Alagoas 68,2% São Paulo 95,4% b) IBGE (2003), Censo Demográfico 2000. c) WHO (2003), Dados sobre o Brasil. Como podemos observar a partir desses dados, a situação do nosso país é alarmante devido principalmente às desigualdades existentes. Isso exige de nós, como profissionais e cidadãos brasileiros, em primeiro lugar, um conhecimento profundo dessa triste realidade. Conhecendo a situação que se apresenta, a consolidação de um trabalho de promoção da saúde pode tornar-se efetivo. Entretanto, nós, enquanto profissionais da saúde, estamos preparados para essa realidade? Acreditamos que, em muitos aspectos, não. Parece- nos, às vezes, que os profissionais da Psicologia são um “retrato” da desigualdade da sociedade brasileira, com suas práticas elitistas que beneficiam uma pequena parcela da população. Um exemplo seria a utilização indiscriminada da prática da psicoterapia individual, em contextos em que a população ou tem outras necessidades mais básicas, ou até não chega à instituição por falta de recursos. Confirma essa idéia a recente pesquisa realizada sobre o perfil do psicólogo brasileiro (CFP, 2003b), mostrando que 54,9% dos psicólogos que exercem a profissão trabalham na clínica em consultório particular, enquanto apenas 12,4% dos profissionais atuam em Psicologia da Saúde e 0,6% são pesquisadores. Queremos esclarecer que consideramos a prática psicoterápica individual fundamental, e, sem dúvida, um dos pilares da Psicologia. Entretanto, é indispensável que sua indicação seja correta. O que questionamos neste trabalho é o uso indiscriminado de tal modalidade de intervenção em determinados setores ou contextos em que existem outros tipos de intervenção mais condizentes com as necessidades dos indivíduos. Como exemplo, pensamos em duas situações em que a indicação de psicoterapia individual é questionável: a primeira, no contexto hospitalar, e a segunda, na comunidade. Situação 1: num determinado hospital, digamos que exista grande demanda para o setor da Psicologia com pacientes internados e se privilegie o trabalho individual. Tendo em vista a dificuldade de atender todos os pacientes, o setor decidiria, de acordo com seus próprios critérios, atender apenas alguns pacientes, enquanto outros ficariam excluídos desse tipo de ajuda. Situação 2: digamos que, num posto de saúde, exista, na sala de espera do ginecologista, várias mulheres infectadas pelo HIV. O setor da Psicologia decide, por sua vez, oferecer inscrição na lista de espera para atendimento individual psicoterápico. No entanto, essas pessoas seriam chamadas para atendimento, na melhor das hipóteses, dentro de um mês. A partir desses exemplos hipotéticos, mas que podem ocorrer na realidade, é provável que seja mais produtivo realizar trabalhos grupais (em suas distintas modalidades) enfocando a problemática comum nos dois casos. Nesse sentido, Moura (2003), refletindo sobre “a psicologia que temos e a psicologia que queremos”, analisa essa prática tradicionalmente empreendida pelos psicólogos. Com a diminuição da procura de clientes para os seus consultórios particulares devido ao empobrecimento da população, os psicólogos foram obrigados a trabalhar com pessoas cada vez mais carentes. Isso gerou o que a autora denominou uma “crise na Psicologia”, a partir da discrepância entre as propostas terapêuticas e a realidade do Brasil. A prática profissional passou a ser questionada no que tange à eficácia e adequação da Psicologia frente às questões de Com a diminuição da procura de clientes para os seus consultórios particulares devido ao empobrecimento da população, os psicólogos foram obrigados a trabalhar com pessoas cada vez mais carentes. 54 ordem social. Dimenstein (2000) afirma, ainda, que muitos dos problemas dos quais o psicólogo passou a deparar-se escapam do domínio da clínica, pois referem-se às condições de vida da população. Tais dificuldades passaram a ser um entrave para as atividades de assistência pública à saúde tendo em vista a falta de preparo nessa área. Para mostrar tais discrepâncias, dois estudos empíricos relatam a prática de psicólogos no contexto hospitalar. No primeiro estudo (Yanamoto & Cunha, 1998), foram entrevistadas cinco psicólogas, no segundo (Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002), participaram 25, todos atuando em hospitais no Rio Grande do Norte. Foram analisados os seguintes aspectos: formação acadêmica, trajetória profissional, caracterização das atividades realizadas e avaliação do trabalho realizado nos hospitais. Dentre os resultados principais, aparece uma formação universitária deficitária e não condizente com a prática profissional, condições adversas de trabalho e práticas que, muitas vezes, não se distinguem do fazer clínico tradicional em consultório privado. Observa-se que todos os profissionais que trabalham diretamente com os pacientes desenvolvem atividades psicoterápicas em suas diversas modalidades: breve, de apoio, individual ou grupal . Levando em conta a realidade de nosso país e de nossa profissão, perguntamo-nos: onde poderia se inserir o psicólogo para abrir novas frentes de mercado de trabalho de acordo com as necessidades da população? Um dos primeiros passos seria a inserção do psicólogo em equipes de saúde interdisciplinares. A interlocução entre os diversos saberes seria a maneira de oferecer um cuidado mais completo, eficaz e de acordo com as necessidades da população (Almeida, 2000; Kerbauy, 2002). Além da utilização de suas práticas e técnicas usuais, o psicólogo também poderia participar politicamente das decisões sanitárias. Relacionado a isso, algumas mudanças já se percebem. Por exemplo, nos últimos anos, o Conselho Federal de Psicologia vem trabalhando para transformar essa situação, tentando sensibilizar a categoria profissional para o desenvolvimento de ações sociais em distintas áreas da Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, 1994). Assim, estudos sobre a prática profissional do psicólogo, no Brasil, têm apontado para dois movimentos contrários: por um lado, a supremacia de atividades classificadas como pertencentes ao âmbito da clínica; por