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A função social do contrato...Arruda Alvim

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Pág. 51 REVISTA FORENSE – VOL. 371 DOUTRINA 
A função social dos contratos no novo Código Civil * ** ***
 
ARRUDA ALVIM 
Professor da FADISP – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professor Titular, do Mestrado e do Doutorado, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. 
 
Agradeço esta oportunidade que me é proporcionada para poder tecer algumas considerações sobre o tema da função social do contrato,1 a qual representa, realmente, a cristalização de uma tendência que, de certa maneira, já se esboçava em nossa literatura e pretorianamente em alguns precedentes de nossa jurisprudência, mesmo em face do Código Civil de 1916. Os diversos mandamentos que se encontram expressos no Código Civil significam uma maior sintonia com diplomas mais recentes do que o do Código Civil de 1916, como, por exemplo, principalmente o Código Civil português e o Código Civil italiano; percebe-se também coincidência com a disciplina da onerosidade excessiva, tal como está no Código Civil grego. 
Procurarei construir esta palestra – limitada em seu tempo – basicamente partindo da análise do negócio jurídico, porque o negócio jurídico, da mesma maneira que o ato jurídico, tal como está denominado no Código Civil de 1916, são representativos dos continentes em que se albergam também, senão principalmente, a figura do contrato. Há uma quase que sobreposição entre a figura do negócio jurídico e o contrato, no sentido daquele constituir-se normalmente no continente deste último.2
A expressão “negócio jurídico”, como é sabido, extravasa o campo do contrato, dado que, por exemplo, o testamento é um negócio jurídico unilateral, ou, na terminologia do Código Civil de 1916, “um ato unilateral”, assim como a promessa de recompensa, mas pode-se dizer que o grande espaço do negócio jurídico se realiza ou é preenchido através da figura do contrato, que é um negócio jurídico bilateral. 
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 Pág. 52 REVISTA FORENSE – VOL. 371 DOUTRINA 
Sucessivamente, vou procurar dizer alguma coisa a respeito do contrato e julgo extraordinariamente importante tecer ou fazer presentes algumas considerações de ordem histórica, justamente para demonstrar as grandes coordenadas que presidiram os Códigos Civis clássicos, que resultaram modelados, principalmente, a partir do antigo Código de Napoleão do ano de 1804; os modelos que decorreram deste Código, uma vez que ele foi decalcado por toda a Europa Continental no século XIX e foi, também, objeto de reflexos profundos na nossa ordem jurídica, uma vez que o Brasil, pode-se dizer – ainda que esteja se libertando disso, em certa escala –, foi tributário da cultura, principalmente, européia, assimilando as linhas gerais do sistema aí adotado. 
Procurarei, também, fazer algumas breves considerações iniciais, antes de ingressar no tema da função social do contrato, sobre aquilo que tem sido estudado ou aquilo que já se encontra mais nitidamente estabelecido a respeito da função social da propriedade, especialmente na Alemanha, onde o assunto foi exaustivamente estudado, tanto na doutrina, como também na prática de sua Corte Constitucional. Valem algumas considerações sobre o direito de propriedade e a função social da propriedade, dado que, se aquela foi sempre enfaticamente havida como direito absoluto, é conveniente referir-se à função social da propriedade, a ver como esta influiu no perfil do direito de propriedade. Esta lembrança é útil para poder-se compreender a figura do contrato e sua função social, mutatis mutandis. Pois no liberalismo proclamava-se, para justificar-se uma visão radical do ‘pacta sunt servanda’, que ‘quem diz contratual, diz justo’, de tal forma que se possa, também, verificar em que medida a função social no contrato deve influir no precedente perfil do contrato. 
Também procurarei fazer uma breve comparação, entre os pontos que me parecem cardeais, daquilo que pode significar, obviamente no meu entender, a função social do contrato no sistema de Direito Civil, comparativamente àquilo que já significa a função social, por exemplo, no campo dos contratos do consumidor.3 
Na Alemanha, inserido dentro da função social do direito de propriedade, se reconhece, também, um conteúdo essencial, de caráter constitucional, e insuscetível de ser atrofiado, ao direito de propriedade, que consiste na impossibilidade de que sua utilidade ou utilização privada e o poder de disposição sejam vedados ao proprietário. Ainda que se reconheça à lei ordinária a possibilidade de disciplinar o conteúdo do direito de propriedade, há um conteúdo mínimo ou irredutível, que decorre da garantia constitucional do direito de propriedade. Não é viável restringir-se o direito de propriedade, a tal ponto, para “colocá-la, única e exclusivamente, a serviço do Estado ou da comunidade”. As mudanças que possa sofrer a conformação do direito de propriedade implicam – comparando-se o perfil atual do direito de propriedade com aquele do passado – que se possa, nesse confronto, verificar uma atrofia do direito de propriedade. Tais mutações têm ocorrido em nome e por causa da chamada função social da propriedade, mas, se as modificações operadas tiverem caráter expropriatório, essas legitimarão pretensão indenizatória.4 
Onde não há liberdade para o legislador infraconstitucional é em relação à área do direito constitucional representativa do conteúdo essencial do direito de propriedade, de tal forma que não é possível que se suprima ex lege o direito de propriedade, como, ainda, se se vier a vedar-se por lei o exercício do direito de propriedade, ou, se se vier a tornar inviável a aquisição desse direito.5 Sobre a preservação desse núcleo essencial manifesta-se, também, pela inconstitucionalidade da lei Robert Alexy.6 
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Essa essência do direito de propriedade, objeto de proteção constitucional, sugere, em relação aos contratos,7 conquanto hoje permeado o sistema pela função social que devem desempenhar, que não nos devemos esquecer de que os contratos existem para vincular as pessoas e que devem, fundamentalmente, ser cumpridos. Só através das exceções consagradas em lei é que se deverá alterar ou desfazer o contrato, da mesma forma que o direito de propriedade existe também para o dono, do qual não pode, sic et simpliciter, vir a ser privado. Por outras palavras, restrições poderão ocorrer, que, se efetivadas, levassem à ignorância do direito de propriedade, como também, mutatis mutandis, se se vier emprestar às expressões função social do contrato uma dimensão tal, que essa poderia vir a ser destrutiva e conduzir à ignorância da própria razão de ser do contrato. Em ambos os casos, tais restrições não se compadecerão com a Constituição Federal. 
Começando pelo começo, o Código Civil deu uma nova roupagem ao ato jurídico e o denomina de “negócio jurídico”. A disciplina que se encontra a partir do art. 104 deste Código, isto é, esses artigos a partir do 104 devem ser lidos e contrastados pari passu com o art. 82 e segs. do Código de 1916, onde se disciplina o ato jurídico. Nós podemos dizer que há uma equivalência substancial, ou, mais precisamente, ao menos apreciável, entre a figura do negócio jurídico e aquilo que o Código de 1916 denominou de “ato jurídico” na esteira, exatamente, da nomenclatura oriunda do sistema do Código de Napoleão, pois quando foi elaborado esse Código Civil não havia a “sofisticação” que é posterior à elaboração do vigente Código, em que se procurou reconstruir a figura do ato jurídico, identificando, nos negócios e nos contratos, os atos suscetíveis de serem praticados numa dada sociedade, seja no âmbito civil, seja no âmbito comercial, dentro do âmbito da figura do negócio jurídico, e procurando distinguir aquilo que haveria de ser reservado a outros atos que não são negócios jurídicos, dado que a estes falta elemento definitório do negócio jurídico. E essa distinção se encontra atualmente no art. 185 do Código Civil, em que são encartáveis situações nãorepresentativas de negócios jurídicos, mas que guardam alguma similaridade com esses, e que não existiam como previsão normativa no Código de 1916. 
Deve se dizer que o novo Código não adotou uma tricotomia clássica entre existência, validade e eficácia, objeto de algumas obras, como a do Professor Antônio Junqueira de Azevedo, ou mesmo como largamente desenvolveu Pontes de Miranda, mas manteve o sistema de validade dos atos jurídicos tal como se encontra no Código de 1916, no sentido de que os atos valem ou não valem e, quando não valem, são eles anuláveis ou são nulos, sendo a anulabilidade detonada a partir de vícios da vontade e por iniciativa da parte, ao passo que a nulidade por preceitos expressos e cogentes de lei, que pode ser alegada, essa nulidade, por interessados, pelo Ministério Jurídico e o juiz, quando dela tomar conhecimento, deve decretá-la8 – realidade esta da nulidade, bem mais gravemente sancionada pelo sistema jurídico do que a da anulabilidade. 
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Este novo Código também tem preceitos de interpretação,9 e criou com perfil amplo a figura da representação, tanto a legal quanto a convencional, o que não havia no Código de 1916. 
O que se procurou com a figura do negócio jurídico – e insisto mais uma vez que é a própria estrutura dos contratos – foi disciplinar determinadas realidades de uma maneira acabada, distinguindo-a de outras realidades não tão acabadas, uma vez que para os negócios jurídicos exigem-se requisitos rígidos, ou seja, nos termos do art. 104: o agente capaz, o objeto lícito, possível, determinado ou indeterminado (mas determinável), forma prescrita ou não defesa em lei. Estes são os elementos configuradores de um negócio jurídico e, paralelamente a isso, recordo o art. 82, que contém dizeres extremamente parecidos, pois se refere a objeto lícito e só não se refere a que o objeto, além de ser lícito, deve ser possível, deve ser determinado, podendo, ainda, ser determinável. 
