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#Revista Le Monde Diplomatique Brasil Edição 127 (Fevereiro 2018)

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LE MONDE
diplomatique
BRASIL
UM NOVO OLHAR SOBRE O MUNDO. UM NOVO OLHAR SOBRE O BRASIL.
R$ 14,90ANO 11 / NÚMERO 127
ESCALADA NUCLEAR
“INOCENTES ÚTEIS” 
DO PENTÁGONO
POR SERGE HALIMI
ARTIGO ESPECIAL
DESAFIOS DA ESQUERDA
LATINO-AMERICANA
POR RAFAEL CORREA 10 14 2
EPIDEMIA DE OPIÁCEOS
VÍCIO COMEÇA NOS 
CONSULTÓRIOS
POR MAXIME ROBIN
UNIVERSIDADES
PÚBLICAS
ABANDONADAS
32 ESQUERDA E MACHISMOHARVEY WEINSTEINPOR THOMAS FRANKVIOLÊNCIA OBSTÉTRICAA ROTINA DO PARTOPOR LUCIANA MOTOKI3024 O ACORDO DE PARIS E O BRASILRETROCESSOS AMBIENTAISPOR CARLOS RITTL
9 771981 752004
00127
2 Le Monde Diplomatique Brasil FEVEREIRO 2018
ESTADOS UNIDOS
POR SERGE HALIMI*
Os “inocentes úteis” do Pentágono
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 S
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v
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ra
E
m Washington, democratas e re-
publicanos se entendem, pelo 
menos, quando se trata de com-
bater a Rússia. Segundo eles, 
Vladimir Putin duvida da determina-
ção dos Estados Unidos de defender 
seus aliados e quer preservar seu regi-
me autoritário do contágio democráti-
co e liberal. Por isso, teria se decidido 
pela agressão ao Ocidente. Então, a fim 
de garantir a paz e a democracia, o 
Exército norte-americano e os parla-
mentares dos dois partidos resolve-
ram contra-atacar...
Primeiro, o Exército norte-ameri-
cano. Obedecendo a uma ordem da 
Casa Branca, o Pentágono acaba de 
completar um estudo que preconiza 
um emprego mais generoso das armas 
nucleares.1 Estas, atualmente destruti-
vas demais para que sua utilização seja 
sequer imaginável, não desempe-
nham, portanto, seu papel de dissua-
são; conviria, pois, miniaturizá-las, 
para que possam servir contra um le-
que mais amplo de ameaças. Ameaças, 
inclusive, “não nucleares”: destruição 
de redes de comunicação, “armas quí-
micas, biológicas, ciberataques” etc.
Em 2016, sem saber muito bem 
quais eram os próprios fundamentos 
da dissuasão, o candidato Donald 
Trump teria perguntado a um de seus 
consultores: “Para que possuímos ar-
mas nucleares se não as usamos?”.2 O 
documento do Pentágono dá uma res-
posta à sua maneira. Diante das “am-
bições geopolíticas” da Rússia (e tam-
bém da China), o desejo de Moscou de 
“modificar pela força o mapa da Euro-
pa” e “questionar a ordem internacio-
nal instaurada após o fim da Guerra 
Fria”, os Estados Unidos devem apres-
sar a “modernização de suas forças 
nucleares”, a fim de continuar no pa-
pel de “sentinelas fiéis da liberdade”. 
Essa abnegação democrática não tem 
preço – ou melhor, tem: a triplicação 
do orçamento militar norte-america-
no destinado às armas nucleares. 
Esse alarmismo geopolítico a ser-
viço de uma nova corrida armamen-
tista suscitaria oposição nos Estados 
Unidos se, há um ano, a chamada es-
querda norte-americana não viesse se 
esforçando para apresentar Trump co-
mo uma marionete de Moscou.3 Ela 
chegou a ponto de obrigá-lo a entregar 
armas à Ucrânia (coisa que seu prede-
cessor democrata se recusou a fazer) e 
a aumentar as sanções contra a Rússia. 
O ex-vice-presidente Joe Biden há pou-
co se rejubilou num artigo que é um 
primor de sutileza já no título: “Defen-
der a democracia contra seus inimi-
gos: como resistir ao Kremlin”.4
Ao mesmo tempo, os senadores de-
mocratas da Comissão de Política Ex-
terna publicavam um relatório que 
analisava “o ataque assimétrico de Pu-
tin à democracia na Rússia e na Euro-
pa”. Ainda mais indignada que de cos-
tume, a jornalista pop star Rachel 
Maddow, porta-voz da “resistência” a 
Trump na cadeia NBC, replicou sem 
demora: “Nosso presidente não ape-
nas deixou de extinguir esse incêndio 
como ficou observando o avanço das 
chamas!”. Ela pode dormir tranquila: 
o Pentágono saberá defendê-la. 
*Serge Halimi é diretor do Le Monde 
Diplomatique.
1 Ashley Feinberg, “Exclusive: here is a draft of Trump’s 
nuclear review. He wants a lot more nukes” [Exclusi-
vo: eis um esboço da avaliação nuclear de Trump. Ele 
quer muito mais bombas nucleares], 11 jan. 2018. 
Disponível em: <www.huffingtonpost.com>.
2 Matthew J. Belvedere, “Trump asks why US can’t 
use nukes: MSNBC” [Trump pergunta por que os 
Estados Unidos não podem usar bombas nuclea-
res: MSNBC], 3 ago. 2016. Disponível em: 
<www.cnbc.com>.
3 Ver “Trump acuado pelo partido anti-Rússia”, Le 
Monde Diplomatique Brasil, set. 2017.
4 Foreign Affairs, Nova York, jan.-fev. 2018.
3FEVEREIRO 2018 Le Monde Diplomatique Brasil
EDITORIAL
POR SILVIO CACCIA BAVA
E agora?
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 C
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C
om a condenação de Lula fica ca-
da vez mais evidente a falência 
das instituições democráticas. A 
politização do Judiciário trans-
formou-o num poderoso instrumento 
de perseguição política. Os demais po-
deres da República se alinham e se ca-
lam, em cumplicidade de classe social.
O que vai acontecer com o Brasil, 
agora que nossa democracia foi sus-
pensa, que nossos três poderes – Exe-
cutivo, Legislativo e Judiciário – foram 
capturados e são controlados por gru-
pos de interesse e quadrilhas que agem 
contra a democracia e contra os inte-
resses das maiorias? 
Vale a pena legitimar esta falsa 
democracia? Vale a pena votar nas 
eleições deste ano? Qual caminho so-
bra para defendermos nossos direitos 
de cidadãos e cidadãs, para defender-
mos uma democracia que nos repre-
sente? As ruas? A desobediência civil? 
A insurreição? 
Os protestos contra as violações de 
direitos crescem, assim como crescem 
os grupos provocadores de direita. 
Mas todos eles ainda se restringem ao 
mundo da militância, muitos osten-
tando seus cabelos brancos. As novas 
gerações não conquistaram muito es-
paço. Movimentos como os de juven-
tude, o movimento contra o genocídio 
da juventude negra, o movimento das 
jovens mulheres negras, necessitavam 
ter um protagonismo maior. 
Mesmo que o governo Temer tenha 
97% de reprovação e a vida tenha se 
tornado mais difícil, a sociedade civil 
ainda está relativamente quieta. As 
marchas e passeatas são diárias, mas 
aqueles que não são militantes, as 
maiorias espoliadas, as periferias das 
grandes cidades, continuam em silên-
cio. Há perplexidade e desesperança 
por toda parte. 
A proposta de reforma política se 
mantinha em pé enquanto era possível 
imaginar a possibilidade de uma Cons-
tituinte independente. Mas o atual 
Congresso, com os parlamentares em 
sua maioria organizados em lobbies 
para a defesa de interesses corporati-
vos, muitos indiciados em crimes de 
corrupção, não aceita essa possibilida-
de nem sob pressão popular. 
Esse Judiciário, que assume seu la-
do conservador e de direita, tem hoje a 
última palavra na política nacional. 
Ignora provas e se omite em casos fla-
grantes, como o do senador Aécio Ne-
ves, mas considera legítimo “intuir” a 
culpa de Lula. 
Esse Executivo criminoso e entre-
guista, o governo Temer, acaba de dar 
isenção tributária às grandes empre-
sas petrolíferas internacionais que 
compraram, a preço de banana, nos-
sas reservas do pré-sal. Há estimativas 
de que essas isenções possam chegar a 
R$ 1 trilhão. Quem autorizou o presi-
dente Temer a dar esse presente às 
multinacionais?1
De um lado, o governo corta dinhei-
ro da saúde, da educação e das políticas 
sociais; de outro, concede enormes 
isenções de impostos a multinacionais, 
deixando de receber impostos que po-
deria repassar às políticas sociais, algo 
estimado em R$ 40 bilhões por ano. 
A polarização do cenário político 
revigora o PT, reforçado pelas carava-
nas de Lula e por sua crescente prefe-
rência eleitoral, já batendo nos 45%2 
em dezembro passado. Mas a crise 
política não se resolve nem com a 
reabilitação do PT nem com a partici-
pação de Lula nas eleições.Ela é uma 
crise sistêmica. O que precisa mudar 
é o sistema político, são as regras que 
permitem às elites controlar e repri-
mir as maiorias. 
Na história, essas mudanças se dão 
por mobilização dos setores popula-
res, quando os cidadãos buscam se 
reapropriar do poder de decidir sobre 
a própria vida, coletivamente. Em al-
guns casos, fortes movimentos de 
massa impuseram sua agenda e refor-
mas às instituições políticas; em ou-
tros, esses movimentos foram às ar-
mas, como o exemplo das lutas contra 
o colonizador europeu na África. 
A construção das frentes Brasil Po-
pular e Povo Sem Medo são importan-
tes iniciativas para organizar mais a re-
sistência democrática e a defesa de 
direitos. Essa resistência, porém, preci-
sa ser mais ampla, convocar os cidadãos 
comuns a se organizarem em coletivos, 
comitês de luta pela democracia, tor-
nar-se cada vez mais pública. 
A disputa política na sociedade se 
dá pela disputa das narrativas. E os se-
tores neoliberais e conservadores se 
armaram para essa disputa. São pes-
quisas, palestras, cursos, seminários, 
livros, filmes, programas de televisão e 
notícias que vão apresentando uma vi-
são de mundo e as vantagens de suas 
crenças. Nem todos dispõem de recur-
sos para atuar em tantas frentes, mas é 
preciso estar alerta para o fato de que 
essa cadeia de conhecimentos e pro-
paganda funciona. 