outro, a emergência de movimentos buscando novas formas de inserção profissional. O relato de Miyazaki et al. (2002) esclarece como pode ocorrer um processo de mudança permitindo maior inserção profissional de acordo com a realidade do País. Descrevendo o desenvolvimento e estágio atual do serviço de Psicologia de um hospital em São José do Rio Preto, os autores explicam a evolução de uma equipe de psicologia eminentemente clínica individual para um trabalho dentro dos moldes do que seria a Psicologia da Saúde. A intervenção individual não dava conta da demanda, e então foi instalado um programa denominado Aprimoramento em Psicologia da Saúde. Este possuía duração de dois anos e combinava a prática à pesquisa em Psicologia da Saúde. Segundo o relato, a atuação foi realizada em equipes interdisciplinares, abrangendo os níveis primário, secundário e terciário de atendimento. As intervenções se davam no ambulatório, no hospital, em centro de saúde-escola e na comunidade, sempre combinadas com pesquisas que justificassem suas ações. O hospital, na atualidade (2002), possuía 40 psicólogos (docentes, contratados e aprimorandos). A partir dessas idéias, evidencia-se o quanto urgem revisões e atualizações, tanto ao nível de formação profissional quanto de estratégias de inserção dos psicólogos. É preciso romper com a “prática do silêncio”, que compreende o indivíduo isolado da sociedade (Moura, 2003), e elaborar um modelo profissional que considere a ação histórica dos homens. A Psicologia é uma ciência jovem, e Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt Observa-se que todos os profissionais que trabalham diretamente com os pacientes desenvolvem atividades psicoterápicas em suas diversas modalidades: breve, de apoio, individual ou grupal . 55 sua participação histórica nos programas de saúde tende a ser tímida. Queremos destacar a importância de podermos discutir, compreender e assumir a função e o papel que nos cabe para transformar a realidade sanitária no País. O próprio psicólogo necessita dessas reflexões para que, efetivamente, torne seu trabalho vetor nos programas de saúde e abra espaço para a atuação de novos profissionais nessas equipes. Em última análise, acreditamos que, se o indivíduo não pode vir até o psicólogo, o psicólogo pode ir até ele. Isso significa entrar em contato com a dura realidade do nosso país. Conhecendo a população brasileira, os psicólogos podem utilizar seus conhecimentos para chegar a todos, independentemente de seus recursos: os que têm condições e desejam um tratamento particular, e também aqueles que nem sequer sabem o quanto poderiam ser ajudados por profissionais dessa área. Considerações Finais No presente trabalho, procuramos esclarecer e sintetizar o que é a Psicologia da Saúde e a Psicologia Hospitalar. Aprofundando o estudo e os fundamentos dessas áreas, chegamos à conclusão que a Psicologia Hospitalar brasileira, tal como é descrita, estaria incluída na área mais abrangente da Psicologia da Saúde. Para justificar nosso posicionamento, construímos uma tabela em que se resumem as principais semelhanças e diferenças entre Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar a partir do material já apresentado. Tabela 2: Diferenças entre Psicologia Hospitalar e Psicologia de Saúde Psicologia Hospitalar (Brasil) Psicologia de Saúde Atenção secundária e terciária Atenção primária, secundária e terciária Atuação em hospitais Atuação em centros de saúde, hospitais, ONGs etc. Prática profissional no hospital não Prática profissional na área da saúde exige exige especialização obrigatória especialização obrigatória em alguns países Pratica interdisciplinar Pratica interdisciplinar (em alguns hospitais e outras (em alguns hospitais) instituições de saúde) Distintas teorias psicológicas utilizadas Distintas teorias psicológicas utilizadas Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional Como se verifica na tabela, a Psicologia da Saúde amplia a atuação do psicólogo hospitalar. Contudo, é possível que, em muitos hospitais do Brasil, os psicólogos realizem seus trabalhos em distintos setores de acordo com a definição da Psicologia da Saúde. No Brasil, entretanto, oficialmente, essa definição não existe como especialização oficial definida pelo CRP, ao contrário da Psicologia Hospitalar, que é uma especialidade. Nós nos perguntamos: essa definição exclusivamente brasileira de “Psicologia Hospitalar” é adequada? Pensamos que, como essa denominação já está consolidada na linguagem dos psicólogos e de outros profissionais da saúde brasileiros, parece óbvio que permaneça. No entanto, estamos de acordo com Chiattone (2000), Yanamoto e Cunha (1998) e Yanamoto, Trindade e Oliveira (2002) quando declaram que seria mais adequado referir-nos à Psicologia no contexto hospitalar como um trabalho que faz parte da Psicologia da Saúde. Além disso, consideramos importante ressaltar que essa denominação pode ser inadequada se tratarmos a Psicologia da Saúde como sinônimo de Psicologia Hospitalar, pois intervenções em saúde que necessitariam ser realizadas fora do hospital poderiam não ser supridas, principalmente aquelas relativas à prevenção primária. Todas essas questões estão diretamente associadas às reais necessidades e demandas da população brasileira. A polêmica sobre a existência de uma área única abrangente ou de duas áreas distintas, Psicologia Clínica ou Psicologia da Saúde, é tema de debate internacional (Yanamoto, Trindade & Oliveira, 2002), e claro, deve ser prioritariamente nacional. Nossa inquietude frente às mencionadas contradições das áreas de especialização e ainda da existência de uma Psicologia Hospitalar brasileira foi a mola propulsora para a presente reflexão. Estando fora do Brasil, vimos “de longe”, e assim, de maneira distinta, nossa realidade, tanto de país quanto de profissão. Justamente por acreditarmos no desenvolvimento do Brasil e da Psicologia propomos este questionamento. Mais que respostas, temos perguntas. Mais que certezas, temos inquietações. Mais que conformismo, temos a esperança neste país, dito em desenvolvimento, em que existem realidades de primeiro e terceiro mundo que se chocam constantemente. 