O negócio jurídico é uma figura, portanto, que para existir requer determinados requisitos rigidamente exigidos pela lei. Surge, agora, uma outra questão, que foi muito bem traduzida no art. 185, que se refere aos atos jurídicos lícitos, que são exatamente o que tais expressões significam, mas que não são negócios jurídicos. 
Dispõe esse art. 185: “Aos atos jurídicos lícitos que não sejam negócios jurídicos aplicam-se no que couber as disposições do título anterior.” 
Todos nós, e diversos juristas, já se questionaram a respeito do fato de um menino de 12 anos fazer compras, ir a uma farmácia para comprar um medicamento ou comprar um brinquedo, ou, ainda, assumir a posse de uma coisa, situações essas que, obviamente, não se enquadram no âmbito do art. 104 do Código Civil e nem se albergavam no espectro do art. 82 do Código de 1916, mas quer-se crer que ninguém seriamente jamais pôs em dúvida que essas compras feitas por um menino são válidas e “legitimadas” pela ordem jurídica. Disto deflui, então, que a categorização do negócio jurídico propriamente dito exige uma relevância da vontade que se submete ou que requer necessariamente a capacidade civil. Já outros atos que não tenham a significação econômica ou moral, própria das que se abrigam no negócio jurídico, se enquadram exatamente no art. 185, que por isso mesmo, explicitamente, dá cobertura, através de um preceito legal que não existe no Código de 1916, a toda essa realidade com a qual convivemos e nunca pusemos sua validade ou legitimidade em dúvida. Em tais casos, de compras de valor reduzido feitas por uma criança, o que exige a ordem jurídica é o discernimento e não a capacidade civil. 
Em torno da figura do negócio jurídico, ou do ato jurídico, para me referir à terminologia clássica do Código de 1916, lastreada no Código Civil francês, sempre gravitaram algumas teorias a respeito das possíveis opções que se podem ter colocado ao legislador, em relação ao equacionar e disciplinar tais fatos, à luz de determinados valores sopesados nessa disciplina. O que compõe o negócio jurídico? Que realidades albergam-se e como, ou através de que meio, podem ser reveladas através de um negócio jurídico? Em que medida a vontade se revela? Como interfere a declaração em relação à vontade, para esta última ser revelada? 
Sublinhe-se que o instituto do negócio jurídico é – como os demais institutos – uma forma ou uma maneira de apreender a realidade e discipliná-la. Disto se segue que influem nessa configuração normativa da realidade coordenadas ideológicas ou de valor presentes numa dada época histórica. Há, portanto, uma influência desses valores, que resultam absorvidas nas regras de direito. 
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Numa primeira concepção – não propriamente do negócio jurídico, que é categoria ulteriormente concebida, mas em relação ao ato jurídico –, que foi a concepção adotada predominantemente no século XIX, e em nome exatamente do voluntarismo jurídico e do mais pesado e significativo papel atribuído à vontade pelos ordenamentos jurídicos, encontramos a chamada teoria da vontade. 
No pólo oposto há de identificar-se a chamada teoria da declaração, na qual o legislador acaba emprestando, no negócio jurídico, um papel mais significativo àquilo que tenha sido declarado. É palpável que pesar-se mais sobre a declaração representa uma atenção e um cuidado em relação à outra parte. 
Acredito que, como meio termo, se coloca uma teoria que julgo ter sido a adotada por este novo Código, diferentemente da teoria que, segundo me parece, foi textualmente a assumida pelo Código Civil de 1916, e que foi ou teria sido a teoria da vontade. O que se deseja dizer é o seguinte: todos nós, em nossas comunicações e em nossas negociações, temos uma vontade. Vontade é aquilo que nos move com vistas a que um determinado fim seja atingido. Isto, na verdade, é a vontade, ou seja, representativa do que um ser humano racional quer. Entre a vontade de alguém e a declaração por esse alguém dessa mesma vontade, pode haver um descompasso, ou um desajuste. 
É claro que quando celebro um negócio ou quando realizo, nos termos da lei, um negócio jurídico, pode-se dizer que normalmente há um confronto de vontades, que tende ao ajustamento e depois à conjunção dessas vontades, que acabam consubstanciadas num negócio jurídico para atingir um determinado fim comum. Isto parece quase que inequívoco ou axiomático. Ocorre que se negocio com alguém por causa da minha vontade, e este alguém em função da sua própria vontade e interesse vai aderir à minha vontade, o veículo, o modo, a forma de cognição da minha vontade é um só, da mesma forma que a vontade que adere à minha ficará, igualmente, cunhada num documento: em ambos os casos, a vontade é conhecida pela declaração, o que a faz subsistir, documentando o momento, que é o da declaração mesma. Então, pode surgir um descompasso entre minha vontade e o modo pelo qual essa minha vontade é entendida; poderá verificar-se um descompasso ou uma não congruência entre a minha vontade e a declaração dessa mesma vontade. Este é um problema complicado nos negócios jurídicos, tanto que já foi objeto de várias teorias. 
Deve-se abrir um espaço para procurar distinguir o que se encontra em pauta ou está atrelado ao negócio jurídico e o que se encontra relacionado com o contrato, para, sucessivamente, prosseguir. 
O que está implicado no negócio jurídico, inclusive, senão principalmente, como opção do legislador, é a ponderação dos valores da vontade e da sua declaração, no sentido de ser imaginável pender-se para uma ou para outra. Se se atribuísse valor e significação à vontade, em detrimento da declaração que a albergasse, descartando-se em escala apreciável a declaração para concluir que a vontade (= vontade íntima, estritamente subjetiva e não objetivada) é diferente da declarada, haver-se-á de questionar como ficaria a confiança daquele que na declaração confiou, que, ademais, terá confiado de boa-fé. Aquele que quer e que declara o que quisnão tem uma responsabilidade em relação àquele a quem a declaração se endereça? São estes valores que gravitam em torno do negócio jurídico, quais sejam: vontade, declaração, confiança (que deve ser atribuída à declaração), em função da responsabilidade do que declara, em relação ao outro. Estas realidades é que impende sopesar e equacioná-las em texto – tais como estavam no art. 85 do Código Civil de 1916 e estão no art. 112 do Código Civil. Este último, curialmente, disciplinou melhor o assunto.10 Estes elementos, que dizem respeito ao negócio jurídico, comunicam-se aos contratos, dado que estes, normalmente, estão inseridos dentro dos negócios jurídicos. 
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Em relação à figura do contrato estão correlacionados outros valores que podem conduzir à modificação ou à inviabilidade do mesmo. A lesão e o estado de perigo não pressupõem, para que possam ser aplicados, que se trate de contrato de trato sucessivo ou de adimplemento dilargado no tempo. Já a onerosidade excessiva configurar-se-á, principalmente, em virtude de um contrato cujo adimplemento haja sido diferido no tempo, à luz de determinados referenciais, o que poderá conduzir à resolução do contrato, salvo concordância da parte que resultaria beneficiada pelas alterações em eqüitativamente alterar o contrato. É o que está no arts. 478 a 480.11 12 Não são poucas as concepções que existiram a respeito da possibilidade de alteração de contrato, quando ‘o estado das coisas’ contemporâneo à feitura do contrato se altere no futuro, no curso das prestações através das quais se realiza o adimplemento, ou para o momento do adimplemento, de forma substancial, não se justificando à luz da Justiça e, mais especificamente, pelo desaparecimento da comutatividade (equivalência de prestações, quando da feitura do contrato), presente quando da feitura do contrato, desaparecida no curso do tempo.13 
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O art. 85 do nosso velho Código Civil é um dispositivo que parece ter propendido mais pela teoria da vontade. Constatado descompasso entre a vontade e a declaração que a deve “traduzir”, aquela sobrepujaria a declaração ou o “sentido literal da linguagem” em que a vontade teria sido expressada, admissível uma perquirição da própria vontade, que estaria fora da declaração. Dispõe esse art. 85 o seguinte: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem”, ou seja, pela literalidade da lei pesa ou pesaria mais a vontade, em si mesma ou propriamente dita, do que a declaração (ou a linguagem através da qual a declaração foi expressada); atender-se-á mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem. Entre o possível desajuste entre a vontade e a declaração (“= sentido literal da linguagem”), propender-se-ia mais para a vontade em detrimento daquilo que houvesse sido declarado. Diga-se que nunca se entendeu o texto nesse sentido radical em favor da vontade, com descarte da vontade tal como declarada. Ocorre ademais – e, permita-se-nos uma observação em meio à exposição – que uma tal posição desconsidera a confiança que deve presidir as negociações, dado que o destinatário da declaração nela confia; como, ainda, tornaria em certa escala inócua a função da declaração nos negócios jurídicos. 
Avaliando esse dispositivo (art. 85, do Código de 1916) há de frisar-se, como se disse, que, na verdade, nunca foi seguido obedientemente tendo em vista a letra da lei, porque fazer propender mais a vontade em detrimento da declaração é quase tripudiar sobre o outro – o que não é viável ou o que não tem sido reconhecido como viável, de tal forma que se pudesse pretender fazer pesar mais a vontade do declarante do que a sua própria declaração. Isto porque a única maneira de o destinatário da manifestação conhecer a minha vontade é através do que eu declarei. Se eu declaro uma coisa que em certa escala não retrata a minha vontade, na realidade, estou traindo a confiança, ainda que haja assim feito sem dolo, mas com culpa. Como, ainda, se declarei mal por negligência, é certo que é o declarante que assim procedeu que, como regra, deverá arcar com as conseqüências de sua conduta e não o declaratório. 