Entre os principais desafios para 
os próximos anos está estimular o 
pensamento crítico, produzir análises 
e debates que contribuam para a for-
mação e instiguem os jovens e todos 
os setores discriminados a construir 
uma nova frente política e enfrentar o 
regime autoritário que se configura e 
a nova forma de espoliação dos traba-
lhadores, isto é, de todos aqueles que 
vivem de seu trabalho.
É difícil prever a evolução da con-
juntura, mas com o acirramento dos 
movimentos sociais e da repressão co-
meça a existir a necessidade de os que 
lutam pela democracia se organiza-
rem, cada grupo em seu território, seja 
pela ativação de entidades locais, seja 
pela criação de organismos de base, 
coletivos horizontais, suprapartidá-
rios, formando núcleos de resistência. 
A aposta é refundar a democracia 
em bases populares, para a defesa dos 
interesses das maiorias. Se as eleições 
de 2018 ainda são um importante mar-
co dessa disputa, é preciso olhar para 
um horizonte mais amplo, organizar a 
resistência e entender que a constru-
ção de um pensamento hegemônico 
se faz no dia a dia, disputando ideias e 
políticas, fazendo a crítica das políti-
cas atuais e apresentando alternativas 
para disputar corações e mentes. 
1 Eduardo Militão, “Estudos apontam perda de R$ 1 
tri em renúncia fiscal após leilão do pré-sal”, UOL, 
31 out. 2017.
2 Pesquisa do Instituto Ipsos, dez. 2017.
4 Le Monde Diplomatique Brasil FEVEREIRO 2018
UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Sobre o caráter da burguesia brasileira
No projeto-programa em vigor no governo Temer, comandado por uma burguesia cosmopolita com “complexo de vira-latas”, 
não existe uma nação nem interesses nacionais. Assim, ele não necessita de universidades públicas que pratiquem, de forma 
integrada, o ensino, a pesquisa e a extensão – e ajudem a formar uma nação
POR LUIZ FILGUEIRAS, GRAÇA DRUCK E UALLACE MOREIRA*
E
m 2017, as universidades públi-
cas brasileiras, em especial as 
federais, entraram na mira do 
governo Temer, tornando-se, 
concomitantemente, a “bola da vez” 
dos ataques da grande mídia corporati-
va. A ofensiva orquestrada, de tentativa 
de desqualificação e desmoralização 
dessas instituições, contou com a parti-
cipação do Banco Mundial (Bird), do 
Poder Judiciário, do Ministério Público 
e da Polícia Federal – os três últimos ins-
pirados pela Operação Lava Jato.
No plano do financiamento do Es-
tado para as universidades federais, o 
governo Temer, apoiado na “PEC da 
morte”, que congelou os gastos corren-
tes federais por vinte anos, reduziu o 
repasse de recursos para essas institui-
ções – tanto os gastos com investimen-
tos, com a paralisação de inúmeras 
obras que vinham sendo executadas, 
como os gastos correntes ordinários 
que garantem o funcionamento coti-
diano das universidades federais.
Na esfera do Ministério Público, do 
Poder Judiciário e da Polícia Federal, 
as universidades federais foram agre-
didas duplamente, numa tentativa de 
criminalização e desmoralização de 
sua comunidade e de seus dirigentes, 
no mesmo estilo e com o mesmo mo-
dus operandi empregado pela Opera-
ção Lava Jato. Tendo por justificativa a 
investigação de supostos desvios de 
recursos, foram invadidas as instala-
ções de duas universidades federais, a 
de Santa Catarina (UFSC) e a de Minas 
Gerais (UFMG), com a “condução 
coercitiva” de dirigentes e professores, 
o uso de enorme aparato policial – ho-
mens mascarados portando armas de 
grosso calibre – e grande mobilização 
midiática, como se houvesse organi-
zações criminosas agindo no interior 
dessas instituições, e professores e rei-
tores fossem bandidos e operadores 
dessas supostas organizações. Tudo 
isso feito sem nenhuma convocação 
anterior desses servidores públicos 
para prestar esclarecimentos e sem 
nenhuma acusação formal. 
No caso mais dramático, o da 
UFSC, seu reitor, abalado psicologica-
mente – depois de conduzido arbitra-
riamente às instalações da Polícia Fe-
deral e de ter sido vítima de violência e 
humilhação em revista íntima, além 
de ficar proibido de entrar na universi-
dade que dirigia –, suicidou-se, jogan-
do-se de cima de um andar de um 
shopping de Florianópolis. Toda a 
operação foi executada sob a respon-
sabilidade de uma delegada que havia 
trabalhado na Operação Lava Jato, 
com as mesmas arbitrariedades e uti-
lizando os mesmos métodos de exce-
ção da “República de Curitiba”.
Para completar as agressões às uni-
versidades públicas, no final de 2017 
apareceu na cena política um “estudo” 
(assim denominado para dar impres-
são de ser científico e, portanto, irrefu-
tável) do Banco Mundial.1 Com 160 pá-
ginas e encomendado pelo então 
ministro da Fazenda do governo Dil-
ma, Joaquim Levy, trata-se na verdade 
de um documento político de apoio às 
contrarreformas neoliberais e ao ajus-
te fiscal permanente que vêm sendo 
colocados em prática pelo governo Te-
mer. Seu objeto central é o gasto cor-
rente (primário) do governo federal, 
em especial os gastos sociais com a 
Previdência e a seguridade social, a 
saúde pública, a educação pública e os 
salários dos servidores públicos – na li-
nha de que “o governo gasta demais e 
gasta ineficiente e injustamente”. Por-
tanto, deve-se, e pode-se, cortar esses 
gastos, tornando-os, supostamente, 
mais eficientes, equitativos e justos.
No entanto, a parte dedicada ao 
ensino superior, em particular às uni-
versidades federais, resume-se a sete 
páginas, pois o foco do documento é a 
Previdência Social,2 tida pelo capital 
financeiro como “a joia da coroa” por 
um motivo compreensível: depois dos 
gastos com o pagamento dos juros e 
amortizações da dívida pública, que 
consomem mais de 50% do orçamen-
to do governo federal, a Previdência 
Social é o segundo maior gasto, cor-
respondendo a pouco mais de 25%. 
Por sua vez, os gastos com saúde e 
educação representam de 3% a 4%, 
enquanto as demais rubricas, como 
habitação, saneamento, ciência e tec-
nologia etc., não chegam, cada uma, a 
1%.3 Portanto, é a Previdência Social 
que mais pode transferir recursos pa-
ra o capital financeiro – diretamente, 
ao aumentar o superávit fiscal primá-
rio, e indiretamente, ao “empurrar” 
parte de seus beneficiários para os 
fundos de pensão privados.A parte do “estudo” dedicada à crí-
tica às universidades públicas federais 
é de um primarismo e uma grosseria 
sem par, evidenciando a ligeireza e a 
má-fé com que foi realizada. O objetivo 
é um só: desqualificar essas institui-
ções taxando-as de ineficientes, in-
competentes e injustas, pois desperdi-
çam dinheiro público e favorecem os 
alunos pertencentes às famílias de ní-
vel de renda mais elevado. O corolário 
daí resultante é a defesa da instituição 
do ensino pago e da redução do finan-
ciamento das universidades públicas.
Para demonstrar a ineficiência, o 
Bird compara o gasto por aluno das 
universidades federais com o das uni-
versidades privadas, apontando uma 
diferença enorme entre ambos: segun-
do ele, entre 2013 e 2015, o custo médio 
anual por estudante foi de R$ 40.900 
nas universidades públicas federais e 
apenas R$ 14.850 nas universidades 
privadas com fins lucrativos. Por outro 
lado, para evidenciar o caráter regres-
sivo dos gastos públicos, aponta que 
65% dos estudantes das universidades 
federais pertencem aos 40% mais ricos 
da população, enquanto apenas 20% 
fazem parte dos 40% dos mais pobres. 
Com base nessas duas supostas cons-
tatações, o Bird propõe a redução dos 
recursos destinados às universidades 
federais, o que as obrigaria a “redefinir 
sua estrutura de custo e/ou buscar re-
cursos em outras fontes”, e a introdu-
ção do ensino pago. 
Em suma, o “estudo” do Bird é a ve-
lha cantilena da necessidade de um 
ajuste fiscal, defendido desde sempre 
pelo capital financeiro e vocalizado 
pela grande mídia corporativa apoia-
da em “especialistas” (economistas 
ortodoxos) e editoriais focados no te-
ma. Nesse contexto, os gastos públicos 
com o ensino superior, assim como to-
dos os demais gastos sociais, também 
devem se adequar e ser reduzidos, fa-
vorecendo o aumento do superávit fis-
cal para o pagamento dos juros e 
amortizações da dívida pública.
Antes de demonstrar o caráter frau-
dulento desse “estudo” do Bird, é ne-
cessário esclarecer pelo menos três 
pontos acerca da dívida pública do Es-
tado brasileiro e do “ajuste fiscal” do 
governo Temer, colocando em evidên-
cia os argumentos falaciosos dos “es-
pecialistas” do mercado. 
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 R
en
at
o 
A
la
rc
ão
5FEVEREIRO 2018 Le Monde Diplomatique Brasil
Primeiro: a enorme dívida pública 
atual não resultou do excesso de gastos 
correntes em relação às receitas dos su-
cessivos governos. Na verdade, ela de-
correu de sucessivas políticas macroe-
conômicas executadas nas últimas 
quatro décadas, em especial o chama-
do “ajuste monetário do balanço de 
pagamento” – adotado pelo governo 
Figueiredo na década de 1980, por 
pressão do FMI, durante a crise da dívi-
da externa dos países periféricos – e “o 
Plano Real e a abertura comercial-fi-
nanceira” dos anos 1990 e 2000, postos 
em prática quando do aprofundamen-
to do projeto-programa político neoli-
beral no país.4
Essas políticas acarretaram o endi-
vidamento do Estado aceleradamente; 
no primeiro caso, com a transforma-
ção da dívida externa privada em dívi-
da externa pública, cujo pagamento, 
posteriormente, exigiu do Estado a 
emissão de títulos de dívida interna 
como contrapartida para a compra 
dos dólares gerados pelos exportado-
res privados. No segundo caso, a sus-
tentação da âncora cambial como ins-
trumento de combate à inflação, ao 
sobrevalorizar o real, implicou eleva-
das taxas de juros e grande emissão de 
títulos de dívida pública interna – co-
mo forma de atrair capitais externos 
de curtíssimo prazo, condição para 
evitar uma crise cambial que, contu-
do, acabou eclodindo em fins de 1998 e 
começo de 1999.