56 Elisa Kern de Castro & Ellen Bornholdt Recebido 27/03/02 Aprovado 08/08/04 Elisa Kern de Castro E-mail:elisa.kern@uam.es Ellen Bornholdt E-mail:ellenb@terra.com.br 57 ALMEIDA, E. C. O Psicólogo no Hospital Geral. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 20, n. 3, 2000, pp.24-27. ALAPSA – Asociación Latinoamericana de Psicologia de la Salud. Página oficial da Associação, 2003. www.alapsa.org (28/08/2003). APA – American Psychological Association . Página oficial da Associação, 2003. http://www.health-psych.org/ (28/08/2003). BESTEIRO, M. M. & BARRETO, M. P. La Formación de los Profesionales de la Salud: la Contribución del Psicologo Hospitalario. 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Referências Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar: Definições e Possibilidades de Inserção Profissional 2_SANTOS,_2009_O_Psicologo_no_hospital_geral_estilos_e_coletivos_de_pensamento[1].pdf 189 O psicólogo no hospital geral: estilos e coletivos de pensamento Fabia Monica Souza dos Santos1 Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro-RJ, Brasil Ana Maria Jacó-Vilela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil Resumo: O artigo busca refletir sobre alguns embasamentos acerca das diferentes configurações do psicólogo que atua na área da saúde, em especial no hospital geral, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre o que constitui este ajustamento profissional. Como resultado, indicamos quatro coletivos de pensamento que julgamos serem os mais comuns: Psicologia Hospitalar, Psicologia Médica, Saúde Mental e Psicologia da Saúde. Apontamos algumas das especificidades desses coletivos, destacando a necessidade da realização de pesquisas em que os psicólogos atuantes em instituições hospitalares possam narrar suas histórias de inserção e delimitação da práxis profissional. Palavras-chave: hospitais gerais, psicologia da saúde, história da psicologia. Psychologists in general hospitals: styles and collectives of thought Abstract: This article aims to reflect upon the different configurations of psychologists who work in the health field, specifically in a general hospital, with a view to improve knowledge on what constitutes this professional adjustment. As a result, we indicate four collectives of thought that we judge to be the most common: Hospital Psychology, Medical Psychology, Mental Health and Health Psychology. We point some of the peculiarities of these collectives, highlighting the need of further research in which psychologists working in hospitals can narrate their histories of insertion and delimitation of the professional practice. Keywords: hospital general, health care psychology, history of psychology. El psicólogo en el hospital general: estilos y colectivos de pensamiento Resumen: Ese artículo reflexiona sobre algunos fundamentos de las diversas configuraciones del psicólogo que actúa en el área de la salud, especialmente en el Hospital General, con el objetivo de ampliar el conocimiento acerca de los elementos constituyentes de ese ajuste profesional. Como resultado de esta investigación, llegamos a cuatro colectivos de pensamiento que juzgamos ser los más comunes: Psicología del Hospital, Psicología Médica, Salud Mental y Psicología de la Salud. Señalamos algunas de las particularidades de estos colectivos, poniendo en relieve la necesidad de realizar investigaciones en las cuales los psicólogos que actúan en instituciones hospitalares puedan narrar sus historias de inserción y delimitación de la práctica profesional. Palabras clave: hospitales generales, psicología de la salud, historia de la psicología. Endereço para correspondência: Prof. Dra. Fabia Monica Souza dos Santos. Universidade Estácio de Sá, campus R9 (Taquara/RJ). Rua André Rocha, 838. CEP 22.710-560. Rio de Janeiro-RJ, Brasil. E-mail: fabia@edu.estacio.br 1 Os relatos cotidianos de psicólogos inseridos na área da saúde no Brasil, aliados a alguns trabalhos descritos na lite- ratura especializada (Fongaro & Sebastiani, 1996; Pitta, 1999; Gioia-Martins & Rocha Júnior, 2001; Angerami-Camon, 2002; Spink, 2003; Pereira, 2003; Straub, 2005), apontam uma progressiva incorporação destes profissionais nos mais diversos locus de atuação: hospitais especializados, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), postos de saúde, Progra- mas de Saúde da Família, institutos e hospitais gerais e de emergência. Principalmente se tomarmos como referência a década de 1990, pois nela temos o início da ampliação ex- ponencial nas vagas oferecidas tanto no segmento privado quanto no setor público. Tradicionalmente, a idéia de “saúde” se confundia no campo de atuação do psicólogo com a atuação na clínica privada, que com o passar do tempo, sofreu redução e/ou modificações em suas possibilidades de atuação, dando lu- gar à nova perspectiva de inserção do psicólogo na saúde. Esta idéia atualmente compõe um cenário híbrido, no qual o aumento no número de profissionais da psicologia não foi acompanhado por um crescimento compatível na quantidade de pesquisas e nas diversas possibilidades de formação qua- lificada na área (Pereira, 2003). Ao trazer estas considerações à tona, propomos no pre- sente artigo discutir questões que perpassam a atuação dos psicólogos em hospitais gerais, abordando algumas das com- posições identitárias que julgamos mais presentes na atuali- dade. Evitamos, todavia, cair no risco da simplificação de que tais questões surgiram de forma natural, o que nos leva a enfocar também alguns aspectos históricos que possibili- tam compreender as condições de expansão deste cenário, ao longo, principalmente, das três últimas décadas. Nossas reflexões estão pautadas também na experiên- cia cotidiana de uma das autoras como psicóloga da Secre- taria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SESDEC-RJ), e da pesquisa de doutorado realizada no Pro- grama de Pós-graduação em Psicologia Social (PPGPS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 2005, intitulada Histórias da Psicologia e dos seus atores no