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Historia da filosofia 2

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
BERTRAND RUSSELL
História DA FILOSOFIA OCIDENTAL
e sua conexão política e social desde os tempos primitivos até hoje
BERTRAND RUSSELL
LIVROS HORIZONTE
PORTUGAL BRASIL
Título original
HISTORY OF WESTERN PHILOSOPHY
arid its ConnecUon with Political and Social Circunistances from the Earliest Times to 
the Presente Day
Tradução do PROF. DOUTOR VIEIRA DE ALMEIDA
Reservados os direitos de publicação para Portugal pela
EDITORIAL GLEBA, L.DA / LIVROS HORIZONTE, L.DA
Venda interdita no Brasil
PREFÁCIO
Algumas palavras de explicação e apologia poderão evitar a este livro maior censura do 
que a que sem dúvida merece.
Deve-se a apologia aos especialistas das várias escolas e dos filósofos individualmente 
considerados. Exceptuando talvez Leibniz, cada filósofo que trato é mais conhecido de 
outros do que de mim. Mas se livros é campo vasto devem escrever-se, é inevitável, 
pois não somos imortais que os autores gastem menos tempo em cada parte do que um 
homem, concentrado em um só autor ou um período breve. Concluirão alguns com 
erudita e severa austeridade, que tais livros não devem escrever-se ou então devem ser 
constituídos por monografias de vários autores. No entanto, alguma coisa se perde nessa 
colaboração. Se há qualquer unidade no movimento da história., se há alguma relação 
íntima entre o antes e o depois, é necessário que um só espírito sintetize os períodos 
anterior e ulterior. O estudioso de Rousseau pode ter dificuldade em apreciar a sua 
conexão com a Esparta de Platão e Plutarco; o historiador de Esparta pode não estar 
profeticamente cônscio de Hobbes, Fichte e Lenine. Mostrar relações desse género é o 
fim deste livro, fim que só por uma larga visão de conjunto pode atingir-se.
Há muitas histórias da filosofia, mas nenhuma do meu conhecimento com o objectivo 
de esta. Os filósofos são efeito e causa. Muitos efeitos das circunstâncias e da política e 
instituições do seu tempo; causa (se tiverem essa fortuna) de crenças modeladoras da 
política e instituições de épocas ulteriores. Na mor parte das histórias da filosofia, cada 
filósofo aparece no vácuo. As suas opiniões são irrelacionadas, excepto na melhor 
hipótese para os filósofos primitivos. Eu tentei, ao contrário mostrar cada filósofo, tanto 
quanto a verdade permite, como result”
10 
do seu milieu, como homem em que se cristalizam e concentram vagos e difusos 
pensamentos e sentimentos da comunidade a que pertence. (1)
Isto exigiu alguns capítulos de pura história social. Ninguém compreende estóicos e 
epicuristas sem algum conhecimento da idade helenística, ou os escolásticos sem o do 
desenvolvimento da Igreja do século v ao XIII. Por isso tratei brevemente os esboços 
puramente históricos de maior influência no meu parecer sobre o pensamento filosófico, 
e mais demoradamente onde a história é provavelmente menos familiar a alguns leitores 
- por exemplo, a da Alta Idade Média. Mas nesses capítulos históricos excluí quanto me 
pareceu de pequena ou nula influência na filosofia contemporânea ou subsequente (2).
Em livros como este o problema da selecção é difícil. Sem pormenor o livro é vazio e 
sem interesse; com pormenor, pode tornar-se de lentidão intolerável. Optei por um 
compromisso, tratando só de filósofos que julguei de importância capital e mencionando 
em relação com eles, pormenores que se não têm importância fundamental têm valor 
como exemplo e vivificação.
(1) Este ponto de vista de Russell parece-nos merecer uma reflexão particularmente 
atenta. Se é inegável que as histórias da filosofia, na maior parte, nos apresentam as 
opiniões de cada filósofo isoladas do contexto histórico-social em que se Inscrevem, 
não serão porventura mais complexos do que o sugere Russell os laços que os ligam ao 
seu tempo? A esse propósito afigura-se-nos oportuno citar um texto de Gramsci em que 
o pensador italiano, com a sua reconhecida lucidez, foca o problema com maior 
precisão: «Do ponto de vista que nos preocupa, o estudo da história e da lógica das 
diferentes filosofias dos filósofos não é suficiente. Quanto mais não seja do que como 
orientação metódica, é preciso chamar a atenção para as outras partes da história da 
filosofia, quer dizer para as concepções do mundo das grandes massas, para as dos 
grupos dirigentes mais restritos (os Intelectuais) e finalmente para os liames que unem 
estes diferentes conjuntos culturais com a filosofia dos filósofos. A filosofia de uma 
época não é a filosofia deste ou daquele filósofo, deste ou daquele grupo de intelectuais, 
deste ou daquele grande agrupamento das massas populares: é uma combinação de 
todos estes elementos que tem o seu apogeu numa direcção determinada, em que este 
apogeu se tornou em norma de acção colectiva, quer dizer «história» concreta e 
completa (integral». Traduzimos este fragmento do volume Oeuvres Choisies, 
traduction et notes par Gübert Moget et Armand Monjo, préface de Georges Cogniot, 
Paris [1959], p. 43. (E. P.) (’) Cremos que Bertrand Russell nem sempre solucionou 
acuradamente este problema. Assim, por exemplo, afigura-se-nos que o Autor não 
atribuiu a devida Importância aos materialistas franceses do século XVIII, a despeito de 
constituírem uma das fontes e partes constituintes de uma das mais vigorosas correntes 
da filosofia contemporânea, o materialismo dialéctico. (R. F.)
