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Os dois lados da moeda A historia de um Ex diabetico

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ARTE DE CAPA
Daniela Jacinto
Copyright© Roni Anderson Schiochet
6052/1 – 1000 – 108 – 2012
Índices para catálogo sistemático:
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
O conteúdo desta obra é de responsabilidade do(s) Autor(es),
proprietário(s) do Direito Autoral.
Scortecci Editora
Caixa Postal 11481 - São Paulo - SP - CEP 05422-970
Telefax: (11) 3032-1179 e (11) 3032-6501
www.scortecci.com.br
editora@scortecci.com.br
Livraria e Loja Virtual Asabeça
www.asabeca.com.br
GRUPO EDITORIAL SCORTECCI
Schiochet, Roni Anderson
 Os dois lados da moeda : a história de um
ex-diabético / Roni Anderson Schiochet. - - São Paulo :
Scortecci, 2012.
ISBN 978-85-366-2588-1
 1. Diabéticos - Memórias autobiográficas
2. Schiochet, Roni Anderson I. Título.
12-05829 CDD-920
1. História de um ex-diabético : Memórias 920
5
Dedicatória
Dedico este livro a quatro pessoas que não estão mais pre-
sentes em minha vida, mas que tinham o dom, que me inspirou,
para escrever este livro e seguir a vida.
Meu avô, Esthefânio, que com sua simplicidade, me inspira
até os dias de hoje.
Meu tio, Orlando, que me mostrou em sua humildade, que
não precisava falar mal, de ninguém para viver feliz; seu sorriso
era um presente quando eu estava por perto.
Meu pai que, com seu amor á família, me ensinou a ser ho-
mem e ensinou que a vida não seria um mar de rosas; sua inteli-
gência me consome; foi quem me deu coragem para terminar
essa obra.
Por último, dedico ao meu avô, José, que na sua fé sempre
me dizia que eu iria me curar do diabetes.
Atualmente, isso é uma realidade que ele não viu.
Dentre essas quatro pessoas queridas, apenas meu pai acom-
panhou, por dois anos, a minha felicidade de não usar mais
insulina.
Hoje, aprendi a viver na simplicidade, na humildade, inteli-
gência. Aprendi a não desistir jamais. Isso faz o homem que sou...
Sou grato a essas quatro vidas que existiram em minha vida.
6
Não importa onde você parou...
Em que momento da vida você cansou...
O que importa é que sempre é possível e necessário recomeçar.
Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo...
É renovar as esperanças na
vida, e o mais importante...
Acreditar em você de novo.
Sofreu muito neste período?
Foi aprendizado...
Chorou muito?
Foi limpeza da alma...
Ficou com raiva das pessoas?
Foi para perdoá-las um dia...
Sentiu-se só por diversas vezes?
É porque fechaste a portas até para os anjos....
Acreditou que tudo estava perdido?
Era o início da tua melhora...
Onde você quer chegar?
Ir alto? Sonhe alto...
Queira o melhor do melhor...
Se pensamos pequeno...
Coisas pequenas teremos...
Mas se desejarmos fortemente o melhor e principalmente lutarmos pelo melhor...
O melhor vai se instalar em nossa vida.
Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.
Carlos Drummond de Andrade
7
Introdução
A ideia de escrever este livro tem mais ou menos seis anos.
Sempre pensei em escrever sobre a minha vida.
Muitas vezes, encontrava com um amigo, parente, ou até
mesmo conhecido, que já conhecia minha história; alguns sempre
diziam: “tem história para fazer um livro hein?” Mas nunca levei a
sério, pois sempre pensei que todos tem uma história, seja sobre
qual tema for, sempre há uma história; de superação, um roman-
ce, sobre uma guerra, e assim por diante.
E a minha história se tornou mais forte de ser contada em
um livro depois da realização do meu transplante: o antes, o du-
rante e o depois da hemodiálise até os dias de hoje.
O nome do livro não foi difícil escolher; vem de dois aconte-
cimentos: o principal, não muito bom, o de ser diabético e ter que
vencer a doença por meio do transplante de pâncreas; o outro
acontecimento, foi o de me decidir se tornar técnico de enferma-
gem, trabalho pelo qual muitas vezes fui cuidado quando enfer-
mo. No entanto, hoje, trabalho na enfermagem para cuidar, como
alguém que sabe o que é estar do outro lado.
 Neste livro, a finalidade principal é de ajudar, seja de que
maneira for, alguém que está na mesma situação em que eu estive,
e não sabe por onde e nem como começar, e se vale a pena ou
não tentar. E tomara que ajude também as pessoas que talvez não
estejam passando pelo mesmo problema, mas que precisem ouvir
algo de superação para motivar-se.
 Sempre penso comigo que, muitas vezes, sabemos o que
tem que ser feito, sabemos os métodos para realizar tal feito, mas
não temos motivação, outros acham que não há mais esperança
8
Roni Anderson Schiochet
nenhuma, como eu também por alguns instantes pensei, mas se
olharmos bem ao nosso redor, veremos que estamos cheio de
esperança, e sempre temos um fio dela para nos dar força e
superarmos.
 No livro, também comento muitas atitudes que hoje me
fazem refletir mais. Fui um diabético revoltado, adquiri o diabetes
em 1984, quando a única coisa que existia diet era um famoso
refrigerante e um chicletes. Então, a revolta já começou desde
pequeno: imagina uma criança ir a uma festa de aniversário e ter
que entender que tudo, mas tudo, que estava ali não podia comer.
 É, há muita história para contar e espero que aproveitem,
espero que todos gostem do trabalho; a cada capítulo uma histó-
ria, da qual hoje foi superada, e com cada uma dessas histórias, a
vida me ensinou a ser o que sou hoje.
9
I
 A infância e a família
Eu me chamo Roni Anderson Schiochet, hoje tenho 33 anos.
Tudo começa no ano de 1978. Nascido de uma família humilde e
tradicional, baseada na fé católica, sou o filho mais velho, tendo
mais dois irmãos, somos três irmãos com diferenças de quatro
anos de idade para cada um.
Nasci na cidade de Joinville (SC), no bairro Comasa. Primei-
ro filho do casal Pascoal e Izaura, fruto de um ano de casamento,
me recordo poucas coisas vividas na minha primeira casa.
Histórias, em sua maioria, contadas por minha mãe, das quais
ela se recorda até hoje, relatam que fui uma criança esperada e
desejada por todos.
Primeiro filho, primeiro neto, sabemos como são essas coisas.
Quando nos mudamos para outra casa, no mesmo bairro, já
estava grandinho (risos), tinha quatro anos, meu irmão, Rodrigo,
nasceu nesse nosso novo endereço. Recordo mais detalhes da
vida fácil de criança, de que quando a única preocupação era sa-
ber com que iria brincar no dia seguinte.
Foi por morar nessa casa, que passei a frequentar o conheci-
do jardim Bakhita, no mesmo bairro; novos amigos, responsabili-
dades e novos medos passaram a existir.
Eu e o meu irmão brincávamos muito, me recordo como se
fosse hoje; eu tinha uma bicicleta, na qual carregava ele pra cima e
pra baixo.
10
Roni Anderson Schiochet
Jamais fomos ricos, mas nunca nos faltou nada, meu pai e
minha mãe sempre nos davam tudo; se hoje sou o que sou, devo
tudo a educação que tive desde pequeno.
Meu pai sempre foi um homem sério, de poucas palavras,
educação rígida, mas de um amor para com a família inigualável.
Minha mãe era mais maleável, passávamos mais tempo jun-
tos, pois meu pai trabalhava durante todo o dia e nos víamos
apenas à noite e aos finais de semana.
Os pais de minha mãe moravam – e ainda moram – no
norte do Paraná, então, nas férias, a viagem estava sempre garan-
tida. Era só festa com primos e amigos que lá já tínhamos.
Gostávamos muito de ir para Cianorte (PR), onde meu avô
tinha sítio, então imagina quanta folia nós fazíamos. Havia eu,
meu irmão, minha irmã, três primos e uma prima, mais a gurizada
da vizinhança, então pensa na bagunça que era.
Passávamos praticamente os trinta dias das férias do meu
pai por lá, vínhamos embora um dia antes dele voltar para traba-
lhar, onde em casa a bagunça também não cessava. Foi uma in-
fância muito boa, fui uma criança muito feliz, tinha tudo e todos
por perto, realmente umafamília perfeita, como é até hoje.
11
II
Descoberta do diabetes
Gostava muito de morar naquele lugar, eu e meu irmão nos
divertíamos muito.
Meu pai sempre passeava com a gente; na casa da família,
entre os amigos, era muito divertido.
Não me lembro o dia, mas era domingo, no mês de agosto
de 1984, lembro apenas de alguns detalhes: tínhamos saído cedo,
voltávamos de algum lugar, paramos num conhecido do meu pai,
ele tinha uma lanchonete, ali mesmo, no Boa Vista, gostava de lá,
pois tinha muita coisa boa, e me lembro muito bem que naquela
manhã, comi alguns chocolates, tinha uma paçoca muito boa e
tomei choco leite.
São lembranças que não me saem da cabeça.
Voltamos pra casa, eu e meu pai, era próximo ao meio-dia,
se almocei, não lembro, mas lembro que não estava me sentindo
bem, estava muito fraco e tinha muita sede, um estado diferente
para uma criança que esta sempre ativa e pulando. Não sei por
quanto tempo esse mal estar se prolongou, pois só sei que a mi-
nha mãe telefonou para o meu pediatra, dr. Mauro, que morava
alguns metros da nossa casa e explicou tudo o que estava aconte-
cendo comigo.
Ele veio até minha casa e me levou junto com meu pai e
minha mãe, direto para o hospital São José.
Exame vai, exame vem, alguns familiares também acompa-
nhavam toda a situação, pois todos estavam apreensivos, pois
tinha entrado pelas portas do hospital muito mal.
12
Roni Anderson Schiochet
Nas preliminares, o médico tinha duas hipóteses: “ou ele
tem meningite, ou é diabetes!” Assim, minha mãe e meu pai rece-
beram o provável diagnóstico, enquanto exames continuavam
sendo feitos.
Depois de algum tempo, a notícia:
– Roni está com diabetes, tipo I, insulinodependente.
Nessa época, se ouvia muito pouco falar de diabetes, acha-
va-se então que seria coisa passageira, tratava no hospital e ia
embora melhor...
É isso mesmo, só não se sabia que isso não tinha cura, e o
tratamento era no dia a dia, com o uso da insulina.
