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Resumo: Pierre Bourdieu, as ideologias e o Poder simbólico

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1. Introdução. Pierre Bourdieu, as ideologias e o Poder simbólico
Pierre Bourdieu é reconhecido como um dos pensadores que mais se destacaram em sua época, o que se deve a proposta de reflexões acerca do mundo e de conceitos e características imbuídas na sociedade. A isso se deve, em grande parte, a ressonância das suas percepções nos estudos sociológicos da atualidade.
Sugere Bourdieu que em toda sociedade há uma luta constante entre classes sociais para ocupar o lugar de poder e, deste modo, para garanti-lo, os detentores desse poder procurariam mostrar os interesses particulares como se fossem o interesse de toda comunidade, utilizando-se assim de uma violência simbólica - um poder que se encontra oculto, dissimulado, que visaria garantir a dominação. Esses interesses particulares tomados como coletivos corresponderiam ao embasamento de formulação de ideologias.
O poder simbólico, como propõe Pierre Bourdieu, é “o poder invisível o qual pode ser exercido com cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989, p. 8). O autor reconhece que os sistemas simbólicos - como arte, religião e língua - só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. Essa estrutura a qual ele se refere diz respeito à símbolos capazes de efetivar maior integração social e de contribuir para a formação de um consenso sobre a realidade, facilitando assim a reprodução da ordem social. (BOURDIEU, 1989, p. 10)
Essa reprodução da ordem por influência das produções simbólicas configura a existência de ideologias, que são, para o autor, formações capazes de apresentar interesses particulares como se fossem universais e que deste modo influem sobre a função política do sistema simbólico: “de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) (...) contribuindo, segundo Weber, para a ‘domesticação dos dominados” (BOURDIEU, 1989, p. 11)
Em relação às ideologias o autor sugere que se evite etnologismos, ou seja, que se evite tratar a ideologia como mito, silenciando assim tudo que se relaciona ao seu campo de produção, pois as ideologias “devem sua estrutura e suas funções mais específicas as condições sociais da sua produção e da sua circulação”. (BOURDIEU, 1989, p. 13)
Deste modo, o que observa Bourdieu é que o efeito ideológico existente nos discursos dominantes “consiste precisamente na imposição de sistemas de classificação políticos sob a aparência legítima de taxinomias filosóficas, religiosas, jurídicas, etc.” (BOURDIEU, 1989, p. 14)
Assim, o poder simbólico se mostra como “poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo, e deste modo, a ação sobre o mundo” (BOURDIEU, 1989, p. 14). O que significa que o poder simbólico não reside em algum sistema simbólico e sim na relação entre aqueles “que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos”. (BOURDIEU, 1989, p. 14)
Como explica:
O que faz o poder das palavras e das palavras da ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras.
O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder. (BOURDIEU, 1989, p. 15- grifo meu)
2. As reflexões de Bourdieu sobre o campo jurídico
Pierre Bourdieu fomenta que se mostra necessário formular uma ciência do direito distinta do que normalmente se considera “ciência jurídica”. Em sua concepção, o estudo que se restringe a essa dita “ciência jurídica” envolve, em geral, excessivos formalismos e propõe uma instrumentalidade do direito, a utilização do direito como “utensílio ao serviço dos dominantes”. (BOURDIEU, 1989, p. 209) O que o jurista Hans Kelsen faz, propõe o autor, é tentar construir um aparato teórico capaz de distanciar todo direito da realidade social, como se o direito fosse capaz de se fundamentar em si mesmo.
O que o autor sugere é que os marxistas não consideravam a estrutura dos sistemas simbólicos como fator primordial para a compreensão do direito. Com essa idéia de abstenção por parte dos marxistas de fatores importantes, Bourdieu comenta: “a preocupação de situar o direito no lugar mais profundo das forças históricas impede, mais uma vez, que se apreenda na sua especificidade o universo social específico em que ele se produz e se exerce”. (BOURDIEU, 1989, p. 211)
Deste fato, acrescenta o autor, pode-se verificar que uma visão que considera apenas os aspectos interiores ou os aspectos exteriores ao direito é pouco plausível. Para ele, deve-se reconhecer:
A existência de um universo social relativamente independente em relação às pressões externas, no interior da qual se produz e se exerce a autoridade jurídica, forma por excelência de violência simbólica legítima cujo monopólio pertence ao Estado e que se pode combinar com o exercício da força física. (BOURDIEU, 1989, p. 211)
A divisão do trabalho jurídico
Bourdieu delineia paradoxos da divisão do trabalho jurídico e as distinções em relação a, por exemplo, a atividade da hermenêutica literária e filosófica e a atividade interpretativa do jurista.