cenário da saúde: O hospital geral e seus nós. Como ponto de partida, destacamos que a incursão proposta em nossas investigações localiza-se, em seu mapa mais imediato, na área da Psicologia Social, a partir da qual propomos pensar a Paideia maio-ago. 2009, Vol. 19, No. 43, 189-197 190 Psicologia e a Saúde como objetos negociados no cotidiano, nas relações que envolvem papéis, crenças, representações, em suas construções históricas sincrônicas e diacrônicas. Assim, objetivamos neste trabalho analisar algumas idéias que permitam situar nossa proposta tomando como questão principal a necessidade de decompor uma compreensão mais clara sobre a história e a prática da psicologia na saúde e no espaço complexo do hospital geral (HG). Terreno dos mais híbridos, o HG comporta ao mesmo tempo a essência da multiprofissionalidade e a faceta do cor- porativismo, a multiplicidade do adoecimento e a singula- ridade de cada paciente, a Psicologia ancorada em diversas abordagens e a defesa por um campo unitário de atuação. Ao psicólogo que se aventura nesta seara torna-se necessário buscar subsídios para um estilo próprio de atuação. Além do fato de se tratar de uma área recente no contexto brasileiro, principalmente se levarmos em consideração outras áreas mais clássicas da Psicologia, a interseção entre Psico- logia e Saúde incorporou a dimensão social de diferentes formas ao longo das últimas décadas, atravessando três fa- ses com características bastante peculiares, como nos aponta Spink (2003). Inicialmente, até pela proximidade temporal com o modelo de clínica privada, privilegiou-se a dimen- são intra-individual, quando a psicogênese dos problemas de saúde e das teorias da personalidade permeou o arcabouço principal da Psicologia na área, fortemente influenciada pela corrente psicanalítica e pela psicossomática. A idéia de que a emoção “não domesticada” gera a doença predominava nessa primeira fase, que perdeu força a partir do momento em que se tornou possível reconhecer a multicausalidade do processo de adoecimento (Spink, 2003). Passam a ser con- sideradas, numa segunda fase, as “correlações entre even- tos estressantes na vida do indivíduo e o aparecimento da doença, buscando nexos causais entre experiências de vida e o adoecer” (Spink, 2003, p. 45). Uma terceira fase, mais recente, vem apontar a doença como fenômeno psicosso- cial, construído historicamente e no qual a perspectiva do paciente passa a ser destacada e diretamente incorporada ao fazer dos profissionais de saúde. O que está em jogo não é mais explicitar a rede de causalidade da doença, para preve- nir o seu surgimento, mas sim compreender a doença como um “indicador de ideologia de uma determinada sociedade” (Spink, 2003, p. 47). A doença deixa de ser uma experiência individual e a ótica privilegiada deixa de ser prioritariamente a do médico. Tais fases não representam, de forma alguma, perspec- tivas estáticas claramente definidas. Mesmo com a incor- poração de uma perspectiva psicossocial na interface entre Psicologia e Saúde, estas representações coexistem atual- mente com algumas abordagens que continuam tratando as doenças em suas variáveis causais e individualmente origi- nadas. Da mesma forma, embora a terceira fase descrita seja recente, é possível identificarmos perspectivas anteriores que já compreendiam a doença como um indicador ideológico de determinado grupo social, como é o caso da proposição de Ludwik Fleck (Fleck, 1935/1979; Löwy, 1994; Pfuetzenreiter, 2002), como veremos logo adiante. À luz das observações acima, consideramos que a re- construção de algumas das diversas configurações que abri- gam a Psicologia em sua interface com a área de Saúde, constitui o primeiro desafio a ser enfrentado para tratar o tema. As inúmeras abordagens do psicólogo que se aventura nesse cenário deixam transparecer um mosaico em que vá- rios aspectos se diferenciam, ao mesmo tempo em que alguns deles se sobrepõem. São inúmeras perspectivas de atuação, delimitações, e diversos desafios. Ao ingressar na área da Saúde, rapidamente o psicó- logo é intimado a buscar uma alocação marcada pela escolha de uma abordagem específica para dar conta de sua prática profissional. Este fato o leva ao seguinte questionamento: que conjunto de técnicas e referencial teórico referenda a sua prática profissional nesse espaço multidimensionado? A tentativa de responder a essa pergunta pode incliná-lo a uma busca desordenada, nutrida pela rotina de uma instituição de saúde na qual a urgência das demandas exige uma ação ime- diata e muitas vezes solitária. Pode ser difícil responder a qual destas delimitações se pertence, pois muitas vezes o psicólogo nem mesmo sabe quais são e como diferenciá-las. Trata-se de um aglomerado de idéias, que circunscrevem conjuntos de crenças, aborda- gens teóricas, estilos, estratégias de atuação e paradigmas, certa cultura que permeia cada um dos agrupamentos iden- titários em questão. Nesse cenário, destacamos quatro for- matos para uma visita direcionada, como aqueles que, em nossa opinião, se apresentam como os mais impregnados no discurso cotidiano dos psicólogos que atuam em hospitais gerais. Para realizar o percurso proposto, o presente artigo está organizado nas seguintes seções: a metodologia utilizada e nossa pesquisa; reflexões a partir dos conceitos de estilo e coletivo de pensamento de Fleck; alguns coletivos de Psico- logia no hospital geral; e considerações finais. Método Trata-se de um estudo teórico, neste sentido, o percurso metodológico seguido voltou-se para composição de refe- rências que pudessem contribuir para análise das contingên- cias que levam psicólogos a construírem um determinado modelo de atuação na área da Saúde, mais especificamente no HG. Procedemos a um levantamento da literatura espe- cializada referente tanto à história da inserção do psicólogo em hospitais gerais quanto aos diferentes tipos de atuação profissional que lá exercem. Além disso, investigamos a li- teratura de cunho sócio-profissiográfico que nos permitisse compreender as nuances deste trabalho e as perspectivas que auxiliam os psicólogos a construir