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A teoria da confiança, teoria da auto-responsabilidade, foi adotada a respeito do entendimento pelo qual sempre se propendeu, entre nós, em relação à circunstância de, sendo aplicado o art. 85, do Código Civil de 1916, ter sido atenuada a sua literalidade. Já Eduardo Espínola dizia que, na verdade, não era possível para o funcionamento da ordem jurídica fazer propender-se pela vontade, a dano da declaração, ‘pesar mais a intenção do que a declaração’, e observava que a interpretação dada ao § 113 do Código Civil alemão, com redação similar ao do nosso art. 85, nunca comportou, na realidade, um peso maior em relação à declaração, a pretendida preponderância da vontade.14 
Ora, o que veio constar revela, a meu ver, ter assumido o legislador de 2002 uma posição socialmente aceitável, com a valorização explícita na lei da confiança que um contratante tem que ter no outro, e, paralelamente, assumida igualmente a responsabilidade do declarante pela sua declaração. Ou seja, quem negocia precisa ter uma atitude de seriedade consigo mesmo e especialmente para com o outro e há de procurar traduzir na sua declaração aquilo que efetivamente quis. 
Por outras palavras, a declaração deve ser um retrato fiel da vontade, pois ela existe para isso: eu declaro para expressar a minha vontade. A declaração deve ser o retrato da vontade, e para cristalizá-la. A minha impressão é a de que o vigente art. 112 admite o peso da intenção, mas com um filtro intransponível que é o da declaração. Poder-se-á surpreender a vontade de alguém num negócio jurídico através do exame da declaração, mas não posso ir além da declaração, descartando-a, por assim dizer, para perquirir outra vontade que não esteja na declaração. 
Isto foi muito bem estudado pelo relator dessa Parte Geral, que foi o Ministro e Professor Moreira Alves, num precioso pequeno livro onde explicou, há muitos anos, as diretrizes imprimidas, na realidade, por ele mesmo, à Parte Geral. 
Então, vejam bem, o art. 112, diferentemente do que textualmente consta no art. 85, coloca um adendo: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada”; isto é, posso dar mais peso à vontade desde que isso seja extraível da declaração onde a vontade está consubstanciada, mas não posso transcender a declaração para buscar outra vontade que não tenha sido objeto de declaração, ou diferente da declarada. Portanto, a mudança que se fez do art. 85 para o art. 112, que são aparentemente iguais, se verifica ao perceber ter-se aí colocado: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada”; isto é, estão na declaração e, a partir daí, posso e devo, naturalmente, entender e interpretar o negócio jurídico, em função da intenção das partes. 
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Também devemos ter presente o que parece ter sido, na verdade, a teoria que resultou adotada pelo nosso Código Civil, e que é um misto entre teoria da declaração e teoria da confiança, e a confiança naturalmente é muito importante. Isto porque nós, no mundo dos negócios, no mundo da vida, até além do universo dos negócios, temos que confiar naquilo que nos é comunicado e aderir àquilo que nós julgamos ser a vontade do outro. É pela declaração que conheço o que o outro quer, em função do que assumo o meu próprio compromisso. O que se conjuga, no negócio jurídico, são duas ou mais vontades, realmente; no entanto, estas somente podem ser identificadas pelo que foi comunicado, i. e., pelo que foi declarado. Ou seja, a vontade é elemento constitutivo do negócio jurídico, tal como haja sido declarada. 
Num outro aspecto, parece-me extremamente importante fazer presentes algumas noções de ordem histórica, porque se meafigura que essas noções são realmente fundamentais, até mesmo tendo-se em vista que o presente, freqüentemente, pode ser em parte apreciável explicado pelo passado. Em primeiro lugar, pelo peso que representaram determinados valores, uma vez que tiveram vigência desde o Código Civil francês até aproximadamente a Segunda Guerra Mundial. E, também, em segundo lugar, porque os valores presentes no passado vieram a moldar todos os sistemas jurídicos, na Idade Contemporânea. Todos os ordenamentos privados resultaram permeados por esses determinados valores, os quais, na realidade, não subsistiram com o mesmo e idêntico perfil, vindo, paulatinamente, a sofrer o influxo de valores diferentes. E é exatamente essa mutação de valores – especialmente implicados na transição do individualismo para a socialidade – que acaba explicando, a meu ver, os pontos-chave do novo Código Civil, a começar pelo art. 420 desse novo Código e outros dispositivos que, vamos dizer, são tributários desse art. 420, onde se expressa esta função social do contrato. 
O que desejo é lembrar que o direito obrigacional é operacionalizado basicamente através dos contratos, recordando também que a estrutura dos contratos é exatamente essa a que eu me referi há pouco, ainda que rapidamente, ou seja, a estrutura daquilo que foi denominado “ato jurídico”, mas que hoje é denominado “negócio jurídico”. O negócio jurídico é o molde dentro do qual se alojam os contratos. 
Agora, impende ter presente e considerar como se “comportou”, do ponto de vista econômico, este direito obrigacional, e quais os reflexos na ordem jurídica, a partir certamente da revolução mais bem-sucedida, tanto na sua pregação quanto na sua realização no plano histórico, que foi a Revolução Francesa. A Revolução Francesa foi gestada durante muitos séculos e planejada perto de um século, na realidade, ao influxo da existência de uma burguesia, rica e abastada, mas que se encontrava politicamente contida, uma vez que o poder político ainda residia em mãos da nobreza, por isso que aquela carecia de segurança jurídica e lhe faltava uma posição política. Quando essa burguesia assumiu o poder, tratou de modificar a sociedade e realizar idéias fundamentais de sua pregação, implementando, realmente, no plano histórico, o que foi a sua concepção de liberdade e a sua noção do direito de propriedade. A sua idéia de liberdade, efetivamente implantada no plano social e político, valeu largo espaço à expansão com mais intensidade da riqueza, substancialmente há tempos em suas mãos. E o direito de propriedade, tal como configurado, representou um dos aspectos da segurança jurídica almejada e obtida pela burguesia. Vinculava-se à noção do direito de propriedade (como direito absoluto) como elemento necessário à realização da idéia e à prática da liberdade. À concretização de sua noção extrema e radical de liberdade, era necessário um Estado que não interferisse, e, daí, o chamado Estado Polícia ou L’État Gendarme. O Estado tinha de ser compatível com essa noção, não entravando a liberdade e deixando largo espaço ao seu exercício. 
Toda a disciplina do século XIX gravitou, fundamentalmente, em torno de duas realidades: a liberdade e, nesse espaço de liberdade, o exercício da atividade econômica através dos contratos e, paralelamente, a garantia do direito de propriedade. Isto é, foi a maneira através da qual a burguesia assumiu o domínio da sociedade e a continuação desse domínio na sociedade se deu justamente através do domínio dos corpos legislativos; e, mais ainda, em seqüência a isto, com o domínio da ordem jurídica, tal como ela resolveu moldar essa ordem jurídica para que esse ordenamento viesse a assegurar continuadamente o prevalecimento dos seus interesses. 
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É claro que aqui estou utilizando-me de uma linguagem crítica, uma vez que a linguagem historicamente usada na Revolução Francesa, e depois, foi uma linguagem laudatória da liberdade, da igualdade, mas que se despreocupava com diferenças substanciais – que não tinham espaço para serem corrigidas em face, apenas, da igualdade formal –, e que se acentuaram no século XIX, exatamente o que não ocorre hoje, em que a igualdade formal subsiste, mas deixa em inúmeros pontos de prevalecer cegamente, assumindo o seu lugar a tentativa de lograr uma igualdade substancial. 
Falava-se, também, em fraternidade, quer dizer, a mensagem emblemática, bonita, humanitária, da Revolução Francesa, e que, na realidade, não se realizou no plano histórico. Em verdade, essa Revolução, se teve aspectos positivos, e que se agregaram definitivamente à civilização contemporânea, teve também efeitos negativos profundos. 
Chega-se a um ponto na exposição que, ao meu ver, é sobremaneira importante sublinhar: ela influenciou não só na estrutura do Direito Privado, como também influenciou na estrutura do Direito Processual Civil. 
Como é que a burguesia dominou, ou, mais precisamente, como manteve o seu domínio, ao longo ou verticalmente sobre todo o organismo público? A burguesia tinha profunda desconfiança dos juízes, uma vez que os juízes eram egressos da antiga nobreza; teve ela, então, que conviver com uma magistratura oriunda, em boa parte, da antiga classe dominante. 
A forma através da qual a burguesia conseguiu dominar foi exatamente através do instrumento da lei, e, dentro do sistema jurídico, criando a noção de que a lei não podia sequer ser interpretada, num primeiro momento, ou, então, sucessivamente, que havia de comportar, apenas, interpretação literal. Não havia espaço ou liberdade de atuação maior para os magistrados. De outra parte, como expressão do espaço deferido à vontade dos sujeitos na ordem jurídica, e o papel exercitado por essa vontade, no campo dos contratos, nós encontramos, no art. 1.134 do Código Civil francês, o mandamento de que o contrato é lei entre as partes. Isto teve um significado – o mais importante, talvez, ao lado do direito de propriedade –, tal como se encontra definido no Código Civil francês. 