(...) por mais que os juristas possam opor-se a respeito de textos cujo sentido nunca se impõe de maneira absolutamente imperativa, eles permanecem inseridos num corpo fortemente integrado de instâncias hierarquizadas que estão à altura de resolver os conflitos entre os intérpretes e as interpretações. (BOURDIEU, 1989, p. 213- 214)
 
Deste modo, o que Bourdieu acaba por sugerir é que o corpo de intérpretes do Direito possibilita decisões mais coesas do que em outras áreas, pois há “um corpo hierarquizado o qual põe em prática procedimentos codificados de resolução de conflitos entre os profissionais da resolução regulada dos conflitos”. (BOURDIEU, 1989, p. 214). Salienta o autor que é mais fácil o jurista se convencer de que o Direito se fundamenta em si mesmo, por intermédio de uma Constituição, e que assim se vislumbre de forma “ordenada a ordem social por eles produzida”. (BOURDIEU, 1989, p. 214)
Para afirmar sua assertiva, observa que Kant considera o direito uma “faculdade superior” e por isso investida de uma função social, e como conseqüência disso, propõe Bourdieu, excessos teóricos como o de Kelsen não condizem com a condição de direito como questão real da prática social, que é o que se verifica na atualidade. (BOURDIEU, 1989, p. 215) Como ressalta: “Pelo contrário, a questão do fundamento do conhecimento científico acha-se posta, na própria realidade da existência social” (BOURDIEU, 1989, p. 215)
O autor também considera a existência de apriorização, que seria a consonância de elementos comuns e estranhos ao sistema jurídico na formação de sua linguagem, o que vem a produzir dois efeitos: a neutralização, como o “predomínio de construções passivas e das frases impessoais, próprias para marcar a impersonalidade do enunciado normativo” (BOURDIEU, 1989, p. 215) e a universalização, que consiste na pretensão de exprimir a generalidade e a omnitemporalidade das regras jurídicas.
Em conjunto, essas características refletem o funcionamento do campo jurídico e, como propõe Bourdieu, expressam o processo de racionalização – tanto na perspectiva weberiana como freudiana - a que os sistemas de normas se encontram submetidos há tempos, e na qual o sentido jurídico consiste em uma postura universalizante. (BOURDIEU, 1989, p. 216)
A elaboração de um corpo de regras e procedimentos com pretensão universal é produto de uma divisão do trabalho que resulta da lógica espontânea da concorrência entre diferentes formas de competência ao mesmo tempo antagonistas e complementares que funcionam como outras tantas espécies de capital específico e que estão associadas a posições diferentesno campo. (BOURDIEU, 1989, p. 217)
Continuando sua análise, considera que a oposição excludente entre a ‘teoria’ e a ‘prática’, no terreno jurídico são conseqüência de uma luta simbólica entre “definições diferentes do trabalho jurídico enquanto interpretação autorizada dos textos canônicos”. (BOURDIEU, 1989, p. 217) Exemplifica que a preocupação com a elaboração doutrinal se relaciona principalmente aos professores, enquanto a aplicação da norma ao caso concreto corresponde principalmente aos juízes.
Em face disso, podem-se observar reflexos dessas duas diversas visões na tradição jurista de diversos países, como por exemplo, se constata na Alemanha e na França, onde há uma primazia do “direito dos professores”, “da doutrina sobre o procedimento e tudo o que diz respeito à prova ou à execução da decisão” (BOURDIEU, 1989, p. 218) e na tradição anglo-americana o “direito jurisprudencial”, “assente quase exclusivamente nos acórdãos dos tribunais e na regra do precedente e é fracamente codificado”. (BOURDIEU, 1989, p. 218)
Contudo, para esclarecer que essas visões diferentes se complementam e interagem, explica:
O antagonismo entre os detentores de espécies diferente de capital jurídico, que investem interesses e visões de mundo muito diferentes no seu trabalho específico de interpretação, não exclui a complementaridade das funções e serve, de facto, a base a uma forma subril de divisão de trabalho de dominação simbólica na qual os adversários, objectivamente cúmplices, se servem uns aos outros. (BOURDIEU, 1989, p. 219)
Destarte, observa que o “cânone jurídico” possibilita a percepção de um reservatório de autoridade garantidor de atos jurídicos, o que viria a explicar a postura profética e para a propensão de o juiz tornar-se um “intérprete que se refugia na aparência ao menos de uma simples aplicação da lei e que, quando faz obra de criação jurídica, tende a dissimulá-la”. (BOURDIEU, 1989, p. 219) Considera também que os juristas estritamente voltados ao saber teórico acabam por “puxar o direito no sentido da teoria pura”, enquanto, na realidade, aos juízes deveria ser atribuída a função de impor “aos tratados teóricos do direito puro instrumentos de trabalho adaptados às exigências e à urgência da prática, repertórios de jurisprudência, formulários de actos, dicionários de direito” (BOURDIEU, 1989, p. 220), o que possibilita uma maior abertura em relação a formas de justiça no caso concreto.
Aos juristas torna-se plausível, na concepção romano-germânica, o elaborar de um corpo sistemático de normas que se estrutura em princípios racionais e que objetivam ter uma aplicação universal.