11
A filosofia desde os primeiros tempos foi não apenas mera questão de escolas ou disputa 
entre um pugilo de homens cultos, mas parte integrante da vida da comunidade, e como 
tal procurei considerd-1a. Se há mérito neste livro, deriva desse ponto de vista.
O livro deve a existência ao Dr. Albert C. Barnes, por ter sido originariamente planeado 
e em parte apresentado em conferências na Barnes Foundation, de Pensilvânia.
Como na maior parte da minha obra desde 1932 auxiliou-me na investigação e em 
muitas outras formas minha mulher, Patrícia Russell.
INTRODUÇÃO
As concepções da vida e do mundo a que chamamos «filosóficas» são
produto de dois factores: um, herança de concepções religiosas e éticas; outro, aquela 
investigação que pode ter nome «cientifica», usando o termo no sentido mais lato. 
Individualmente os filósofos largamente divergiram na proporção destes dois factores 
nos seus sistemas, mas a presença de ambos em qualquer grau é o que caracteriza a 
filosofia.
«Filosofia» é termo com vários sentidos, mais latos ou mais estritos. Usá-lo-ei no 
sentido lato que vou explicar.
Filosofia como entenderei a palavra é algo intermédio entre teologia e ciência. Como a 
teologia, consiste em especulações sobre matérias inacessíveis até agora ao 
conhecimento definido, mas como a ciência, apela para a razão de preferência à 
autoridade, quer da tradição quer da revelação. Todo conhecimento definido - assim o 
sustento - pertence à ciência; todo dogma, como o que excede o conhecimento definido, 
pertence à teologia. Mas entre teologia e ciência há uma terra-sem-dono, exposta ao 
ataque de ambos os lados; é a filosofia. As questões de maior interesse para espíritos 
especulativos raro têm resposta cientifica, e as respostas confiantes de teólogos já não 
parecem tão convincentes como nos séculos anteriores. Estará o mundo dividido em 
espírito e matéria, e sendo assim, que é espírito e que é matéria? Está a alma sujeita à 
matéria, ou tem energias independentes? Tem o Universo unidade ou fim? Evolve para 
algum objectivo? Há realmente leis da natureza, ou cremos nelas devido ao nosso inato 
amor da ordem? É o homem o que parece ao astrónomo um pequeno conjunto de carvão 
impuro e água, a arrastar-se impotente sobre um pequeno planeta sem importância? Ou 
é o que pensava Hamlet? Será as duas coisas? Há um tipo nobre e um
14
tipo baixo de vida, ou são todos meramente fúteis? Se um deles é nobre, em que 
consiste e como realizá-lo? Deve o bem ser eterno para poder ser apreciado, ou merece 
procurar-seainda quando o Universo caminhe inexoravelmente para a morte? Existe de 
facto a sabedoria ou não passa de requinte derradeiro de loucura? Não há resposta em 
laboratório para tais questões. Pretenderam teologias dar respostas, todas demasiado 
definidas, o que as torna suspeitas a espíritos modernos. Estudar essas questões, se não 
responder-lhes, é a tarefa da filosofia.
/
Ma então, dir-se-á, por que perder tempo com problemas insolúveis? Pode responder-se 
como historiador ou como homem em face do terror da solidão cósmica.
A resposta do historiador, tanto quanto posso dá-la, ver-se-á nesta obra, Desde que os 
homens foram capazes de especular livremente, as
suas acções em inúmeros aspectos importantes dependeram das suas teorias sobre o 
mundo e a vida humana, assim como sobre o bem e o mal. Assim é hoje como foi antes. 
Para compreender uma idade ou uma nação temos de compreender-lhe a filosofia, e 
para isso temos de ser em qualquer grau filósofos. Há aqui uma causalidade recíproca. 
As circunstâncias da vida do homem concorrem muito para determinar a sua filosofia, e 
reciprocamente, a sua filosofia determina em muito as suas circunstâncias. Esta 
interacção multissecular é o tópico das páginas seguintes.