Ambas as políticas aumentaram ra-
dicalmente o montante da dívida pú-
blica, além de autonomizarem sua evo-
lução com relação aos gastos correntes 
dos sucessivos governos; ou seja, a dívi-
da pública cresceu mesmo com equilí-
brio orçamentário ou superávit primá-
rio. De 1999 a 2013 – portanto, durante 
catorze anos –, os sucessivos governos 
obtiveram superávits primários e, as-
sim mesmo, a dívida cresceu em ter-
mos absolutos e, em alguns anos, até 
mesmo como proporção do PIB.5
Segundo: os déficits que passaram 
a ocorrer a partir de 2014 decorreram 
inicialmente da desaceleração da eco-
nomia e posteriormente da política 
equivocada de desoneração fiscal pa-
trocinada pelo primeiro governo Dil-
ma, seguida pelo início de um ajuste 
fiscal em seu segundo governo, radi-
calizado violentamente pela “PEC da 
morte” do governo Temer. Em ambos 
os casos, o resultado foi a queda da ar-
recadação federal e o aparecimento 
dos déficits – portanto, um problema 
pelo lado da receita –; enquanto a eco-
nomia cresceu, a regra foi a existência 
de superávit primário.
Terceiro: na verdade, o problema 
das contas públicas são os gastos fi-
nanceiros, com o pagamento de juros 
e amortizações da dívida, que absor-
vem mais de 50% do orçamento e cres-
cem permanentemente, mesmo com 
superávit. No entanto, o ajuste fiscal, 
como seria de esperar, não inclui o 
ajuste dos gastos financeiros.
Com relação à suposta ineficiência 
e ao desperdício das universidades fe-
derais, o Bird rebaixa a complexidade 
delas ao compará-las às instituições de 
ensino privado que, com raríssimas ex-
ceções, limitam-se ao ensino, contan-
do, para isso, com um corpo docente 
bem menos qualificado/titulado, em 
tempo parcial, mal remunerado e car-
regado de turmas para dar aulas.6
As universidades federais têm co-
mo regra, além do ensino, atividades 
de pesquisa e extensão, hospitais uni-
versitários de alta complexidade, clíni-
cas e laboratórios, museus, orquestras, 
teatros, cinemas, escritórios de assis-
tência jurídica à população mais po-
bre etc., contando, para isso, com um 
corpo docente altamente qualificado/
titulado e, na maior parte, trabalhan-
do em tempo integral.
Como consequência dessa enorme 
diferença, afirmar que as universida-
des federais têm um custo por estu-
dante maior do que as universidades 
privadas não tem a menor credibilida-
de, se não forem separados dos gastos 
totais realizados pelas primeiras os 
gastos com todas as outras atividades 
listadas anteriormente. Além disso, é 
preciso abater o pagamento das apo-
sentadorias e pensões que, absurda-
mente, também faz parte e compõe o 
orçamento das universidades federais. 
Apenas depois dessa operação de sub-
tração é que se pode fazer uma com-
paração do custo por estudante entre 
os dois tipos de instituição.
Estudo do professor Nelson Cardo-
so Amaral7 evidencia que, depois de 
realizada a devida subtração mencio-
nada, o custo médio anual do ensino, 
por aluno, nas universidades federais, 
para o ano de 2015, foi de R$ 13.875 – 
menor do que a média da Organização 
para a Cooperação e o Desenvolvi-
mento Econômico (OCDE), de R$ 
15.772. Esse mesmo estudo, baseado 
em uma pesquisa socioeconômica 
realizada com os estudantes, eviden-
cia que pouco mais de 51% tem renda 
familiar de até três salários mínimos 
(R$ 2.811), tendo por base o valor do 
salário mínimo de 2017; se considerar-
mos todos aqueles cuja família tem 
renda de até seis salários mínimos (R$ 
5.622), atingiremos 76% do total de es-
tudantes das universidades federais. 
Apenas 10% deles estão no topo da dis-
tribuição, isto é, pertencem a famílias 
com renda acima de dez salários míni-
mos (R$ 9.370). 
O estudo de Amaral desmente tam-
bém a afirmação do Bird de que os es-
tudantes das universidades federaissão egressos principalmente de escolas 
privadas de nível médio: em 2014, 64% 
dos estudantes das universidades fede-
rais cursaram o ensino médio integral-
mente, ou a maior parte dele, em esco-
las públicas e, em sentido oposto, 36% 
cursaram em escolas particulares. 
A violência contra as universidades 
públicas, assim como as demais ini-
ciativas do governo Temer, expressa 
um projeto-programa político claro e 
coerente de natureza neoliberal, tal 
como efetivado nos países capitalistas 
periféricos e dependentes, que ocu-
pam uma posição subordinada na di-
visão internacional do trabalho. Nes-
ses países, a superexploração do 
trabalho é regra e a concentração de 
renda e riqueza é indecente: no Brasil 
de hoje, os cinco indivíduos mais ricos 
(cinco!) detêm um patrimônio equiva-
lente ao da metade mais pobre do país 
(mais de 100 milhões de pessoas!).8
Nesse projeto-programa coman-
dado por uma burguesia cosmopolita 
com “complexo de vira-latas”, subor-
dinada e subserviente ao imperialis-
mo, não existe uma nação nem inte-
resses nacionais; não há a pretensão 
de modificar a posição subalterna do 
país (exportador de commodities) na 
divisão internacional do trabalho; não 
cabem a defesa, a reserva e o uso dos 
recursos naturais do país em favor da 
maioria da população; tudo é avaliado 
pela lógica e a métrica do capital fi-
nanceiro; não se admite distribuição 
de renda e da propriedade, com a efeti-
vação de uma reforma agrária e a taxa-
ção da riqueza, da herança e dos mais 
ricos; não se necessita de grandes 
empresas nacionais e estatais que de-
senvolvam tecnologia própria, nem 
de instituições públicas de pesquisa 
e inovação; em suma, não se necessi-
ta de universidades públicas que pra-
tiquem, de forma integrada, o ensino, 
a pesquisa e a extensão – e ajudem a 
formar uma nação. Estas podem res-
tringir sua atuação apenas ao ensino 
(pago) e, assim mesmo, em posição 
minoritária, pois atualmente as insti-
tuições privadas de ensino superior 
já absorvem 75% dos estudantes uni-
versitários do país – embora, em ge-
ral, ofereçam um “serviço” de péssi-
ma qualidade.
Na verdade, a maior tragédia do 
Brasil é o caráter de sua grande bur-
guesia. Constituída frágil e tardiamen-
te no contexto da expansão do capita-
lismo no plano mundial, ela não 
conseguiu fazer uma revolução demo-
crática nem se defrontar com o impe-
rialismo e dele se distinguir. Mais re-
centemente, aderiu de corpo e alma à 
lógica da financeirização difundida 
pela globalização, constituindo-se, so-
bretudo, como uma burguesia rentista 
e de negócio.9 O resultado final é que, 
diferentemente das burguesias dos 
países imperialistas, ela não conse-
guiu construir e liderar uma nação em 
sua plenitude. De fato, o Brasil é uma 
nação incompleta, desarticulada e sem 
coesão e identidade entre seus diversos 
1 Bird, “Um ajuste justo: análise da eficiência e equi-
dade do gasto público no Brasil”, nov. 2017.
2 Aqui também a estratégia do capital financeiro e 
do Bird, com amplo apoio midiático, é desqualificar 
e desmoralizar a Previdência Social pública, ven-
dendo a mentira da existência de um déficit estru-
tural insustentável – com base em manipulação 
metodológica que a retira da rubrica maior da se-
guridade social, composta ainda pela assistência 
social e a saúde, e some com parte significativa de 
suas fontes de financiamento –, além de taxá-la 
como injusta.
3 Essas informações constam no site do Tesouro 
Nacional, particularmente quando se considera a 
consolidação das contas públicas, segundo as 
despesas por função da União. 
4 Ver Luiz Filgueiras, História do Plano Real, Boitem-
po, São Paulo, 2000, 2004 e 2016.
5 Em novembro de 1999, primeiro ano do segundo 
governo FHC, a dívida interna mobiliária federal já 
era de R$ 415 bilhões, ainda que durante o gover-
no Collor e o primeiro de FHC 44 empresas esta-
tais tenham sido privatizadas com o intuito de pagá-
-la. Catorze anos depois, em 2013, e após 
sucessivos superávits fiscais primários, essa dívida 
atingiu R$ 1,9 trilhão. A partir da crise eclodida em 
2014, ela evoluiu para R$ 3,3 trilhões em setembro 
de 2017 (Banco Central do Brasil).
6 No ano passado, estimuladas pela entrada em vi-
gor da reforma trabalhista, várias dessas institui-
ções promoveram demissões em massa de profes-
sores com titulação e salários mais elevados, com 
o objetivo de recontratá-los de forma precária: a 
Estácio de Sá anunciou a demissão de 1,2 mil pro-
fessores; a Faculdades Metropolitanas Unidas 
(FMU) demitiu pelo menos duzentos professores; 
a Anhembi Morumbi, que integra o mesmo grupo 
da FMU, demitiu ao menos 150; e a Universidade 
UniRitter, que atua na região sul do Brasil, demitiu 
mais de cem professores. 
7 Andifes, “A hora da verdade para as universidades 
federais brasileiras: metas do PNE (2014-2024) e 
10 mitos a serem debatidos e desvendados”, 2017. 
8 Segundo a Oxfam, confederação de ONGs pre-
sente em 94 países que trabalha para a redução da 
desigualdade. Relatório de 2018.
9 Segundo a colunista social Hildegard Angel, em 
texto publicado pela Revista Fórum, “o rico brasilei-
ro de verdade já desistiu do Brasil. Está pouco se 
lixando se tem gente pobre, vivendo e defecando 
nas ruas. Não é que ele seja insensível, é que ele 
não vive aqui. Ele está por aqui. Tem seu aparta-
mento à beira-mar, frequenta seu clube, onde joga 
tênis, convive com seu reduzido círculo de amigos 
e ponto. Depois, embarca no seu jato para a resi-
dência lá fora. O Brasil é para ganhar dinheiro e 
remeter dinheiro. Esse rico não tem mais o embara-
ço da língua, como alguns ricos de gerações ante-
riores, pois os filhos e netos já dominam o inglês 
desde que nascem e [nem] sequer conhecem a 
nossa História. O rico brasileiro é globalizado, não 
tem brio patriótico, ao contrário, sente bastante 
preconceito e desprezo em relação ao nosso país, 
onde lamenta ter nascido”.
segmentos sociais – que não sejam as 
características superficiais (a maior 
parte negativa) que supostamente de-
finiria um brasileiro genérico. 