(...) eles praticam uma exegese que tem por fim racionalizar o direito positivo por meio de trabalho de controle lógico necessário para garantir a coerência do corpo jurídico e para deduzir dos textos e das suas combinações conseqüências não previstas, preenchendo assim as ‘lacunas’ do direito. (BOURDIEU, 1989, p. 221)
Já aos juízes, considera que a “regra tirada de um caso precedente nunca pode ser pura e simplesmente aplicada a um novo caso, porque não há nunca dois casos perfeitamente idênticos”, deste modo, o juiz deverá se imbuir no caso e determinar se a norma anterior poderá ser aplicada. O que Bourdieu fomenta é que os juízos do juiz correspondem de alguma forma ao estatuído no sistema jurídico, mas que de forma concomitante possuem uma função de invenção, “ficando sempre uma parte de arbitrário, imputável às variáveis organizacionais como a composição do grupo de decisão ou os atributos dos que estão sujeitos a uma jurisdição, nas decisões judiciais”. (BOURDIEU, 1989, p. 222)
Em relação à interpretação, observa:
A interpretação opera a historicização da norma, adaptando as fontes a circunstancias novas, descobrindo nelas possibilidades inéditas, deixando de lado o que está ultrapassado ou que é caduco. (...) Os juristas e os juízes dispõem todos, embora em graus muito diferentes, do poder de explorar a polissemia ou a simbologia das fórmulas jurídicas recorrendo quer à restrictio, processo necessário para se não aplicar uma lei que, entendida literalmente, o deveria ser, quer a extensio, processo que permite que se aplique uma lei que, tomada à letra, não o deveria ser, quer ainda a todas as técnicas, como a analogia, tendem a tirar o máximo partido da elasticidade da lei e mesmo das suas contradições, das suas ambigüidades ou das suas lacunas (BOURDIEU, 1989, p. 223- 224)
O que o autor propõe, nessa perspectiva de interpretação, é que o “conteúdo prático da lei que se revela no veredicto é resultado de uma luta simbólica” (BOURDIEU, 1989, p. 224), pois aos profissionais caberia utilizar eficazmente os recursos jurídicos disponíveis para assim “fazerem triunfar sua causa” (BOURDIEU, 1989, p. 224), sendo assim a decisão judicial vista como resultado de uma relação de força.
Destarte, a decisão judicial se apresenta, segundo Bourdieu, mais como reflexos das atitudes dos agentes do que da própria norma de direito, verificando-se assim uma constante tentativa de maior alcance à racionalidade, supondo que a decisão judicial não é a vontade do juiz, e sim a vontade do legislador. (BOURDIEU, 1989, p. 225)
A instituição do monopólio
Sugere o autor que “a linguagem jurídica consiste num uso particular da linguagem vulgar” (BOURDIEU, 1989, p. 226) e que, mesmo a linguagem jurídica concedendo a si própria o uso de uma palavra para nomear de forma distinta daquela utilizada pelo modo vulgar, o ‘mal-entendido’ como resultado dessas duas palavras no mesmo espaço é improvável, pois “os dois usos estão associados a posturas lingüísticas que são tão radicalmente exclusivas uma da outra como a consciência perceptiva e a consciência imaginária”. (BOURDIEU, 1989, p. 227)
Deste modo, “O princípio do desvio entre os dois significados, que é geralmente procurado num efeito de contexto, não é mais do que a dualidade dos espaços mentais, solidários de espaços sociais diferentes que os sustentam.” (BOURDIEU, 1989, p. 227)
Relacionando ao direito: “O veredicto judicial, compromisso político entre exigências inconciliáveis que se apresenta como uma síntese lógica entre teses antagonistas, condensa toda ambigüidade do campo jurídico.” (BOURDIEU, 1989, p. 228) A partir dessa noção de veredicto, o autor fomenta que a eficácia deste se deve a interação concomitante da lógica do campo político com a lógica do campo científico. (BOURDIEU, 1989, p. 228-229)
O campo judicial, propõe Bourdieu, é um campo social que configura a transformação de um conflito entre partes a um debate juridicamente regulado, mediada por profissionais que devem conhecer tanto as leis escritas como as não escritas do campo jurídico. É no universo jurídico que será redefinida a experiência e a situação que estão em pauta no litígio. (BOURDIEU, 1989, p. 229)
A constituição do campo jurídico é um princípio de constituição da realidade. Entrar no jogo, conformar-se com o direito para resolver o conflito, é aceitar tacitamente a adopção de um modo de expressão e de discussão que implica a renúncia a violência física e às formas elementares da violência simbólica, como a injúria. (BOURDIEU, 1989, p. 229)
Em relação a essa entrada no campo jurídico, Austin vem a sugerir que possui pré-requisitos, que segundo ele são: a necessidade de uma decisão efetiva, a aderência da acusação e da defesa às categorias reconhecidas do procedimento e ao fato de se recorrer a precedentes e se conformar com eles. Ressalta Austin que dessa visão de mundo jurídico deriva a condição “de os juristas não darem às expressões correntes o seu sentido corrente”. (BOURDIEU, 1989, p. 230)
Bourdieu considera ainda que existem duas justificativas utilizadas para o uso de precedentes: ou eles são utilizados como instrumento de racionalização, visando à decisão judicial parecer “produto de uma aplicação neutra e objetiva de uma competência especificamente jurídica” (BOURDIEU, 1989, p. 231) ou como razões determinantes.Contudo, o autor reitera que, no sentido de Weber, a racionalidade do direito, que consiste em previsibilidade e calculabilidade, assenta-se na “constância e na homogeneidade do habitus jurídico”. (BOURDIEU, 1989, p. 231)