suas estratégias de atuação nesse espaço. Além do material bibliográfico, lançamos mão também de entrevistas com psicólogos de HG vinculados à SESDEC-RJ, Paideia, 19(43), 189-197 191 quando conseguimos captar que aquilo que faziam pode- ria ser delimitado em diferentes denominações: Psicologia Hospitalar, Psicologia Médica, Saúde Mental e Psicologia da Saúde. Nossa empreitada foi justamente organizar o que cada um desses conjuntos representa. Para isso, usamos como instrumento os conceitos de Estilo de Pensamento e de Coletivo de Pensamento apresentados por Fleck em sua proposta epistemológica para a investigação em saúde. Reflexões a partir dos conceitos de Estilo e Coletivo de Pensamento de Fleck A proposta epistemológica de Ludwik Fleck (1896- 1961) foi desenvolvida originalmente na década de 1930 e se referia, inicialmente, a uma nova abordagem sobre o desen- volvimento do conceito de sífilis. Sua proposição tornou-se referencial para a pesquisa na área de saúde, pois analisava a doença a partir de uma concepção dinâmica e histórica. Para Fleck, as enfermidades são entidades nosológicas em sua maioria fictícias, necessitando sempre de atualizações e mo- dificações, o que instaura uma nova ordem de relacionamen- to com o “doente” e o fato científico que o envolve (Fleck, 1935/1979; Pfuetzenreiter, 2002). Como suas pesquisas es- tão voltadas basicamente para a produção de conhecimento no contexto da detecção da sífilis, suas conclusões apontam que a doença “não foi ‘descoberta’ apenas por um cientista, ou por um pequeno grupo deles, mas foi o produto de um esforço coletivo da comunidade de especialistas; além dis- so, foi moldada pelas múltiplas interações desta comunidade com outros grupos sociais” (Löwy, 1994, p. 236). Com as noções de “coletivo de pensamento” e “estilo de pensamento”, Fleck fornece contribuições preciosas para pensarmos sobre a forma como as informações passam a ser compartilhadas no cotidiano, criando significações e diferen- tes possibilidades de compreensão e modificação dos fatos sociais. É a partir destes pressupostos que realiza uma histo- riografia da pesquisa biomédica fundamentada na gênese e no desenvolvimento dos fatos científicos em um laboratório biomédico (Fleck, 1935/1979; Löwy, 1994; Pfuetzenreiter, 2002), fornecendo ainda subsídios para compreendermos o modo como indivíduos constroem sentido no dia-a-dia e, nosso interesse mais particular, como indivíduos escolhem e compartilham significados dentro de uma determinada marca profissional. Nosso maior interesse na pesquisa realizada está rela- cionado às formas como psicólogos atuantes em hospitais gerais vivenciam os coletivos de pensamento que lhes são apresentados como possibilidades de atuação, como seus significados são compartilhados e as maneiras como cada profissional adere a essas marcas para compor seu próprio estilo de pensamento e sua singularidade de atuação. Propo- mos, dessa forma, uma apropriação da análise efetuada por Fleck para que possamos refletir, para além da construção de uma determinada categoria nosológica, sobre os constructos identitários que alocam os psicólogos no HG – por exemplo, aqueles da saúde mental, como os que trabalham com as do- enças de risco psicossocial, ou os psicólogos da psicologia médica como aqueles que priorizam a relação médico pa- ciente em sua atuação. Em seus primeiros escritos, Fleck abordou o objeto da epistemologia como sendo a busca pela depuração de um “estilo de pensamento”, ou seja, a disposição para o perce- ber orientado, a percepção dirigida para um foco e que leva à construção de um “coletivo de pensamento”. Na verdade, não podemos falar de um único estilo de pensamento, mas sim de vários estilos que se encontram em constante revi- talização. Essa pluralidade de estilos de pensamento leva a uma infinidade de coletivos de pensamento, cada um destes tentando forjar uma unidade. Estilo de Pensamento e Coletivo de Pensamento são, portanto, dois conceitos direcionados à mesclagem entre o caráter ao mesmo tempo individual e coletivo da construção de idéias pelos sujeitos em interação social. Para Fleck, o estilo de pensamento cria a realidade a par- tir das negociações incessantes entre os atores, negociações que vão, progressivamente, materializando os fatos sociais. Tal realidade é dotada de organização e jogos inter-relacio- nais nos quais o coletivo de pensamento se consolida em um contexto em que idéias e significações são, até deter-minado ponto, compartilhadas. Dessa forma, tanto o coletivo de pen- samento é nutrido pelos diferentes estilos de pensamento que o compõem quanto ao mesmo tempo possui a função de me- diador desses estilos de pensamento, construindo-os. Como afirma Pfuetzenreiter (2002, p. 151): No conceito de coletivo de pensamento está impreg- nado o estado de conhecimento e meio cultural em que se encontra o sujeito cognoscente. (...). O co- nhecer é uma atividade condicionada socialmente, com ênfase na importância dos esforços coletivos na conquista do conhecimento científico. É muito difícil a observação de contribuições individuais. Assim, as idéias compartilhadas por um determi- nado grupo (coletivo de pensamento) formariam o estilo de pensamento. (...) O epistemólogo leva em consideração as diversas visões e interpretações de um mesmo fato por diferentes grupos de indivíduos, o que resulta em vários estilos de pensamento. Nesta perspectiva, o pensamento se modifica constan- temente em conformidade com os sistemas sociais de idéias que o circundam, sendo cada idéia pré-formada não a partir de uma origem individual, mas sim coletiva, na qual fato e conhecimento têm um caráter altamente temporário. Assim, o pensamento é uma rede intrincada de idéias estruturadas, rica em detalhes, o que garantiria a natureza homogênea das opiniões e uma regularidade histórica em seu desenvolvimento (Fleck, 1935/1979). Tais noções auxiliam na compreensão dos sistemas de pensamento que envolvem as vertentes da Psicologia em instituições de saúde, a enorme variedade de Santos, F. M. S, & Jacó-Vilela, A. M. (2009). O psicólogo no hospital geral. 