Há no entanto uma resposta mais pessoal. A ciência diz-nos o que sabemos, e é pouco; e 
se esquecemos quanto ignoramos ficaremos insensíveis a muitos factos da maior 
importância. Por outro lado, a teologia induz a crer dogmaticamente que temos 
conhecimento onde realmente só temos ignorância, e assim produz uma espécie de 
impertinente arrogância em relação ao Universo. A incerteza perante esperanças vivas e 
receios é dolorosa mas tem de suportar-se se quisermos viver sem o conforto de contos 
de fadas. Nem é bom esquecer as questões postas pela filosofia, nem persuadirmo-nos 
de que 1 ** he achámos resposta indubitável. Ensinar a viver sem certeza e sem ser 
paralisado pela hesitação é talvez o mais importante dom da filosofia do nosso tempo a 
quem a estuda.
Filosofia, como distinta da teologia, começou na Grécia, no século vi a. C.. Depois foi 
de novo submergida pela teologia com a vinda do Cristianismo e a queda de Roma. O 
segundo grande período, do século XI ao XIV foi dominado pela Igreja Católica, 
excepto alguns grandes rebeldes, como o imperador Frederico 11 (1195-1250). Este 
período terminou pelas confusões que culminaram na Reforma. O terceiro período, do 
século XVII até hoje, é dominado, mais do que qualquer dos anteriores,
IYTP.QDCÇ.40 15
pela ciência; as crenças religiosas tradicionais continuam a ser importantes mas 
necessitadas de justificação e modificadas sempre que a ciência o tornava imperativo, 
Poucos filósofos de este período são ortodoxos do ponto de vista católico e o estado 
secular tem maior importância do que a Igreja nas suas especulações.
Coesão social e liberdade individual como religião e ciência estão em conflito ou em 
compromisso difícil durante todo o período. Na Grécia a coesão social assentava na 
lealdade à cidade-estado; Aristóteles mesmo, embora no seu tempo Alexandre já fosse 
obsoletizando a cidade-estado, só podia apreciar essa espécie de política. O grau de 
limitação da liberdade individual pelo dever para com a cidade variava muito. Em 
Esparta a liberdade era tão escassa como na Alemanha moderna ou na Rússia; em 
Atenas, apesar de perseguições ocasionais, os cidadãos gozaram no melhor período de 
extraordinária liberdade quanto a restrições impostas pelo Estado. O pensamento grego 
desde Aristóteles é dominado pela devoção religiosa e patriótica à cidade; os seus 
sistemas éticos adaptam-se à vida dos cidadãos e têm largo elemento político. Quando 
os gregos foram submetidos primeiro pelos macedónios, depois pelos romanos, as 
concepções próprias dos dias de independência ficaram inaplicáveis. De aqui, em 
primeiro lugar, perda de vigor pela ruptura da tradição, e em segundo lugar, uma ética 
mais individual e menos social. Os estóicos viram a vida virtuosa como relação da alma 
com Deus mais do que relação dos cidadãos com o Estado. Assim prepararam o 
caminho ao Cristianismo, originaríamente não político como o estoicismo, pois durante 
os três primeiros séculos os seus aderentes estiveram livres de influência do governo. A 
coesão social nos seis séculos e meio, de Alexandre a Constantino, foi mantida não pela 
filosofia ou pela fidelidade antiga mas pela força; primeiro, das armas, depois, da 
administração civil. Exército romano, estradas romanas, direito romano, e oficiais 
romanos, criaram e depois mantiveram um poderoso estado centralizado. Nada é 
atribuível à filosofia romana, porque não a havia.
Durante esse longo período as ideias gregas do tempo de liberdade sofreram gradual 
processo de transformação; algumas, as que podemos considerar especificamente 
religiosas, ganharam em importância relativa; outras, mais racionastes, foram rejeitadas 
pelo espírito da época. Desse modo os últimos pagãos adaptaram a tradição grega até 
estar adequada à incorporação na doutrina cristã.
O Cristianismo popularizou uma opinião importante, já implícita na doutrina estóica 
mas alheia ao espírito geral da antiguidade - isto é, a de que o dever para com Deus é 
mais imperativo do que o dever para com
16 História DA FILOSOFIA OCIDENTAL
o Estado (1). Esta opinião de que - «importa obedecer a Deus mais do que ao homem» - 
como diziam Secretas e os Apóstolos, sobreviveu à conversão de Constantino, porque 
os primeiros imperadores cristãos eram arianos ou inclinados ao arianismo. Quando se 
fizeram ortodoxos caiu em desuso. No império bizantino permaneceu latente, como no 
subsequente império russo, que derivou de Constantinopla e seu Cristianismo (2). Mas 
no Ocidente, onde os imperadores católicos foram quase imediatamente substituídos 
(excepto em parte da Gálea) por conquistadores bárbaros heréticos, a superioridade da 
obediência religiosa sobre a política sobreviveu e em certa extensão ainda sobrevive.
