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Nicolle Guerreiro Chaboudet ad2 Literatura Brasileira III 15113120146 NFR

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AD2
De acordo com o que você estudou nas Aulas 12, 13 e 14 sobre a Formação cultural brasileira, a Belle Époque e o Modernismo, responda às questões abaixo de modo dissertativo. Não copie respostas de sites da internet nem do seu material de estudo. Você deve pesquisar sobre o tema e escrever com suas palavras.
Questão 1 – Nos textos de João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto) emergem as mudanças sociais decorrentes da Primeira República, assim como questões de ordem subjetiva estabelecendo, deste modo, uma relação entre o local e o universal em sua literatura. Discuta como ocorre esta relação tendo por base o trecho selecionado da obra A alma encantadora das ruas. 
Cordões
Oh! abre ala!
Que eu quero passá
Estrela d’Alva
Do Carnavá!
Era em plena Rua do Ouvidor. Não se podia andar. A multidão apertava-se, sufocada. Havia sujeitos congestos, forçando a passagem com os cotovelos, mulheres afogueadas, crianças a gritar, tipos que berravam pilhérias. A pletora da alegria punha desvarios em todas as faces. [...] A rua convulsionava-se como se fosse fender, rebentar de luxúria e de barulho. [...]
Abriguei-me a uma porta. Sob a chuva de confetti, o meu companheiro esforçava-se por alcançar-me.
— Por que foges?
— Oh! estes cordões! Odeio o cordão.
— Não é possível.
— Sério!
Ele parou, sorriu:
— Mas que pensas tu? O cordão é o carnaval, o cordão é vida delirante, o cordão é o último elo das religiões pagãs. Cada um desses pretos ululantes tem por sob a elbutina e o reflexo discrômico das lantejoulas, tradições milenares; cada preta bêbada, desconjuntando nas tarlatanas amarfanhadas os quadris largos, recorda o delírio das procissões em Biblos pela época da primavera e a fúria rábida das bacantes. Eu tenho vontade, quando os vejo passar zabumbando, chocalhando, berrando, arrastando a apoteose incomensurável do rumor, de os respeitar, entoando em seu louvor a “prosódia” clássica com as frases de Píndaro — salve grupos floridos, ramos floridos da vida...[1: Tecido de algodão.][2: Tecido encorpado e transparente, utilizado para forro.]
[...] Os cordões são os núcleos irredutíveis da folia carioca, brotam como um fulgor mais vivo e são antes de tudo bem do povo, bem da terra, bem da alma encantadora e bárbara do Rio. 
Quantos cordões julgas que há da Urca ao Caju? Mais de duzentos! E todos, mais de duas centenas de grupos, são inconscientemente os sacrários da tradição religiosa da dança, de um costume histórico e de um hábito infiltrado em todo o Brasil.
— Explica-te! bradei eu, fugindo para outra porta, sob uma avalanche de confetti e velhas serpentinas varridas de uma sacada.
Atrás de mim, todo sujo, com fitas de papel velho pelos ombros, o meu companheiro continuou:
— Eu explico. A dança foi sempre uma manifestação cultual. Não há danças novas; há lentas transformações de antigas atitudes de culto religioso. O bailado clássico das bailarinas do Scala e da Ópera tem uma série de passos do culto bramânico, o minueto é uma degenerescência da reverência sacerdotal, e o cakewalk e o maxixe, danças delirantes, têm o seu nascedouro nas correrias de Dionísios e no pavor dos orixalás da África. A dança saiu dos templos; em todos os templos se dançou, mesmo nos católicos.[3: Dança urbana, originada no final do século XIX no Rio de Janeiro, muito popular até o advento do samba, que a suplantou. Devido ao erotismo dos meneios entrelaçados do casal dançarino, foi muito combatida pela Igreja Católica e pelas elites em geral.]