Ao delinear características do campo jurídico, considera algo nada natural a necessidade jurídica, ou seja, o sentimento de injustiça que resulta na procura de serviços de um profissional. Segundo Felstiner, são os próprios profissionais que fabricam a necessidade de utilização de seus próprios serviços ao constituírem em problemas jurídicos, “traduzindo-os na linguagem do direito, problemas que se exprimem na linguagem vulgar e ao proporem uma avaliação antecipada das probabilidades de êxito e das conseqüências das diferentes estratégias” (FELSTINER apud BOURDIEU, 1989, p. 232)
Deste modo, aquele que se submete o campo jurídico torna-se um cliente do profissional. Profissional este que determina a forma e os fatos relevantes para a construção de debates propriamente jurídicos, garantindo aos profissionais o “monopólio dos instrumentos necessários à construção jurídica, que é, por si, apropriação”. (BOURDIEU, 1989, p. 233)
Cada progresso no sentido de jurisdicização de uma dimensão da pratica gera novas ‘necessidades jurídicas’, portanto, novos interesses jurídicos entre aqueles que, estando de posse da competência especificamente exigida encontram aí um novo mercado; estes, pela sua intervenção, determinam um aumento do formalismo jurídico dos procedimentos e contribuem assim para reforçar a necessidade dos seus próprios serviços e dos seus próprios produtos e para determinar a exclusão de facto dos simples profanos, forçados a recorrer aos conselhos de profissionais (BOURDIEU, 1989, p. 234)
O que se conclui, nesta parte, é que existe uma produção por parte dos juristas da necessidade do direito, de forma que os profanos – os não profissionais jurídicos, nas palavras de Bourdieu – sempre deles dependam para a construção do justo. É uma comparação com a prática religiosa que decorre, por exemplo, do “princípio da oferta jurídica que se gera na concorrência entre profissionais, e a procura dos profanos que são sempre em parte determinados pelo efeito da oferta”. (BOURDIEU, 1989, p. 240)
O poder de nomeação
No embate de visões de mundo diferentes – do profissional jurídico e do leigo -, encontra-se em jogo o “monopólio do poder de impor o princípio universalmente reconhecido de conhecimento do mundo social, o nomos como princípio de universal de visão e de divisão, portanto, de distribuição legítima” (BOURDIEU, 1989, p. 236) Destarte, o poder judicial e suas sanções “manifestam esse ponto de vista transcendente às perspectivas particulares que é a visão soberana do estado, detentor do monopólio da violência simbólica legítima” (BOURDIEU, 1989, p. 236)
Continuando nessa mesma percepção, observa que o veredicto do juiz é tomado como ‘actos de nomeação’, que representam a palavra pública, oficial: “são actos mágicos que são bem sucedidos porque estão a altura de se fazerem reconhecer universalmente, portanto, de conseguir que ninguém possa recusar ou ignorar o ponto de vista, a visão, que eles impõem”. (BOURDIEU, 1989, p. 237)
Esboça também características do direito que se referem a concepção de que “O direito consagra a ordem estabelecida , ao consagrar uma visão desta ordem que é uma visão de Estado, garantida pelo Estado.” (BOURDIEU, 1989, p. 237). Nessa perspectiva, ao Direito cabe limitar, pôr um limite “ao regateio ou à negociação acerca das qualidades das pessoas e dos grupos”. Assim como é a densificação do poder simbólico de nomeação e “a forma por excelência do discurso actuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de se não esquecer que ele é feito por este”. (BOURDIEU, 1989, p. 237)
(...) o efeito próprio, quer dizer, propriamente simbólico, das representações geradas segundo esquemas adequados às estruturas do mundo de que são produto, é o de consagrar a ordem estabelecida: a representação justa sanciona e santifica a visão dóxica das divisões (...) que lhe confere a universalidade pratica do oficial. (BOURDIEU, 1989, p. 238)
Conclui que, “se não há dúvida de que o direito exerce uma eficácia específica, imputável sobretudo a trabalho de codificação, de pôr forma e em fórmula, de neutralização e de sistematização, que os profissionais do trabalho simbólico realizam segundo as leis próprias do seu universo” (BOURDIEU, 1989, p. 239) “também não há duvida de que esta eficácia, definida pela oposição à inaplicação pura e simples ou à aplicação firmada no constrangimento puro, se exerce na medida que o direito é socialmente reconhecido e depara com um acordo”(BOURDIEU, 1989, p. 239-240), acordo este que, ao menos aparentemente, atende a interesses e necessidades reais
A força da forma
Bourdieu propõe que, para se explicar o que é o direito, em sua estrutura e em seu efeito social, será necessário recuperar “além do estado da procura social, actual ou potencial, e das condições de possibilidade que ela oferece a ‘criação jurídica’” (BOURDIEU, 1989, p. 241):
a lógica própria do trabalho jurídico no que ele tem de mais específico, quer dizer, a actividade de formalização, e os interesses sociais dos agentes formalizadores, tal como se definem na concorrência no seio do campo jurídico e na relação entre este campo e o campo do poder no seu conjunto” (BOURDIEU, 1989, p. 241)
Utiliza-se de pensamento de Eugen Ehrlich, que diz que: “O centro da gravidade do desenvolvimento do direito (...), na nossa época, como em todo o tempo, não deve ser procurado nem na legislação, nem na doutrina, nem na jurisprudência, mas sim na sociedade ela própria” (EHRLICH apud BOURDIEU, 1989, p. 241). Observa Bourdieu que há também uma proximidade de interesses entre os detentores do poder simbólico e os detentores do poder temporal, político ou econômico, de forma que os textos jurídicos se encontram adequados aos valores e perspectivas dos dominantes.