A invasão bárbara pôs termo durante seis séculos à civilização oeste europeia. Demorou 
na Irlanda até os dinamarqueses a destruírem no século IX; antes de extinguir-se 
produziu ali uma figura notável: Scoto Eriúgena. No império oriental a civilização grega 
manteve-se, dissecada como em um museu, até a queda de Constantinopla, em 1453, 
mas nada de importância para o mundo veio de Constantinopla excepto uma tradição 
artística e o código justinianeu do direito romano.
No período obscuro, do fim do século v ao meado do XI o mundo romano ocidental 
sofre algumas mudanças muito interessantes. O conflito entre o dever com Deus e o 
dever para com o Estado, introduzido pelo Cristianismo, toma a forma de conflito entre 
a Igreja e o rei. A jurisdição eclesiástica do papa estende-se à Itália, França, Espanha, 
Grã-Bretanha e Irlanda, Alemanha, Escandinávia e Polónia. A principio, exceptuada a 
Itália e o Sul da França, o seu mando sobre bispos e abades era pequeno, mas desde 
Gregório VII (século XI adiantado) tornou-se real e efectivo. Desde então o clero com 
toda a Europa Ocidental formou uma só organização sob a direcção de Roma, 
procurando o poder inteligente e incansavelmente, e em geral vitorioso até depois de 
1300 nos conflitos com governantes seculares. O conflito entre a Igreja e Estado não foi 
entre clero e laicato; foi também uma renovação do conflito entre o mundo 
mediterrâneo e os bárbaros do Norte. A unidade da Igreja era eco da do império romano, 
a sua liturgia era latina, e os seus homens mais notáveis eram pela maior parte italianos, 
espanhóis ou franceses do Sul. A sua educação, quando a educação reapareceu, era 
clássica; a sua concepção de direito e governo teria sido mais compreensível a
(1) Esta opinião era antiga. Já se encontra, por exemplo na Antígona, de Sófocles. 
Mas antes dos estóicos poucos a compartilhavam. (1) Por Isso um russo moderno não 
pensadever obedecer ao materialismo dialéctico mais do que a Staline.
INTRODUÇÃO 11
Marco Aurélio do que aos monarcas contemporâneos. A Igreja representava ao mesmo 
tempo a continuidade do passado e o mais civilizado do presente.
O poder secular, pelo contrário, estava na mão de reis e barões de origem teutónica, 
ansiosos por conservar quanto possível as constituições por eles trazidas das florestas da 
Germânia. O poder absoluto era alheio a essas instituições e assim era o que aparecia a 
esses vigorosos conquistadores como estúpida e dessorada legalidade. O rei tinha de 
repartir o poder com a aristocracia feudal, mas todos esperavam ser contemplados com 
fontes ocasionais de dádivas na forma de guerra, morticânio pilhagem ou violação. Os 
monarcas podiam arrepender-se, porque eram sinceramente piedosos, e além disso, o 
arrependimento era já uma forma de afecto. Mas a Igreja nunca pôde conseguir deles -a 
regularidade de proceder tranquilo que um patrão moderno pede e em geral obtém dos 
seus empregados. De que servia conquistar o mundo se não se pudea« beber, matar e 
amar como o espírito pedia? E por que haviam eles con as suas armas de cavaleiros, 
obedecer à s ordens de homens de. livros votados ao celibato e desarmados? Apesar da 
desaprovação eclesiástica eles mantiveram o duelo, o julgamento pelas axmas e 
desenvolveram oi torneios e o amor cortesão. Ocasionalmente, em impulso de fúria ab 
assassinariam eclesiásticos eminentes.
Toda a força armada estava dolado dos reis e no entanto a Igreji venceu. A Igreja 
ganhou, em parte por ter quase o monopólio da educação, em parte porque os reis 
estavam em constante guerra entre si mas principalmente por governantes e povo 
crerem piamente que ele tinha o poder das chaves. A Igreja podia decidir se um rei 
passaria 1 eternidade no Céu ou no Inferno; podia -absolver súbditos do dever di 
lealdade e assim estimular a rebelião, Além. disso, a Igreja representava a ordem em vez 
da anarquia e portanto era o apoio da crescente class, mercantil. Em especial na Itália 
esta última consideração foi decisiva
O esforço teutónico para preservar pelo menos uma independêncii parcial perante a 
Igreja exprimiu-se não só na política, mas na arte romance, cavalaria e guerra. Pouco no 
mundo intelectual porque a educação se limitava quase de todo ao clero. A filosofia 
explícita da Idad, Média não é espelho fiel do tempo, mas apenas do pensamento de uin 
partido. No entanto entre os eclesiásticos -especialmente entre os franciscanos -alguns 
por várias razões estavam em desacordo com o papa Demais, na Itália a cultura dos 
leigos precedeu de séculos a do Nort, dos Alpes. Frederico II com a pretensão de fundar 
uma religião nov. representa o extremo da cultura antipapal. Tomás de Aquino, do 
rein@
18 HISTõRIA DA PIOSOFIA OCIDENTAL
de Nápoles onde reinava Frederico, II, é até hoje o expositor clássico da filosofia papal. 