É preciso ter presente que a burguesia não deixou espaço maior para a magistratura, e, paralelamente, predominou de forma absoluta na feitura das leis. Este é um ponto muito importante para entender bem as mutações que vieram a ocorrer no mundo, durante o século XIX, e, especialmente, tendo como momentos sucessivos de cristalização as referências à primeira e à segunda guerras mundiais, mercê de cujos impactos alteraram-se os valores do individualismo que, em largo espaço, resultou substituído pelo valor do social. 
Não é inteiramente correto – como muitos o fazem – afirmar que contemporaneamente há uma significação ética do direito, ao passo que isto não se passava nesse tempo do limiar do liberalismo. Contrariamente a isso, afirmava-se que ‘Quem diz contratual, diz justo’, o que significava a medula ética do liberalismo no campo obrigacional e contratual. E, no que diz respeito ao direito de propriedade – como já se aflorou –, era este direito o supedâneo e a própria condição da liberdade, o que igualmente permeava o direito de propriedade com uma significação ética. 
Mas o contrato deixou de ficar estritamente atrelado ao interesse individual do contratante, dado que, formado dentro de um ambiente de quase absoluta liberdade, fortaleceu o forte e prejudicou o fraco. E o direito de propriedade passou a ser visto, também, como devendo respeitar, além do interesse do proprietário, os interesses da sociedade. 
Vale dizer, tanto o contrato quanto o direito de propriedade passaram a ser legitimados também em face da sociedade, e deixaram de gravitar, exclusivamente, em torno do indivíduo. 
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Este novo Código Civil bem revela e expressa normativamente essa evolução sofrida pelo direito privado; é, também, de ter-se presente que essa mutação de valores coloca-se útil para o entendimento do nosso Código do Consumidor, que é radicalmente sintonizado com esses valores modernos e contemporâneos que, numa escalacompreensivelmente mais atenuada, encontram-se no Código Civil de 2002. Não se deve, de forma alguma, confundir o direito privado comum com o direito obrigacional, tal como regrado no direito do consumo. Não é correto aplicar-se o direito privado comum à luz do Código do Consumidor. 
Como procurou-se frisar durante três décadas, imediatamente sucessivas ao começo do Estado liberal – voltando-se à evolução da liberdade de interpretação e à figura do juiz –, até aproximadamente 1830, era proibida a interpretação da lei na França e em outros países. Basta recordar que Robespierre, ícone da Revolução, propalava que os livros de jurisprudência haveriam de ser jogados fora, e Montesquieu circunscrevia o desempenho do juiz, apenas, a ser a boca da lei. E, sucessivamente, de 1830 a 1880 admitia-se exclusivamente a interpretação literal. Os tipos normativos eram, geralmente, minuciosos, tipos normativos mais plenos de elementos definitórios, e no mesmo tecido normativo não havia conceitos vagos ou abertos, em setores importantes do Direito, como sucessiva e crescentemente veio a ocorrer. Poder-se-ia dizer que os burgueses influíam diretamente nos parlamentos – mesmo porque eram estes integrados por burgueses, em grande escala – e, indiretamente, na magistratura, através da “aplicação rígida” das regras jurídicas, sem espaço maior para os juízes. 
Ora, se o juiz não podia interpretar, ao menos, com o espaço e a “liberdade” com que, crescentemente, lhe veio sendo reconhecida como socialmente legítima, e, se de um modo geral, a linguagem da lei era a de utilizar-se de elementos definitórios exaurientes da realidade definida, em pontos-chave do sistema, sem cláusulas gerais em setores significativos, encontrava-se assim dominada a magistratura pela lei. 
Então, o domínio da burguesia através do parlamento e a linguagem predominantemente utilizada nos Códigos acabaram levando a este ambiente do Direito favorável aos interesses da burguesia. Somente na altura do ano de 1880, para servirmo-nos de um referencial cronológico, ao cabo desse pensamento de rigidez na interpretação exclusivamente literal já se encontrar espalhado e de ter sido consagrado na Europa – mas, paralelamente, esgarçando-se a sua utilidade –, é que se veio a falar, quase que simultaneamente, através de três juristas alemães, em interpretação teleológica, quando então a Alemanha já vinha ganhando um prestígio que, na realidade, acabou sobrepujando o da França, na cultura européia, ou, ao menos, no campo do direito. Tratava-se de um penalista, Binding, um processualista, Wach, e um civilista, Kohler. Nessa oportunidade, veio a se falar em interpretação teleológica, isto é, o juiz não poderia ficar preso à letra da lei, senão que o juiz tinha que ter uma liberdade, uma latitude maior de inteligência da lei, procurando aplicar a lei sintonizada com as necessidades contemporâneas ao momento de sua aplicação e não com os olhos voltados para a época da edição da lei, jugulado pela sua “letra”, uma vez que se passavam décadas, às vezes até um século, entre a edição da lei e sua aplicação. Então isso mudou profundamente o relacionamento dos poderes e acabaram-se reconhecendo mais poderes ao juiz, e isto ocorreu de forma crescente, até nossos dias. Paralelamente, isso viabilizou também, exatamente para ensejar o exercício desses poderes, convergentemente, que a linguagem do legislador não procurasse ser tão minudente, tão elementarmente definitória da conduta do juiz, o que ensejou a mudança da linguagem, com a crescente utilização das chamadas cláusulas gerais, colocadas em setores importantes do Direito. Ou, por outras palavras, ao lado da latitude crescente de reconhecimento de poderes ao juiz, a linguagem passou a utilizar-se de conceitos abertos ou de cláusulas gerais, que, justamente por serem tais e não conterem, deliberadamente, elementos definitórios mais exaurientes, demandam ou exigem o preenchimento de espaços por obra da atividade jurisdicional à luz da conjuntura e das circunstâncias presentes no momento de aplicação da lei, tendo como eixo de gravidade o caso concreto. 
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Por outro lado, se houve esta evolução em relação à figura do juiz, e como componente dos quadros do poder da sociedade, o exercício de sua atividade – vindo a assentar-se também em cláusulas gerais – modificou, em parte ou em alguns pontos do Direito, o “significado” contemporâneo da lei, mas, paralelamente, se manteve radical e fundamentalmente o princípio que, na verdade, está adotado entre nós até hoje, pelo que consta do Código Comercial, que resultou revogado no seu livro primeiro pelo novo Código Civil, como também é o que consta do Código Civil de 1916. Ou seja, o princípio do “pacta sunt servanda” – os contratos têm que ser cumpridos, mas devendo responder a uma função social, como, também, comportando algumas exceções, de que aqui se tratará. 
Este princípio é a “alma” e a “vida” dos contratos, ou, se se quiser, é a sua ratio essendi. É claro que este princípio, que tem fundas raízes históricas, resultou altamente revitalizado com a Revolução Francesa, que apregoava que os contratantes eram livres, e, pois, esses haviam de agir dentro da concepção de liberdade de então, que se exercia sem freios mais significativos, e, por isso, se carecia de um Estado absenteísta, que foi o Estado Liberal. Disto far-se-ia resultar, como dizia Rousseau no seu Contrato Social, a própria felicidade. Ou seja, viver numa sociedade em tais condições era a melhor maneira de se alcançar a própria felicidade. A Revolução Francesa, em relação à qual muita coisa deu errado – o que poderíamos dizer terem sido efeitos colaterais gravíssimos –, teve como pano de fundo de sua intensa pregação a oferta da própria felicidade, ou seja, enfatizou que a melhor maneira de viver é dentro dessa liberdade, com um mínimo de intervenção do Estado, o que representou um dos emblemas da Revolução Francesa. 
De certa forma, mutatis mutandis, é um pouco do que se passa com a nossa Constituição que procura ou sugere um quadro jurídico magnífico, bastante distante da realidade social subjacente à Constituição. 
Então, esse princípio do “pacta sunt servanda”, nos quadros do liberalismo, assumia que os contratantes eram iguais – todos são iguais perante a lei –, e os negócios ou o confronto dos indivíduos haveria de ocorrer dentro desse espaço amplo de liberdade, pressuposta sempre a igualdade dos contratantes. Nessa quadra histórica não se cogitava do contratante forte e do fraco, dado que, por causa da igualdade formal, que permeou os sistemas jurídicos, o legislador assumia que todos eram iguais (formalmente iguais) e assim os tratava; como, também, não se cogitava de determinadas circunstâncias invalidadoras originariamente do contrato (estado de perigo ou lesão); como, ainda, não se aceitava, no curso de cumprimento do contrato, dilargado no tempo, através de prestações sucessivas, que pudessem ocorrer circunstâncias supervenientes que justificassem a modificação das regras concretas do contrato. 