Um resultado de glicemia (exame realizado para saber o nível
de açúcar no sangue) que havia sido feito quando dei entrada no
hospital tinha dado o resultado de 712 mg/dL, daí o diagnóstico
de diabetes.
Lembro-me muito pouco de tudo que acontecera naquele
dia, lembro de alguns detalhes, de que quando acordei me sentin-
do um pouco melhor, tinha em volta alguns familiares.
Nesse momento, o pediatra, que até então sempre tinha
cuidado de mim, solicitou a presença de um endocrinologista, e
nos foi apresentado o dr. Danilo Alvarenga de Carvalho, pois de
agora em diante, precisava de cuidados específicos, e o endócrino
era a especialidade recomendada.
Dr. Danilo, desde aquele momento no hospital, até hoje, é
além de médico, um amigo, e como um bom amigo, sentou-se ao
lado de meu pai e minha mãe e disse:
– Prepare-se, a partir de agora, a senhora vai aprender a ser
enfermeira!
Eu fiquei quase um mês no hospital, onde minha mãe e meu
pai aprenderam muita coisa sobre o que é diabetes, como é o trata-
mento, os cuidados, as complicações, os sintomas – que variavam
13
Os dois lados da moeda
entre baixo e alto (hipoglicemias e hiperglicemias). Minha mãe
sabia que, era ela que estaria em casa o tempo todo, já que meu
pai trabalhava o dia inteiro, ela é que teria que fazer a maioria dos
procedimentos que todos os dias eram feitos no hospital.
Atualmente, eu entendo como a medicina, as medicações e
os procedimentos são mais modernos. Hoje, tudo é descartável,
tudo que existe de alimento normal, há também para diabético,
ao contrário de 28 anos atrás.
Passei esse tempo todo no hospital, ajustando doses de in-
sulina, para ir pra casa com uma dose adequada, para não haver
tantos problemas. Mas o que ninguém poderia imaginar é que o
problema estava só começando.
Não me recordo de nada daquele mês internado, mas hoje
posso imaginar a barra que meu pai e minha mãe passaram com
tantas informações novas. Uma criança com diabetes não é as-
sim tão fácil para se lidar. Numa época em que nem sequer notíci-
as do que era diabetes existia, aprender muita coisa em um curto
espaço de tempo não era tarefa fácil.
No dia 7 de setembro de 1984, data histórica para o Brasil,
justamente nessa data, foi que eu tive alta do hospital.
Eu e meu pai estávamos no carro. Naquela época, o desfile
de 7 de setembro passava pela avenida Getúlio Vargas, bem na
saída do hospital, então tivemos que esperar o desfile passar para
podermos ir embora.
Foi aí que a ficha deles cairam, enfrentar a situação que até
então eles viram no hospital, em relação a exames, procedimen-
tos, cuidados sobre diabetes, agora era responsabilidade deles.
branca
15
III
As intercorrências
Seria bem mais fácil se tudo fosse gravado, pois só quem
vivenciou essa fase de chegar em casa depois de ter passado qua-
se um mês no hospital, estar feliz de ver o filho em casa, e ao
mesmo tempo, estar sem chão, sabendo que a vida vai tomar
rumos totalmente diferentes.
Desse instante pra frente, Pascoal e Izaura teriam um filho
de seis anos de idade, faltando pouco mais de um mês para com-
pletar sete anos, que tudo que ele olhasse, que fosse de comer, lhe
faria mal.
Recomendações, papéis, orientações, telefone de médico para
contato, em caso de dúvidas, nada disso ajuda nessa hora. Na
vida real, sempre é mais cruel, “se correr o bicho pega, e se ficar o
bicho come”, acho que foi assim que meus pais se sentiram de-
pois daquela alta, pois havia agora dois Roni; o antes de 7 de
setembro de 1984, e o depois dessa data, o Roni ainda criança e
precisando de ajuda.
Isso que eu chamo de um casal muito bem estruturado, fir-
mes em um objetivo, pois esse problema os abalou, mas não dei-
xaram-se vencer.
Havia uma dieta rigorosa a ser seguida, pois naquela época,
não havia produtos para substituir os que eu não podia consumir,
e a única solução para um bom controle do diabetes era exata-
mente cortar muita coisa no cardápio.
Recordo de uma situação vivida, que ao sentar para almoçar,
mesa posta, comi apenas a porção que me cabia para aquele
16
Roni Anderson Schiochet
momento, após isso, disse aos meus pais que iria ao banheiro. E
depois de um tempo, demorando mais que o normal, eles foram
atrás e me pegaram chorando. E ao perguntarem o que estava
acontecendo, eu disse:
– Eu estou com fome!
Então, esses são os momentos que hoje eu lembro e que me
fazem valorizar poucas coisas, muitos detalhes; talvez este livro
não passe a você o que realmente aconteceu no dia. Embora
tenham sido acontecimentos pequenos, eles foram marcantes.
Lembro-me que quando eu comecei a aplicar insulina sozi-
nho; eu ia pro banheiro e jogava a insulina da seringa fora e não
aplicava. Acontecia que eu ficava muito ruim, ia para o hospital,
acabava aumentando a dose da insulina, pois o médico achava
que era insuficiente (a dose era certa, se fosse aplicada), ia pra casa
um pouco cansado e ruim, com a dose mais alta, a mãe aplicava
insulina, agora em dose maior, aí passava mal novamente, pois a
dose antiga era a certa, pelo fato de eu jogar insulina fora, criava
toda aquela situação. Acontecia de muitas vezes ir pro hospital
ruim novamente.
Esses são acontecimentos, detalhes que hoje a gente lembra
e dá risada, foi barra pesada na época. Era um diabético que não
aceitava de jeito nenhum o problema, ou melhor, não sabia a
gravidade que isso mais tarde se teria.
No ano de 1984, foi minha formatura no jardim Bakhita, ia
para a 1ª série no ano seguinte, imagino que você possa estar
dizendo: “mas isso toda criança faz!?”, mas para minha mãe e
meu pai havia uma preocupação a mais, agora teria toda essa
experiência de escola, amizades, compromissos e pequenas res-
ponsabilidades, acrescidos de uma criança que, a partir daquele
momento, precisava carregar uma seringa de vidro, esterilizada,
17
Os dois lados da moeda
para poder ser aplicada injeçõesde insulina. Como seria? Quem
faria? E os amiguinhos, o que falariam? Para cada situação que
toda criança normal passava, sempre se acrescentavam esses
detalhes.
Na época, muito pouco se ouvia sobre diabetes juvenil ou
diabetes melito tipo I, e meus pais não conheciam ninguém para
pelo menos trocarem ideia e serem orientados. O meu dia a dia
era a experiência que eles tinham; um diabético, em que o emocio-
nal abalado fazia com que a glicemia atingisse o pico máximo, e
um tempo mais tarde, taxas baixas. E nesse sobe e desce de
glicemias, o meu mal-estar, às vezes, era confundido com pregui-
ça, sono ou algum outro problema.
Meu irmão pequeno, com diferença de quatro anos, gostava
muito de comer pão com leite moça e sempre pedia pra mãe
comprar. O que acontecia: ela comprava, pois não era porque
tinha um diabético em casa que meu irmão também não iria co-
mer, pois estávamos tentando levar uma vida normal, por que o
que eu não podia comer ficava na geladeira, pois meu irmão gos-
tava e podia comer. Pois bem, diga a um diabético que ele não
pode fazer tal coisa, ou comer um doce e você mesmo pode me
responder se isso deu certo! Claro que não, chegava no dia se-
guinte, na hora do café, a lata estava vazia, isso mesmo, apenas
um furo na lata! Acertou! Eu tinha esvaziado a lata e, claro, passa-
va o dia ruim, ajustando doses de insulina.
Nesse intervalo de tempo, nós tínhamos nos mudado de
casa, mas para o mesmo bairro. Moramos um ano na casa dos
meus padrinhos, enquanto eles estavam morando em Blumenau
(SC), onde sempre que era possível, passávamos o final de semana.
Em 1986, viemos morar na rua Vitória, no Boa Vista, tro-
quei de colégio fiz a 3ª série no colégio Castelo Branco, a poucos
metros da casa nova.
18
Roni Anderson Schiochet
Foi um ano muito difícil, muitas intercorrências e internações
fizeram com que eu perdesse o ano letivo e acabasse reprovando.
Foram tempos difíceis, intercorrências vieram e não foi nem
uma vez, nem duas, foram várias.
No ano seguinte, refiz a 3ª série no colégio Heriberto Hulse,
mesmo sendo mais longe, foi melhor, pois todas as professoras e
a diretora já me conheciam e sabiam da diabetes.
A diretora do colégio, na qual tenho contato até hoje, narra
uma história que a emociona cada vez que se lembra, ela diz que
um certo dia, ela entrou na sala de aula, durante o recreio, isso já
na 3ª série, e eu estava com uma seringa aplicando insulina na
barriga e aquilo a chocou de uma forma que ela não esquece até
hoje.
São fatos que vou lembrando e colocando neste livro, para
mostrar que não foi assim tão fácil fazer com que uma criança se
adaptasse a um mundo tão cheio de surpresas.
Não me recordo o ano, mais foi mais ou menos nessa
sequência, descobrimos uma sorveteria que vendia sorvete diet,
que na época era a melhor novidade para um diabético. Fomos
na tal sorveteria, que ficava na avenida Beira Rio, em Joinville.
Nunca senti um sabor tão horrível, era o pior sorvete já provado
por mim, mas meu pai sempre procurava saber onde podia en-
contrar produtos que não me fizessem mal. Frequentamos algu-
mas vezes aquele lugar, onde todos tomavam o mesmo sorvete.
19
IV
Adolescência de um diabético
Logo começaram a fabricar chocolate diet também. Em da-
tas festivas, a família toda comprava pra mim o tal do chocolate
diet, que tinha um gosto muito diferente dos normais, e o que
acabava acontecendo: eu comia o meu chocolate diet, e ainda
comia o chocolate dos meus irmãos, pois o chocolate normal é
que era o melhor.
Em outubro de 1986, nasceu minha irmã, Rubia, e assim
nossa família estava completa: pai, mãe, e dois irmãos.
Viajamos bastante, continuamos aproveitando nossas férias
de colégio e as férias do pai para ir pra Cianorte (PR), onde algu-
mas vezes tive intercorrências por lá, também. A mãe e o pai,
muitas vezes ligavam de lá para o dr. Danilo, para saber o que
fazer, parecia que se ele desse o parecer clínico dele, as coisas se
tornavam mais fáceis.
Os aniversários e as datas festivas eram meus maiores ad-
versários, a cada aniversário na família, a cada fim de ano, páscoa,
era um sofrimento, maiores do que os vividos no dia a dia.