Dante, uns cinquenta anos depois, fez uma síntese e deu a única exposição ponderada do 
mundo medieval completo.
Depois de Dante, por motivos tanto intelectuais como políticos a síntese filosófica 
medieval decaiu. Tivera carácter de elegância e perfeição miniatural. Tudo o que o 
sistema tinha em conta achava lugar preciso relativamente aos outros conteúdos do 
mesmo cosmos finito. Mas o Grande Cisma, o Movimento Conciliar e o Papado, 
renascentista levaram à Reforma, que destruiu a unidade da Cristandade e a teoria 
escolástica do governo centrado no papa. Durante o Renascimento, novo conhecimento 
da antiguidade e da superfície da Terra, cansavam os homens dos sistemas, tornados 
prisões mentais. A astronomia de Copérnico dava à Terra e ao Homem posição mais 
modesta do que a teoria de Ptolomeu. O prazer de factos novos substituiu, entre os 
homens inteligentes, o de raciocinar, analisar e sistematizar. Embora em arte o 
Renascimento permaneça ordeiro, em pensamento prefere uma desordem ampla e 
frutífera. Neste aspecto, Montaigne é o representante mais típico da época.
Na teoria política, e em tudo excepto em arte, houve colapso da ordem. A Idade Média, 
turbulenta na prática, tinha no campo do pensamento a paixão da legalidade e uma 
teoria muito precisa do poder político. Todo poder vem de Deus; Ele delega-o no papa 
nas coisas sagradas, no imperador em matéria secular; mas um e outro perderam a 
importância no século XV. O papa ficou sendo apenas um dos príncipes italianos 
imiscuído no incrivelmente complicado jogo sem escrúpulo do poder político italiano. 
As novas monarquias nacionais de França, Espanha e Inglaterra têm nos seus territórios 
um poder onde nem o papa nem o imperador têm interferência. O estado nacional, 
devido em grande parte à pólvora, adquiriu no pensar e no sentir dos homens uma 
influência nunca até então alcançada e destruiu progressivamente os restos da crença 
romana na unidade da civilização.
Esta desordem política achou expressão em O Príncipe, de Machiavelli. Na falta de 
princípio condutor a política tornou-se luta aberta pelo poder. O Príncipe dá conselhos 
argutos sobre o modo de jogar com êxito. Repetia-se na Itália o que sucedera na grande 
cidade grega: as restrições morais desapareceram por serem consideradas unidas à 
superstição. A libertação de cadeias tornou os homens enérgicos e criadores, Produzindo 
rara florescência de génios; mas a anarquia e a perfídia, inevitável fruto da decadência 
moral, tornaram os italianos colectiva-
INTRODUÇAO 11
mente impotentes, e como os gregos caíram sob o domínio de naç5eE menos civilizadas 
mas não assim destituídas de coesão social.
O resultado foi no entanto menos desastroso do que na Grécia, porque as nações de 
poderio recente, com excepção da Espanha, mostraram-se tão capazes de grandes 
realizações como os italianos tinham sido.
Desde o século XVI a história do pensamento europeu é dominada pela Reforma. A 
Reforma foi um complexo movimento poliédrico e deveu o êxito a várias causas. Em 
primeiro lugar era a revolta das nações d( Norte contra o renovado domínio de Roma. A 
força da religião subjugara o Norte mas a religião na Itália decaíra. O papado 
permanecia como instituição e arrancava um tributo enorme da Alemanha e de 
Inglaterra, mas esses países, ainda piedosos, não podiam reverenciar Bórgias e Médicis, 
que professavam salvar almas do purgatório por dinheiro que dissipavam em luxo e 
imoralidade. Motivos nacionais, económicos e morais confluíam na revolta contra 
Roma. Além de isso os príncipes não tardaram a compreender que se a Igreja nos seus 
territórios se tornasse meramente nacional poderiam dominá-la e ficar mais poderosos 
do que tinham sido ao repartir o domínio com o papa. Por todos estes motivos as 
inovações teológicas de Lutero foram bem acolhidas por governantes e povos em 
grande parte do Norte da Europa.
A Igreja Católica derivou de três fontes. A sua história sagrada fé judaica, a sua teologia, 
grega, o seu governo e direito canónico, pelo menos indirectamente, romanos. A 
Reforma rejeitou os elementos romanos, afeiçoou os elementos gregos e reforçou muito 
os elementos judaicos Cooperou de esta forma com as forças nacionalistas destruidoras 
da coesão social efectuada primeiro pelo império romano, depois pela Igreja Romana. 