Por tudo isso, a finalização da tare-
fa de constituição de uma nação brasi-
leira completa, articulada e coesa e de 
uma universidade pública que expres-
se e sirva a essa urgência não pode 
mais ser realizada por suas classes do-
minantes alienadas. Resta saber se, no 
contexto de uma (des)ordem mundia-
lizada, as classes subalternas ainda te-
rão a capacidade política de levar 
adiante essa tarefa histórica. 
*Luiz Filgueiras, Graça Druck e Uallace 
Moreira são, respectivamente, professor titu-
lar de Economia, professora titular de Socio-
logia e professor adjunto de Economia da 
Universidade Federal da Bahia (UFBA).
6 Le Monde Diplomatique Brasil FEVEREIRO 2018
NEOLIBERALISMO E A COLONIALIDADE DO SABER
A Unilab e o desmonte 
da educação
C
omo já dizia Wallerstein em seu 
livro Capitalismo histórico e ci-
vilização capitalista, o capitalis-
mo é o processo da mercantili-
zação de tudo – desde o objeto até a 
própria vida, humana ou não. O capi-
talismo, desde sua ascensão no século 
XIV com a expansão europeia por 
meio da exploração dos recursos natu-
rais no continente americano e a es-
cravização em massa de corpos ame-
ríndios e africanos, baseou-se no 
processo de transformar o mundo da 
vida nas colônias num mundo da mor-
te e da não existência. O colonialismo 
é parte integrante do capitalismo, e é 
por meio dele que este último põe em 
prática toda a sua “potencialidade”.
A consolidação do capitalismo no 
sistema internacional não ocorre so-
mente por vias econômicas, como 
muitas vezes somos levados a crer, im-
buídos tanto de uma ótica liberal oumarxista ocidental determinista, mas 
ocorre, sobretudo, pelo fato de ser um 
projeto para além do econômico, sen-
do político, cultural (e de pensamen-
to) e social. O processo de legitimação 
por esses meios permitiu (e permite) 
ao capitalismo promover toda a sua 
violência e exploração contra diversas 
sociedades, tornando-as espaços va-
zios homogêneos.
O neoliberalismo que está a pleno 
vapor neste momento nada mais é que 
uma das várias faces do próprio capi-
talismo. Na América Latina, após uma 
década de governos abertamente neo-
liberais, o século XXI via em seu início 
o surgimento de governos de centro-
-esquerda e esquerda, modificando as 
relações entre o Estado e a sociedade, 
assim como entre o Sul global e o Nor-
te global. É importante ressaltar que, 
mesmo estando fora do poder, esses 
grupos que apoiavam o modelo neo-
liberal tiveram uma apropriação de 
riqueza sem comparação na história 
democrática brasileira, graças à alta 
das commodities no mercado inter-
nacional, ao tripé macroeconômico 
e a empréstimos a fundo perdido 
concedidos ao agronegócio.
O discurso da justiça social e do 
combate à fome e à desigualdade social 
era o mote do debate nos fóruns inter-
nacionais, exigindo-se dos países mais 
ricos que realmente colocassem “as 
mãos na massa” para modificar o qua-
dro de alta desigualdade existente em 
nível global. Nesse contexto destaca-
mos as universidades públicas brasi-
leiras (estaduais, federais e institutos 
federais) e o importante investimento 
feitos pelos governos dos ex-presiden-
tes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma 
Rousseff. É possível afirmar que se 
criou um ambiente favorável para rei-
vindicações por cidadania, pelo direito 
à educação formal e pela promoção da 
igualdade de oportunidades concreti-
zadas por meio de uma agenda de 
ações positivas, que possibilitou a cria-
ção de espaços institucionais de pro-
dução do conhecimento salvaguarda-
dos pelas políticas afirmativas e de 
reparação, interiorização e internacio-
nalização do ensino.
Estamos nos referindo à criação da 
Universidade Federal da Integração 
Latino-Americana (Unila) e da Uni-
versidade da Integração Internacional 
da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), 
como resultado concreto de deman-
das dos movimentos sociais. Aqui des-
tacamos os movimentos negro, indí-
gena e dos(as) trabalhadores(as) rurais 
sem terra e os Núcleos de Estudos Afro-
-Brasileiros e Indígenas das universi-
dades públicas brasileiras (Neab/Nea-
bi), que do ponto de vista estatístico e 
em razão de pautas históricas de rei-
vindicação lutaram pelo aumento e 
aprimoramento do acesso e da perma-
nência no ensino superior.
A Unilab, um projeto político dese-
nhado por Lula e continuado por Dilma, 
foi pensada para promover a integração, 
a interiorização1 e a internacionalização 
do ensino superior, assim como para 
possibilitar a aproximação e um amplo 
diálogo com os países da cooperação 
Sul-Sul, pertencentes à Comunidade 
dos Países de Língua Portuguesa 
(CPLP), com o objetivo de atender es-
tudantes oriundos do Brasil, dos paí-
ses africanos de língua portuguesa 
(Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, 
São Tomé e Príncipe, Moçambique) e 
do Sudeste Asiático (Timor-Leste). 
Criada pela Lei n. 12.289, de 20 de 
julho de 2010, possui quatro campi: 
Malês (São Francisco do Conde/BA), 
Palmares (Acarape/CE), Liberdade e 
Auroras (Redenção/CE), onde tam-
bém funciona sua sede administrati-
va. Dados quantitativos da Diretoria 
de Registro e Controle Acadêmico(DR-
CA), de outubro de 2017, registram um 
total de 6.803 estudantes matriculados 
nos cursos de graduação, pós-gradua-
ção, presencial e a distância. Nos cur-
sos presenciais, foram registrados 
3.995 estudantes, por nacionalidade: 
Brasil, 2.964; Guiné-Bissau, 622; Angola, 
151; Cabo Verde, 91; São Tomé e Prínci-
pe, 84; Timor-Leste, 51; e Moçambique, 
32. Na pós-graduação stricto sensu pre-
sencial: 102. E em cursos a distância: 
pós-graduação lato sensu, 914; e pós-
-graduação lato sensu a distância, 1.792.
Diante da conquista de ter como 
sede duas universidades estratégicas 
do ponto de vista da produção do co-
nhecimento e da promoção da justiça 
social, hoje vemos o Brasil diante de 
um quadro bastante desafiador. Desde 
agosto de 2016, após um golpe parla-
mentar-jurídico e de cunho profunda-
mente neoliberal/colonial, vem se im-
pondo um conjunto de propostas que 
não foram referendadas pelo voto di-
reto, colocando-se em perigo tudo o 
que se conquistou até este momento. 
Um exemplo concreto é a PEC 95, apre-
sentada pelo governo federal e aprova-
da pelo Congresso Nacional, a qual 
congela por vinte anos os gastos públi-
cos com saúde e educação.
O país como um todo sofre com o 
impacto do projeto neoliberal e colo-
nialista que mudou a prioridade das 
políticas públicas e externa, colocan-
do-a nos Estados Unidos e no conti-
nente europeu, deixando em segundo 
plano a relação com os países da Amé-
rica Latina e do continente africano. O 
projeto colonial/neoliberal age de for-
ma brutal, invisibilizando e silencian-
do grupos não conformados (indíge-
nas, pobres, negros/as, LGBTT+), 
assim como por meio de expulsões de 
lugares que “nunca foram destinados 
a tais grupos”, a exemplo das universi-
dades públicas. A tais grupos sempre 
se destinou, ao imaginário e ao real, o 
lugar do trabalho, da exploração e da 
acumulação: os corpos-máquina.
A educação, portanto, é uma frente 
bastante visada por esse movimento 
neoliberal, em que projetos como o Es-
cola sem Partido e os cortes maciços no 
orçamento têm o intuito de mantê-la 
sob as rédeas da colonialidade do saber, 
na qual o acesso e a transmissão do co-
nhecimento possam continuar sendo 
privilégios de alguns grupos. Nesse 
contexto de ataques diretos à educação 
estão em jogo os projetos Unila e Uni-
lab, que concentram corpos (negros/as, 
indígenas, pobres, LGBTT+) e currícu-
los que contestam o status quo atual.
A Unila e a Unilab representam 
projetos importantes de desenvolvi-
mento, de sociedade, de descoloniza-
ção do saber e de redefinição do proje-
to de sociedade. Esse cenário de 
ataques diretos requer de nós um en-
volvimento conjunto entre a comuni-
dade acadêmica, a sociedade civil e 
movimentos sociais em defesa de uma 
universidade pública que garanta a in-
tegração, a interiorização e a interna-
cionalização do ensino superior, e que, 
acima de tudo, possamos transgredir 
e transformar as fronteiras do saber, 
como bem nos convocava a ativista 
norte-americana bell hooks. 
*Jacqueline Costa é professora do IHL/
Unilab, coordenadora do Bacharelado de Hu-
manidades e Letras (BHU) e doutora em So-
ciologia (Universidade Federal de São Car-
los); e Vico Melo é professor do IHL/Unilab 
e doutor em Pós-Colonialismos e Cidadania 
Global (Universidade de Coimbra).
1 Durante os governos Lula e Dilma, esse conceito foi 
pensado em razão da expansão das instituições de 
nível superior nas cidades e nos municípios distan-
tes dos grandes centros e das grandes capitais. 
Entre 2002 a 2014 foram criadas dezoito novas 
universidades federais, elevando o número de cur-
sos presenciais ofertados no país de 2.047 a 
4.867; o número de institutos federais foi ampliado 
em 31%, o de cursos de graduação, em 86%, e o 
de pós-graduação, em 316%. Esses dados eleva-
ram o número de municípios atendidos por universi-
dades federais de 114 para 289. Fonte: Inep, 2013.
A educação é uma frente bastante visada pelo movimento neoliberal. Projetos como o 
Escola sem Partido e os cortes maciços no orçamento têm o intuito de mantê-la sob as 
rédeas da colonialidade do saber, na qual o conhecimento possa continuar sendo privilégio de 
alguns grupos. Nesse contexto de ataques diretos, estão em jogo os projetos Unila e Unilab
POR JACQUELINE COSTA E VICOMELO*
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7FEVEREIRO 2018 Le Monde Diplomatique Brasil
ESFORÇOS DO BRASIL E DE SEUS VIZINHOS PARA GARANTIR O DIREITO À EDUCAÇÃO
Contra postulados que veem a educação como um investimento como outro qualquer, aspecto reforçado 
na gestão Meirelles-Temer com o congelamento de gastos para os próximos vinte anos, é importante olhar 
os dados desse financiamento no Brasil e na América Latina e Caribe
POR JOSÉ MARCELINO DE REZENDE PINTO*
O dramático panorama 
do financiamento do ensino
O custo do Fies 
aos cofres públicos 
é superior a tudo o 
que se gasta com 
a folha de pagamento 
das universidades 
federais
U
ma das poucas coisas sobre as 
quais há um consenso mundial 
é a importância da educação. 