192 concepções que ora parecem se agrupar submissamente den- tro dos títulos que as acolhem e ora parecem se desdobrar, perdendo sua identidade. Em paralelo à perspectiva de Fleck, procuramos adotar a postura construcionista da qual fala Spink (2003, p. 25), ao buscar “fugir do enquadre intra ou interindividual, situ- ando as pessoas na interseção de suas histórias pessoais e a história da sociedade em que vivem”. As noções de coletivo e estilo de pensamento surgem nesse contexto para auxiliar a focalizar “as visões de mundo de pessoas pensadas como sujeitos ativos, produtores de conhecimento no afã de dar sentido ao mundo e que, nesse percurso, constroem efetiva- mente o mundo de artefatos e sociabilidade que chamamos de ‘realidade’” (Spink, 2003, p. 25). Psicologia Hospitalar, Psicologia Médica, Saúde Men- tal e Psicologia da Saúde constituem algumas (em nos- so olhar, as principais) unidades dentro do espaço do HG em que essas regras e orientações acabam sendo impostas, transformam-se em constructos representativos de diversos coletivos de pensamento, que se tornam as opções dispo- níveis aos que ingressam (Fleck, 1935/1979). No entanto, encaixar-se em um desses coletivos de pensamento pode ser uma tarefa um tanto quanto difícil, por dois motivos básicos e profundamente inter-relacionados. O primeiro deles é que esses agrupamentos são ainda cercados de uma significativa indefinição, carecendo de maior delimitação teórica e prá- tica, dificultando assim uma escolha coerente. Além disso, os conteúdos inerentes à atuação do psicólogo em um HG circulam de forma flutuante entre os coletivos citados. É dessa forma que nossa indagação caminha no senti- do de tentar explicitar as idéias principais que constituem/ definem cada um desses coletivos. A motivação inicial está ligada à constatação de que, ao se nomear como psicólogo hospitalar, nada previamente determinado exclui este mes- mo profissional de se utilizar de conhecimentos técnicos da Saúde Mental ou da Psicologia Médica, da mesma forma que os que se definem como psicólogos da saúde poderiam flu- tuar bem pelos outros coletivos. Mas na prática ocorre certo conhecimento, subliminar, que contra-indica uma aderên- cia múltipla. Trata-se de uma espécie de imposição subje- tiva pela qual o psicólogo se vê diante da obrigatoriedade de posicionamento, principalmente pelos demais colegas de profissão, levando a escolhas muitas vezes destituídas de coerência interna. Falamos aqui de uma pressão social no sentido da exigência para que o profissional se situe teórica e tecnicamente em um desses coletivos, posicionando-se e de certa forma situando seus pares em relação a seus embasa- mentos teóricos e suas estratégias de atuação na instituição hospitalar. Tais posições parecem compor um campo ambíguo, no qual encontramos um conjunto de idéias e técnicas para o exercício da profissão ao psicólogo que se habilita a envere- dar pela área da Saúde, ao mesmo tempo em que verificamos significativas dificuldades de nomeação da prática profissio- nal e uma alocação que permite um exercício profissional menos conflituoso. Nesse sentido, tomamos emprestadas as palavras de Spink ao utilizar de dois argumentos aparen- temente excludentes, o de que “a psicologia da saúde tem contornos claros e bem delimitados; e que a psicologia da saúde é um pântano de enfoques teóricos, com mais areia movediça do que terra firme” (Spink, 2003, p. 61). É a partir dessa zona de conflitos do exercício profissional que tecemos nossas inquietações, nesse sentido, explicitaremos a seguir coletivos de pensamentos em hospitais gerais. Alguns coletivos de psicologia no hospital geral Pensando a composição da psicologia em sua interface com a saúde, sugerimos a alocação do Rio de Janeiro como um tablado em que diversos modos de atuação estão ocor- rendo simultaneamente, cada qual com a sua especificidade. Dentre esses esquetes, darmos prioridade à Psicologia da Saúde (PS), à Psicologia Hospitalar (PH), à Psicologia Médi- ca (PM) e à Saúde Mental (SM) tem o objetivo não de apon- tar esses quatro coletivos de pensamento como os únicos que permeiam a atuação do psicólogo na área da saúde, ou como coletivos de pensamento rígidos e bem estruturados, mas sim defender que são, sem dúvida algumas, as mais comuns e bem estruturadas peças nas quais os psicólogos têm atuado ultimamente. A intenção desta metáfora não é a de apontar um caráter forjado na prática profissional do psicólogo que atua na área da saúde, mas sim a de aproximar o leitor a uma materialização destas reflexões de forma a torná-las mais concretas, principalmente para quem não circula pelos espaços e instituições de saúde em que se originam. Seja na esfera do serviço público ou nas instituições pri- vadas, a Psicologia ligada à área da Saúde, na realidade bra- sileira, ainda tem uma história significativamente recente. Há pouco mais de trinta anos começaram a se alocar de forma sistemática e oficial os primeiros psicólogos em instituições públicas de saúde no Brasil. O trabalho desenvolvido por eles engatinhava em discussões sobre interdisciplinaridade, análise institucional, psicossomática e, de uma maneira ge- ral, sobre a própria questão da Saúde Mental. A Psicologia Hospitalar, a Psicologia Médica, a Saúde Mental e a Psicologia da Saúde se apresentam como coleti- vos nos quais se enquadram especificidades e saberes dos diferentes tentáculos da nossa prática profissional, surgidas em momentos, contextos e situações absolutamente singu- lares. Nosso interesse é buscar compreender essas diferentes construções, como culturas que perpassam as maneiras como os psicólogos compreendem, elaboram e lidam com a rede dinâmica que envolve o palco da saúde em nosso país. De- fendemos a hipótese de que se apresentar como psicólogo hospitalar ou como profissional de saúde mental, por exem- plo, delimita não apenas um conjunto particular de referên- cias teóricas e formas de atuação, mas fornece visibilidades muito específicas, permitindo uma determinada forma de cir- culação dentro do hospital e da comunidade de psicólogos e demais profissionais de saúde. Paideia, 19(43), 