Na doutrina católica a revelação divina não terminou com as
Escrituras, continuou através da Igreja a que por isso há o dever d submeter as opiniões 
individuais.. Os protestantes, pelo contrário, rejeitam a Igreja como veículo da 
revelação. A verdade só existe na Bíblia que cada homem pode interpretar por si. Se os 
homens divergirem n interpretação, não há autoridade divinamente autorizada para 
decidir a disputa. Na prática, o Estado reclamou o direito antes pertencente à Igreja, mas 
foi uma usurpação. Na teoria protestante não há intermediário terrestre entre a alma e 
Deus.
O efeito desta mudança foi importante.A verdade deixou de depender da autoridade e 
passou a depender de meditação interior. Cresce rápida a tendência para o anarquismo 
em política, e em religião par o misticismo que sempre lutara com dificuldades na 
estrutura da orto-
20 HISTõRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
doxia católica. Tornou-se não um protestantismo mas uma multidão de seitas; não uma 
filosofia antiescolástica mas tantas quantos os filósofos; não, no século XII, um 
imperador oposto ao papa mas um grande número de reis herejes. O resultado, no 
pensamento como na literatura, foi um subjectivismo continuamente aprofundado, 
actuante primeiro como saudável libertação de escravatura espiritual mas encaminhado 
depois para um isolamento pessoal inimigo de sanidade social.
A filosofia moderna começa com Descartes, cuja certeza fundamental é a da existência 
própria e dos seus pensamentos, de onde se infere o mundo externo. Era apenas o 
primeiro passo para um desenvolvimento através de Berkeley e Kant até Fichte, para 
quem tudo é emanação do ego. Isto era uma insanidade, e a partir de esse extremo a 
filosofia tentou desde então fugir para o mundo do senso comum ordinário. 
O anarquismo vai de mão dada com o subjectivismo em filosofia. Já no tempo de 
Lutero, discípulos malvindos e irreconhecidos tinham desenvolvido a doutrina do 
Anabaptismo -algum tempo florescente na cidade de Münster. Os anabaptistas 
repudiavam toda a lei, pois o homem bom deve ser guiado em cada momento pelo 
Espírito Santo, que não pode sujeitar-se a fórmulas. De esta premissa chegaram ao 
comunismo e à promiscuidade sexual; foram por isso exterminados depois de 
resistência heróica. Mas a doutrina, em forma atenuada espalhou-se na Holanda, 
Inglaterra e América; históricamente é a origem do quakerismo. Uma forma mais feroz 
de anarquismo, não conexa com a religião, apareceu no século XIX. Na Rússia, na 
Espanha, em menor grau na Itália, teve êxito considerável e ainda hoje assusta as 
autoridades americanas de imigração. Esta forma moderna, embora anti-religiosa, tem 
muito do espírito do protestantismo primitivo; difere principalmente em dirigir contra os 
governos seculares -a hostilidade de Lutero contra os papas.
A subjectividade, uma vez liberta, não pode limitar-se sem seguir seu caminho. Em 
moral, a ênfase protestante da consciência individual era essencialmente anárquica. 
Hábito e costume eram tão fortes que, exceptuando ímpetos ocasionais como o de 
Münster, os discípulos do individualismo ético procediam como convencionalmente 
virtuosos, mas o equilíbrio era precário. O culto setecentista da «sensibilidade» 
começou a declinar; admirava-se um acto não pelas boas consequências ou pelo acordo 
com um código moral, mas pela emoção que o inspirava. De aí o culto do herói, 
expresso em Carlyle e Nietzsche e o culto byroniano da paixão violenta, de qualquer 
espécie.
O movimento romântico em arte, em literatura e em política liga-se com este juizo 
subjectivo de homens que julgam não como membros da
INTRODUÇÃO 21
comunidade mas como objecto estèticamente deleitoso de contemplação. Os tigres são 
mais belos do que os carneiros mas preferimo-los atrás de barras. O romântico típico 
tira as grades e goza os saltos magníficos em que o tigre devora o carneiro. Exorta o 
homem a ser tigre e quando o consegue o resultado não é inteiramente agradável.
Houve diversas reacções modernas contra as mais insanas forma de subjectivismo. 
Primeiro, uma filosofia de compromisso médio, a doutrina do liberalismo, que tentou 
demarcar a esfera do governo e a de indivíduo. Na feição moderna começou com Locke, 
tão contrário ao «entusiasmo» - o individualismo anabaptista - como à autoridade 
absoluta e à cega subserviência à tradição. Uma revolta ulterior levou à doutrina do 
culto do Estado, dando-lhe a posição atribuída pelo Catolicismo à Igreja ou até a Deus. 