As famílias esforçam-se para 
garantir a melhor instrução possível 
para suas crianças e jovens. Já as pes-
quisas acadêmicas mostram o direito 
à educação como a porta de acesso pa-
ra a garantia dos demais direitos. E até 
mesmo economistas que só pensam 
em lucros e dividendos reforçam o pa-
pel do ensino como fator de desenvol-
vimento econômico e aumento da ren-
da. Em outras palavras, para estes 
últimos, com base na Teoria do Capital 
Humano,1 a educação é um investi-
mento como qualquer outro, que deve 
ser realizado caso haja a possibilidade 
de retorno.
Nessa perspectiva, ela deixa de ser 
um direito universal, a ser assegurado 
pelo Estado, e passa a ser entendida 
como um serviço, mais uma mercado-
ria a ser regulada pelo “deus mercado”. 
E aqui começam os problemas: em um 
mundo em que o setor financeiro am-
plia seu poder na definição das políti-
cas públicas, a visão da educação co-
mo um investimento econômico passa 
a ser hegemônica. Segundo essa abor-
dagem, quando muito, deve-se garan-
tir a gratuidade nos anos iniciais do 
ensino fundamental; para os anos se-
guintes, em especial na educação su-
perior, propõe-se a cobrança de men-
salidades e, no caso daqueles que não 
podem pagar, a receita é o financia-
mento estudantil, como acontece no 
Chile, onde não existe ensino superior 
público gratuito. Aliás, esse princípio 
já constava na Constituição Federal 
brasileira de 1967, da ditadura militar, 
quando tal abordagem econômica co-
mandava o país.
Outro ponto de honra nesse tipo de 
abordagem despontou nos anos FHC e 
agora retoma com força redobrada na 
gestão Temer-Meirelles: é o postulado 
de que mais recursos (melhores salá-
rios aos profissionais da educação, 
equipamentos, redução no número de 
estudantes por turma etc.) não fazem 
diferença na qualidade do ensino.2 E 
“qualidade de ensino” para essa turma 
é sinônimo de notas em testes padro-
nizados, como a Prova Brasil, o Enem, 
o Programa Internacional de Avalia-
ção de Alunos (Pisa) e tantos outros 
aos quais são submetidos os estudan-
tes do Brasil e do mundo. Para melho-
rar a qualidade, ou seja, a nota obtida 
nesses testes, receitam pouco dinhei-
ro e muita competição entre as esco-
las. Ou seja, mais mercado, mais “li-
vre” barganha entre pais e escolas. E, 
mais uma vez, o Chile é o grande timo-
neiro, por meio do sistema de “vou-
chers”, em que, em tese, a família esco-
lhe a escola em que vai matricular seu 
filho ou filha. É importante lembrar 
que todas essas reformas educacio-
nais foram colocadas em prática em 
plena ditadura de Augusto Pinochet e 
até hoje o regime que lhe seguiu tenta 
lidar com suas consequências, como o 
aumento da desigualdade no acesso à 
educação e a incapacidade das famí-
lias de pagar o financiamento estu-
dantil no ensino superior. Aliás, o 
mesmo acontece nos Estados Unidos, 
onde se vive uma “bolha” de inadim-
plência. Já o Brasil caminha celere-
mente nessa direção com o Fundo de 
Financiamento Estudantil (Fies), cuja 
inadimplência supera os 50% e cujo 
custo aos cofres públicos é superior a 
tudo o que se gasta com a folha de pa-
gamento das universidades federais.3
Outra característica interessante é 
que todas essas teorias, que trazem re-
ceitas de mercado para a educação, se 
originam em países ricos, onde, curio-
samente, não fazem muito sucesso. 
Nesses locais, a gratuidade do ensino é 
a regra e os valores gastos por estudan-
te no sistema público são muito supe-
riores àqueles praticados nos países 
com menos recursos, ou remediados, 
como o Brasil. Aqui, seus discípulos lo-
cais, com enorme espaço na mídia, 
sempre afirmando que o país gasta o 
suficiente na rede pública de educação 
básica, não se envergonham em matri-
cular seus filhos em escolas particula-
res, cujas mensalidades superam R$ 4 
mil, um valor dez vezes superior ao 
gasto médio da rede pública de ensino. 
Para jogar luz nesse campo, a Campa-
nha Latino-Americana pelo Direito à 
Educação (Clade) lançou em setembro 
de 2017 o Sistema de Monitoramento 
do Financiamento do Direito Humano 
à Educação na América Latina e no Ca-
ribe (http://monitoreo.campanadere-
choeducacion.org), que reúne dados 
do financiamento educativo público 
em vinte países da região referentes ao 
período de 1998 a 2015. Com esse ins-
trumento, a Clade procura dotar os 
segmentos da sociedade civil que lu-
tam por uma escola pública de quali-
dade de uma ferramenta útil de reivin-
dicação e pressão política junto aos 
governos nacionais com base em indi-
cadores concretos sobre o financia-
mento da educação. A Clade é uma re-
de plural de organizações da sociedade 
civil, com presença em dezesseis paí-
ses da América Latina e do Caribe, que 
tem como missão defender o direito 
humano a uma educação transforma-
dora pública, laica e gratuita para to-
das e todos, durante toda a vida e como 
responsabilidade do Estado. 
As informações do Sistema de Mo-
nitoramento podem ser consultadas 
de maneira individual para cada país 
ou de modo comparativo para toda a 
região e estão organizadas em três di-
mensões de análise: esforço financei-
ro público, disponibilidade de recur-
sos por pessoa em idade escolar e 
equidade no acesso escolar.
A primeira dimensão (esforço fi-
nanceiro público) refere-se à quantida-
de total de recursos que cada Estado 
destina ao sistema educativo público, 
como parte do orçamento nacional to-
tal e da riqueza produzida no país 
(PIB). A segunda dimensão (disponibi-
lidade de recursos) centra-se nos recur-
sos públicos disponíveis para cada 
pessoa em idade escolar. Esse indica-
dor é um avanço em relação às medi-
das utilizadas por organismos como 
Unesco e Organização para a Coope-
ração e o Desenvolvimento Econômi-
co (OCDE), que consideram apenas o 
valor gasto com estudantes incluídos 
no sistema escolar. A Clade, por sua 
vez, considera todas as pessoas matri-
culadas na escola (pré-escola, ensino 
fundamental e ensino médio) e tam-
bém aquelas da faixa etária correspon-
dente que estão fora do sistema educa-
tivo. A terceira dimensão aborda a 
equidade no acesso escolar, observan-
do-se em particular a diferença entre 
as taxas de acesso à escola do quintil 
de renda mais alta e do quintil de ren-
da mais baixa da população de 13 a 19 
anos de idade em cada país. Essa di-
mensão traça as desigualdades histó-
ricas que operam nos sistemas públi-
cos de educação no que diz respeito ao 
acesso escolar para jovens de famílias 
com diferentes níveis de renda.
Além de apresentar o valor dos in-
dicadores, o sistema de monitoramen-
to mostra, para cada país, o quanto ele 
se distancia de um parâmetro de refe-
rência considerado adequado. Assim, 
para o componente do gasto público 
em educação em relação à despesa to-
tal dos Estados, o parâmetro utilizado 
é de 20%, valor estabelecido no Marco 
de Ação para a Educação 20304 e acor-
dado entre os Estados da região na Re-
união Regional de Ministros da Edu-
cação da América Latina e do Caribe 
que aconteceu em Lima, Peru, em 
2014. Nessa mesma reunião, os Esta-
dos da região definiramcomo meta al-
cançar um gasto público de 6% do PIB 
em educação. Portanto, para a dimen-
são esforço financeiro público, os parâ-
metros são 20% do gasto público total 
e 6% do PIB. Já para a dimensão dispo-
nibilidade de recursos, o parâmetro 
utilizado foi de US$ 7.221,60 anuais 
por pessoa em idade escolar, que é o 
valor médio investido por estudante 
8 Le Monde Diplomatique Brasil FEVEREIRO 2018
pela metade dos países da OCDE com 
menor PIB por habitante.5 Por fim, pa-
ra a dimensão equidade no acesso esco-
lar, o parâmetro seria uma diferença 
igual a zero entre os níveis de acesso 
escolar dos quintis de jovens de 13 a 19 
anos, com maiores e menores recursos 
da população urbana (os detalhes me-
todológicos de cada uma das dimen-
sões do sistema de monitoramento es-
tão explicados no site).
Nos gráficos 1, 2 e 3 encontramos 
uma visão geral dos indicadores rela-
cionados ao esforço dos países e aos 
recursos disponíveis por pessoa em 
idade escolar. Por limitação de espaço 
não será discutida a dimensão equi-
dade, mas as informações encon-
tram-se no site.
O Gráfico 1 apresenta quanto o 
gasto público em educação representa 
da despesa total dos governos. Consta-
ta-se que apenas seis países atingem o 
parâmetro dos 20% do gasto público 
total como investimento em educação 
(Guatemala, Costa Rica, Paraguai, Ni-
carágua, Venezuela e Chile), ficando a 
Guatemala com uma participação de 
24,1%, em uma melhor situação, e o 
Equador, no polo extremo, com 12,8%. 
O Brasil, com 16%, situa-se 20% abaixo 
da meta estabelecida.
Contudo, de pouco adianta um 
grande comprometimento do gasto 
público total com a educação se o país 
apresenta uma carga tributária baixa 
em relação ao PIB. Por isso, no Gráfico 
2, analisa-se quanto esse gasto público 
em educação representa do PIB de ca-
da país. E aqui o exemplo da Guatema-
la volta a ser interessante, pois, muito 
embora esse país destine 24,1% de sua 
despesa total para a educação pública, 
esse esforço representa apenas 2,96% 
do PIB, ou seja, menos da metade dos 
6% do PIB, que são o valor de referên-
cia. Apenas cinco países (Cuba, Bolí-
via, Costa Rica, Venezuela e Brasil) 
atingem essa meta, ficando Cuba na 
melhor posição.
Ainda sobre o Gráfico 2, chama 
atenção o fato de dez países não atingi-
rem 5% do PIB e de dois deles não atin-
girem nem 3% do PIB aplicados em 
educação pública (Guatemala e Repú-
blica Dominicana). Esse indicador 
mostra a importância da existência de 
sistemas tributários que permitam aos 
Estados dispor de recursos para a apli-
cação de políticas públicas. Países co-
mo Dinamarca, Finlândia e Suécia, 
que conseguiram construir um Estado 
de bem-estar social, possuem uma 
carga tributária acima de 40% do PIB. 