Em seguida, o autor delineia exemplos históricos, objetivando mostrar que os magistrados sempre estiverem vinculados e pertencentes às classes dominantes. Para Bourdieu, mostra-se como próprio da eficácia simbólica a condição de ser exercida devido à cumplicidade daqueles que a suportam. “Forma por excelência do discurso legítimo, o direito só pode exercer a sua eficácia específica na medida em que obtém o reconhecimento (...) do seu funcionamento”. (BOURDIEU, 1989, p. 243)
Assim, “A emergência do direito, escreve Jacques Ellul, situa-se no ponto em que o imperativo formulado por um dos grupos que compõem a sociedade global tende a tomar um valor universal pela sua formalização jurídica” (BOURDIEU, 1989, p. 244). Bourdieu ressalta em seguida a importância do direito escrito, favorecendo a “autonomização do texto, que se comenta e que se interpõe entre os comentadores e a realidade” (BOURDIEU, 1989, p. 244).
(o direito) liga continuamente o presente ao passado e dá garantia de que; salvo revolução capaz de pôr em causa os próprios fundamentos da ordem jurídica, o porvir será a imagem do passado e de que as transformações e as adaptações inevitáveis serão pensadas e ditas na linguagem da conformidade com o passado. (BOURDIEU, 1989, p. 245)
Considerando essa premissa, acaba-se por observar que o trabalho jurídico, “pela sistematização e pela racionalização a que ele submete as decisões jurídicas e a regras invocadas para as fundamentar ou as justificar, ele confere o selo da universalidade, factor por excelência da eficácia simbólica” (BOURDIEU, 1989, p. 245).
Deste modo, o trabalho jurídico pode vir a conduzir uma universalização prática, que parte de uma generalização das práticas, quando como, por exemplo, uma lei passa a ser reconhecida pelo uso e densifica-se como patrimônio da coletividade. (ELLUL apud BOURDIEU, 1989, p. 245). Assim, como decorrência do efeito de normalizaçãode regras de conduta, verifica-se que “vem aumentar o efeito da autoridade social que a cultura legítima e os seus detentores já exercem para dar toda a sua eficácia prática à coerção jurídica” (BOURDIEU, 1989, p. 246).
O autor enfoca alguns reflexos simbólicos do direito, como o “reconhecimento público de normalidade que torna dizível, pensável, confessável, uma conduta até então considerada tabu.” (BOURDIEU, 1989, p. 244), por exemplo, como se diz respeito à homossexualidade. Por outro lado, Bourdieu propõe que a imaginação jurídica pode contribuir para fazer existir, em maior ou menor quantidade, determinadas atitudes reguladas por regras de transgressão previstas.
Além disso, comenta o autor, o direito de família, constituído pela normatização de práticas familiares que foram gradativamente surgindo, acaba por “fazer avançar a generalização de um modelo da unidade familiar e da sua reprodução que, em certas regiões (...) esbarrava em obstáculos econômicos e sociais ligados sobretudo a lógica específica da pequena empresa e da sua produção” (LENOIR apud BOURDIEU, 1989, p. 247).
Este fato, junto aos outros anteriormente abarcados, contribui para a idéia de universalização que está também “na ideologia que tende a fazer do direito um instrumento de transformação das relações sociais”, o que se pode constatar na assertiva de que “não é em qualquer região do espaço social que emergem os princípios práticos ou as reivindicações éticas submetidas pelos juristas à formalização e à generalização”. (BOURDIEU, 1989, p. 247).
 (...) ao fazer desaparecer as excepções e o caracter vago dos conjuntos nebulosos, ao impor descontinuidades nítidas e fronteiras estreitas no continuum dos limites estatísticos, a codificação introduz nas relações sociais uma nitidez, uma previsibilidade e, por este modo, uma racionalidade que nunca é completamente garantida pelos princípios práticos do habitus ou pelas sanções do costume que são produto da aplicação directa ao caso particular desses princípios não formulados. (BOURDIEU, 1989, p. 249)
 
3. Assertivas críticas sobre as concepções de Direito em Bourdieu. Considerações Finais.
É claro, por exemplo, que, à medida que aumenta a força dos dominados no campo social e a dos seus representantes (partidos ou sindicatos) no campo jurídico, a diferenciação do campo jurídico tende a aumentar, como sucedeu, por exemplo, na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento do direito comercial, e também com o direito do trabalho e mais geralmente com o direito social. (BOURDIEU, 1989, p. 252)
Pierre Bourdieu ressalta que há uma ambigüidade contida no discurso jurídico, dispõe: “que os defensores da autonomia e da lei como entidade abstrata e transcendente são, de fato, os defensores de uma ortodoxia”, pois, “o culto do texto, o primado da doutrina e da exegese, que dizer, ao mesmo tempo da teoria e do passado, caminham a par da recusa em reconhecer à jurisprudência o menor valor criativo, portanto a par de uma denegação pratica da realidade econômica e social e de uma recusa de toda apreensão cientifica desta realidade”. (BOURDIEU, 1989, p. 252)
Muitos acreditam, assim como observa Bourdieu, que a Sociologia encontrar-se-ia vinculada ao Socialismo e deste modo encarnaria uma reconciliação maléfica entre ciência e realidade social, “contra qual a exegese da teoria pura representava a melhor opção”.