Na 5ª série, foi mais uma nova adaptação; saí do colégio
Heriberto Hulse para estudar na escola Adventista, que tinha no
Boa Vista, um pouco mais longe de casa, e tinha que pegar ôni-
bus para chegar até ela.
Pois bem, alguns dias da semana, eu ia e voltava do colégio
caminhando, porque na frente da escola tinha uma sorveteria,
que trocava passes por sorvetes. Estudei no colégio adventista
20
Roni Anderson Schiochet
até a 7ª série, estudo muito puxado, tínhamos inglês rígido, levado
a sério, como as outras matérias. Lembro que de dez matérias que
havia no ano letivo, passei direto apenas em educação física e
educação religiosa, as outras tive que passar no sufoco, na recupe-
ração. Mas foi bom, das matérias estudadas lá, eu lembro até hoje.
Foi ali que fiz mais amizades, ali começaram a surgir as festi-
nhas de garagem, os passeios, e toda essas novidades somavam-
se aos problemas.
Comecei a ser um diabético revoltado como dizia o dr.
Danilo, muitas vezes tinha vergonha de ser diabético, pois do
colégio todo, eu era o único que carregava uma seringa sempre
comigo, pra qualquer lugar que eu fosse. E nessa idade, sempre há
uns engraçadinhos. Lembro-me de uma ocasião que um garoto,
considerado o bonzão da turma, começou a fazer brincadeira de
mal gosto a respeito de eu ser diabético, e inevitavelmente acon-
teceu uma briga. Não sei como, mas consegui bater no garoto e
acabei adquirindo mais respeito por quem presenciou a briga.
O colégio era bom, mas não gostava do regimento interno,
não se podia usar nada de jóias, pulseiras, anéis, para não haver
competições de quem era melhor ou pior, mas não puniam, as
brincadeiras de mal gosto. Atualmente, deram nome pra isso, é o
tal do bullying. Antigamente ou era na briga, ou se aprendia a escu-
tar por um ouvido e sair por outro. Hoje, qualquer brincadeira de
mau gosto, no colégio, já é motivo de processo, psicóloga etc.
Recordo-me de um dia, que decidimos pular o muro alto do
fundo do colégio para gazear aula, e, na hora que segurei em cima
do mudo, para fazer força e passar para o outro lado, tinha peda-
ços de vidro em cima do muro, e aí a bagunça foi feita. Lembro
que alguém do colégio me levou até o posto de saúde mais próxi-
mo, pois tinha cortado fundo o terceiro dedo da mão esquerda e
21
Os dois lados da moeda
sangrava muito. Recordo-me também que, ao fazer o curativo, o
enfermeiro disse:
– Vou colocar um líquido que vai arder, mas você não pode
assoprar, para não se contaminar!
HUM, a hora que ele colocou aquele líquido roxo, além de
assoprar sem parar, saíam lágrimas dos olhos, parecia que tinha
jogado álcool em cima.
Resumindo: aprontei muito naquele colégio, fiz bastante
amizade, das quais alguns dos amigos, ainda vejo até hoje; eles
sempre falam que eu era de aprontar muito na escola, nas feiras
de ciências, eu era o que levava experiências que explodiam.
Fiquei até a 7ª série no colégio Adventista. Foi uma fase
nova, diferente, foi um dos melhores colégios que eu estudei, lem-
bro-me de muitas lições que lá me foram passadas. Mas como
todo adolescente acha que sempre o que os outros fazem é me-
lhor em relação ao que os pais dizem, resolvi sair do colégio e, no
ano seguinte, acabei indo estudar em outro colégio, no Conselhei-
ro Mafra, no centro.
Espero que alguns dos amigos feitos no colégio Adventista
possam estar lendo meu livro agora, pois foi um tempo muito
bom, hoje só restam as recordações.
Fiz a 8ª série no colégio Conselheiro Mafra, mas em decor-
rência de muitos problemas de saúde, intercorrências e internações
frequentes, perdi o ano letivo.
Foi nessa escola que comecei a tocar algumas festinhas de
garagem como DJ; tinha contatos com uns amigos, quetocavam
profissionalmente, e eu ganhava as fitas cassetes com os hits do
momento. Nas garagens eu fazia a festa. Toda festa que tinha eu
era convidado para tocar.
22
Roni Anderson Schiochet
Cheguei a voltar pra casa a pé, pois não dirigia ainda, e as
festas acabavam um pouco depois do último horário do ônibus,
isso aconteceu umas três vezes naquele ano.
Durante o ano, nós fazíamos diversas arrecadações, para
poder pagar a viagem de final de ano, que seria pra São Paulo.
Havia duas 8ª séries, a nossa era a mais bagunceira, a mais festeira
também, e acabamos arrecadando dinheiro apenas para um ôni-
bus, menos confortável. A outra 8ª série se empenhou o ano todo,
até que final do ano, quando encostou aquele baita ônibus do lado
do nosso, porta no meio, ar-condicionado, televisão, ficamos de
boca aberta.
Mas como pra nos tudo era festa, aquele simples tava bom.
Foram as duas classes para São Paulo, em dois ônibus.
Passearíamos no zoo botânico, num parque conhecido, onde
fizemos a bagunça, capotamos carinho de corrida, que jamais
tinha virado, aprontamos de tudo e, à noite, fomos dormir em
um convento (imagina). No dia seguinte, fomos a um shopping
enorme, onde tinha pista de patinação no gelo e varias atrações
que não existiam em Joinville ainda.
Uma imagem que me faz recordar é num certo momento
dentro do shopping, tive que procurar o ônibus no estacionamen-
to, pois minha insulina tinha ficado na bagagem. Deu trabalho
achar, mas fiz a insulina no ônibus e retornei a pista de patinação
no gelo. Aquilo era muito bom, nem conseguia parar em pé, mas
era o máximo.
Hora de voltar pra Joinville, todo mundo cansado e exausto.
Eu tinha levado um som que tinha ganhado e a música que mais
tocava naquela época era do Jorge Ben Jor, e assim prosseguiu a
viagem.
Os amigos do Conselheiro Mafra, eu praticamente não vejo
mais, foi uma turma muito maluca.
23
Os dois lados da moeda
Nessa época do ano, meu diabetes vinha descompensado
demais, altos e baixos eram frequentes, internações aconteciam
frequentemente. Lembro-me que foi trocada, várias vezes, a mar-
ca de insulina, para ver se eu me adaptava melhor.
Lembro-me de episódios de hipoglicemias e hiperglicemias,
que aconteciam no colégio também, onde eu acabava não me
tornando muito popular, pois sempre me olhavam com outros
olhos, aqueles olhos de pena, que é a pior coisa pra qualquer
pessoa.
No ano seguinte, decidi ir estudar a 8ª série no colégio
Germano Timm, também no centro, gostava de estudar ali. Co-
mecei a andar frequentemente de bicicleta, ia para o serviço, saía-
mos em turma durante final de semana, subia serra, ia até a praia
e sempre ia para o colégio de bicicleta.
Nessa época, como diabético, não tinha problema algum,
apenas o diabetes bem descompensado fazia com que alguns dias
eu ficasse mais cansado do que o normal.
Trabalhei durante um tempo na fábrica de cordas do meu
tio, que ficava no bairro Floresta. Ali comecei a dar valor realmen-
te ao dinheiro, sempre tinha vontade de comprar algo, trabalhar
para ter o próprio dinheiro foi uma decisão sábia.
Sempre tinha meu dinheiro para o final de semana, nunca
me faltou nada; desde cedo, sempre tentei me virar sozinho e isso
foi de grande valia, pois não ficava na barra da saia da mãe, para
poder comprar algo.
Foi um ano difícil também, no que se refere à saúde, e sem-
pre tendo a ver com o diabetes descompensado. Lembro de que
quase no final do ano, eu perdi muitas aulas e estava quase per-
dendo o ano, pois as provas estavam pra começar e eu não tinha
matéria pra estudar, estive internado, um tempo, e depois me
recuperando em casa. Recordo-me de uma verdadeira amiga, que
24
Roni Anderson Schiochet
levava o caderno dela no hospital e em casa, para eu copiar as
matérias, ou às vezes, ela trazia xerocado, para que eu pudesse
estudar e fazer as provas finais. Não fosse essa ajuda, com toda
certeza, teria perdido novamente o ano letivo.
Voltei às aulas, realizei todas as provas e acabei, finalmente,
passando de ano sem recuperação.
Não lembro o motivo, mas não teve formatura de 8ª série,
como era de costume na época.
Dr. Danilo havia indicado um nefrologista que ele confiava
muito. Fiz a consulta com dr. Anderson, em 1996, pois, como
meu diabetes estava muito descompensado, ele achou conveni-
ente realizar alguns exames, relacionado aos rins, pois o diabetes é
traiçoeiro e ataca sem avisar. Estava tudo sob controle, exames
normais, e não retornei mais para me consultar.
Lembro que foi alugado uma casa, na praia da Enseada, sob
responsabilidade de alguns professores e passamos um final de
semana na praia, mas neste fui mais de teimoso, pois estava pas-
sando por uma fase de adaptação de novas medicações, sobe e
desce de glicemias, violentos, mas mesmo assim, acabei indo pra
praia.
Adorava meus finais de ano, pois sempre meu pai alugava
casa na praia, e passávamos as férias toda lá.
Ele trabalhava na Petrobrás, em São Francisco do Sul, prati-
camente na Enseada, então ele alugava casa por lá mesmo, acaba-
va chegando cedo em casa e ainda tinha muito tempo para apro-
veitar o final do dia.
Nessa fase, e nessa idade, eu já fazia ideia de quando estava
com a glicemia alta ou baixa, pois já conhecia meu organismo,
então quando não me sentia muito bem, quando estava muito
indisposto, pra qualquer coisa, até minha mãe já sabia o que era. E
assim, cada vez mais, foi aumentando nossa afinidade até chegar
25
Os dois lados da moeda
o ponto de tudo que eu estava sentindo, ela também sentia, pare-
ce que adivinhava.
No ano seguinte, foi o ano em que todo adolescente, almeija,
completaria, em outubro, 18 anos. Idade essa que já era esperada
por muito tempo. Vinha pagando um consórcio de uma moto há
alguns meses já, e por coincidência ela saiu em outubro, fiz o teste
no DETRAN de Joinville, realizei as provas práticas, e, enfim, em
novembro, estava de carteira de habilitação. Isso tudo ocorreu
em 1996.