Esse espaço de liberdade é chamado de autonomia privada, e no contexto do liberalismo foi muito amplo. É esse espaço a medida em que a ordem jurídica reconhece validade e eficácia à vontade das pessoas. Então, as pessoas se comportam no mundo contratual exercendo a sua vontade que é concretizadora de sua autonomia privada. Desde que não infrinja lei de ordem pública, desde que não seja imoral e desde que exercitada em razão de um objeto lícito e desde que não infrinja os bons costumes, as relações jurídicas nascidas dentro dessa autonomia privada são validadas e protegidas pela ordem jurídica. Pode-se dizer que é ela o motor da economia. Uma das expressões dessa autonomia – reconhecida pela ordem jurídica – é a de poderem as partes idealizar um contrato, não tipificado no Código Civil, sobre o que o Código é expresso, ainda que isso já fosse havido como admissível no Código Civil de 1916.15 
Se nós formos perguntar qual foi a evolução em todos ospaíses, em relação ao “tamanho” da autonomia privada, sem sombra de dúvida, a evolução pela qual passou o espectro da autonomia privada, haver-se-á 
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de concluir ter sido um espaço que diminuiu, porque se verificou que a chamada “igualdade formal” levava a injustiças profundas. Na verdade, se a Europa enriqueceu assombrosamente no século XIX, através da prática radical do liberalismo, criaram-se segmentos constituídos por bolsões de miséria. Então, a evolução do contrato, já que estamos tecendo considerações desde os primeiros momentos do contrato, na Idade Contemporânea, veio esse sofrendo críticas, pelos pressupostos de sua realização, numa sociedade e num sistema político a que nos referimos, e desses primórdios chegou-se àquilo que hoje veio a ser denominado de função social do contrato. Esta função consistiu em tentar dar corpo à idéia de que há determinadas situações que não comportam inteiramente a livre contratação, determinados segmentos de comportamentos humanos que, traduzidos em realidades contratuais, sem qualquer freio ou limites, geram áreas críticas de conseqüências indesejáveis. O Estado havia de intervir e o controle em nosso sistema jurídico fica deferido ao Poder Judiciário, em última análise e em etapa final e definitiva. Isto não significa que não possam existir organismos administrativos que, igualmente, controlem determinados contratos, v. g., entre nós, o CADE. Por outras palavras, apesar de poder-se ter um contrato formalmente em ordem, na realidade um dos contratantes não quereria ter contratado, dado que, em determinadas circunstâncias, ninguém poderia ter desejado contratar. Nestes setores o legislador tem de intervir, vedando o exercício da liberdade e impondo regras cogentes, em favor e em proteção de determinadas situações socialmente prezáveis. 
Passou-se então ao patamar da necessidade de identificar uma legitimação social para o contrato – tal como ocorreu, igualmente, com o direito de propriedade – que, patentemente, transcendesse ao estrito interesse privado dos contratantes. O interesse privado do contratante não necessariamente coincide com aquilo que a sociedade julga socialmente útil em relação ao contrato. Havendo colisão entre o interesse privado do contratante e o que a sociedade julga dever ser o contrato, este entendimento e esse interesse social deverá prevalecer sobre os do particular. Isto tem vários nomes, e um deles é, por exemplo, o de dirigismo contratual. E essa intervenção mostrou-se crescente ao longo da história dos últimos 150 anos. 
Podemos dizer que as leis de ordem pública acabaram limitando historicamente, desde o meio do século XIX, crescentemente, a autonomia contratual, exatamente em nome, até mesmo como analisam bem, a meu ver, os bons analistas, em nome e por causa da vontade, porque é claro que, daquele que aceita ser empregado em termos de estrita locação de serviço, recebendo uma contraprestação apenas para “não morrer”, não se poderá, autenticamente, vislumbrar uma vontade propriamente livre. Não se justifica que esse seja havido como rigorosamente igual àquele que o contrata. Por isto é que se verificou, de uma forma ou de outra, a substituição de uma tal situação, por normas protetivas, ou por um direito do trabalho, no mundo inteiro, substitutivas, em grande escala, da locação de serviços. Reconheceu-se, é claro, que esse sujeito não tem rigorosamente vontade; o que ele deseja é não morrer de fome. Então, na verdade, é uma vontade que não pode, nesta e em hipóteses análogas, realmente, significar algo digno, como foi aquilo que a Revolução Francesa pregou para a totalidade do direito obrigacional, em relação à prática autonomia da vontade em um ambiente de quase plena liberdade. 
O legislador foi intervindo na ordem jurídica e remodelando, vamos dizer, redefinindo e suprimindo campos da autonomia privada, em setores que se vieram a revelar críticos; em segmentos em que uma autonomia privada ilimitada veio a revelar-se socialmente indesejável. 
Isto ocorreu com o direito do trabalho, com matéria locatícia, com a disciplina do dinheiro, de umas três ou quatro décadas a esta parte, com o direito do consumidor, e outras tantas realidades, que vieram, pelo peso de fatos e acontecimentos tradutores de não valores e socialmente indesejáveis, a ser redefinidas, para se coarctarem caminhos e possibilidades que ensejavam que tais situações existissem ou subsistissem. 
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Um outro aspecto, em relação ao qual nos dias correntes se tributa uma atenção imensa, é o do princípio da igualdade substancial, como se procurou adiantar. Quer-se dizer, se no plano da evolução histórica a igualdade formal foi um progresso, e, na verdade, o foi efetivamente, porque no regime precedente se definia o nobre como alguém que tinha privilégios definidos e definitivos e o outro como não os tendo; vale dizer, era uma sociedade estamentada. E, em ambos os casos, isso emergia da própria situação pessoal; por isso, a igualdade formal foi um progresso, mas essa evolução em prol da equalização formal dos homens mostrou-se insuficiente. Hoje a grande e ingente tentativa do direito é a de tender atingir e firmar essa igualdade do ponto de vista substancial, isto é, o legislador tem que suprimir aspectos em que, apesar de aparentemente haver igualdade, esta não existe na realidade, e, em nome de uma real ou substancial, igualmente tentar reequilibrar, reequalizar essas situações. 
Um outro aspecto que, a meu ver, nós também devemos ter presente, é o de que, da perspectiva da estrutura do negócio jurídico, e, particularmente, do ponto de vista da garantia dos contratantes, deve-se acentuar que, de uma visão comparativa, o sistema de vulnerabilidade dos contratos do Código Civil de 1916 era escasso, como, de resto, convém à disciplina dos negócios jurídicos. Isto porque a vulnerabilidade por nulidade no sistema do Código Civil era minimamente admitido, mas, neste particular, basicamente no Código Civil se segue o sistema de nulidades do Código Civil de 1916 e exatamente este sistema de nulidades previstas em lei procura, em termos claros e taxativos, precisamente garantir e proteger o negócio jurídico. Essa escassez em relação a caminhos de vulnerabilidade dos negócios jurídicos é o que se amolda às finalidades de um Código Civil, reitere-se. 
Por isto é que as nulidades são muito poucas e taxativas, e as anulabilidades também são poucas. Os vícios dos atos jurídicos no Código Civil de 1916 são repetidos aqui no Código Civil, com a diferença de que a simulação deixa de ser um caso de anulabilidade (Código Civil de 2002, art. 167), diferentemente de como estava no art. 147, do Código de 1916, e passa a ser um caso de nulidade, impondo-se, se possível, a validade do negócio objeto da dissimulação. Então, dentro desta temática (nulidades e anulabilidades), não há uma diferença profunda. 
Como disse aos senhores, penso que é interessante ter presente e comparar esse sistema – dos Códigos de 1916 e do atual, em relação às nulidades – com o sistema do Código do Consumidor nesse ponto. Se os Códigos de direito privado não podem conviver com um sistema extenso de nulidades, porque isso traria uma desestabilização do negócio jurídico e dos contratos, se fomos ler, nesse ponto, o Código do Consumidor, vamos ver que ele adotou um sistema manifestamente oposto. Temos nesse diploma do direito do consumo o seu art. 51, caput, em que se dispõe: “São nulas, entre outras...”, e seguindo-se um elenco de dezesseis hipóteses. Então, ao lado de um elenco imenso que é de dezesseis hipóteses no art. 51 do Código do Consumidor, e tendo-se presente o nº 15 desse art. 51, tudo que infringir o sistema de consumo é nulo, abrangendo as hipóteses de nulidade, que são numerus apertus, portanto, não só as do Código do Consumidor, como também a toda a legislação de consumo extravagante. Disto se segue ser manifesta a instabilidade do contrato, em particular principalmente do de adesão,que representa a imensa massa de negócios de consumo, no Código de Defesa do Consumidor. Essa instabilidade é astronomicamente maior do que aquela que possa existir no campo do direito privado, tendo-se presente que o Código Civil explicitamente se refere ao contrato de adesão (art. 423). Se no Código de Consumidor e no Código Civil há a previsão normativa de contrato de adesão, no direito privado não há um sistema como aquele representado pelo art. 51, do CDC, como, ainda, as nulidades são numerus clausus ou taxativas. 
Agora, se o grande princípio que vigorou no século passado e que modelou os ordenamentos até a Segunda Guerra Mundial era exatamente esse do princípio “pacta sunt servanda”, consagrando um regime jurídico protetivo do princípio, há de reconhecer-se que ocorreu alguma minimização desse princípio no Código Civil. Resultou isso da circunstância de que o contrato, rigidamente moldado nos princípios do liberalismo, veio revelar que a sociedade sentiu injustiças defluentes do contrato, e que isso veio a demandar um temperamento desse princípio em casos havidos por justificados pelo legislador deste Código Civil. Porque foram sentidas diversas injustiças no contrato, e em relação a esse tipo de sentimento, este Código, em sintonia, por exemplo, com o Código Civil italiano (art. 1.467), veio a dar uma solução que é hoje havida como aceitável pela sociedade e que é tradutora dos valores contemporâneos. Em realidade, os valores que se confrontam e se opõem – comparando-se a visão individualista com a de uma ótica social do Direito, à luz do que hoje entendemos por “social” – são, de um lado, os da segurança (tal como concebida no liberalismo), exigente de ‘segurança máxima’ nos contratos. Contrapostamente a esta ‘segurança máxima’, há valores que supervenientemente vieram a se impor, e que, sinteticamente, descartam essa ‘segurança máxima’ se a injustiça contratual originária (estado de perigo ou lesão) for muito grande, ou quando a injustiça que se verificar no curso do cumprimento do contrato (contratos de trato sucessivo) vier a revelar-se, igualmente, injustificável (onerosidade excessiva). 