Já a maioria dos países da América La-
tina e do Caribe apresenta uma carga 
abaixo de 20% do PIB. O Brasil fica em 
uma faixa intermediária, com uma 
carga tributária de 32% do PIB.6
Finalmente, não basta um país 
destinar à educação pública um per-
centual adequado em relação ao PIB se 
o valor desse PIB é pequeno quando 
comparado à sua população e, princi-
palmente, quando confrontado com 
seus desafios educacionais. E é nesse 
aspecto que a situação se configura 
dramática para os países da região, co-
mo mostra o Gráfico 3. Este apresenta 
o valor disponível por criança ou jo-
vem em faixa de escolarização (pré-es-
cola, ensino fundamental e ensino 
médio) medido em dólares PPP (Poder 
de Paridade de Compra, na sigla em in-
glês), um indicador que busca tornar 
comparável os gastos nos diferentes 
países.
Lembrando que para esse indicador 
o valor desejável adotado pela Clade é 
de US$ 7.221,60 por criança ou jovem 
em faixa de escolarização, percebe-se o 
quão distante os países da região estão 
do valor gasto por estudante dos países 
com menor renda per capita da OCDE. 
Apenas Costa Rica e Chile estão ligeira-
mente acima da metade do valor de re-
ferência, e doze países estão abaixo de 
um terço desse parâmetro. No Brasil, é 
comum ouvir de diferentes governos 
que o país gasta em educação um per-
centual do PIB equivalente ao dos paí-
ses ricos, o que é verdade, mas, quando 
se analisa o recurso disponível, infor-
mação que de fato importa, constata-
-se um valor inferior à metade daquele 
disponível nos países com menos re-
cursos da OCDE. Por isso, é fundamen-
tal, nas análises comparativas, consi-
derar o conjunto dos três indicadores, 
ressaltando-se que aquele que real-
mente impacta no dia a dia das escolas 
é o recurso disponível (Gráfico 3).
Os dados apresentados mostram a 
importância do tamanho da econo-
mia, medida em especial por meio de 
seu PIB por habitante, para a garantia 
de recursos adequados para suas polí-
ticas públicas. Por exemplo, a conside-
rada baixa carga tributária de 26% do 
PIB dos Estados Unidos propicia aos 
governos cerca de US$ PPP 14,5 mil 
por habitante; já a carga tributária de 
32% do PIB no Brasil, considerada alta 
pelos economistas neoliberais, signifi-
ca apenas US$ PPP 5 mil por habitante. 
Fica evidente, assim, o mal que fazem, 
aos países da região, as políticas reces-
sivas que estão sendo colocadas em 
prática em vários deles. No caso do 
Brasil, retroagiu-se em 2016 ao PIB por 
habitante de 2008; em outras palavras, 
nove anos de crescimento perdidos.
O sistema de monitoramento lan-
çado pela Clade também permite ana-
lisar a evolução das diferentes dimen-
sões para o conjunto da região. Um 
fato bastante positivo, por exemplo, é 
que Argentina, Brasil, Chile, Costa Ri-
ca, México, Uruguai e Venezuela au-
mentaram significativamente a dispo-
nibilidade de recursos por pessoa em 
idade escolar desde 1998. Nos casos de 
Argentina e Brasil, surpreende que os 
montantes disponíveis por pessoa em 
Obs.: Maior valor em US$ PPP entre 2013 e 2015, com exceção dos seguintes países, em que se usou o dado 
mais recente disponível: Venezuela (2009), Nicarágua (2010), Uruguai (2011) e República Dominicana (2012). 
Não há informação para Cuba.
Obs.: Maior valor entre 2013 e 2015, com exceção dos seguintes países, em que se usou o dado mais recente 
disponível: Venezuela (2009), Cuba e Nicarágua (2010), Uruguai (2011) e República Dominicana (2012).
Obs.: Maior valor entre 2013 e 2015, com exceção dos seguintes países, em que se usou o dado mais recente 
disponível: Venezuela (2009), Cuba e Nicarágua (2010), Uruguai (2011) e República Dominicana (2012).
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9FEVEREIRO 2018 Le Monde Diplomatique Brasil
idade escolar praticamente duplica-
ram entre o fim dos anos 1990 e os dois 
últimos triênios disponíveis (2010-
2012 e 2013-2015 para a Argentina; 
2007-2009 e 2010-2012 para o Brasil).
No entanto, como já comentado, 
mesmo os países que apresentaram os 
maiores investimentos no período es-
tudado ainda estão longe de atingir o 
valor de referência. O país mais bem 
colocado é a Costa Rica, que dedicou 
US$ 3.860,11 para cada pessoa em ida-
de escolar, por ano, no triênio 2013-
2015, valor que é praticamente a meta-
de da referência.
UM RÁPIDO OLHAR SOBRE O BRASIL
O Brasil, como se pode ver no item 
anterior, não faz bonito no que se refe-
re ao esforço no financiamento da 
educação. Um resultado que sur-
preende, considerando que já estamos 
no segundo Plano Nacional de Educa-
ção (PNE) aprovado no período pós-
-ditadura. O primeiro deles (Lei n. 
10.172/2001) determinava a ampliação 
dos gastos públicos no ensino público 
para 7% do PIB. Contudo, o veto do 
presidente Fernando Henrique Cardo-
so inviabilizou o cumprimento dessa 
meta. Já o atualPNE (Lei n. 13.005/2014) 
estabelece um compromisso ainda 
maior com o financiamento da educa-
ção: atingir 7% do PIB até 2017 e 10% 
em 2024 (meta 20 do PNE). Além disso, 
determinava a criação, até 2016, do 
Custo Aluno Qualidade inicial (CAQi), 
um parâmetro de financiamento que 
visa assegurar condições básicas de fi-
nanciamento para todas as escolas 
públicas do Brasil.7 Se não houve veto à 
meta de financiamento do atual PNE, 
as políticas recessivas do início do se-
gundo governo Dilma, acentuadas ao 
extremo pela gestão Temer-Meirelles, 
têm inviabilizado o avanço esperado 
no financiamento educativo público.
O Gráfico 4 mostra a evolução, em 
termos reais, das despesas totais da 
União com a manutenção e o desen-
volvimento do ensino, assim como os 
gastos com a educação superior.
Os dados indicam que, desde 2012, 
a despesa total com educação vem 
caindo em termos reais e, no caso da 
educação superior, essa queda aconte-
ce desde 2014. No total, de 2012 a 2016 
houve redução de R$ 14,2 bilhões, 
atingindo mais a educação básica. No 
caso da educação superior, a queda foi 
menor, mas seus efeitos são igualmen-
te graves, pois a rede federal se encon-
tra em um momento de crescimento. 
Por outro lado, como indica a Tabela 1, 
no mesmo período assistiu-se a um 
crescimento impressionante dos re-
cursos públicos destinados às univer-
sidades privadas por meio do Fies.
Os dados apontam para a mobiliza-
ção de recursos públicos ao sistema pri-
vado de educação superior, seja por 
despesas diretas, seja com base em sub-
1 Theodore W. Schultz, O valor econômico da edu-
cação, trad. Paulo Sérgio Werneck, Zahar, Rio de 
Janeiro, 1967; e Theodore W. Schultz, O capital 
humano: investimentos em educação e pesquisa, 
trad. Marco Aurélio de Moura Matos, Zahar, Rio de 
Janeiro, 1973.
2 Nigel Brooke e José Francisco Soares (orgs.), Pes-
quisa em eficácia escolar: origem e trajetórias, 
UFMG, Belo Horizonte, 2008; e José Marcelino 
Rezende Pinto, “Dinheiro traz felicidade? A relação 
entre insumos e qualidade na educação”, Archivos 
Analíticos de Políticas Educativas/Education Poli-
cy Analysis Archives, v.22, p.19, 2014.
3 Ministério da Fazenda, “Fundo de financiamento 
estudantil: ausência de sustentabilidade e suas 
causas”, jun. 2017.
4 Unesco, “Educação 2030: Declaração de Incheon 
e Marco de Ação – Rumo a uma educação de qua-
lidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo 
da vida para todos”, 2016.
5 Os dezessete países de menor PIB per capita da 
OCDE, em 2010, são: França, Itália, Nova Zelân-
dia, Espanha, Coreia do Sul, Israel, Grécia, Eslovê-
nia, Portugal, Eslováquia, República Tcheca, Hun-
gria, Estônia, Polônia, Chile, México e Turquia.
6 Receita Federal do Brasil, Carga Tributária no Bra-
sil, Brasília, set. 2016.
7 Para conhecer mais sobre o CAQi, visite a página 
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 
idealizadora desse mecanismo, que inverte a lógi-
ca do financiamento das políticas educacionais no 
Brasil: <www.custoalunoqualidade.org.br>.
sídios, uma vez que o governo federal 
obtém esses recursos a juros de merca-
do e cobra de estudantes em valores re-
duzidos. Impressiona o total de recur-
sos mobilizados pelo Fies; em 2016, este 
já superou o gasto da União com manu-
tenção e desenvolvimento do ensino na 
educação superior. De forma análoga, a 
partir de 2014 começou-se a reduzir os 
recursos do Fundo de Manutenção e 
Desenvolvimento da Educação Básica e 
de Valorização dos Profissionais da 
Educação (Fundeb), principal fonte de 
financiamento da educação básica, co-
mo mostra o Gráfico 5.
O que preocupa em relação ao Fun-
deb é que seus recursos apresentam 
uma queda justamente quando as ma-
trículas de estudantes que se benefi-
ciam do fundo deveriam estar cres-
cendo em função das metas do PNE 
2014-2024, que implicam a ampliação 
da oferta em todas as etapas e modali-
dades, assim como a melhoria nas 
condições de oferta. Ou seja, são mais 
estudantes, para um bolo total de re-
cursos em queda. Na prática, estados e 
municípios não estão ampliando suas 
matrículas e, para reduzir custos, fe-
cham-se escolas e aumenta-se o nú-
mero de estudantes por turma.