Foi um fim de ano e tanto. Mágico. O pai tinha alugado uma
casa em Piçarras, todos de Cianorte iam passar o natal e final de
ano com a gente. Lembro-me como se fosse hoje, fomos com
dois carros, o nosso de casa e ele levou uma camionete da empre-
sa, a moto foi em cima, de Joinville a Piçarras.
Meu tio, Nelson, de Cianorte, tinha um Verona, e lembro
que andava de moto pra baixo e pra cima, e também de Verona!
Tudo era motivo para sair de moto ou de carro.
A felicidade estava estampada no rosto, o diabetes nunca
estivera tão controlado, estava vivendo a melhor fase.
Meu pai sempre tinha o hábito de alugar casa na praia, no
fim de ano, pois sempre nos dizia que não valia a pena comprar
uma casa em alguma praia, se todo ano poderia estar em praias
diferentes, alugando onde quisesse.
Passamos o natal, brindamos a virada de ano e voltamos pra
Joinville, nos primeiros dias de janeiro de 1997. E dessa vez, já vim
pilotando a moto, de Piçarras a Joinville, isso era fato.
Além da praia no fim de ano, éramos sócios de um clube,
em Joinville (Sargentos); era constante eu pegar a moto, no final
do dia e ir tomar banho de piscina, jogar bola. Tinha muitos
amigos, então sempre tinha opções, pra sair.
26
Roni Anderson Schiochet
Estava digitando esse livro e não conseguia me lembrar qual
ocupação profissional estava tendo nessa época, olhei a minha
carteira de trabalho e percebi que estava disponível para o merca-
do de trabalho (desempregado), pois o diabetes, tinha uma forte
capacidade de afastar pessoas e também empregos em minha
vida. Em entrevista para emprego, se eu contasse que tinha dia-
betes, não admitiam; do contrário, se eu não falasse, parecia que
era pior ainda quando descobriam.
Muitos não veem o diabetes como uma enfermidade que
pode ser tratada e controlada, mas como doença apenas. Isso eu
considero um pesar para qualquer diabético; a palavra não se en-
caixa, mas é assimque me sentia: excluído, separado pelos que
eram considerados melhores e saudáveis.
Isso nunca me abalou, mas machucava. Hoje em dia é bem
mais fácil achar um empregador compreensivo ou que tenha res-
ponsabilidade social em saber que diabético não é inválido, mas
precisa de cuidados e trabalha tanto quanto, ou até mais, que um
funcionário em plena saúde.
Nesse ano, o diabetes me deu uma trégua, estava de bem
com a vida, e tudo parecia estar dando certo, foi um ano muito
bom.
Em abril de 1997, dois fatos muito bons aconteceram: con-
segui um emprego muito bom, em um laboratório, onde traba-
lhava no CPD, meu chefe seria o Roberto Alexandre Torres, que
pouco tempo depois se tornou um bom amigo. No CPD, havia
uma galera muito bacana de se trabalhar. Hoje, tenho contato
apenas com a Patrícia, que trabalhou lá também, atualmente ela
tem uma loja de material de construção com o marido Vilmar.
Também nessa época, troquei a moto por um carro. Todo
homem lembra qual foi seu primeiro carro e o meu era o Voyage.
27
Os dois lados da moeda
Era lavado praticamente todo dia, pelo menos foi assim no
começo.
O laboratório, naquela época, trabalhava muito com motoboy,
levava os exames de um hospital regional para o laboratório, onde
se realizavam as análises clínicas; eram finalizados e retornavam
aos setores do hospital. A internet, naquela época, estava pra ex-
plodir, então quem fazia o papel de leva e traz eram os motoboys.
Eu trabalhava até às 22h. O pessoal do meu setor saía às 18h
e também às 19h, eu ficava finalizando os resultados do dia para
não deixar nada para o dia seguinte.
Acabei fazendo amizade com o dois motoboys, que abriram
uma empresa juntos e trabalhavam para o laboratório, além de
outros. Eram eles, Ademir e Geovani. O pessoal era muito gente
boa, como se diz, e em todas as festas, eles estavam também.
Ao lado do laboratório, foi inaugurada uma lanchonete cha-
mada Max Point, que vendia um lanche que eu nunca tinha pro-
vado em Joinville, e eu, como sempre ficava até tarde, pratica-
mente todos os dias, pedia ou batata frita ou lanche. Ali conheci o
tal “gaúcho”, chamado Renato, amigo e parceiro até hoje.
Mais adiante, na outra quadra, tinha o Fofão Lanches, que
toda quinta-feira tinha pagode ao vivo, então, a festa começava
saindo do serviço, às 22h horas, na quinta e a programação era
garantida até mais ou menos no domingo.
Frequentava muito pouco os lugares fechados, curtia mais ir
a bares com os amigos.
Tentei, por duas vezes, fazer o 1º ano do 2º grau, mas por
entrar no trabalho às 11h, e sair tarde, os horários não permitiam.
Foi quando surgiu o famoso supletivo, que fiz no ano de 1998, o
1º ano.
Como tudo o que é bom dura pouco, não sei por que cargas
d’agua, fui demitido.
28
Roni Anderson Schiochet
Ademir e Giovani vieram conversar comigo e disseram que
se eu tivesse uma moto, eles poderiam me arrumar alguma coisa
pra trabalhar com eles. E isso aconteceu.
Vendi o carro e comprei uma moto, uma CG, 1995, azul.
Mas tinha um problema: conhecia muito pouco Joinville! Então,
aprendi usar o mapa, comecei aos poucos e fui pegando mais
serviço, ao mesmo tempo em que ia conhecendo mais as ruas da
cidade.
Começava às 11h, num restaurante do shopping, onde eu en-
tregava almoço até às 13h. Entre 13h e 14h, tinha que estar em
Pirabeiraba para fazer serviço de banco para uma empresa até às
16h; alguns dias trabalhava à noite. Depois, tomei gosto pela coi-
sa e trabalhava toda a noite em uma pizzaria.
Foi um bom trabalho realizado e eu aprendi muita coisa nes-
sa vida, trabalhando de moto, dando mais valor a dinheiro; tudo
era suado e difícil, ainda mais tendo muitas vezes problemas com
o diabetes, sempre carregando de forma errada a seringa e a insu-
lina. Todas essas formas erradas de cuidar da saúde, de não fazer
o tratamento como o médico pedia, foi com que me prejudicou
mais tarde.
29
V
O grande risco de não enxergar mais
Em 1998, trabalhei bastante e de moto, já conhecia toda
Joinville, pegava serviço dos amigos, passava serviços pra eles e
estava sempre na estrada. Fiz cobrança de cheques para empre-
sas, cobrança de telemensagem. Só não gostava de trabalhar em
pizzarias, pois fechavam muito tarde e tinha que entregar em lu-
gares demorados para retornar. Naquela época, ganhava-se por
entregas.
Em 1999, preocupei-me com os estudos, pois meu pai sem-
pre me cobrava: “você precisa estudar”. Eu tinha diminuído o
ritmo com a moto, mas não parei, trabalhava durante o dia e, à
noite, decidi voltar a estudar.
Matriculei-me no colégio Presidente Médici, no Boa Vista,
perto de casa. Nessa época, eu estava tendo muito trabalho com
uma vista, tinha consultado já o oftalmologista e estava fazendo
alguns tratamentos.
Trabalhava de moto e conseguia enxergar apenas com uma
vista. Pela noite, as entregas eram piores e quando chovia, então,
ficava horrível procurar número de casa. Aí eu entrava na rua e
buzinava na metade da rua, até o final, assim, quando voltava, o
cliente já estava esperando a entrega.
Nunca neguei trabalho, sempre gostei muito de trabalhar
com entrega, mais a cada dia que passava, se tornava mais difícil.
Como disse, sempre fui um diabético, revoltado, então, ti-
nha o hábito de não ir ao médico frequentemente. Achava – e
30
Roni Anderson Schiochet
continuo achando – uma falta de respeito esperar quase duas horas
dentro de um consultório para ser atendido, às vezes, por dez mi-
nutos. Minha ida aos médicos eram inevitáveis, então, procurava
não me preocupar, quando estava iniciando um problema e acaba-
va deixando pra quando a situação já estava bastante crítica.
As aulas começaram em fevereiro, faria as duas séries que
faltavam para completar o 2º grau.
Algo aconteceria, nesse ano, que mudaria muito a minha vida.
Ao conhecer um pouco mais a minha turma, me aproximei de uma
garota, que também estudava ali. Ela chamava muito minha aten-
ção, muito bela e cheirosa, simpática e sempre sorridente.
Nunca fui habilidoso com relacionamentos, nunca tive um
porte físico que viesse a surpreender logo à primeira vista, mas aquela
garota me tirava o sono, era impressionante o quanto ela estava
sempre em meu pensamento, mesmo não estando na escola. Pas-
sava o dia trabalhando e imaginando o que poderia fazer, para ter
uma aproximação melhor, poder conversar mais, estar mais tempo
junto e, claro, sem que toda a classe desconfiasse do meu interesse.
Passei a sentar mais perto, conhecer um pouco mais sobre a
vida dela, o que gostava, conversávamos bastante durante as au-
las e nos tornamos colegas.
Ela tinha uma amiga, da qual também me aproximei para
que na hora em que eu achasse certa, comentar que estava afim
de sair com ela.
E isso aconteceu, falei pra essa amiga dela que estava muito
interessado em convidar uma pessoa pra sair, e quando ela me
perguntou quem era, então eu respondi que era a Paty.
E assim, depois de alguns dias, resolvemos sair pra conver-
sar. Ambos estavam saindo de um relacionamento difícil, e então
estava se formando ali uma amizade muito boa.
31
Os dois lados da moeda
Convidei ela para sair depois da aula, fazer um lanche e con-
versar e ela concordou. Lembro-me como se fosse hoje; acabou a
aula, aí ela me perguntou como e onde iríamos, falei que era de
moto, ali por perto, e ela me disse que não gostava de moto,
porque não gostava de usar capacete. O que fazer? O mais difícil
que era convidar ela pra sair, eu tinha conseguido e estava de
frente a esse impasse. Como todo apaixonado faz loucuras por
amor, não foi diferente comigo. Disse a ela: “vamos devagar e
você pode ir sem capacete, então”. Ela concordou.
E assim que saímos do colégio, estava tudo perfeito, tinha
conseguido o que mais queria, mas isso durou apenas uns 500
metros. Logo adiante havia uma blitz da polícia militar e a “caca”
estava feita. Nos pararam com todaa certeza. Não queria expor a
moça, então pedi que ela fosse pra casa e eu passaria lá mais tarde;
ela concordou, minha única coisa a fazer para terminar a noite era
convencer o policial de que eu estava apenas dando uma carona
até um pouco mais a frente. Ele disse: “posso até liberar você,
mas terei que lhe multar”. E isso deve ter durado uns 50 minutos,
mas pra mim era uma eternidade, por saber que aquela noite não
terminaria do jeito que eu tinha planejado.