O meu amigo falava intercortado, gesticulando. Começava desconfiar da sua razão. Ele, entretanto, esticando o dedo, bradava no torvelinho da rua:
— O Carnaval é uma festa religiosa, é o misto dos dias sagrados de Afrodita e Dionísios, vem coroado de pâmpanos e cheirando a luxúria. As mulheres entregam-se; os homens abrem-se; os instrumentos rugem; estes três dias ardentes, coruscantes são como uma enorme sangria na congestão dos maus instintos. Os cordões saíram dos templos! Ignoras a origem dos cordões? [...][4: Ramo de videira.]
João do Rio. A alma encantadora das ruas. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000039.pdf>.
Resposta:
João do Rio, atento às transformações sociais e econômicas ocorridas nas primeiras décadas do século XX, cria sua obra a partir da percepção do ambiente urbano e elementos do cotidiano. Ao mesmo tempo em que ele possui a visão otimista perante a modernidade, o autor não deixa de perceber, de forma critica, os problemas enfrentados por grande parte da sociedade brasileira, como a miséria e condições precárias de sobrevivência. João do Rio busca um modo de ver e sentir local, com olhos sensíveis diante das práticas sociais cariocas, contudo as influências da literatura francesa também o afetam, fazendo que sua obra dialogue com as produções estrangeiras e assim, adquira também um tom universal. Dessa forma, podemos perceber na obra “A alma encantadora das ruas” as contradições da modernidade, presentes do decorrer da escrita ao apresentar as desigualdades sociais, os diferentes tipos humanos e a diversidade de crenças/valores. João do Rio é um autor que consegue ser, ao mesmo tempo, o cronista da vida social brasileira nas duas primeiras décadas do século XX (a chamada belle époque) e um autor com escrita dotada de profundidade psicológica voltada à observação dos desejos ocultos da psique reprimidos pelas convenções sociais. Ao mesmo tempo em que dialoga diretamente com a tradição literária europeia (sobretudo com a literatura francesa), busca um modo de ver e sentir locais. Em sua obra se encontram tanto o Rio de Janeiro e a vida social carioca no começo do século XX como o Homem (de qualquer tempo e espaço) em busca da realização de seus desejos reprimidos, sobretudo aqueles de natureza erótica. Ocorre, assim, um trânsito entre local e universal que atesta, de forma inegável, a importância de sua obra e se revela fundamental para a compreensão das mentalidades e das práticas sociais características da belle époque.
Questão 2 – Identifique, a partir da crônica jornalística de António de Alcântara Machado (1902-1935), a divisão no campo cultural brasileiro e a polêmica decorrente das modificações propostas pela Semana de Arte Moderna de 1922. 
Outubro, 23 — Subsídios para a história da independência — O atual movimento de renovação artística rebentando em São Paulo há quatro anos dividiu a porção do país que usa colarinho em dois campos distintos: um esbraveja indignado, outro silencia sucumbido. O resto que em matéria de estética nem camisa usa continua banzando. Indiferente e analfabeto. Bem-aventurado.
A meninada moderna surgiu que nem capoeira em festa de subúrbio. Distribuindo pés de arraia. Prodigalizando cocadas. Arrumando pés de ouvido. O que não prestava virou logo de pernas para o ar. Houve muito nariz esborrachado. Muita costela quebrada. As nove musas tiveram nove chiliques cada uma. [...]
Tanto o grupo que esbraveja indignado, como o que silencia sucumbido, são compostos por velhos proprietários de imensos alqueires de mata incultos e inúteis, invadidos pela gente nova, toda ela de grileiros audaciosos que resolveram fertilizar a terra e valorizar o solo. O que distingue uns dos outros é a maneira de reagir à invasão. Mais nada. Os ranzinzas estrilaram. E vieram a juízo a fim de fazerem valer os seus direitos. Os outros cansados não tiveram mais forças para lutar. E assistiram de braços cruzados à entrada maluca.
As duas atitudes são explicáveis. Muito. Sem dúvida. Os medrosos continuaram no seu papel de medrosos. E os valentes queimaram os últimos cartuchos. Nada mais natural.