A função de manutenção da ordem simbólica que é assegurada pela contribuição do campo jurídico é (...) produto de inúmeras acções que não tem como fim a realização desta função e que podem mesmo inspirar-se em intenções opostas, como os trabalhos subersivos das vanguardas, os quais contribuem para determinar a adaptação do direito e do campo jurídico ao novo estado das relações soias e para garantir assim a legitimação da forma estabelecida dessas relações. (BOURDIEU, 1989, p. 254)
Da mesma forma, fomenta Pierre Bourdieu que a questão do fundamento do conhecimento científico acha-se posta na própria realidade da existência social. (BOURDIEU, 1989, p. 215) Ao ponderar que não é demais dizer que o Direito faz o mundo social, desde que considerada a condição de se não esquecer que ele é feito por este, o sociólogo reflete características que há pouco tempo vem sendo reconhecidas nos estudos jurídicos: de que a lei é somente um ponto de partida, e não um ponto de chegada, de conclusão.
O Direito, então, neste enfoque sociológico, contribui para a produção e reprodução de uma dada ordem social, proclamando e definindo aquela ordem que será tida como exemplar. Assim, ao consagrar determinada realidade, o Direito desconhece ou ignora as que possam coexistir. Nesse contexto, a divisão da realidade leva à desconsideração ou à negação das demais visões, decorrendo na força e a violência simbólica do Direito, que, além de construir uma dada realidade social, impõe uma definição ideológica que passa a ser legítima. 
Destutt de Tracy é apontado como criador da palavra ideologia. (COSTA, 2001, p. 108) Em sua obra Eléments de l´Idéologie, a ideologia é vista como a ciência que estuda as idéias, em sua gênese e como conjunto. O autor, um nobre rico e iluminista ligado à Revolução Francesa, fora preso durante o período do Terror. Este período, como observa o jurista Alexandre Araújo Costa, refletiu a negação do ideário iluminista “de uma sociedade racional e organizada” (COSTA, 2001, p. 108) Assim, coube a Tracy, quando libertado, a estruturação de uma nova ciência que partisse da análise minuciosa e sistemática das idéias, como tentativa de compreender o mundo que possibilitaria organizar a sociedade de forma justa. A ideologia serviria, dessa forma, como base para todas as ciências. (COSTA, 2001, p. 108-109) 
Quem introduziu o sentido pejorativo da palavra foi Napoleão Bonaparte (COSTA, 2001, p. 109). A oposição e a ridicularização do conceito de ideologia de Tracy foi resultado de um embate político, pois ele se opunha às pretensões autocráticas de Napoleão. Assim, Napoleão introduziu a palavra na história de forma que ela passasse a designar pessoas que “ao invés de procurarem desenvolver a política com base em um conhecimento do mundo real, buscavam a base da política em um estudo metafísico de idéias” (COSTA, 2001, p. 109). 
O sentido embutido por Napoleão algum tempo depois foi retomado por Marx e Engels, autores que visavam à crítica de filósofos alemães que seguiam as teorias de Hegel. Os hegelianos acreditavam que a realidade poderia ser mudada por meio de uma batalha real de idéias, onde se assumiria uma postura crítica perante elas. (THOMPSON apud COSTA, 2001, p. 109)
Marx e Engels presumiam que uma luta no campo das idéias seria vã, pois assim não se promoveria mudanças sociais e não se compreenderia a realidade social. O necessário seria alterar a estrutura econômica. A ideologia de Marx está relacionada às relações de classe e condições econômicas (COSTA, 2001, p. 110), o que corresponde, como se pode observar em O poder simbólico, à perspectiva marxista de poder como luta de classes de Pierre Bourdieu.