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É claro que, na realidade, essa solução, que é a do Código Civil, gera uma certa escala de insegurança para o credor, uma vez que – no caso ora tratado – parece que não é possível ter segurança e justiça simultaneamente. Mas, para o devedor, originária ou no curso da execução do contrato por trato sucessivo, que se vê “injustamente onerado”, é solução boa, com cuja bondade, de resto, concorda a sociedade, tanto que admite a alteração ou a resolução do contrato, em tais casos. A única maneira de se resolverem determinados problemas é estabelecer uma maior vulnerabilidade dos contratos em virtude de motivos que o legislador entendeu como inteiramente justificáveis. 
É claro que essas realidades eram impensáveis naquele momento histórico do século XIX, não só no direito privado, como também, por exemplo, no campo do processo civil – e servimo-nos da lembrança do processo, a demonstrar que o direito não muda segmentadamente. O que se deseja sublinhar é que os referenciais valorativos do Direito alteraram-se em sua base, incluindo-se em mais de um ramo do Direito. O que se quer dizer é que a noção liberal de segurança não só informou o direito privado, como, também, informou o direito processual civil. Mutações ocorridas no direito privado, como se procurou aflorar, ocorreram, também, no direito processual civil, dado que a concepção de segurança permeia esses dois grandes segmentos do Direito, e o Direito acabou, no particular, modificando-se por inteiro. Por exemplo, no Direito Processual Civil era impossível pensar em poder cautelar geral do juiz, por razões que se nos afiguram muito similares àquelas pelas quais não se podia cogitar de um maior enfraquecimento do contrato. 
Como é que o juiz podia interferir na ordem jurídica, em função do tipo, qualidade ou do restrito âmbito de poder que se lhe reconhecia, num sistema normativo que deliberadamente não lhe reconhecia maior espaço? Nisto estou me permitindo voltar a assunto já antes aflorado, e continuar fazendo o parêntese para comparar as mutações ocorridas no direito privado com as que se verificaram no direito processual civil. 
Recordo uma polêmica célebre entre Chiovenda e Carnelutti, na qual fundamentalmente se discutiu, em face do Código de Processo Civil italiano de 1865, a respeito de ao juiz ter sido atribuído um poder cautelar geral ou não, sem que, por certo, houvesse referência a um tal poder no texto. Chiovenda era favorável ao entendimento de que esse poder era possível, e seria dessumível dos elementos comuns que estavam à base dos diversos institutos tipificados existentes na disciplina do poder cautelar do Código de Processo Civil italiano de 1865. Isto é, apesar de não haver um texto, como o do art. 700 do Código de Processo Civil italiano vigente (similar ao do art. 798 do Código de Processo Civil brasileiro), tal poder existiria em face dos elementos ou denominadores comuns e constantes que estavam à base de cada uma das medidas cautelares tipificadas. Argumentava que havia, subjacentes a tais institutos, dois elementos comuns e constantes, fundamentos essenciais – fumus boni iuris e periculum in mora. Se assim era sempre, haver-se-ia de reconhecer que, presentes esses elementos – e, ainda que não houvesse um instituto especificamente protetivo para uma dada hipótese –, estaria presente, para o juiz, o poder de proteger uma tal situação, justamente quando presentes o fumus e o periculum, ‘apesar de não haver sido tipificada medida cautelar para o caso’. Ou seja, criar-se, ou, mais precisamente, reconhecer-se a existência de uma norma atribuidora do poder cautelar geral – mesmo que não escrita – para o caso concreto não especificamente protegido, como está hoje no art. 798, que foi decalcado do art. 700 do Código de Processo Civil italiano. 
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Chiovenda, que foi realmente não apenas um grande jurista, mas, na verdade, foi um verdadeiro profeta, disse – como se adiantou – que, a partir das medidas cautelares tipificadas, vendo-se que há um denominador comum, a essência deste deveria ser denominada como poder cautelar geral. Então, essa foi a tese de Chiovenda, com lastro no então vigente Código de Processo Civil italiano de 1865, o que quer dizer que o que ele escreveu nessa época foi traduzido no art. 700 do Código italiano e, igualmente, consta do art. 798 no nosso Código de Processo Civil. Mas a posição contrária baseava-se nos postulados até então ainda apreciavelmente imperantes e se questionava que não era possível deferir-se a um juiz um poder que, em rigor, implicava em criar para o caso uma disciplina jurídica, ainda que específica e referente a uma dada situação concreta. E, mais ainda, pelos postulados da Revolução Francesa, só podia haver interferência (no caso interferência jurisdicional) na esfera de outrem com a prévia ocorrência de coisa julgada, porque só a partir desse momento tinha-se a certeza jurídica. E esta certeza jurídica era configuradora de manifestação da segurança jurídica – tal como então concebida – no campo do processo. Como é que alguém poderia imaginar, ou, mais precisamente, admitir, nessa época, que, apenas com base na verossimilhança, poder-se-ia determinar conseqüências jurídicas? Nos dias correntes, entre nós, isto hoje foi além do poder cautelar geral, diante da institucionalização da tutela antecipada lato sensu (arts. 273, 461 e 461-A, do CPC), o que aliás, deve-se dizer, tem sido bastante elogiado, pois, por exemplo, na Itália, o Professor Edoardo Ricci, da Universidade de Milão, escreveu um trabalho elogiando, precisamente, os passos que o Brasil deu, e tendo-os como melhores do que aqueles ocorridos na Itália. 
Então, na verdade, a linha de toda a manifestação que se opunha ao pensamento de Chiovenda centrava-se em que, se havia medida cautelar tipificada, quem tinhaque assumir e definir a presença do fumo do bom direito e do perigo era o legislador, e ao juiz falecia esse poder, i. e., não tinha competência para editar uma “norma”, ainda que circunscrita ao caso concreto. Não se admitia uma carta em branco ao juiz, para que este preenchesse o restante de uma norma em branco, ou ‘quase em branco’, em setor significativo do Direito ainda que viesse a fazê-lo à luz e para um caso concreto. Sucessivamente, ao cabo da superação desse entendimento, na verdade, em termos concretos, vieram a ser permitidas regras como a do art. 798, e também como está no art. 273, ambas do nosso CPC. O juiz antecipa a providência antes de uma decisão final sem cognição exauriente, o que significa que o faz sem a segurança anteriormente exigida para admitir a interferência do Judiciário a pedido de uma parte na esfera da outra. 
Estou só tentando mostrar isso também na linha pela qual evoluiu o direito processual civil, para fazer presente, igualmente, que essa evolução existiu não só no direito privado em nome desses princípios da segurança e da certeza, como também ela existiu no campo do Direito Processual Civil, em que, mutatis mutandis, e em relação à superação das concepções liberais de segurança e de certeza, verificou-se evolução análoga ou similar. 
Por isto é que, do ponto de vista da rigidez do “pacta sunt servanda”, no campo do direito privado, essa diretriz acabou por vir a sofrer algumas exceções, de que há exemplos históricos, precedentes à época do liberalismo. Essas exceções, na verdade, se situam no começo da contratação (lesão e estado de perigo) ou no evolver do continuado cumprimento sucessivo, e em relação ao cumprimento das diversas prestações (contrato de trato sucessivo) do contrato. São havidos como vícios graves, e, como tais, assumidos pelo legislador, os quais justificam a intervenção judicial, e tais são o chamado “estado de perigo” ou a “lesão”, que são vícios contemporâneos à formação do contrato, ou seja, vícios originários e evidenciadores da ausência de saúde da relação contratual, com os quais o contrato nasce; ou, então, o contrato nasce saudável, mas nos contratos diferidos no tempo, de execução continuada, esse vem a adoecer podendo chegar ao ponto de representar uma onerosidade excessiva. 
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Então, tanto no começo do contrato pode ele eventualmente ser comprometido, quanto depois, ainda que o contrato haja nascido saudável, mas venha a adoecer, digamos assim, no espaço de tempo de sua execução civil, que se dilata no tempo, sucessivamente. 
O instituto da lesão vem previsto no Código no art. 157 e diria que aquilo que o Código denomina de “estado de perigo” pode ser visto, na verdade, como uma lesão agravada e com características especiais. O “estado de perigo” diz respeito a uma situação pessoal, demanda ser conhecido da outra parte, e há um comprometimento de tal ordem, dado que aquele que se obriga quer salvar-se ou salvar alguém de sua família; ao passo que a lesão diz com aspecto patrimonial, não exigido o conhecimento da outra parte. 