Não bastassem os efeitos predató-
rios da recessão econômica para o fi-
nanciamento da educação, o governo 
Temer-Meirelles, por meio da Emenda 
Constitucional n. 95/2016, que congela 
os gastos primários do governo federal 
por vinte anos, jogou por terra qual-
quer possibilidade de efetivação do 
atual PNE, uma vez que as despesas 
com educação, assim como com as de-
mais políticas sociais, não terão ne-
nhum crescimento real, podendo in-
clusive sofrer redução. Além disso, 
estimulados pelo governo federal, es-
tados e municípios estão colocando 
em prática suas versões locais da EC 
95, particularmente porque a aderên-
cia a suas normas draconianas é con-
dição para a rolagem de suas dívidas 
junto à União. Essas medidas acabam 
com a vigência do artigo 212 da Cons-
tituição Federal, que estabelece a vin-
culação de uma parcela da receita de 
impostos para a manutenção e o de-
senvolvimento do ensino. Somente a 
ditadura de Getúlio Vargas e a militar 
fizeram o mesmo.
Para os milhões de pessoas jovens 
e adultas que têm o direito constitu-
cional à educação pública de qualida-
de e veem seu futuro negado não há 
outra saída que não passe pela revoga-
ção da EC 95 e pela luta contra a reces-
são econômica. Luta que é também da 
população brasileira que atuou pela 
aprovação do PNE 2014-2024 e agora 
vê esse projeto de mudança sustentá-
vel da educação ser destruído por um 
governo que não tem legitimidade e 
está comprometido com as forças 
mais retrógradas do país. Mas 2018 es-
tá só no começo. 
*José Marcelino de Rezende Pinto é pro-
fessor da Faculdade de Filosofia, Ciências e 
Letras de Ribeirão Preto da Universidade de 
São Paulo (USP) e vice-diretor da Campanha 
Latino-Americana pelo Direito à Educação 
(Clade) Brasil.
Fonte: Autor, com base em dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Deflator IPCA.
TABELA 1. EVOLUÇÃO DOS VALORES DOS RECURSOS DO FIES (R$ BI CORRENTES)
Fonte: Diagnóstico Fies. Ministério da Fazenda, jun. 2017.
Fonte: Autor, com base nos dados consolidados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Fies (R$ bi correntes) 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Despesas financeiras 1,8 4,5 7,6 13,7 14 19,3
Aportes ao FGEDUC 0 0,1 0 1,3 0,5 0,6
Despesas administrativas 0,05 0,2 0,1 0,07 0,7 1
Subsídio implícito 0 0,5 0,6 1,8 6,7 11,4
Custo Total 1,9 5,3 8,3 16,9 21,9 32,3
10 Le Monde Diplomatique Brasil FEVEREIRO 2018
Costa do Sauípe, dezembro de 2008: à época, oito dos dez presidentes sul-americanos eram de esquerda: Rafael Correa, 
Hugo Chávez, Cristina Kirchner, Evo Morales, Luiz Inácio Lula da Silva, Michelle Bachelet, Fernando Lugo e Tabaré Vázquez
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OS DESAFIOS ESTRATÉGICOS DA ESQUERDA LATINO-AMERICANA
Governar sob bombas... midiáticas
A ruptura com seu sucessor e antigo colaborador Lenín Moreno fez Rafael Correa, presidente equatoriano entre 
2007 e 2017, retomar o combate. Para além desse enfrentamento singular, ele testemunha conquistas e refluxos da esquerda 
latino-americana, e revela até que ponto a grande mídia se tornou uma arma a serviço dos partidos conservadores
POR RAFAEL CORREA*
D
epois da longa noite neoliberal 
dos anos 1990 e a partir da elei-
ção de Hugo Chávez na Vene-
zuela em 1998, os bastiões da 
direita latino-americana ruíram como 
um castelo de cartas. No apogeu do fe-
nômeno, em 2009, oito de dez países 
da América do Sul eram governados 
pela esquerda. Sem mencionar El Sal-
vador, Nicarágua, Honduras, Repúbli-
ca Dominicana e Guatemala. Neste úl-
timo, assim como no Paraguai, era a 
primeira vez que líderes progressistas 
chegavam ao poder.
Os primeirosanos do século XXI 
foram marcados por grandes avanços 
econômicos, sociais e políticos, em 
um contexto de soberania, dignidade 
e autonomia geopolítica. Essas con-
quistas foram facilitadas pela alta dos 
preços das matérias-primas, mas ain-
da é necessário que essas riquezas se-
jam investidas no “bem viver” de nos-
sos povos (ler reportagem na pág. 12).1
A América, assim, não conheceu 
uma época de mudança, mas uma 
mudança de época. Para os poderes de 
outrora e para os Estados hegemôni-
cos, tornou-se urgente acabar com as 
dinâmicas que anunciavam a segunda 
etapa: a da independência regional.
Se excluirmos o golpe de Estado 
(frustrado) contra Chávez em 2002, as 
tentativas de desestabilização come-
çam no fim dos anos 2000: Bolívia 
(2008), Honduras (2009), Equador 
(2010) e Paraguai (2012).2 A partir de 
2014, essas forças antes dispersas se 
aproveitaram da reviravolta do ciclo 
econômico para operar uma restaura-
ção conservadora com apoio interna-
cional, financiamento estrangeiro etc. 
A reação não conhece limites nem es-
crúpulos: hoje, toma a forma de sufo-
camento econômico na Venezuela, 
golpe de Estado parlamentar no Brasil 
e ainda judicialização da política, com 
as ameaças contra os ex-presidentes 
Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Fer-
nández de Kirchner (Argentina), mas 
igualmente contra o vice-presidente 
Jorge Glas, no Equador.3 De modo que 
agora restam apenas três governos 
progressistas na América do Sul: na Ve-
nezuela, na Bolívia e no Uruguai.
A estratégia reacionária repousa 
sobre dois argumentos: o modelo eco-
nômico da esquerda teria fracassado; 
os governos progressistas teriam de-
monstrado sua falta de moral.
Desde o fim de 2014, a região em 
seu conjunto sofre o contragolpe de 
um contexto econômico internacio-
nal desfavorável. Apesar da recessão, 
as dificuldades específicas do Brasil e 
da Venezuela ilustrariam a falência 
do socialismo. Mas o Uruguai, go-
vernado pela esquerda, não é o país 
mais desenvolvido ao sul do Rio Bra-
vo? E a Bolívia não figura entre os 
melhores indicadores macroeconô-
micos do planeta?
O Equador, de seu lado, enfrentou o 
que chamamos de “a tempestade per-
feita”: a queda de nossas exportações 
foi agravada por uma forte valorização 
do dólar, moeda que utilizamos desde 
2000. Os choques externos que nos de-
sestabilizaram em 2015-2016 não tive-
ram precedente na história contempo-
rânea do país. Pela primeira vez em 
trinta anos experimentamos queda 
das exportações por dois anos conse-
cutivos, perda equivalente a 10% de 
nossa produção anual. Em 2016, o valor 
de nossas exportações alcançou ape-
nas 64% do montante registrado dois 
anos antes. No primeiro trimestre des-
se mesmo ano, o preço do barril de pe-
tróleo equatoriano baixou para US$ 20, 
cifra que não permite cobrir os custos 
de produção. Ao mesmo tempo, o dólar 
passou de 0,734 euro para 0,948 euro 
entre janeiro de 2014 e dezembro de 
2016, um salto de 30%, enquanto a 
moeda de nossos vizinhos colombia-
nos se depreciava em mais de 70%, tor-
nando suas exportações mais compe-
titivas. Manchete: o fluxo de capital se 
inverteu entre o Estado e as empresas 
públicas petroleiras; o governo preci-
sou investir US$ 1,6 bilhão nessas em-
presas para salvá-las da falência. Sem 
contar os litígios perdidos diante dos 
tribunais de arbitragem que nos obri-
garam a pagar mais de 1% do PIB às 
empresas Oxy e Chevron.4
E para coroar, em 16 de abril de 
2016, a zona costeira sofreu um terre-
moto de quase 8 pontos na escala 
Richter, com centenas de vítimas. A 
catástrofe e suas 4 mil réplicas provo-
caram uma queda de 0,7% no cresci-
mento e acarretaram perdas equiva-
lentes a 3% do PIB. Por essas razões 
passamos de um crescimento vigoro-
so de 4% em 2014 a somente 0,2% em 
2015, e tivemos um recuo de 1,5% em 
2016. Contudo, apesar de dificuldades 
tão severas e da ausência de uma moe-
da nacional, superamos a recessão em 
tempo recorde, com custos reduzidos: 
não houve recrudescimento da pobre-
za nem aumento das desigualdades – 
proeza inédita na América Latina.
No Equador, as políticas heterodo-
xas demonstraram, assim, sua eficácia 
tanto em período de expansão quanto 
de recessão. Entre 2007 e 2017, a eco-
nomia do país mais que dobrou, gra-
ças a um crescimento superior ao da 
região. Os menos favorecidos tiveram 
o maior aumento da renda da história 
do país, e 2 milhões de pessoas saíram 
da linha de pobreza.
11FEVEREIRO 2018 Le Monde Diplomatique Brasil
UM FILME DE
OLIVIER PEYON
ESTRELANDO
ISABELLE CARRÉ 
RAMZY BEDIA 
MARÍA DUPLÁA
“Um dilema moral ilmado com sutileza. 
Uma interpretação sensível e delicada dos atores.”
Studio Ciné Live
“Uma viagem existencial tratada com uma 
encenação suave, iluminada 
pela luz da América Latina.”
Télérama
8 DE FEVEREIRO 
NOS CINEMAS
VIRGINIA MÉNDEZ 
DYLAN CORTES 
LUCAS BARREIRO
DISTRIBUIÇÃO APOIO
O PRETEXTO DA CORRUPÇÃO
Essas análises econômicas, porém, 
contam pouco para a população. As 
pessoas percebem principalmente 
que, nos últimos anos, seus negócios 
não vão tão bem, seus filhos têm difi-
culdade de encontrar trabalho e os sa-
lários não aumentam no mesmo ritmo 
do custo de vida – sentimento do qual 
se aproveita a mídia, que prefere a ma-
nipulação à informação. Uma parte 
dos meios de comunicação apresenta 
essa recessão continental como o re-
sultado de nossas opções políticas, e 
não como um fenômeno ligado às pró-
prias estruturas de nossa economia. 
Outras sugerem, ao contrário, que po-
deríamos ter empreendido transfor-
mações mais profundas e que dessa 
forma não teríamos assinado nossa 
própria condenação. Enquanto repro-
vam os governos de direita por não te-
rem feito nada, fustigam-nos por não 
termos feito tudo.
O segundo eixo da crítica aos go-
vernos progressistas se dá no plano 
moral. O tema da corrupção fornece a 
ferramenta eficaz para fragilizar os 
processos nacionais populares. Evi-
dentemente, o Brasil5 aparece como 
exemplo, mas um fenômeno similar se 
observa atualmente no Equador.