189-197 193 Nossa investigação levou-nos a considerar, como um dos pontos principais para nossas reflexões sobre o tema, que cada profissional constrói paulatinamente o seu arcabouço teórico-prático a partir de um conjunto de saberes e fazeres marcados por sua história pessoal, incluindo a formação pro- fissional. As escolhas de abordagem são formadas por um estilo pessoal, identificações com outros profissionais da área e processos de elaboração teórica. Assim, a formação obtida precisa se nutrir do acordo/confronto com a realidade de ação profissional para se estabelecer. Dessa forma, vamos procedendo a escolhas que nos levam a revalidar ou questio- nar nosso acervo conceitual para a área, fazendo com que, ao final, possamos dizer que escolhemos uma determinada linha ou abordagem. Considerando esse processo, partimos do pressuposto de que cada um dos coletivos destacados aqui indica um conjunto de idéias, representações, preceitos teóricos, estilos de abordagem, técnicas e fundamentos que o delineiam for- mando uma especificidade. Esta, no entanto, apresenta uma enorme fluidez, que muitas vezes dissipa e mistura essas di- ferentes abordagens. Trata-se de um conjunto de negociações e renegociações que oscila entre o estilo de pensamento e o coletivo de pensamento dos quais Fleck trata. Em nosso caso, destacamos o estilo de pensamento como uma cons- trução subjetiva que cada um cria a partir de sua apropriação dos conteúdos compartilhados em um plano coletivo. Ao re- contar sua própria história de construção profissional e inserção em uma unidade hospitalar, cada psicólogo não apenas ex- põe elementos desses coletivos e estilos de pensamento, mas os recompõem. Na análise desse panorama, um importante caminho, a nosso ver, é a historicização dessas especificidades. Assim, um marco histórico fundamental no resgate da atuação da Psicologia no âmbito da Saúde é o trabalho realizado pela psicóloga Matilde Neder a partir do início da década de 1950, no Hospital de Clínicas de São Paulo, em um registro que antecede à própria constituição da Psicologia enquanto profissão regulamentada. Trata-se da emergência da Psicolo- gia Hospitalar no Brasil, que apresenta como suporte inicial a construção do trabalho psicológico por ela desenvolvido, durante algum tempo de forma solitária, na Clínica Ortopé- dica e Traumatológica do Hospital de Clínicas. Hoje, com pouco mais de 80 anos de idade, Matilde Neder ainda é uma figura ativa no cenário da Psicologia Hospitalar brasileira (Angerami-Camon, 2004). Matilde Neder fundou uma maneira de fazer psicolo- gia que visava articular os conhecimentos da Psicanálise e da Psicologia Analítica de Jung com uma abordagem breve, conciliando ainda a arte terapia e a terapia ocupacional. Sur- ge intimamente vinculada à prática específica do psicólogo no hospital, abordando prioritariamente o paciente, a partir da compreensão dos processos de somatização e do contexto pessoal de adoecimento, com trabalhos realizados em dife- rentes setores dentro da unidade de saúde, cada um com sua especificidade. O fato é que os primeiros psicólogos hospitalares no Brasil, já na década de 1950, na experiência de São Paulo, realizavam um trabalho de atendimento sistemático, tendo como uma das suas estratégias principais de atuação a pre- paração psicológica de pacientes para cirurgia, procedimento que só começa a ser melhor delimitado como estratégia de atuação a partir da década de 1980 (Doca & Costa Júnior, 2007). As ações adotadas ainda de forma “intuitiva” no iní- cio da Psicologia em hospitais gerais vão sendo progressi- vamente constituídas como ferramentas técnicas, mas não podemos desconsiderar que muitas delas surgem em mo- mentos históricos bem anteriores. Além de Neder, historicamente outros nomes vão com- pondo a chamada Psicologia Hospitalar, mas a literatura específica mostra que se mantém a predominância do refe- rencial teórico psicanalítico e da abordagem psicossomática. No entanto, podemos também encontrar uma vertente que realiza a Psicologia Hospitalar a partir da filosofia existen- cial-humanista, como citado por Angerami-Camon (2002). Seu pioneirismo resulta em um longo trabalho de delimitação, discussão e ensino que levou, em seus desdobramentos, a uma vertente que alia este ramo da Psicologia diretamente à abordagem da psicossomática. Paralelamente outro coletivo foi se constituindo, deno- minado Psicologia Médica, com um trabalho assentado em bases diferentes das apontadas pela Psicologia Hospitalar, em um viés que a situa como área de conhecimento profun- damente ligada ao saber médico, na medida em que se cir- cunscreve justamente a partir de uma generalidade que não a torna especificidade do psicólogo. A Psicologia Médica se apresenta como uma disciplina interligada às diferentes especialidades que circulam pelos serviços de saúde, tendo como objeto principal a relação médico paciente, ou de for- ma mais genérica, a relação profissional de saúde paciente, em seus desdobramentos patogênicos ou terapêuticos, em uma abordagem primordialmente psicanalítica. Como dado histórico, é pertinente citar que o primeiro curso de Pós-graduação em Psicologia Médica no Brasil foi criado em 1983, no Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (RJ), com uma filosofia de atuação que vem sendo desenvolvida no Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Mi- sericórdia do Rio de Janeiro. Dois nomes que se destacam nessa história inicial são Abram J. Eksterman, atualmente diretor do Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Misericóridia do Rio de Janeiro, e Danilo Perestrello, fundador do referido centro, em uma forte vinculação com a Psicanálise. A Psicologia Médica assenta-se na proposição do cará- ter dinâmico dos processos de adoecimento e de promoção de saúde, considerando fundamentais os processos psicos- somáticos, porém privilegiando, nesta compreensão, as formas como o paciente se vincula e interage com os pro- fissionais de saúde, bem como os processos de transferência envolvidos nessas relações. A interconsulta é apontada como Santos, F. M. S, & Jacó-Vilela, A. M. (2009). O psicólogo no hospital geral. 