Passei na casa dela mais tarde, e ela estava toda preocupada,
mas ficou tudo resolvido, lembro que os pais dela estavam lá tam-
bém. Conversamos um pouco e fui pra casa. Eu morava a algu-
mas quadras dali.
Nossos passeios ficaram mais frequentes (agora de capace-
te), nos trabalhos em equipe sempre tinha eu e ela, nós fazíamos
os trabalhos sempre na casa da amiga dela, Glória, que é casada
com Anderson. E acabamos ficando juntos; começamos a na-
morar em fevereiro de 1999, após uma festa que teve na minha
casa.
32
Roni Anderson Schiochet
Como um anjo, ela apareceu na minha vida, título de uma
musica que fazia jus a ela, que passou a me conhecer e eu passei a
conhecê-la. Havia uma afinidade muito grande entre nós dois,
passeávamos bastante de moto, saíamos pra conhecer lugares di-
ferentes, algumas vezes para praias; eu continuava a trabalhar de
moto durante o dia.
Até que aconteceu uma das crises de hipoglicemia na casa
dela. Passei muito mal, ao ponto de convulsionar, um tio e uma
tia dela me levaram até o hospital regional e lá fui atendido.
Como de costume, perdia empregos e namoradas, por cau-
sa do meu diabetes, então, pensei que não a teria mais depois
daquele episódio horrível que tinha acontecido na casa dela. Mas
não, expliquei a ela o que eu tinha, e o que acontecia, e ela não
desistiu, continuou comigo; isso me fortaleceu, tinha alguém per-
feita ao meu lado.
Já quase no final do ano, eu estava muito ruim. A visão do
olho direito ficava toda embaçada, e a esquerda estava ficando
igual. Fui ao médico e ele falou que teria que operar a direita e
fazer tratamento na esquerda, para não perder a vista.
Hoje, sei como é bom ter plano de saúde; se estivesse pelo
SUS, teria perdido minha vista direita. A cirurgia foi marcada e
durou quatro horas. Na semana que antecedeu a cirurgia, eu não
estava enxergando nada. Lembro que meu pai foi dar uma volta
em uma praia ali perto de Joinville, e fui com a Paty, ela me guiava,
pois eu não enxergava mais nada.
Realizei a cirurgia e fiz o tratamento na vista esquerda. A
fumaça tinha melhorado, passei a ver novamente. Por isso digo
que se fosse pelo SUS, teria perdido a visão.
Terminamos o ano de 1999 juntos, passamos de ano na
escola e faríamos o 3º ano juntos.
33
VI
Casamento
Eu e a Paty nos formamos em 2000. Em outubro de 2000,
no meu aniversário, ficamos noivos. Uma comemoração simples,
apenas um jantar em casa. Lembro-me que estavam presentes os
meus avós paternos, os pais da Paty, meus pais e irmãos. Estava
muito feliz.
Em 2001, comecei a fazer alguns serviços durante a noite,
trabalhava ainda de moto; fazia também algum serviço em casa,
para o meu tio. Sempre tinha dinheiro no bolso, passeava bastante.
Surgiu uma oportunidade de irmos para os Estados Unidos,
pois uma tia e alguns primos da Paty estavam lá e nos disseram
que se nós quiséssemos, poderíamos ir também, eles conseguiri-
am emprego e moraríamos juntos, até conseguirmos nos estabili-
zar por lá.
A ideia ficou martelando em nossa cabeça por algum tempo.
A ideia de ir para os EUA sempre era sonho de muita gente
naquela época. Trabalhar por lá, fazer um bom dinheiro e voltar
para o Brasil, apenas quando estivesse financeiramente estável.
Nosso relacionamento estava cada vez mais forte; a ideia de
casarmos sempre estava em nossos assuntos. Nossa afinidade
era impressionante.
Saíamos à noite, para falar de vários assuntos e a do casa-
mento sempre agradava os dois.
Somamos os assuntos de casamento e irmos morar nos EUA;
ideias sempre vinham à mente, como fazer, como guardar dinheiro
34
Roni Anderson Schiochet
quando estivesse por lá, em que investir aqui no Brasil, foi muito
boa essa época.
Eu estava muito entusiasmado, pois estava muito querendo
assumir o compromisso maior, que todo casal tem, que era o de
me casar. Em decorrência da minha saúde, muitas vezes, eu não
conseguia arrumar um emprego digno, portanto, os Estados Uni-
dos era o foco.
Seria como 2 e 2 são 4, casando, vivendo juntos, que era
nosso maior sonho, e trabalhando nos Estados Unidos, mandan-
do dinheiro para o Brasil. E quando estivéssemos com o suficien-
te, voltaríamos para usufruir de tudo que teríamos.
Marcamos o casamento para 28 de julho de 2001, pois a
Paty faria aniversário dia 31 de julho.
Fizemos uma cerimônia apenas no cartório, oficializando ci-
vilmente, os nossos compromissos de marido e esposa.
Casamento realizado, o almoço foi simples, sem festa, e com
os padrinhos. O foco era economizar para fazermos os docu-
mentos necessários para ir viajar.
Como iríamos morar fora do Brasil, optamos que, em vez de
ganhar presentes, os mesmos fossem dados em dinheiro; assim,
conseguimos boa parte do dinheiro para documentação.
Passamos nossa lua de mel na Enseada, na casa de uma tia
do meu pai. Foi mágico, só nós dois, aproveitando cada minuto
juntos. Nossa maior lua de mel seria nos Estados Unidos, mas a
da Enseada foi maravilhosa.
Encaminhamos os documentos, para realizar a viagem. Foi
confeccionado os passaportes, já tínhamos vistos os preços das
passagens e outras burocracias necessárias.
Resolvi então fazer um verdadeiro check-up, pois já tinha ou-
vido falar que, nos EUA, cuidar da saúde era uma fortuna e a
nossa ideia não era gastar lá.
35
Os dois lados da moeda
Fui a várias especialidades; o oftalmologista disse que estava
tudo bem, depois do susto de quase não enxergar mais.
Também marquei consulta com o dr. Mauro, meu
cardiologista, que já conhecia minha história e também a ideia de
ir viajar pra fora do Brasil. Coraçãozinho perfeito. É claro, com a
pessoa amada ao lado! O coração só podia estar perfeito (risos).
Fui ao dr. Danilo, que é praticamente um amigo, e as consul-
tas com ele sempre foram, e ainda são, como conversa de velhos
amigos. Falei do casamento e da ideia de ir para os EUA. Ele
pediu uma bateria de exames.
Nunca nenhum médico desaconselhou minha viagem pra
morar alguns anos fora do Brasil. Sempre fui de fazer o que vinha
na cabeça, e pra mim, aquilo era o certo.
Parece coincidência, coisa do acaso, nessa época, os meus
pés, ao final do dia, ficavam com a marca da meia bem profunda,
e umas semanas de agosto, do mesmo ano, tive uns episódios de
vômitos. Não era com frequência, mas achava que era nervosis-
mo, ou ansiedade. E isso fazia que o diabetes descompensasse
muito durante o dia e à noite. Minha mãe estava muito preocupa-
da com tudo isso, viagem, ficar fora, diabetes, pois até aquele
momento, ela me olhava e já sabia o que eu sentia, se eu estava
bem ou mal.
Os episódios de vômitos, até foram motivos, de brincadei-
ras. Diziam que a Paty estava grávida e eu que vomitava, outros
apenas concordavam que era por causa da viagem.
Retornei ao dr. Danilo, estava com a mãe naquele dia, e ele
olhou meus exames e por cima das folhas dos resultados, ele me
disse que não aconselharia viajar, não pelo menos antes de con-
sultar novamente o dr. Anderson, depois de 5 anos sem ir ao
nefrologista.
36
Roni Anderson Schiochet
Como tudo, pra mim, diabético, o que era novidade não me
assustava, apenas pensei que era mais uma consulta pra deixar o
check-up mais completo.
Foi quando ele abriu o jogo e disse que tinha valores altos
nos resultados, não eram os que ele já estava acostumado a ver.
Havia, nos resultados, dois valores acima dos valores de re-
ferência, o que ele me fez ver, foi que aqueleresultado ou estaria
errado, ou ele não voltaria a descer, assim como o de glicemia em
jejum. Minha creatinina e ureia estavam elevados, me recordo que
o resultado de creatinina estava em 2.2, quando o máximo que
poderia estar era em 1.5 – o valor da ureia não recordo.
Aquela consulta demorou mais que o habitual e aquilo tudo
já estava me deixando nervoso e preocupado. Então, ele ligou do
celular dele para o dr. Anderson e me pediu que eu fosse lá assim
que saísse do consultório dele.
Foi o que fizemos, saímos do dr. Danilo que ficava na rua
Blumenau e fomos à Clínica de Nefrologia de Joinville, que fica até
hoje, atrás do hospital São José.
Ali a conversa foi séria, dr. Anderson nos passou muita con-
fiança e explicava tudo com muita calma e paciência. Ele olhou
todos os exames e solicitou mais alguns; falou a mesma coisa que
dr. Danilo havia comentado: que eu não fosse viajar, pois os exa-
mes estavam muito altos ao nível de precisar iniciar sessões de
HEMODIÁLISE.
Aquele dia saí do consultório revoltado, dizendo que não
realizaria a hemodiálise. Eu não sabia o que era, tinha escutado
apenas o que os outros falavam. Dr. Anderson perguntou se eu
gostaria de conhecer a clínica, pois tinha pacientes fazendo
hemodiálise lá. Lembro-me que eu falei que não queria ver e saí
dizendo que não faria.
37
Os dois lados da moeda
Refiz os exames e os níveis de creatinina haviam aumenta-
do, eu estava muito inchado. Quando levei os exames para o dr.
Anderson rever, ele me explicou que, com o resultado da creatinina
elevado, meus rins não estavam funcionando, pois os rins fazem
o papel de filtrar as impurezas do nosso organismo e eliminar pela
urina. Com o diabetes descompensado há anos, os danos aos
micro vasos sanguíneos afetaram os rins. E a hemodiálise faria o
papel dos rins. Perguntei se seria por tempo indeterminado, ele
disse que no caso de diabetes tipo I, ele nunca havia visto um caso
agudo, no caso de perda dos rins pelo diabetes descompensado, só
IRC – insuficiência renal crônica. Dr. Anderson sempre foi muito
sincero, muito amigo, nunca me enganou. Esse deve ser a arma de
todo médico: ser sincero, passar confiança, e hoje me sinto paci-
ente e amigo do dr. Anderson.