Das premissas destes autores surge um dos conceitos mais conhecidos de ideologia, na qual esta é vista como meio das classes dominantes se manterem no poder (COSTA, 2001, p. 110), de se firmarem no status quo, ou seja, de se manter a ordem vigente, a estrutura social existente na sociedade em determinado momento. Como define Thompson, sobre ideologia:
Sistema de representações que servem para sustentar relações existentes de dominação de classes através da orientação das pessoas para o passado em vez de para o futuro, ou para imagens e ideais que escondem as relações de classe e desviam da busca coletiva de mudança social. (THOMPSON apud COSTA, 2001, p. 110)
 A socióloga brasileira Marilena de Souza Chauí representa uma das maiores difusoras do pensamento marxista sobre ideologia. A autora propõe que a ideologia consiste em tomar as idéias como independentes da realidade históricae social. Para ela, a ideologia de certa forma explica a realidade através de uma suposta neutralidade e imparcialidade, quando o que realmente acontece é que é a realidade que explica as idéias, e estas seriam determinadas pela época e condições exteriores. Como sugere em sua obra O que é ideologia:
A ideologia é então um conjunto lógico, sistemático e corrente de idéias [...] valores, normas e regras que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que pensar, o que dever fazer e como dever fazer, o que sentir e como sentir. [...] Ela é um conjunto explicativo e pratico de caráter normativo, prescrito, regulador e controlador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional e convincente para as desigualdades sociais, políticas e culturais, jamais atribuindo a origem destas desigualdades á divisão de classes, á exploração e á dominação. (CHAUÍ, 1984, p. 25)
Dessa forma, CHAUÍ critica a visão distorcida da realidade vista como resultado da ideologia imposta pelo modo de produção capitalista. (COSTA, 2001, p. 111) Alguns sentidos para ideologia são listados pelo inglês Terry Eagleton, o que condiz com o ideário de “ideologia dominante” proposto por CHAUÍ. Para ele, uma das funções da ideologia seria a “falsificação da realidade social” (EAGLETON apud COSTA, 2001, p. 111), por meio do embutimento de crenças. Os sentidos seriam:
1. processo de produção de significados, signos e valores na vida social
2. corpo de idéias característico de um determinado grupo ou classe social
3. idéias que ajudam a legitimar um poder político dominante
4. comunicação sistematicamente distorcida
5. formas de pensamento motivadas por interesses sociais (EAGLETON, 1997, p.1)
Destarte, apesar das diferenças de idéias entre os autores pode-se vislumbrar um vínculo entre a concepção de Marx, Engels, Thompson, Eagleton e Chauí com relação ao sistemas simbólicos de Bourdieu, vistos como “instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) poder simbólico como poder de transformar a visão de mundo, e deste modo, a ação sobre o mundo” (BOURDIEU, 1989, p. 11).
Pode-se, por outro lado, apontar que a ideologia marxista é quem introduz a concepção jurídica do mundo (COSTA, 2001, p. 121), na qual o Direito é visto como fonte e fundamento da organização da sociedade, e não como reflexo da organização social (COSTA, 2001, p. 129). Essa observação suscita uma importante reflexão: de que é comum se centrar em idéias pré-concebidas, e assim se abster da realidade social. (COSTA, 2001, p. 113) Da mesma forma, fomenta Pierre Bourdieu que a questão do fundamento do conhecimento científico acha-se posta na própria realidade da existência social. (BOURDIEU, 1989, p. 215)
 No campo dos juristas, esta antiga concepção se reflete em padrões inquestionáveis e tomados como verdade: os dogmas.
O dogma, afinal, atravessa a história das idéias como uma verdade absoluta, que se pretende erguer acima de qualquer debate e, assim, captar a adesão, a pretexto de que não cabe contestá-la ou a ela propor qualquer alternativa. Neste viés, terá, sempre, uma tendência a cristalizar as ideologias mascarando interesses e conveniências dos grupos que se instalam nos aparelhos de controle social, para ditarem as normas em seu próprio benefício. (LYRA FILHO apud BISOL, 1993, p. 18)
Deste modo, o que predomina sobre o campo jurídico é, propõe Bourdieu, o que Hans Kelsen faz, ou seja, o tentar construir um aparato teórico capaz de distanciar todo direito da realidade social, como se o direito fosse capaz de se fundamentar em si mesmo. O que se observa, entretanto, é que o Direito atual já propõe respostas a essas estruturas anteriormente estanques, exegéticas.
Para Roberto Lyra Filho, as diferentes manifestações de ideologias ao longo da História convergem com o histórico aqui tomado. Para o autor, a ideologia inicialmente seria um “estudo da origem e funcionamento das idéias em relação aos signos que as representam” (LYRA FILHO, 2004, p. 13), em seguida desenvolver-se-ia o conceito de ideologia como o conjunto de idéias. Contudo, ressalta que esta alteração de concepção trouxe consigo uma mudança, que reflete o pensamento de Bourdieu: “idéias e seus conjuntos padronizados começaram a destacar as deformações do raciocínio (...) distorcidos ao sabor de vários condicionamentos, fundamentalmente sociais”. (LYRA FILHO, 2004, p. 14)
Em outra de suas obras, Para um direito sem dogmas, condizendo com sua perspectiva, Lyra Filho explica:
Um dogmatismo é uma tese aceita às cegas, por simples crença, sem crítica, sem levar em conta as condições de sua aplicação. O dogmatismo é característico de todos os sistemas que defendem o caduco, o velho, o reacionário e combatem o novo, o progressista. (ROSENTHAL & IUDIN apud LYRA FILHO , 1980, p. 13)
O dogmatismo é a esclerose teórica; seu equivalente prático é a inquisição, sempre disposta a culminar em violência, que vão do temor infundido à força, erguida pelos ‘justiceiros’. Esta, a suprema irrisão da espada maniquéia, levantada para um simulacro de Justiça.(LYRA FILHO apud FURMANN, 2006)
Vale ressaltar que Pierre Bourdieu não sugere determinadas mudanças, pois limita-se a analisar de forma crítica a sociedade, de forma a observar o quanto somente aqueles detentores de capital cultural, social, ou econômico socialmente aceitos podem se inserir na esfera de poder de dominação simbólica, e assim exercer a violência.