Tudo começa por uma acusação 
mais espetaculosa que fundamenta-
da. Depois aparecem os bombardeios 
midiáticos, que privam a vítima esco-
lhida de seus apoios políticos. A culpa-
bilidade presumida do dirigente per-
seguido passa então para segundo 
plano entre os juízes, suscetíveis à 
pressão da direita e da mídia: não se 
trata mais de, para eles, condenar com 
base em provas que eles teriam identi-
ficado, e sim de identificar provas que 
possam condená-lo.
Quem pode se opor à luta contra a 
corrupção? Esse combate é uma de 
nossas primeiras vitórias no Equador: 
ao longo dos dez últimos anos, erradi-
camos a corrupção institucionalizada 
que havíamos herdado. Mas, para a di-
reita, a “luta contra a corrupção” re-
presenta hábitos novos de uma mesma 
preocupação: seja contra o narcotráfi-
co nos anos 1990, seja no caso da guer-
ra contra o comunismo nos anos 1970, 
trata-se sempre de, na realidade, orga-
nizar uma ofensiva política.
Falam em ausência de regulação, 
permissividade, corrupção sistemáti-
ca. Mas que controles autorizam con-
tas secretas em paraísos fiscais, por 
exemplo? No Equador, os controles são 
estritos: é preciso declarar a origem de 
qualquer depósito superior a US$ 10 
mil – obrigação que os paraísos fiscais 
não impõem... O Equador é o primeiro 
país do mundo a instaurar uma lei 
proibindo funcionários públicos de es-
tabelecer qualquer tipo de interação 
privada com os paraísos fiscais.
Para a imprensa, não há dúvida: a 
corrupção nasce no coração do Esta-
do, do sistema público. Mas a realida-
de mostra que ela provém em grande 
medida do setor privado, como de-
monstra o escândalo da Odebrecht6 e 
este fato: há até pouco tempo, as em-
presas alemãs tinham isenção fiscal 
sobre osdepósitos ilícitos destinados 
ao nosso país.
Sem dúvida, a esquerda também 
sofre o contragolpe paradoxal de suas 
conquistas. Segundo a Comissão Eco-
nômica das Nações Unidas para a 
América Latina e o Caribe (Cepalc), 
cerca de 94 milhões de pessoas saíram 
da pobreza para integrar a classe mé-
dia durante a última década, em gran-
de parte graças às políticas dos gover-
nos de esquerda.
Contudo, entre os 37,5 milhões de 
pessoas que o Partido dos Trabalhado-
res (PT) tirou da pobreza, poucos se 
mobilizaram para apoiar a presidenta 
Dilma Rousseff quando esta estava 
ameaçada de destituição. É possível 
conhecer a prosperidade objetiva e 
ainda assim se sentir em um estado de 
pobreza subjetivo: apesar das melho-
rias no nível de vida, as pessoas conti-
nuam se sentindo pobres, não em rela-
ção ao que possuem (ou em relação ao 
que possuíam antes), mas em relação 
ao que aspiram.
Não raro, as exigências da nova 
classe média se revelam não apenas 
distintas das dos pobres: muitas vezes 
são antagônicas, alimentadas pelo 
canto da sereia da direita, pelos meios 
de comunicação e por estilos de vida 
imaginados em Nova York. A esquerda 
sempre lutou contra a corrente, pelo 
menos no mundo ocidental. Lutara 
ela contra a natureza humana?
O problema se complica se tam-
bém forem levados em conta os esfor-
ços da direita para forjar uma cultura 
hegemônica – no sentido gramsciano 
–, de modo que os desejos da maioria 
servem aos interesses da direita. Um 
exemplo dramático: a rejeição da lei 
sobre sucessão e herança que tenta-
mos instaurar no Equador. Enquanto 
apenas três em cada mil equatorianos 
recebem herança e a incidência do no-
vo imposto se daria apenas pelos mon-
tantes mais importantes (menos de 
0,5% das sucessões, ou 172 pessoas por 
ano, em uma população de 16 mi-
1 No campo da saúde, por exemplo, as despesas do 
Estado equatoriano passaram de 0,6% do PIB em 
2000 para 7,5% em 2013. (Todas as notas são da 
redação.)
2 Ler Maurice Lemoine, “América Latina: ‘golpes 
light’ e desestabilização moderna”, Le Monde Di-
plomatique Brasil, ago. 2014.
3 Vice-presidente de Rafael Correa a partir de 2013, 
Jorge Glas ocupou as mesmas funções sob a pre-
sidência de Lenín Moreno, eleito em abril de 2017 
com o apoio do chefe de Estado que deixava o po-
der. Glas foi parar em 2 de outubro de 2017 no 
âmbito de uma investigação ligada ao escândalo 
de corrupção implicando a empresa Odebrecht. 
Os apoiadores de Correa analisaram o episódio 
como uma ilustração do conflito político que opu-
nha o ex-presidente a seu sucessor, o primeiro acu-
sando o segundo de romper com a herança que 
ele havia se comprometido a defender.
4 Ler Hernando Calvo Ospina, “A Chevron polui, 
mas não quer pagar suas multas no Equador”, Le 
Monde Diplomatique Brasil, mar. 2014.
5 Ler Laurent Delcourt, “Movimento contra a corrup-
ção ou golpe de Estado disfarçado?”, Le Monde 
Diplomatique Brasil, maio 2016.
6 Ler Anne Vigna, “As ramificações do escândalo 
Odebrecht”, Le Monde Diplomatique Brasil, set. 
2017.
lhões), muitos pobres e grande parte 
da classe média se manifestaram con-
tra um dispositivo do qual eles pode-
riam se beneficiar.
Nossas democracias deveriam ser 
rebatizadas como “democracias mi-
diatizadas”. A imprensa às vezes de-
sempenha um papel mais importante 
que os partidos políticos durante os 
processos eleitorais: convertida em 
principal força de oposição enquanto 
a esquerda governa, ela encarna o po-
der dos conservadores e do setor priva-
do. A imprensa transformou o estado 
de direito em estado de opinião.
PODEROSOS INIMIGOS
A esquerda também enfrentou o 
esgotamento do exercício de poder, 
mesmo que sua passagem tenha sido 
coroada de sucessos. Nenhum gover-
no pode satisfazer a todos, ainda mais 
quando a dívida social é tão aguda co-
mo no caso do Equador. Recuperar a 
voz dos mais humildes, dar oportuni-
dades aos mais pobres, direitos aos 
trabalhadores, dignidade aos campo-
neses, tirar poder dos bancos, da mí-
dia e dos velhos partidos: tudo isso 
nos custou poderosos inimigos, que 
nos acusaram de “polarizar” o país. 
Eles esquecem que alcançar metade 
do que realizamos teria causado uma 
guerra civil há algumas décadas.
A esquerda que se contenta em re-
presentar uma pequena minoria dos 
eleitores ignora o que implica gover-
nar: responder às tempestades eco-
nômicas, submeter-se às traições dos 
que sucumbem à tentação do poder 
ou do capital etc. Não há dúvida de 
que um revolucionário não tem o di-
reito de perder a batalha moral. Um 
governo honesto não é aquele que 
desconhece casos de corrupção, e 
sim aquele que luta para erradicá-la. 
Parte dos militantes sofre ao não per-
ceber essa diferença e se deixa afetar 
pela desmoralização que satisfaz os 
adversários.
É preciso sempre demonstrar au-
tocrítica. Mas também precisamos 
ter confiança em nós mesmos. Os go-
vernos progressistas sofrem ataques 
constantes das elites e dos meios de 
comunicação, que se baseiam no me-
nor dos equívocos para nos enfra-
quecer. Por essa razão, o principal 
“desafio estratégico” da esquerda la-
tino-americana consiste talvez em se 
lembrar das contradições e dos erros 
que fazem parte do processo político: 
eles não podem conseguir que baixe-
mos a guarda. 
*Rafael Correa é ex-presidente da Repúbli-
ca do Equador (2007-2017).
Não se trata mais 
de condenar com base 
em provas que eles 
teriam identificado, 
e sim de identificar 
provas que possam 
condená-lo
A imprensa 
às vezes desempenha 
um papel mais 
importante que 
os partidos políticos 
durante os processos 
eleitorais
12 Le Monde Diplomatique Brasil FEVEREIRO 2018
“
CONQUISTAS E REFLUXOS
No Equador, a difícil construção 
de um serviço público de saúde
Nos últimos dez anos, o governo equatoriano vem tentando restaurar o poder do Estado, em particular para garantir a todos 
os cidadãos acesso aos cuidados médicos – uma empreitada bastante auspiciosa, mas por vezes um tanto quanto inábil
POR LOÏC RAMIREZ*, ENVIADO ESPECIAL
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S
igchos nos dá boas-vindas”, ex-
clama o doutor César Molina 
apontando o dedo para o pico 
nevado que se revela ao longe 
sob a luz do sol. A subida demoraria 
uma hora, entre montanhas e encos-
tas, até nosso veículo chegar ao hospi-
tal tinindo de novo. Desde sua abertu-
ra, em janeiro de 2017, cerca de cem 
pessoas estão trabalhando nesse esta-
belecimento de arquitetura sóbria, 
minimalista, moderna. Na fachada, fi-
gura o símbolo nacional instaurado 
pelo governo do ex-presidente Rafael 
Correa (2007-2017): um círculo cromá-
tico, ou a “marca do país”.
“Antes da eleição de Rafael Correa, 
mais de um terço do orçamento nacio-
nal era destinado diretamente a ONGs”, 
contava Carlos Jativa em 2010, quando 
ocupava o cargo de embaixador do 
Equador em Paris. O presidente e seu 
movimento político, Alianza País, pro-
metiam uma virada de 180° e o restabe-
lecimento do papel “fundamental” do 
Estado. As obras não faltaram, mas pa-
recia um jogo de pega-varetas: quando 
se manipulavam algumas peças, ou-
tras podiam colapsar. Por exemplo, no 
campo da saúde.
“Durante os trinta anos que prece-
deram a eleição de Correa, nenhum 
hospital público foi construído”, ressal-
ta Maria Verónica Espinosa, ministra da 
Saúde. “Isso ilustra a importância que 
era dada à saúde pública neste país”, 
completa. A Constituição de 2008 mar-
ca uma ruptura: o texto afirma a res-
ponsabilidade do Estado de assegurar o 
acesso gratuito a cuidados e medica-
mentos. E, quando se fala em dever, 
também se fala em recursos: entre 
2008 e 2016, o governo investiu mais de 
US$ 15 bilhões (a moeda utilizada no 
país desde 2000), multiplicando por 
cinco a média anual de gastos de saúde 
no período de

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