Todos os planos de viagem foram por água abaixo; eu esta-
va diante de vários problemas. Como tínhamos focado na via-
gem para os Estados Unidos, não tínhamos nos preocupado com
moradia aqui, pois viajaríamos e compraríamos tudo com o di-
nheiro que conseguíssemos lá.
Agora estava começando a complicar, decididamente, a via-
gem não sairia mais e precisávamos de lugar para morar, pois
provisoriamente estávamos morando na casa da minha mãe.
E assim ficou, continuamos morando com ela enquanto a
nova fase viria. Pois com a hemodiálise, tudo iria mudar a minha
vida.
Tive que fazer a famosa, fístula, uma preparação para iniciar a
hemodiálise. É feita por meio de uma pequena cirurgia, com anestesia
local, na qual uma artéria (geralmente no braço) é ligada a uma veia,
fazendo com que ela fique bem calibrada, pois as agulhas eram
grossas e a veia precisava aguentar toda sessão de hemodiálise.
38
Roni Anderson Schiochet
Fiz a fístula com dr. Osmar Hausen, ótimo médico. Procedi-
mento foi feito no centro cirúrgico, durou cerca de uma hora.
Nunca fui de reclamar da minha vida, por mais que o diabe-
tes, muitas vezes, me aprontava algo, sempre fui pra cima, cabeça
erguida e valente. Mas aquilo me derrubou, essa situação toda me
arremessou contra parede, me jogou no chão. Na minha cabeça,
aquilo não estava acontecendo.
Queria deixar essa frase, que vou dizer agora, para as consi-
derações finais, mas agora é a hora....:
DIABÉTICO TIPO I, CUIDE DA SUA GLICEMIA, CONTROLE SEU DIA-
BETES, VÁ AO SEU MÉDICO PERIODICAMENTE, PARA QUE NUNCA PRECISE
FAZER HEMODIÁLISE.
39
VII
Hemodiálise
A minha cabeça estava em parafusos. Na clínica de nefrologia,
era feita a hemodiálise também, que até então, eu não conhecia.
O lugar não era um ambiente hospitalar, era como uma clínica,
poucos pacientes, e todos eles estavam aparentemente bem.
A enfermeira Milena, que era a responsável pela hemodiálise,
me explicou os procedimentos, como funcionava o andamento
da clínica, também era muito atenciosa. Também passei a conhe-
cer o dr. Marcos, que atendia na clínica junto com o dr. Anderson,
eles consultavam e passavam visitas aos pacientes da diálise.
Enfim, no dia 21 de setembro de 2001, em vez de estar
viajando para os Estados Unidos, iniciei minha primeira sessão de
hemodiálise. Minha preocupação, meu conflito, não era ter dor,
era apenas estar perdendo tempo da minha vida, sentado naquela
cadeira.
Não tinha ainda me dado conta que eu mesmo fizera com
que tudo aquilo tivesse acontecido. Durante todos os anos de
diabetes, não fiz o que o dr. Danilo me recomendava, nunca tive
uma vida que todo diabético deve ter, achava que poderia viver
bem, como uma pessoa sem nenhuma enfermidade.
Minha sessão de hemodiálise seria de quatro horas por ses-
são e três sessões por semana.
Minha fístula ainda não estava pronta para uso, então fui
obrigado a passar um cateter para fazer as sessões.
Nesse dia, minha mãe e esposa foram juntas comigo.
40
Roni Anderson Schiochet
Não sei qual sensação se tem quando se senta numa cadeira
elétrica, mas me senti assim naquele dia. E antes de qualquer pro-
cedimento, chorei em silêncio.
A minha sorte foi encontrar uma equipe de técnicos de en-
fermagem muito especial. Eles trabalhavam lá, mas a gente perce-
bia que eles cuidavam dos pacientes como se fosse um parente
deles. Isso jamais eu vou esquecer; até hoje tenho amizade e con-
tinuo vendo alguns deles.
Lembro muito de um senhor que estava fazendo diálise no
meu horário, que tentava me fazer sorrir, dizendo que ele comia
uma melancia, antes de vir pra clínica, por isso ele era “barrigu-
do”. Ele era muito bacana.
Comecei no horário da manhã; entrava às 7h horas e saía
apenas às 11h, vinha pra casa, muito cansado, pois não conse-
guia ficar sem beber líquido e precisava perder todo excesso na
máquina.
Tive, muitas vezes, que chupar gelo para passar a sede.
Precisava ocupar minha cabeça para não enlouquecer, acha-
va que em quatro horas, três vezes por semana, não conseguiria
arrumar emprego em lugar algum.
Observava três técnicos, Josué, Patrícia e Mery, e ficava pen-
sando como eles tratavam e cuidavam tanto dos pacientes deles,
e decidi ir atrás de informações sobre o curso de técnico de en-
fermagem. Seria uma opção boa para emprego, teria uma profis-
são e é o que me faria bem.
41
VIII
O curso de técnico de enfermagem
Na hemodiálise, as sessões eram sempre uma surpresa. Além
do peso, que sempre passava do permitido, de uma sessão para
outra, o diabetes também se mostrava traiçoeiro. Tive muitas
hipoglicemias, excessivas crises de câimbras, as quais meus ami-
gos da enfermagem, sempre se mostraram prestativos, era só olhar
pra mim e já sabiam que eu não estava bem.
Comentei com eles que estava muito interessado em fazer o
curso de enfermagem e eles me deram o maior apoio. Em casa,
todos acharam muito importante fazer o curso, ter uma profissão
e uma ocupação.
Realizei hemodiálise durante quatro anos e meio, e se um dia
tiver um inimigo, não desejarei isso a ele.
Tenho que agradecer a toda equipe da clínica de nefrologia,
que souberam entender todo meu sofrimento, toda a minha an-
gústia, e dizer que eu espero que tenham me perdoado por ser
uma pessoa tão nervosa; por qualquer motivo, eu brigava, falava
demais. Ao dr. Anderson, dr. Marcos e dr. Helbert, quero agrade-
cer todo profissionalismo e responsabilidade com os pacientes da
clínica. Às secretárias, todos os funcionários, toda dedicação.
Sabia que estar de bem comigo seria estar de bem com todos,
e, então, final de 2001, iniciei o curso de técnico de enfermagem.
Durante o período que estavana diálise, presenciei algu-
mas perdas, de pacientes que estavam, muitas vezes, melhores
do que eu, mas que não aceitavam aquela situação; comecei,
42
Roni Anderson Schiochet
então, a aceitar tudo aquilo, não como um castigo, mas como
um erro meu por talvez não ter cuidado do meu diabetes como
deveria.
E fui me adaptando, fazendo amizades; nossas conversas,
por incrível que pareça, sempre eram positivas, muitas brincadei-
ras, nossa turminha era muito animada. As visitas do dr. Marcos
sempre com suas histórias de pescaria, sempre pedindo nossas
opiniões, em vários assuntos, era muito agradável. dr. Anderson e
o dr. Helbert também passavam por ali antes de entrarem para o
consultório, eram verdadeiros profissionais. Em algumas situações,
brincavam com o pessoal da sala de diálise e deixava todo aquele
clima mais familiar. Um profissionalismo inigualável dos três.
Em outubro de 2001, dei início ao curso de enfermagem,
que foi de fundamental importância pra mim; tudo aquilo que se
passava em sala de aula era novidade, e, como toda novidade traz
um início de euforia, o curso ia de vento em poupa.
Todos no curso sabiam da minha situação em relação à saú-
de, mas, por incrível que pareça, nenhum sinal de preconceito sobre
a questão de fazer hemodiálise e fazer um curso de enfermagem.
No curso, sempre comentei que as questões que me fizeram
vir a fazer o curso eram várias e uma delas era um dia cuidar de
alguém que, como eu, estava sendo cuidado na clínica de
hemodiálise.
43
IX
O primeiro transplante de rim
Enquanto isso tudo era novidade pra mim, surgiu a questão, de
fazer um transplante. Dr. Anderson nos deixou a par da situação
de se fazer um transplante e ficar longe da máquina de diálise.
Esse transplante só poderia acontecer de duas formas: a primeira
seria fazer um transplante de doador cadáver, aquele em que há
morte encefálica e a família realiza a doação dos órgãos. Eu já
estava na lista de espera para um órgão. E a segunda – e sugerida
pelo dr. Anderson – seria fazer o transplante de doador vivo. Era
possível, pois o rim é um órgão duplo e esse transplante, já estava
sendo realizado a alguns anos. O doador doaria um rim e ficaria
com o outro, sem trazer problema algum a ele.
Trocamos ideias em casa, mas a possibilidade de fazer o
transplante entre vivos era possível de ser realizada, pois a cirurgia
de doador cadáver era muito demorada, aguardava-se na fila de
transplantes de dois a três anos, enquanto o transplante, entre
vivos era preciso apenas da realização de todos os exames para
achar o melhor rim na família.
Na família, de três candidatos, dois foram para exames: meu
irmão, Rodrigo, e a mãe. Fomos até Florianópolis e fizemos os
exames.
E a mãe foi a que bateu com todos os resultados necessários
para ser doador. Minha mãe era compatível para me doar um rim
e me tirar da máquina de diálise.
44
Roni Anderson Schiochet
Onde eu perguntava, todos achavam que eu deveria fazer o
transplante de uma vez por todas, não me preocupar com nada e
ficar bom para terminar meu curso e ir trabalhar.
No curso, quando perguntavam onde eu gostaria de traba-
lhar, sempre disse que, quando me formasse, gostaria de fazer um
concurso público para o hospital São José, para trabalhar no pron-
to-socorro. Durante o curso, identifiquei-me com atendimento
de emergência e urgência, para tomar decisões rápidas; o pronto-
socorro era o que eu idealizava pro futuro.
Estava ocupando minha cabeça e o curso vinha me fazendo
muito bem.
Convenci-me de fazer o transplante, e a decisão teria que partir
do doador e do receptor. E assim foi. Exatamente um ano após
iniciada a hemodiálise; após um ano de muita intercorrência e sofri-
mento, foi marcado o transplante. Confiava plenamente na equipe –
e confio até hoje. No dia 20 de setembro de 2002, realizei a cirurgia.