194 instrumento primordial de atuação, pois se entende que a inter-relação é a possibilitadora de uma visão psicodinâmica sobre o processo de promoção de saúde. A Psicologia Médica leva em consideração a interação entre corpo e mente, ou seja, considera os fatores psicoló- gicos que afetam a condição médica, o que caracteriza sua visão psicossomática. Já na abordagem da Psicologia Hos- pitalar, a visão psicossomática surge atrelada à situação de diagnóstico de patologias como câncer, Aids, ou situações como a internação em unidades intensivas, amputações e intercorrências diretamente vinculadas ao processo de adoe- cimento, como elemento adjacente no referencial teórico da Psicologia Médica. Na literatura especializada, os primeiros registros de psicólogos inseridos em instituições de saúde referem um tra- balho que integrava o saber psicológico à educação médica (Gioia-Martins & Rocha Júnior, 2001). Tal prática, no entanto, não ocorria nem de forma sistematizada nem sequencial, já que o próprio saber psicológico ainda se encontrava em bus- ca de reconhecimento da sua especificidade. Outro coletivo de destaque na formação e atuação dos psicólogos da área da Saúde é a Saúde Mental (SM). Nesse contexto, o marco fundamental é o movimento da Reforma Psiquiátrica, que implementou novos olhares e práticas em relação ao paciente com transtorno mental grave, redefinindo a própria definição de Saúde Mental: há um rompimento com a noção de doença mental e com a própria Psiquiatria, sur- gindo a noção de risco psicossocial. Utilizamos aqui a refe- rência ao risco psicossocial como um conjunto de situações em que o indivíduo se encontra potencialmente exposto às exigências de sua existência que podem levá-lo a desencadear reações e respostas indesejadas e prejudiciais a si mesmo ou a terceiros. Diz respeito às ameaças que o meio externo e interno trazem ao sujeito, quando o indivíduo se encontra mais suscetível a apresentar respostas/reações insalubres, patológicas ou desadaptadas. Algumas das situações de risco psicossocial são os acidentes e violências (dados como epi- demiologicamente relevantes e como principal atuação dos hospitais de emergência), envenenamentos (especificamente, as tentativas de suicídio), quadros psiquiátricos (inserindo-se aqui o alcoolismo e a drogadição), reações psíquicas à hos- pitalização (depressão, quadros de ansiedade, dentre outras), e também a atuação junto à gravidez de alto risco e à gravi- dez em adolescentes, situações que promovem quadros que propiciam e justificam uma atuação da Saúde Mental (Impa- gliazzo e cols., 2003). O mote principal trazido a partir da década de 1980 é a diminuição de leitos hospitalares até a progressiva desativação das unidades manicomiais, criando formas alternativas de atendimento à clientela dos chamados “doentes mentais”. A preferência passa a ser a do modelo de atendimento que enfatiza a reintegração do paciente psi- quiátrico à esfera social, o que leva à criação de uma série de suportes até então inexistentes: os modelos de atenção diária (hospitais-dia, CAPS), os modelos de assistência domiciliar, o atendimento nos hospitais gerais e a necessidade de criação de suporte nessas unidades, entre outros (Brasil, 2002). A Saúde Mental se compõe como coletivo no qual cir- culam os mais diferentes saberes, de todos mencionados, é ela quem traz, de forma mais nítida, uma proposição político- ideológica aliada a uma diversidade de abordagens teórico- práticas. A maior parte das vertentes que compõem este coletivo tem sua origem nas militâncias que visavam carac- terizar o doente mental como sujeito de valores e direitos, e não como doente estigmatizado. Uma das discussões mais recentes na área diz respeito à viabilidade ou não de se criarem leitos psiquiátricos em unidades gerais de saúde (hospitais gerais), o que tem pro- vocado intenso embate entre os profissionais da área. O de- bate acalorado vai ganhando cada vez mais espaço em um contexto no qual tem se tornado fundamental a expansão, concreta, do coletivo de Saúde Mental. Na atualidade, por exemplo, levando-se em consideração o contexto dos hos- pitais públicos municipais e estaduais no Rio de Janeiro, os Serviços de Psicologia têm sido progressivamente substitu- ídos por equipes de Saúde Mental, multiprofissionais, com- postas na sua grande maioria por psicólogos, psiquiatras e terapeutas ocupacionais. Podemos, dessa forma, entender a Saúde Mental como uma área de articulação política e social compondo estilos de atuação profissional diversificados, nos quais a especificidade da atuação do psicólogo parece contrastar com as tentativas de constituir o campo como essencialmente multifacetado. Dessa forma, surge como disciplina aglutinadora do trabalho com demandas específicas, trazendo à tona a necessidade de reorganização e ampliação da noção de atenção psicossocial. Na atualidade, portanto, o foco tem caminhado no sentido da ampliação das demandas que dizem respeito à atuação em Saúde Mental, mas ainda permanece superficial a discussão acerca das competências específicas de cada um dos diferen- tes agentes dentro desse vasto coletivo de pensamento. A Psicologia da Saúde (PS), nova disciplina específica dentro do saber psicológico contemporâneo, assim como todas as outras subdisciplinas psicológicas, surge após cer- ta consolidação de seu campo de atuação, que passa a ser definido e delimitado como campo de conhecimento após aquele ganhar status e corporeidade na prática profissional de quem o compõe. Dessa forma, se a Psicologia inserida em instituições de saúde, no contexto brasileiro, começou a surgir como prática profissional de forma mais sistematizada e reconhecida na década de 1970, passou a ter status den- tro da comunidade acadêmica e científica principalmente a partir da década de 1990. Neste ponto cabe a lembrança de que, no Brasil, a regulamentação do exercício da profissão de psicólogo ocorreu em agosto de 1962, e no seu início, o trabalho encontrava-se basicamente voltado para a área da clínica privada
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