Outro ponto extremamente interessante antes da leitura desses artigos diz respeito à técnica empregada pelo Código de 2002 – e é por isso que eu me referi a todo aquele sistema, àquela técnica de linguagem do legislador na Revolução Francesa, geralmente cheia de elementos definitórios, diferentemente daquela em que se expressa o Código Civil de 2002, inclusive no que diz respeito a tais fundamentos, para poder alterar o contrato, em nome e por causa de suas finalidades sociais, e que, por isso mesmo, transcendem o interesse daquele que se aproveitaria do estado de perigo, da lesão ou daquele que resultaria favorecido pela onerosidade excessiva. Deve-se ter presente, ainda, a regra do art. 317, verbis: “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.” O disposto no art. 480 do Código Civil enseja a resolução do contrato (ainda que esta possa ser obstada, em face do disposto no art. 479), ao passo que o art. 317 possibilita a sua revisão. No art. 317 há de perceber-se, também, uma base de sustentação ética (ética que alberga, também, um dos ângulos da função social do contrato).16 17 
Hoje, quem for ler este Código (de 2002), ou quem for ler, por exemplo, o Código Civil holandês, verá que, sendo um Código recente, utiliza-se também de cláusulas gerais. 
A linguagem de que se utiliza o legislador nesse novo Código Civil é uma linguagem permeada por cláusulas gerais, prenhe de conceitos vagos, ou seja, são idéias, núcleos de valores apresentados pelo legislador, mas cujo preenchimento demandará necessariamente que sejam completados pelo juiz à luz das circunstâncias do caso concreto. Os textos contêm grandes diretrizes, mas saber, concretamente, se essas são aplicáveis a um caso concreto, dependerá de serem avaliadas essas diretrizes em interação com as peculiaridades do caso. Ou, por outras palavras, essas diretrizes não trazem, consigo próprias, elementos precisos, nem fronteiras definidas para serem facilmente aplicadas. O critério central do juiz, para esta tarefa, ao lado de demandar prudência, deverá ser o de tradutor dos valores predominantes na sociedade, com descarte de seus valores pessoais, caso não guardem sintonia com os da sociedade.18 
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Verificam os senhores que é um sistema que predomina neste Código – em pontos de importância central, por todo o sistema, fora também da parte de que tratamos – e que se encontra na disciplina dos contratos em pontos nodais, em setores em que se abrem hipóteses destinadas a rever o que foi contratado e, em nome da preservação de um equilíbrio da relação contratual, afasta-se a segurança, tal como em outros tempos foi concebida e praticada. 
Diferentemente se passa com o negócio jurídico, em si mesmo considerado, que é uma estrutura de caráter técnico, como se procurou frisar. No campo da contratação, inserido o contrato num negócio jurídico, estas cláusulas gerais reconhecem, habilitam e proporcionam um significativo exercício de poder ao Judiciário. O que se pode vulnerar não é, diretamente, em nome de tais cláusulas, o negócio jurídico, senão pode-se modificar o contrato que dentro daquele se encontra alojado. Por outras palavras, em sendo o “conteúdo” do negócio jurídico o de um contrato, e podendo este ser alterado, não é o fato de o negócio jurídico ser o “continente” – diga-se assim – que impedirá a modificação do seu “conteúdo”, i. e., do contrato. 
Verificam os senhores o seguinte, no instituto da lesão, em relação ao que se lê: “Ocorre lesão quando uma pessoa sob premente necessidade...”, o que nos habilita a indagar: o que é “premente necessidade”? E, sucessivamente: “(...) ou por inexperiência se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.” Há, sempre, neste instituto, dois conceitos vagos, ou seja: (a) premente necessidade e (b) ter-se obrigado, por causa dessa premente necessidade, por prestação manifestamente desproporcional, ou, então, há de substituir-se “premente necessidade” por “inexperiência”, ainda que a presença conjunta desses dois elementos possa ser imaginada, e efetivamente ocorrer, numa mesma hipótese. Como se percebe, há um núcleo de evidência nessas cláusulas gerais, dentro do qual, obviamente, se acomodam determinadas hipóteses; e há, igualmente, uma área em que, patentemente, se constatará não ocorrência de lesão, porque a situação carece de um ou de ambos os elementos. Mas é claro e curial que há um espaço para dúvida e de difícil solução, no qual se identificarão hipóteses em relação às quais não haja, quer uma evidência positiva, quer uma evidência negativa; ou seja, os casos que estarão situados numa zona cinzenta, em relação aos quais, então, será demandado do juiz o exercíciode uma das suas mais significativas virtudes, que é a da prudência. 
Alguém contrata e se sente lesado, vai dar 100 quando na verdade se apercebe de que irá receber em contrapartida um valor de 20. Em tal caso, parece evidente a lesão. Mas, e além desse grau? Ou será que é 40, 100? Por exemplo, o preço vil, aquém do qual não pode haver arrematação, tal como está disciplinado no processo, qual é ele, em relação ao valor pelo qual o bem haja sido avaliado? Em certa época, estudei o assunto, fazendo levantamento minucioso, e tentei quantificar o que era preço vil, chegando a uma conclusão pela média do pensamento do Judiciário. Encontrei num dado histórico o percentual de 25%; hoje parece ter subido para 40%, 45%. Isto demonstra duas coisas: (a) que os conceitos vagos ou cláusulas abertas acabam ganhando um perfil mais concreto, à luz das hipóteses concretas, que venham a ocorrer e que venham a ser objeto de decisões; vale dizer, tais normas abertas comportando, ao longo do tempo, aplicações, acaba-se por diminuir o grau de incerteza embutido na norma vaga; (b) como, ainda, tais cláusulas são dotadas de certa flexibilidade; isto permite uma certa mutação em relação ao seu entendimento. 
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Segue-se disto que o papel do juiz em completar a norma será imprescindível, mas é difícil que possamos ter uma previsibilidade como é possível em outras normas não vagas porque há aí, pelo menos, dois conceitos vagos: premente necessidade e prestação manifestamente desproporcional. Isto é, na verdade, no instituto da lesão comparece um binômio de requisitos, quais sejam “premente necessidade” (e/ou por inexperiência) e “prestação manifestamente desproporcional”, e, se alguém, em decorrência de configurar-se uma tal situação, se encontrar tão desequilibrado no negócio, poderá pedir a anulação desse negócio invocando que foi lesado. 
O que se verifica, portanto, é que diferentemente de conceitos rígidos, cujo conteúdo contenha normas mais minudentemente descritoras da realidade a que se reporta, que vinculem mais acentuadamente o juiz, faz-se exatamente o contrário: abrem-se as portas para que o juiz, à luz do caso concreto, realize, então, exaurientemente o comando legal. É claro que aquela noção de segurança e certeza, a que precedentemente aludimos, resulta substituída por uma noção de individualização em relação ao caso concreto, reequilíbrio da situação econômica dos contratantes, reajuste do equilíbrio que deve estar presente na comutatividade de um dado contrato. 
O § 1º do art. 157 dispõe: “Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.” E no § 2º do mesmo art. 157 dispõe-se: “Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.” 
Então se eu receber 100 em função de uma contrapartida de 20, teria que reduzir esse valor de 100 para que pudesse haver um equilíbrio em relação àqueles 20 (ou, a valor relativamente próximo). Basicamente, em suas linhas muito gerais, este é o instituto da lesão que não prosperou no liberalismo. 
O estado de perigo é instituto próximo da lesão, mas contém elementos caracterizadores que permitem considerá-lo mais grave, e a seu respeito o art. 156, caput, dispõe: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.” 
Há diferenças que são fundamentais. Primeiro a maior gravidade, no estado de perigo. Lá fala-se em premente necessidade, e aqui fala-se em que a situação que alavanca o estado de perigo decorre de estar o que se compromete premido pela necessidade de salvar-se ou a pessoa de sua família. Quer dizer, isto pode indicar até mesmo um perigo de morte e esta situação deve ser conhecida pela outra parte, ou seja, a situação em que se encontra o que se obriga ao assumir obrigação excessivamente onerosa; distinguem-se esses institutos, também, porque na lesão não há necessidade de conhecimento da situação do devedor, ao passo que no estado de perigo deve haver conhecimento pelo credor da situação de desespero ou de perigo do que se obriga, como, ainda, no estado de perigo o comprometimento diz com a necessidade de a pessoa salvar-se ou a alguém de sua família. O exemplo que me ocorreu seria o da hipótese de um seqüestro, em que o que vai emprestar tenha conhecimento do fato do seqüestro, e o sujeito vai e diz: “Eu preciso de um milhão emprestado.” Representando essa situação um estado de perigo, o negócio é suscetível de vir a ser anulado. Outra hipótese ocorre no caso em que alguém vai internar uma pessoa, por exemplo, sua mulher ou filho, em perigo de vida, apresentando perante o hospital seguro-saúde, em relação ao qual não é posta dúvida alguma, mas o hospital, além desse seguro-saúde, exige um “cheque-garantia” de 50 mil reais, em face da afirmação de que poderá vir a ser descontado. 
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Segue-se, ainda, examinando o texto todo, verificar o seu parágrafo único. Diz a lei (art. 156, parágrafo único): “(...) tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.” Aqui, parece que, se um parente longínquo for seqüestrado, não se pode saber, com segurança, se o juiz irá entender se é pessoa da família ou não é pessoa da família; isto porque, em rigor, deverá avaliar as circunstâncias do caso, podendo dar tratamento igual, em relação a hipótese encartável no parágrafo único, do art. 156, conforme as circunstâncias, ao que está caput ou não. O texto refere-se a parente, no sentido descrito pelo Código Civil, i. e., parente em grau sucessível? Ou, se esse parente for longínquo, mas extremamente próximo no relacionamento? Este último não é parente? São questões que se colocaram como referenciais para uma decisão. 