No dia 16, segunda-feira, daquela importante semana, me internei
no hospital São José para tomar uma medicação, que seria um pre-
paro, para meu organismo diminuir a imunidade, assim, quando o
novo rim estivesse nele, o organismo não atacaria, achando que era
um corpo estranho. No português claro, é assim que funciona.
Afastei-me do curso, pois o fundamental era estar bem de
saúde; o curso, depois eu recuperava a matéria, e continuava.
No dia 20 de setembro, bem cedo, eu fui para o centro
cirúrgico e a mãe já estava lá, pois o procedimento foi feito pri-
meiro com ela. Retira-se o órgão do doador, nesse meio tempo
prepara-se o órgão e se vê as reais situações, se é um órgão sadio
ou não; em seguida, é transplantado no receptor, que seria eu.
Não lembro e também não consegui ver nos registros, em
relação às horas que as duas cirurgias acabaram; a da mãe e a
minha. À tarde já estava na sala de recuperação do centro cirúrgico.
45
Os dois lados da moeda
Tenho um problema muito sério, que é acordar e ficar ligado
nas coisas que estão a minha volta depois de uma anestesia geral,
acho que fiquei meio “chapadão” por uns 2 (dois) dias.
Mas a mãe, não; ela se lembra de tudo e contou que naquela
sexta-feira mesmo, fomos para um quarto; ficamos nós dois no
mesmo quarto.
Ela me disse e disso eu me lembro vagamente, que eu tossia
muito, sentia a garganta arranhando e me virava o tempo todo na
cama. Ela contou que não conseguia dormir, me vendo tossir
tanto e rolando na cama. Ela não podia levantar, apenas virava a
cabeça e me olhava, disse que chamava a enfermagem, mas de-
morava muito e, quando vinham, diziam que era normal, que era
da anestesia.
Bom, amanheceu e já era sábado, um enfermeiro me aju-
dou. Dreno de um lado, dreno de outro, noite mal dormida; a
mãe estava aparentemente bem, tinha algumas dores, apenas o
normal de um pós-cirúrgico.
Muitos exames sendo realizados, minha creatinina ainda
não tinha baixado para o valor que deveria estar após um trans-
plante. Dormi muito aquele sábado e a tosse teve pequeno sinal
de melhora.
A mãe estava de alta hospitalar, no domingo, mas não queria
de jeito algum ir pra casa, e pediu ao dr. Anderson que a deixasse
mais um pouco até eu melhorar, mas não teve jeito, se ela estava
bem, pra ir de alta, eu não podia correr riscos, quanto mais pessoas
ficavam no quarto, mais riscos eu corria de ter infecção. Após um
transplante, quanto menos contato com outras pessoas, melhor.
Meu quarto era muito bom, apenas duas camas, com ar-
condicionado e o meu pai sempre ao meu lado, desde a segunda-
feira quando me internei.
46
Roni Anderson Schiochet
A mãe foi pra casa e ele ficou cuidando de mim. Às vezes, ia
pra casa, levar noticias minhas e trazer notícias da mãe. Isso era
pra acontecer, até eu ficar bem e ter alta. Normalmente, um re-
ceptor fica internado de 10 a 20 dias.
Estava surgindo uma grande preocupação em relação aos
meus exames e de eu estar um pouco inchado, comentou-se em
fazer uma seção de hemodiálise para dar uma “ajuda” ao rim,
para que ele colaborasse. Minha fistula havia parado na cirurgia; se
fosse preciso mesmo fazer diálise, teria que ser por cateter.
Estava tomando muita medicação, nunca tinha visto tanto
remédio junto na minha frente.
Na terça-feira, dia 24 de setembro, uma notícia muito dura
de ouvir: eu iria realizar uma nova cirurgia, a nefrectomia, que
seria a retirada do rim, pois o mesmo não tinha sinais de circula-
ção, ao resultado da ultrassonografia. O único fio de esperança
que ainda teria era quando o dr. Osmar Hausen abrisse, conse-
guisse reverter o transplante, mas nada era certo.
Lembro que meu pai chegou perto de mim e disse que pre-
cisávamos conversar e me contou tudo. Ele comentou comigo
dias depois daquela conversa, que só falei que sim que esperaria
pra ver.
Realizei uma sessão de hemodiálise no hospital mesmo, no
começo da tarde e me lembro que o dr. Danilo foi me visitar e, no
final da tarde, foi realizada a cirurgia, retornei ao quarto pela ma-
drugada; dessavez estava sem tosse, mas também sem o rim
doado pela minha mãe.
Devo ter recebido uma dosagem muito pequena de anestesia,
pois quando cheguei no quarto, perguntei ao meu pai se eles ti-
nham retirado o rim e ele só mexeu a cabeça positivamente....
....Eu escrevendo essas palavras, não consegui continuar, me
segurei, mas tive que chorar, relembrando toda aquela cena.
47
Os dois lados da moeda
Minha mãe, ao saber da notícia, ficou chocada. Queria me
visitar, mas não poderia, ainda se recuperava da cirurgia, ir embo-
ra que era a coisa que eu mais precisava naquela hora, também
não podia.
Analisando todos os fatos vividos, da descoberta do diabe-
tes, até os dias de hoje, aquele momento, foi o pior. No outro dia,
diante da realidade, foi que a ficha caiu, nada mais fazia sentido.
Tudo deixado pra trás, desde a viagem cancelada para os
Estados Unidos, os estudos, a família, naquele exato dia, naquele
exato momento, nada mais fazia sentido pra mim. A tristeza ti-
nha tomado conta.
Não tinha me preparado para o erro, não tinha ainda pensa-
do na ideia de que todo aquele esforço (o da minha mãe, em
doar, um órgão, em eu fazer os exames, o esforço da equipe)
poderia ser em vão. Tudo pra nada, essa era minha frase naquele
momento de dor, e só havia meu pai por perto.
Após a cirurgia para retirar o rim, ainda fiquei tratando uma
pneumonia, e fui fazer novamente sessões de diálise, pois estava
com 10 kg a mais só de liquido, além da recuperação da cirurgia.
Foi muito barra pesada voltar pra casa. Quando cheguei em
casa, havia alguns parentes e minha mãe estava muito triste, ape-
nas no abraçamos e choramos. Teria que ter forças por mim e por
ela foi o que pensei.
Nessas horas difíceis, só temos dois caminhos: ou ficamos
ali, afundados naquela tristeza, lamentando e colocando culpa no
mundo inteiro, que é o que costumam chamar de depressão, ou
revertemos, partimos pra luta, corremos atrás do prejuízo e enca-
ramos a realidade. A segunda opção sempre foi minha cara e foi o
que fiz; fiz por mim, pelo meu pai minha mãe, e pela Paty. Achava
que se eu desse a volta por cima, seguindo a minha vida, eles
também iriam se sentir melhor.
48
Roni Anderson Schiochet
Continuei fazendo as sessões de hemodiálise, eu estava bem
ruim, foram sessões que me deixaram exausto. Voltava pra casa,
bom apenas pra dormir. Foram dias difíceis.
49
X
Retorno ao curso
Logo estava um pouco melhor, e decidido a retornar ao
curso; desistir jamais. Sempre que me perguntavam, sempre res-
pondia que estava bem. Sempre acreditei que falando algo de
positivo, sempre ia ser melhor que reclamar.
Ao chegar no curso, uma surpresa muito linda: fui recebido
por amigos e professores, com aplausos e todos em pé. Elogia-
ram o meu retorno e demonstraram muito carinho e amizade;
aquilo tudo me comoveu e me senti muito feliz em vê-los, em
sentir todo aquele afeto.
Lembro que consegui recuperar as matérias daqueles dias
perdidos com a turma da manhã e continuava a matéria no perío-
do da tarde.
Saiu quase no final do curso, um concurso para o hospital São
José. Alguns amigos de classe e eu resolvemos fazer para saber como
era um concurso e que matéria cairia, se seria difícil ou não.
Nosso curso acabou em 2003, a nossa formatura foi muito
especial, e a turma muito unida. Nossa turma era considerada
uma família, na qual todos se conheciam, sabiam dos problemas
e, muitas vezes, ajudávamos resolver entre amigos. Foi muito ba-
cana conviver todo aquele tempo com todos. Espero que todos
que fizeram o curso junto comigo possam ler esse livro; sintam-se
abraçados por mim, saibam que sempre me lembro de todos.
Já se passavam três anos de hemodiálise, quando tive que
me internar, para realização de uma nova fístula, pois meu diabetes
50
Roni Anderson Schiochet
descompensava muito e minha pressão estava muito alta. Nas
sessões de diálise, a pressão baixava muito rápido, fazendo com
que a fístula diminuísse sua vida útil. Quem já fez sabe como é
horrível usar cateter enquanto espera uma fístula ficar pronta para
o uso. Nessa época, conheci o dr. Gilberto Macedo, um cirurgião
vascular que tentou fazer a desobstrução, passando um cateter,
mas sem sucesso, realizou a confecção de uma nova fístula.
Quando estava saindo do hospital que tenho convênio, re-
cebi uma ligação de uma amiga minha do curso, Daiane Cavilha,
perguntando se eu tinha visto o jornal, falei que não, e então ela
me disse que meu nome e o nome dela estavam na lista de apro-
vados do concurso, que tínhamos feito para o hospital São José.
Isso me deixou muito feliz, algo estava dando certo.
51
XI
Meu primeiro emprego como técnico de
enfermagem
Essa notícia foi o máximo; a única coisa boa que eu tinha era
ter minha família por perto, sentia que precisava de algo mais,
sentia que poderia fazer melhor do que eu estava tentando ser.
O curso me fez idealizar a profissão de técnico de enferma-
gem. Aprendi gostar de cuidar, gostar de salvar vidas e devolver
todo apoio que recebi, o curso foi de suma importância.
Não sei se você lembra da data que eu saí do hospital São
José, ao descobrir que tinha diabetes. Pois é, eu acredito em acaso,
e vinte anos depois do meu diagnóstico, fui chamado para traba-
lhar no hospital São José. Eis o primeiro motivo do nome do
livro: em todos esses anos, fui cuidado por enfermeiros, muitas
internações me levaram aos cuidados desses profissionais de saú-
de, e, no dia 7 de setembro de 2004, eu passaria a estar do outro
lado da moeda, agora cuidando.
Comecei as atividades no dia 08 de setembro, um dia após o
feriado. Para minha surpresa, comecei trabalhando no pronto-
socorro, lugar que eu tinha dito aos amigos do curso que gostaria
de trabalhar.
Mais três amigas minhas do curso passaram no concurso:
Márcia Cani, Daiane Cavilha e Roseli Cordeiro. Márcia começou
no centro cirúrgico ambulatorial, Daiane na oncologia e Roseli no
pronto-socorro, no mesmo setor que eu estava; só que ela passou
para o período da tarde e eu estava de manhã.