A revolta destes, principalmente, é justíssima. A literatura brasileira constituía um vasto domínio pertencente a meia dúzia de cavalheiros mais ou menos respeitáveis. Ninguém ousava bulir no patrimônio sagrado. Seus donos contentavam-se em plantar de vez em quando uma rocinha de milho muito ordinária. E só. O enorme lote de terras riquíssimas continuava abandonado. Sem produzir cousa alguma. Nãodava renda. Porém dava importância. Os produtos não apareciam. Ou eram miseráveis. Mas os cavalheiros passavam por grandes proprietários e era o que convinha.
Portanto a invasão de gente moça armada de talento e coragem, de Colt na cinta e machado na mão, guiando tratores Fordson e destruindo à dinamite veio ofender direitos adquiridos, velhas vantagens sempre respeitadas, provocando o salseiro que sabemos.
Mas quem é que mandou essa gente não cuidar do era seu? Ficar parada bem no meio da agitação enorme em que vivemos? Sempre fanática do carro de boi? Ignorante e estúpida?
Pois que essa gente vá se queixar agora ao bispo mais próximo. Enquanto a rapaziada consulta um agente de automóveis. Também o mais próximo. Que é para não perder tempo.
MACHADO, António de Alcântara. Saxofone – 1926. In: _____ Obras: Prosa preparatória & Cavaquinho e Saxofone. vol. 1. Org. Cecília de Lara. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. pp. 183-184.
Resposta: 
O modernismo propunha uma renovação nas artes. Uma arte própria diferente dos padrões impostos pela arte europeia. Havia uma comparação entre o cenário social ao cenário vivenciado na literatura, onde tanto em um quanto no outro, as mudanças são “vividas” por poucos. Cenários sempre representados por dois grupos: “fortes e oprimidos”. A Semana, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, foi a explosão de ideias inovadoras que aboliam por completo a perfeição estética tão apreciada no século XIX. Os artistas brasileiros buscavam uma identidade própria e a liberdade de expressão; com este propósito, experimentavam diferentes caminhos sem definir nenhum padrão. Com a realização da Semana de Arte Moderna de 1922, começaram a ganhar destaque os movimentos de literatura modernista. Porém, Alcântara Machado não participara desta primeira manifestação do modernismo no Brasil. Apesar disso, acaba iniciando uma amizade com o escritor Oswald de Andrade e se torna mais um membro do movimento, virando um dos grandes ícones da Geração de 22 no que se refere à prosa. Entre as principais características encontradas na obra de Alcântara Machado, destacam-se o dinamismo de seus contos, a forma objetiva e direta de narrar, a utilização da linguagem jornalística e o uso de jargões, gírias e maneirismos populares dos imigrantes italianos em suas obras.
Questão 3 – No Manifesto Antropófago (1928), Oswald de Andrade propõe: “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. Uma nova perspectiva é estabelecida entre os movimentos de cosmopolitismo e nacionalismo na literatura brasileira. De acordo com a subversão do papel periférico ocupado pelo país, comente esta quebra de paradigma no poema “brasil”.
brasil 
O Zé Pereira chegou de caravela 
E preguntou pro guarani da mata virgem 
— Sois cristão? 
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte 
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uul 
O negro zonzo saído da fornalha 
Tomou a palavra e respondeu 
— Sim pela graça de Deus 
Canhem Babá Ganhem Babá Cum Cum! 
E fizeram o Carnaval.
 Disponível em: < http://www.letras.ufmg.br/profs/sergioalcides/downloads.asp?file=downloads>.
Resposta: 
A partir do “Manifesto Antropófago”, Oswald de Andrade propõe, por meio de uma metáfora da antropofagia, que a cultura brasileira é construída a partir da “ingestão” das culturas estrangeiras. Em outras palavras, a nossa cultura é formada com base em empréstimos de outros povos, que transformados durante o processo de “digestão” o tornamos elementos originais e fortes da cultura brasileira. Dessa maneira, Andrade valoriza a capacidade brasileira de transformar criativamente os influxos estrangeiros. A antropofagia ritual não se resumia ao ato de comer a carne do inimigo, mas tinha acima de tudo um valor simbólico: comer a carne do inimigo significava incorporar a força do adversário. Nessa perspectiva, a antropofagia oswaldiana propõe a cultura brasileira como uma cultura que digere as culturas estrangeiras, tornando-se por sua vez original e forte. Não se trata aqui, portanto, de copiar o elemento cultural estrangeiro, mas de transformá-lo (no processo de digestão) segundo os nossos próprios interesses.