Vê-se, então, que o estado de perigo e a lesão são dois institutos de grande envergadura que se colocam para reformular a comutatividade do contrato, porque nasce gravemente viciado. 
Agora, a onerosidade excessiva a que alguns se referem como teoria da imprevisão e, na verdade, aqui conquanto seja onerosidade excessiva, há elemento normativo que se refere à imprevisão, na verdade ela diz o seguinte: suponha-se, em contrato de execução continuada ou execução diferida no tempo, que a prestação de uma das partes se torne excessivamente onerosa, com extrema vantagem para outra. Aqui há também uma onerosidade excessiva, um desequilíbrio que se projeta em ambos os contratantes, porque se fala em excessivamente onerosa para o devedor, circunstância essa que, correlata ou correspondentemente, deverá, essa prestação, representar extrema vantagem para outra. Não se trata – frise-se – de ser apenas excessiva a onerosidade, de um lado, do devedor; mas aqui se estabeleceu uma congruência ou uma correspondência entre a onerosidade excessiva e a extrema vantagem que essa onerosidade excessiva representa. E, mais ainda, dispõe o texto que isso deverá ter ocorrido em virtude de acontecimentos extraordinários, isto é, que fogem à regra, que fogem do ordinário, e, ademais, imprevisíveis. Então, se ocorrer um peso excessivo sobre o devedor, se esse peso excessivo representar uma extrema vantagem para o outro e se isto tiver sido extraordinário e não suscetível de previsão, cabe a redução dos contratos a limites possivelmente equivalentes àquela comutatividade que havia sido idealizada quando da confecção do contrato. Se os acontecimentos não fossem extraordinários, dado que previsíveis, é certo que aquele que suportará o peso teve o dever de prever isso, não conduzindo, então, a alteração da equação econômica dado não se configurar onerosidade excessiva nos termos jurídicos exigidos. Na verdade, adota-se a teoria denominada da onerosidade excessiva com o componente da imprevisibilidade. O desequilíbrio, no caso, parece sernecessariamente bilateral. É imaginável a onerosidade excessiva, do lado do devedor, sem que isso represente, todavia, correlata vantagem excessiva para o credor. Exemplo disto parece ser a hipótese em que o credor empresta ao devedor em dólar, legitimamente. Subindo muito o valor do dólar, em relação ao real, nem por isso, entretanto, há vantagem excessiva para o credor, o qual, apenas, receberá aquilo que emprestou, desde que se avalie a situação em face do disposto no art. 478 do Código Civil. Aqui também se pode fazer uma comparação com o Código do Consumidor, pois que, na verdade, o Código do Consumidor, pura e simplesmente, fala em onerosidade excessiva, sem que esta onerosidade represente uma extrema vantagem e sem considerar o problema da imprevisibilidade. A comparação do texto do Código Civil com o do Código do Consumidor revela que neste não há: (a) referência à imprevisibilidade e (b) referência à extrema vantagem para a outra parte, i. e., para o credor. 
Agora, poderíamos nos perguntar, então e por fim: o que é a função social do contrato? Na verdade, vou expressar a opinião a que cheguei até agora. Fundamentalmente, o mais expressivo significado da função social do contrato é o de que ele se encontra projetado em outros textos próprios do Código Civil, dado que julgo que nós não podemos interpretar a função social do contrato que, na verdade, é um valor justificativo da existência do contrato, tal como a sociedade enxerga no contrato um instituto bom para a sociedade, contrariamente à função central e à ‘ratio essendi’ do contrato; por isso é que é preciso atentar e não vislumbrar nessa função social, lendo-a de tal forma que viesse a destruir a própria razão de ser do contrato, em si mesma. 
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Quer dizer, um contrato, no fundo, apesar dessas exceções que foram apostas ao princípio do pacta sunt servanda, é uma manifestação da vontade que deve levar a determinados resultados práticos, resultados práticos estes que são representativos da vontade de ambos os contratantes, tais como declarados e que se conjugam e se expressam na parte dispositiva do contrato. Nunca se poderia interpretar o valor da função social como valor destrutivo do instituto do contrato. Por isto é que tenho a impressão de que o grande espaço da função social, de certa maneira e em escala apreciável, já se encontra no próprio Código Civil, através exatamente desses institutos que amenizam, vamos dizer, a dureza da visão liberal do contrato, como também penso que rigorosamente, para dar um exemplo que possa até chocar, se um juiz decide numa relação contratual “pietatis causa” – porque ficou com pena do devedor –, perguntar-se-ia, então: esse juiz está cumprindo a função social do contrato? Ele, juiz, liberando o devedor total ou parcialmente, dá vida à função social do contrato, rompendo o contrato porque o devedor, por hipótese, possa ser digno de pena? Acho que isso é, também, agir contra a função social do contrato, ou uma das facetas da função social do contrato. O contrato é feito para ser cumprido, em suma; e o contrato, ademais disso, vive e deve realizar a sua função no ambiente em que está basicamente presente o princípio de dar a cada um o que é seu, do que o contrato é também um instrumento destinado à implementação desse princípio. Desta forma, o problema, vamos dizer, é de circunstâncias que podem incidir na medida do sistema positivo, mas nunca poder-se-ia, no meu entender, em nome da função social, provocar uma verdadeira disfunção e uma negativa da própria razão de ser do contrato. 
Parece, portanto, que a função social vem fundamentalmente consagrada na lei, nesses preceitos e em outros, mas não é, nem pode ser entendida como destrutiva da figura do contrato, dado que, então, aquilo que seria um valor, um objetivo de grande significação (função social), destruiria o próprio instituto do contrato. Por exemplo, há um dispositivo, no novo Código, que é o art. 473 – para dar um dos muitos possíveis exemplos –, e este dispositivo admite no seu caput a resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, operando-se mediante denúncia notificada à outra parte. 
Então, se a lei permite que eu denuncie, que desfaça o contrato, ou se o contrato for por prazo indeterminado, posso resilir o contrato, posso desfazer o contrato. 
Mas dispõe o parágrafo único desse art. 473: “Se, porém, dada a natureza do contrato (...)” – e aqui também os senhores verificam que há conceitos vagos – “(...) uma das partes houver feito investimentos consideráveis para sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeitos depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e os vultos dos investimentos.” Vêem os senhores que também há conceitos vagos, pois tenho que ver o valor do contrato, tenho que ver o valor remanescente do contrato, tenho que ter presente qual é a grandeza do que é o investimento considerável, tenho que verificar qual é o prazo compatível para recuperar esse vulto de investimento, e, dentro desse prazo, identificar a rentabilidade possível e destinada a essa recuperação etc., o que representa um conceito vago. Especialmente “investimento considerável” é conceito vago. 
Agora, coloca-se aqui uma questão: essa norma é uma norma dispositiva, isto é, os contratantes podem afastar a sua incidência por cláusula contratual? Ou, por outras palavras, mais explícitas, a interpretação que um contrato deve comportar é que essa norma que garante um dos contratantes, em face da resilição do contrato, é norma dispositiva, com o que, então, o que resiliu venha a se aproveitar dos investimentos e, fazendo com que o outro perca, quer dizer, terão resultado os investimentos, ao menos em parte, inócuos? O entendimento dessa norma, portanto, deve ser iluminado pela função social do contrato; se se estabelecer uma cláusula afastando essa norma e afirmando-a como norma dispositiva, e, portanto, sendo norma dispositiva, tendo-se a possibilidade, por causa da autonomia da vontade, de dispor diversamente e, portanto, afastar a incidência dessa norma, seria, por isso mesmo, legítima a questão de saber se esse entendimento afina-se com a função social do contrato, em que está implicada a possibilidade de, sendo possível, aproximar-se a contratação da comutatividade. Essa é uma questão que se coloca. A minha impressão é a de que esta é uma norma de ordem pública, é ela uma norma que dá um conteúdo necessário do contrato a que se refere. Trata-se, assim, segundo me parece, de um comando que ex lege há de reputar-se inserido no contrato, e que, portanto, não pode ser afastado pela vontade das partes. Então há algumas normas do Código que procuram assegurar um equilíbrio contratual. Tenho a impressão de que, em suas linhas gerais, isso é que é a função social do contrato. Deve-se ter presente que qualquer disposição contratual que se coloque opostamente à função social do contrato é nula. É o que se dispõe no final do Código Civil, no parágrafo único do art. 2.035: “Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.” Com isto se revela relevante avaliar se disposição contratual ofende a função social do contrato. 
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Os senhores poderiam me perguntar: mas essa função social teria um rendimento maior? Eu mesmo tive um caso no nosso escritório que foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e é claro que todos nós somos vítimas das nossas circunstâncias, inclusive vítimas até da nossa idade. Um colega que tem metade da minha idade, em face de um contrato de uma companhia aérea, idealizou um pedido com base na função social. Esse caso foi julgado pouco tempo antes da entrada em vigor do vigente Código Civil. Nesse caso uma companhia aérea tinha que deixar em mãos do arrendante uma determinada importância em dólar, uma verdadeira caução para

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