52
Roni Anderson Schiochet
Tive que adaptar meus horários com serviço e hemodiálise,
mas isso não foi problema, todos na clínica me ajudavam muito e
não foi diferente nessa vez.
Os amigos e técnicos da clínica ficaram muito contentes, os
médicos também, acharam muito bom eu estar estudando enfer-
magem e estar do outro lado.
Me sentia muito responsável, estava lidando com vidas. Até
hoje cuido dos pacientes como se fossem da minha família.
A semana no pronto-socorro passou muito rápida, mas a
adaptação era muito difícil, as coisas tinham que acontecer rapi-
damente, todos em um ritmo alucinante, aquele setor sempre es-
tava cheio, muitas internações, emergências, óbitos, isso tudo fa-
zia com que eu até sonhasse à noite com toda aquela agitação.
Esses sonhos, no começo, eram frequentes, depois quando me
adequei ao ritmo do pronto-socorro, tudo foi ficando melhor.
Eu sentia no curso que gostaria de trabalhar no pronto-so-
corro; tudo se encaixou como uma luva. Eu estava muito feliz e
me sentindo importante.
Fazia muito tempo que não me sentia importante, fazendo
algo real, contribuindo com alguma coisa; quando somos impor-
tantes, nos sentimos felizes.
53
XII
O que fazer agora, se o rim foi perdido por
causa do diabetes?
Meus plantões no pronto-socorro eram motivos de conver-
sas com todos, sempre tinha algo pra contar, seja com a família,
seja na hemodiálise, ou com os amigos, era muito especial falar de
uma coisa que gostava e gosto tanto.
Ouvi uma frase uma vez e vou torná-la publica neste livro:
sempre comento que se você trabalha no que gosta, acaba se diver-
tindo; isso é real, mesmo envolvendo muita responsabilidade.
Eu não vou citar nomes, mas a equipe daquela época que
trabalhava lá era perfeita. Todos, mas todos, trabalhavam muito,
éramos parceiros, amigos, quando tinhafesta, então, era a maior
alegria.
Passei a ter mais uma família, agora no pronto-socorro, to-
dos sabiam das minhas limitações e trabalhávamos sempre como
uma equipe.
Um certo dia, encontrei no mural um cartaz que dizia assim:
CURA DO DIABETES, VENHA CONHECER NO
AUDITÓRIO DO HMSJ
A princípio, aquela palestra era para médicos e residentes do
hospital, mas o curioso aqui acabou indo.
Não achei que me faria mal algum, pois já tinha ouvido e
feito tanta coisa nessa vida para curar meu diabetes, que mais
uma tentativa não iria me prejudicar.
54
Roni Anderson Schiochet
Na data e hora marcada, compareci no auditório. Tinha bem
pouca gente, mas prestei muita atenção no que o dr. Rafael Maciel
tinha para dizer. Isso mesmo, esse era o nome do médico que
fazia transplantes para uma equipe, no hospital São José.
Deixei acabar toda a palestra e no final me apresentei, contei
toda história, que já escrevi até agora. Ele ficou muito surpreso e
pediu que eu marcasse uma consulta, para conversarmos um ou-
tro dia.
Ficou claro naquela palestra e naquela conversa, que ele esta-
ria querendo fazer em Joinville, mais precisamente no hospital São
José, transplante de rim e pâncreas.
“Bom”, pensei comigo, “tenho que ver até aonde essa con-
versa vai”. Pedi alguns conselhos sobre o assunto para umas dez
pessoas, antes de ir consultar o dr. Rafael. A opinião de todos era
a mesma que eu tinha na cabeça. Achava tudo aquilo muito novo,
ao mesmo tempo, o ideal para todo diabético na minha situação.
Quando me consultei, ele explicou tudo, e era mesmo pra
fazer o primeiro transplante de rim e pâncreas do HMSJ, e seria o
primeiro em SC também.
Fui muito sincero com ele e ele também não me escondeu
nada. Disse a ele que não faria em Joinville meu transplante de
pâncreas, isso tudo era muito recente na minha cabeça, não tinha
nem ouvido falar nisso, mas pedi algum contato que ele tivesse
em São Paulo.
Ele ainda comentou que viria a Joinville nas primeiras cirurgias,
o dr. Marcelo Perosa, de São Paulo, o qual ele conhecia. Pedi a ele
que me desse esse contato. Vendo que eu realmente não tinha o
desejo de fazer esse transplante em Joinville, me passou o contato.
Meu pai, nessa época, lidava muito com a internet e come-
çamos a estudar um pouco mais sobre essa possibilidade. Eu
55
Os dois lados da moeda
comentava sobre o transplante de pâncreas e rim simultâneo, nin-
guém falava nada, era uma cirurgia pouco comentada.
Lembro que não estava passando muito bem, todos devem
lembrar, que até minha cor era diferente, mas continuava traba-
lhando durante a manhã, vinha pra casa, almoçava e fazia
hemodiálise três vezes por semana.
Pedi ao dr. Anderson que prescrevesse todos os exames ne-
cessários para fazer um transplante. Como eu tinha o plano de
saúde, os resultados saíram rápidos. Resolvi marcar a consulta em
São Paulo, com o dr. Marcelo Perosa.
Lembro que conheci São Paulo pela primeira vez; tudo era
fantástico, um mundo real, igual ao que se via na televisão.
Por mais que já estivesse visitado SP, na excursão da 8ª série,
era como se estivesse visitando pela primeira vez.
 Depois de uma longa viagem, pegamos um táxi e fomos
até o endereço que dr. Marcelo estaria consultando, em um hospi-
tal quase no centro de SP.
Enquanto eu e a mãe esperávamos, começamos a trocar
ideias com quem aguardava ali. Aquele assunto era muito comum;
entre todos os que já tinham feito ninguém se arrependia e os que
esperavam para transplantar não viam a hora de serem chama-
dos. Aquilo tudo me trouxe esperança, mas sabia que meu caso
era muito complicado.
Recordo que nos avisaram que dr. Marcelo não atenderia
naquela manhã, e depois de muito perguntar e tirar dúvidas, nos
passaram o endereço do consultório particular dele. Esse consul-
tório ficava perto do hospital Beneficiência Portuguesa.
Lembro como se fosse hoje; eu e a mãe pegamos um táxi,
levei minha “sacola” cheia de exames e fomos até o endereço
fornecido.
56
Roni Anderson Schiochet
Ao ser chamado no consultório, quem nos atendeu foi o dr.
Tércio Genzini, que nos explicou que não era o dr. Marcelo, mas
ele que fazia parte da equipe da Hepato e que também operava
junto com dr. Marcelo.
Tivemos uma conversa longa; expliquei tudo a ele e pergun-
tei se era possível fazer o transplante, mesmo sendo de tão longe.
Ele deu risada e disse: “nós transplantamos pessoas até de
Roraima”. Em seguida, olhou os exames e foi sincero; nos passou
muita segurança e, principalmente, confiança. Ele nos explicou
todos os riscos, mas também estava bastante otimista.
E se dava ali, naquele momento, uma nova etapa em minha
vida. Tudo era novidade, tudo também era assustador. Foi explica-
do que, ao ser chamado para fazer o transplante, teria que ficar em
média três meses em SP para consultas, exames, pós-transplante.
Esse transplante, não só me tiraria, da hemodiálise, como
também iria me curar do assombroso diabetes. Era tudo fasci-
nante; pensei comigo: “dando certo, seria a felicidade plena”.
57
XIII
A decisão para o segundo transplante
Depois que saímos do consultório, olhávamos um para o
outro e não acreditávamos no que tínhamos ouvido minutos atrás.
Viemos embora naquela noite admirados com tudo aquilo, e cla-
ro, já estava inscrito para o famoso transplante de pancreas-rim
simultâneo.
Tinha que de três em três meses mandar para São Paulo
amostras de sangue, para me manter ativo na lista de transplante.
Há uma lista na qual eu olhava toda semana para acompanhar
minha colocação. Desde a primeira consulta já haviam falado que
a média de espera era de dois a três anos, mas, mesmo assim, a
curiosidade era grande.
Mantive a mente no serviço e continuava a fazer hemodiálise.
Sempre era o assunto, de todos os lugares onde eu estava:
“e aí, a lista está em qual número?”, essa era a expectativa de
todos. Quem me conhecia sabia que existia o transplante de pân-
creas e rim.
Sabe aqueles dias em que a coisa mais produtiva a ser feita
seria ficar em casa, dormindo e não fazer nada? A hemodiálise
me deixava assim, e meu trabalho me forçava a lutar. O transplan-
te era meu ideal, precisava ficar bem para que quando chegasse a
hora, tudo desse certo.
Em 2005, me ligaram de São Paulo, para que eu fosse fazer
mais uma consulta para rever os exames. Refiz os exames e dessa
vez fui sozinho a São Paulo, a consulta era no mesmo lugar. A fila
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Roni Anderson Schiochet
havia diminuído consideravelmente e os médicos já comentavam
que estava muito perto para realizar a cirurgia.
Com os exames estavam tudo certo, mas a ansiedade fazia
com que o diabetes descompensasse muito.
Mas meu propósito e ideal permaneciam firmes. Nessa es-
pera toda, acaba saindo em Joinville, com o dr. Rafael, o primeiro
transplante de pâncreas-rim, aquele que ele gostaria que fosse o
meu.
Mas estava muito confiante na equipe de São Paulo e, a cada
mês, minha numeração na fila diminuía, quando, no começo de
2006, chegou ao número três.
A equipe de São Paulo me ligou algumas vezes, para avisar
de que meu transplante estava para ser realizado, pois eles tam-
bém acompanhavam a fila.
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XIV
O chamado
Lembro que era uma segunda-feira, era o pior dia da semana
pra mim, tinha feito a hemodiálise. A última sessão tinha sido na
sexta-feira, e ficava três dias sem fazer, e quando trabalhava final
de semana era pior, pois tomava mais liquido que o normal per-
mitido, e na segunda-feira estava sempre com peso a mais. Che-
guei a ficar com 8 quilos a mais que o permitido, que era de dois
quilos, de uma sessão para outra.
Aquela segunda-feira, dia 5 de fevereiro de 2006, era como
as outras. Trabalhei pela manhã, fiz a hemodiálise e vim pra casa
jantar. Naquele dia, não quis jantar, estava muito fraco; tomei um
banho e fui deitar, pois no outro dia precisava acordar cedo pra ir
trabalhar. Vinha levando

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