Hobbes, Rousseau e Hegel representam fases de essa teoria e as suas doutrinas estão 
incorporadas praticamente em Cromwell, Napoleão, e na Alemanha moderna. O 
Comunismo teoricamente está longe de tais filosofias, mas na prática é levado a um tipo 
de comunidade muito semelhante ao que resulta do culto do Estado (1),
Neste longo trajecto, de 600 a. C. até hoje dividiram-se os filósofos entre os que querem 
apertar os laços sociais e os que pretendem afrouxá-los. Outras diferenças acompanham 
estas. Os disciplinários defenderam algum sistema de dogma velho ou novo e portanto 
em maior ou menor grau, foram hostis à ciência, desde que dogmas não podem provar-
se empiricamente. Quase sempre ensinaram que a felicidade não é o bem, e a «nobreza» 
ou o «heroísmo» deve ser-lhe preferido. Tiveram simpatia pela parte irracional da 
natureza humana, desde que sentiram ser a razão inimiga da coesão social. Os 
libertários, por outro lado, com excepção dos anarquistas estremes, tenderam a ser 
científicos, utilitários, racionalistas, hostis à paixão violenta e inimigos de todas as 
formas religiosas mais profundas. Este conflito existiu na Grécia, anteriormente ao que 
reconhecemos como filosofia e é já bem explícito no pensamento grego primitivo. 
Mudando de forma persistiu até hoje e não há dúvida de que permanecerá no futuro.
Claro que nesta disputa como em tudo quanto persiste muito tempo - cada partido tem 
razão em parte. A coesão social é uma necessi-
(1) Para se avaliar do grau de fundamentação desta afirmativa de Russell é 
Indispensável reflectir sobre a concepção marxista de Estado (veja-se, por exemplo
O Estado e a Revoluffio, de Lênine) que engloba, como é sabido, a teoria da sua 
extinção final, confrontando-a com as várias realizações históricas dessa concepçãe tais 
quais se nos deparam no horizonte dos nossos dias. (R. P.)
22 HISTõRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
dade e a humanidade nunca pôde reforçá-la por meros argumentos racionais. Cada 
comunidade corre dois perigos opostos: ossificação por excesso de disciplina e de 
reverência à tradição, e por outro lado dissolução ou queda sob domínio estrangeiro por 
desenvolvimento de individualismo e independência pessoal, que impossibilita a 
cooperação. Em geral as grandes civilizações começam com um rígido sistema 
supersticioso, gradualmente afrouxado e conducente em certa fase a um período de 
gênio brilhante, enquanto o bom da velha tradição permanece e o mal inerente à 
dissolução não se desenvolveu. Mas quando o mal se revela, conduz à anarquia e de -ai, 
inevitàvelmente, a uma tirania nova, que produz nova síntese, baseada em novo sistema 
de dogma. O liberalismo é uma doutrina tendente a evitar esta oscilação intérmina. A 
essência do liberalismo é a tentativa de assegurar a ordem social não na base de um 
dogma irracional e firmar a estabilidade sem exceder as restrições necessárias à 
conservação da comunidade. Só o futuro dirá se a tentativa tem bom êxito.
LIVRO PRIMEIRO
FILOSOFIA ANTIGA
PARTE PRIMEIRA
OS PRÉ-SOCRÁTICOS
CAPITULO I
SURTO DA CIVILIZAÇÃO GREGA
Nada mais surpreendente e difícil de explicar em toda a história do que a súbita 
ascensão da civilização grega. Muito do que constitui * civilização já existia milhares de 
anos no Egipto e na Mesopotâmia * irradiava para países vizinhos. Mas faltavam 
elementos até que os gregos os encontraram. O que fizeram em arte e literatura é bem 
conhecido, mas o que fizeram no campo intelectual é ainda mais extraordinário. 
Inventaram a matemática, a ciência e a filosofia, escreveram pela prirneira vez história 
em contraposição com simples anais, especularam livremente sobre a natureza do 
mundo e os fins da vida, sem a prisão de qualquer ortodoxia herdada (1). O que foi tão 
surpreendente que até época muito recente os homens se contentavam com admirar e 
falar misticamente do génio, grego. Mas é possível compreender o desenvolvimento da 
Grécia em termos científicos e vale bem a pena fazê-lo.
A filosofia começou comTales, que felizmente pode datar-se por ter predito um eclipse 
do ano 585 a. Q, segundo os astrónomos. Filosofia e ciência - originariamente ligadas - 
nasceram portanto no começo do século VI a. C.. Que se passara na Grécia e países 
vizinhos antes de esse tempo? Qualquer resposta é em parte conjectural, mas a 
arqueologia, no século presente, deu-nos conhecimento mais amplo do que o dos nossos 
avó s.
(1) Aritmética e geometria já existiam entre os egípcios e babilónios, mas com 
regras práticas. Raciocínio dedutivo de premissas gerais foi uma inovação grega.
28 História DA FILOSOFIA OCIDENTAL
A escrita foi inventada no Egipto cerca de 4000 a. C. e na Mesopotâmia pouco mais 
tarde. Em cada pais a escrita começou pelo desenho de objectos; esses desenhos 
rapidamente se convencionalizaram de modo que as palavras foram representadas por 
ideogramas, como ainda são na China. No decurso de milhares de anos este sistema 
incómodo desenvolveu-se na escrita alfabética.