Com essa visão, podemos perceber ao analisar o poema “brasil”, Oswald de Andrade faz parte da primeira fase do Modernismo. Então, notamos a busca ao passado, do quinhentismo brasileiro, porém, sem aquele ufanismo dos românticos. Aqui, na literatura de Oswald de Andrade há uma crítica ao ufanismo exagerado, e, assim, ele busca o passado, mas, de forma crítica, irônica, com isso, surgem os poemas piadas, a paródia.      É notório o humor nesse poema, o “eu-lírico” retrata a construção da etnia brasileira, com o português, o índio e o negro: (O Zé Pereira chegou de caravela, guarani de mata virgem e o negro zonzo saído da fornalha). Ao mesmo tempo, que faz a junção dessas três etnias na construção do Brasil, o “eu-lírico” afirma que essa mistura retrata o carnaval, uma vez que a mistura das raças, dos costumes, da cultura, da religião, é a formação do povo brasileiro e, consequentemente o surgimento do carnaval. Vale salientar a valorização do falar do povo da terra, a linguagem coloquial, como: preguntou, pro... Os modernistas valorizavam o modo de falar do povo, eles colocavam esse falar na literatura. O aspecto da sátira também é bem evidente, quando o “eu-lírico” aborda a questão do índio, do negro, e, ainda faz referência ao poema de Gonçalves Dias, “I-Juca Pirama” e o carnaval. O “Manifesto Antropófago” remete à alegria de viver encarnada nos povos ditos primitivos: “Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”. Oswald parte do pressuposto de que os índios, antes da chegada dos portugueses, viviam em sociedades com alto grau de liberdade e generosidade: andavam nus (o que era natural e não pecaminoso) e distribuíam seus bens materiais e simbólicos de forma equânime entre todos. Apesar da violência da colonização, algo desse jeito livre e alegre de viver também sobreviveu na formação miscigenada da cultura brasileira. O “Manifesto Antropófago” trata-se de uma importantíssima obra de reflexão sobre nossa cultura, obra que ainda hoje é muito discutida. Segundo o “Manifesto”, o povo brasileiro nunca se deixou catequizar pelos colonizadores europeus, mas, ao invés, sempre soube subverter a cultura do outro segundo seus próprios interesses. Retomando metaforicamente o ritual de antropofagia dos índios do período colonial, concebe a cultura brasileira como uma cultura que se faz devorando as culturas estrangeiras, tornando-se assim mais forte e exuberante. 
Questão 4 – Em Macunaíma (1928), Mário de Andrade faz uma crítica irreverente às mazelas do Brasil através de um anti-herói desmistificador das grandezas pátrias. Dentre os tópicos criticados, a divisão entre língua falada e a língua escrita ganha uma projeção importante dentro do romance. Com base nos textos a seguir, um fragmento da “Carta pras Icamiabas” e uma carta do próprio Mário de Andrade a Manuel Bandeira comentando a obra, faça uma análise dos valores atribuídos a cada uma das modalidades de língua no cenário cultural de 1920 e a crítica construída no romance.
IX – Carta pras Icamiabas
[...]