O que aqui se propõe, entretanto, é que as estruturas rígidas por ele observadas relacionadas ao Direito vem continuamente sendo questionadas, repensadas e discutidas. Não cabe mais aos estudos e às estruturações jurídicas a ênfase nas tradições: o que o Direito enfatiza, na atualidade, é uma perspectiva de resignificação do presente, partindo de uma análise histórica, para que melhor se atenda as demandas futuras.
Como propõe o professor Menelick de Carvalho Neto, há a concepção moderna de que aos indivíduos se embute a tarefa de se auto-reger, visto que as regras seguidas foram, de forma democrática, construídas por eles mesmos. Em relação à dificuldade de ruptura com determinadas tradições, temática suscitada por Bordieu, muito bem explica, em uma perspectiva crítica e atual, Cristiano Paixão e Menelick de Carvalho Netto:
Tradições, práticas e atitudes mentais são, a um só tempo, difíceis e fáceis de mudar. Fáceis de serem alteradas porque em uma sociedade moderna, ao contrário do que ocorre nas sociedades tradicionais, a eticidade torna-se reflexiva, ou seja, capaz de voltar-se criticamente sobre si própria. Bons costumes são apenas aqueles capazes de sustentação em um debate público, de serem aceitos por todos os seus potenciais afetados (de aceitabilidade). Todos os dias nós damos continuidade a práticas que passam por esse crivo e descartamos as que de agora em diante serão vistas como abusivas e discriminatórias. Por outro lado são extremamente difíceis de serem modificadas enquanto persistirem não problematizadas, a integrar o pano-de-fundo de silêncio que sustenta e naturaliza o horizonte de significação do nosso agir e falar cotidianos, pois possuem, também no campo da política, uma imensa força de inércia capaz de, sempre silenciosa e sub-repticiamente, continuar a moldar mesmo a leitura das práticas alternativas constitucionalmente requeridas, subvertendo-as do avesso, ao reduzirem a sua novidade a uma forma vazia que permite que se acolha como conteúdo delas as antigas práticas que deveriam obviar, assegurando, assim, o continuísmo. Desse modo é que de forma latente, elas permanecem a nortear o imaginário da sociedade, quer por manifestações naturalizadas de puro irracionalismo, quer pela lembrança de um passado que se revela repentinamente idílico, confortante, feliz. [1]
Em uma sociedade como a nossa, complexa, com o gradativo aumento da quantidade de riscos,ao Direito cabe regular expectativas. A perspectiva de Bourdieu apresenta-se como insuficiente, pois prevalece na atualidade a idéia de mutabilidade do Direito, pela qual o risco deve ser assumido como essencial para que se possibilitem novas perspectivas e o reconhecimento e efetivação de princípios fundamentais. Sendo assim, o poder simbólico de Bourdieu, oculto e dissimulado mantêm-se presente. Contudo, o Direito, ao assumir sua condição de regulador de expectativas não mais pode ser visto como elemento formador da sociedade: ele é resultado, e deve estar sempre aberto à discussão.
Referências Bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. “Sobre o poder simbólico” (cap. 1). “A força do direito. Elementos para uma sociologia do campo jurídico” (cap. 8). In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BISOL, Jairo. “Dogma e Dogmatismo”. In: SOUSA JR, José Geraldo de (org.). O Direito Achado na Rua : Introdução Crítica ao Direito. 4 ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993.
CARVALHO NETTO, Menelick de . A contribuição do direito administrativo enfocado da ótica do administrado: para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das Leis no Brasil. Um pequeno exercício de Teoria da Constituição. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, 2001.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia? São Paulo, Brasiliense, 1984.
COSTA, Alexandre Araújo. Introdução ao Direito: Um perspectiva zetética das ciências jurídicas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001.
EAGLETON, Terry. “O que é Ideologia?” In: Ideologia - Uma introdução. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
FURMANN, Ivan; SILVA, Thais Sampaio da. Direito pré-moderno: um contributo histórico e uma crítica presente. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 939, 28 jan. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7902>.
HABERMAS, Jürgen. In: A Inclusão do outro – estudos de teoria política. Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
LAFER, Celso. A ruptura e o paradigma da Filosofia do Direito – os limites da lógica do razoável. In: ______. A reconstrução dos Direitos Humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia de Letras, 1991.
LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. (Coleção Primeiros Passos, 62). São Paulo: Editora Brasiliense, 2004.
____________, Roberto. Para um direito sem dogmas. Porto Alegre: Sergio Antonio fabris editor, 1980.
PAIXÃO, Cristiano. Modernidade, tempo e direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
PAIXÃO, Cristiano e NETTO, Menelick de Carvalho. Entre permanência e mudança: reflexões sobre o conceito de constituição. 2007.
Nota:
[1] PAIXÃO, Cristiano e NETTO, Menelick de Carvalho.(2007, p. 03)

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