De outras muitas grandezas vos poderíamos ilustrar, senhoras Amazonas, não fora perlongar demasiado esta epístola; todavia, com afirmar-vos que esta é, por sem dúvida, a mais bela cidade terráquea, muito hemos feito em favor destes homens de prol. Mas cair-nos-iam as faces, si ocultáramos no silêncio, uma curiosidade original deste povo. Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra. Assim chegado a estas plagas hospitalares, nos demos ao trabalho de bem nos inteirarmos da etnologia da terra, e dentre muita surpresa e assombro que se nos deparou, por certo não foi das menores tal originalidade lingüística. Nas conversas utilizam-se os paulistanos dum linguajar bárbaro e multifário, crasso de feição e impurona vernaculidade, mas que não deixa de ter o seu sabor e força nas apóstrofes, e também nas vozes do brincar. Destas e daquelas nos inteiramos, solícito; e nos será grata empresa vo-las ensinarmos aí chegado. Mas si de tal desprezível língua se utilizam na conversação os naturais desta terra, logo que tomam da pena, se despojam de tanta asperidade, e surge o Homem Latino, de Lineu, exprimindo-se numa outra linguagem, mui próxima da vergiliana, no dizer dum panegirista, meigo idioma, que, com imperecível galhardia, se intitula: língua de Camões! De tal originalidade e riqueza vos há-de ser grato ter ciência, e mais ainda vos espantareis com saberdes, que à grande e quase total maioria, nem essas duas línguas bastam, senão que se enriquecem do mais lídimo italiano, por mais musical e gracioso, e que por todos os recantos da urbs é versado. De tudo nos inteiramos satisfatoriamente, graças aos deuses; e muitas horas hemos ganho, discretando sobre o z do termo Brazil e a questão do pronome "se". Outrossim, hemos adquirido muitos livros bilíngües, chamados "burros", e o dicionário Pequeno Larousse; e já estamos em condições de citarmos no original latino muitas frases célebres dos filósofos e os testículos da Bíblia. [...]
ANDRADE, Mário. Macunaíma. Disponível em:.
[...] Quanto ao caso da Carta prás Icamiabas, tem aí um milhão de intenções. As intenções justificam a carta porém não provam que ela seja boa, é lógico e reconheço. Primeiro: Macunaíma como todo brasileiro que sabe um poucadinho, vira pedantissimo. O maior pedantismo do brasileiro atual é o escrever o português de lei: academia, Revista da Língua Portuguesa e outras revistas, Rui Barbosa etc. desde Gonçalves Dias. Que êle não sabe bem a língua acentuei pelas confusões que faz (testiculos da Biblia por versiculos etc. e o fundo sexual dele se acentua nas confusões testículos, buraco por orifício, etc). Escreve pois pretensiosissimo e irritante. Pra que escreve? Única e tão sòmente pra pedir dinheiro. [...] Agora a ocasião era boa pra eu satirizar os cronistas nossos (contadores de monstros nas plagas nossas e mentirosos a valer) e o estado atual de São Paulo, urbano, intelectual, político, sociológico. Fiz tudo isso, meu caro. Fiz tudo isso em estilo pretensioso, satirizando o português nosso, e pleiteando subrepticiamente pela linguagem lepida, natural (literatura) simples, dépourvue dos outros capítulos. Sincera. [...]
ANDRADE, Mário. Cartas a Manuel Bandeira. Col. Prestígio. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d., p. 123.
Resposta:
Mario de Andrade questiona a ideia de evolução racial em Macunaíma na medida em que aborda a gênese da raça brasileira, baseada na miscigenação. Ele apresenta um complexo racial, na medida em que Macunaíma, negro, filho de índia, torna-se “branco louro e de olhos azuizinhos”, após tomar banho em água encantada. Nesse sentido, refletem um complexo de raça inferior e superior, ao atrelar a transformação a um milagre realizado pela água encantada, elevando à raça branca em detrimento as demais. Em certa passagem de Macunaíma, Mário de Andrade refere-se, de modo irônico, às duas modalidades da língua portuguesa em São Paulo: há o “brasileiro falado” e o “português escrito”. As duas formas de expressão da mesma língua apresentam tantas diferenças que chegam a parecer duas línguas ao invés de uma. O “português escrito” procura se afastar do “brasileiro falado” devido ao preconceito em relação à expressão oral, vista como deficiente e impura. Contra esse preconceito linguístico, Mário irá escrever como se fala, isto é, procurará incorporar em sua obra o colorido e a expressividade da fala brasileira. A escrita de Macunaíma está muito próxima do uso oral da língua. A crítica modernista ao preconceito que, no Brasil, separa radicalmente as expressões escrita e falada da língua portuguesa. O capítulo “Carta pras Icamiabas”, de Macunaíma, é uma sátira a essa situação linguística.
Referências Bibliográficas:
Livro de Literatura Brasileira III, VOLUME 2, CEDERJ, CECIERJ.

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