O primitivo desenvolvimento da civilização egípcia e mesopotâmica deveu-se ao Nilo, 
ao Tigre e ao Eufrates, que tornaram fácil e produtiva a agricultura. Em muitos aspectos 
a civilização era semelhante à que os espanhóis encontraram no México e no Peru. 
Havia um rei, divino e despótico. No Egipto toda a terra lhe pertencia. A religião era 
politeísta, com um deus supremo, a quem o rei estava ligado em intima relação. Havia 
uma aristocracia militar e outra eclesiástica. Esta podia muitas vezes invadir o poder 
real, se o rei era fraco ou se estava empenhado em guerra difícil. Os cultivadores do solo 
eram servos, ou do rei ou da aristocracia ou dos sacerdotes.
Havia considerável diferença entre a teologia egípcia e a babilónica. Os egípcios, 
preocupados com a morte, acreditavam que as almas dos mortos iam ao inferno onde 
Osíris as julgava, segundo a sua vida na Terra; pensavam que a alma voltaria finalmente 
ao corpo; de ai a mumificação e a construção de esplêndidos túmulos. As pirâmides 
foram construídas por vários reis e no fim do quarto milénio a. C. e começo do terceiro. 
Desde então a civilização egípcia estereotipou-se progressivamente e o conservantismo 
religioso impossibilitou o progresso. Cerca de 1800 a. C. o Egipto foi conquistado por 
semitas chamados hicsos, que governaram durante dois séculos. Não deixaram rasto 
permanente no Egipto mas a sua presença deve ter ajudado a desenvolver a civilização 
egípcia na Síria e na Palestina.
Babilónia teve um desenvolvimento mais guerreiro do que o Egipto. Primeiro a raça 
governante não era semita, mas «sumérica», de origem desconhecida. Inventaram a 
escrita cuneiforme, adoptada depois pelos conquistadores semitas. Houve um período de 
luta entre várias cidades independentes, mas por fim Babilónia triunfou e estabeleceu 
um império. Os deuses de outras cidades ficaram subordinados e Marduk, deus de 
Babilónia, adquiriu a posição ulterior de Zeus no panteão grego. O mesmo tinha 
acontecido no Egipto muito antes.
As religiões do Egipto e Babilónia, como outras antigas eram na origem cultos da 
fertilidade. A terra era fêmea, o sol macho. O touro era geralmente considerado 
encarnação da fertilidade masculina e deuses touros eram comuns. Em Babilónia, Istar, 
a terra-deusa, era a suprema
FILOSOFIA ANTIGA 29
divindade feminina. No ocidente asiático a Mãe Suprema era adorada com vários 
nomes. Quando os colonos gregos da Ásia Menor lhe fundaram templos chamaram-lhe. 
Artemis e tomaram conta do culto. Tal a origem da Diana dos Efésios (1). O 
Cristianismo transformou-a em Virgem Maria e um concilio de Éfeso legitimou o título 
de «Mãe de Deu”, aplicado a Nossa Senhora.
Quando uma religião está ligada ao governo de um império motivos políticos 
transformam-lhe as feições primitivas. Um deus ou deusa associado com o Estado tem 
de dar não só colheita abundante mas vitória na guerra. Uma casta sacerdotal rica 
elaborou o ritual e a teologia e reuniu em um panteão as várias divindades das partes 
componentes do império.
Pela associação com o governo os deuses também se associavam com
* moralidade. Os legisladores receberam as leis de um deus, de modo que
* quebra da lei era uma impiedade. O mais antigo código conhecido é o de Hamurabi, 
rei da Babilónia cerca de 2100 a. C.; o rei assegurava que lhe fora entregue por Marduk. 
A conexão entre moralidade e religião aumentou constantemente no tempo antigo.
A religião babilónica, diferente da do Egipto, ocupava-se mais da prosperidade neste 
mundo do que da felicidade no outro. Magia, divinação, e astrologia embora não 
peculiares a Babilónia, estavam ali mais desenvolvidas do que em qualquer outra parte e 
foi principalmente através de Babilónia que adquiriram prestígio na baixa antiguidade. 
De Babilónia vieram algumas coisas que pertencem à ciência: divisão do dia em vinte e 
quatro horas e do circulo em 360 graus, assim como a descoberta do ciclo dos eclipses, 
que permitiu predizer os lunares com certeza e os solares com alguma probabilidade. 
Este conhecimento babilónico, como veremos, foi adquirido por Tales.
As civilizações do Egipto e Mesopotâmia eram agrícolas, e as das nações circundantes a 
principio eram pastoris. Com o desenvolvimento do comércio veio um novo elemento, 
de começo quase só marítimo. As armas, até cerca de 1000 a.C. eram de bronze, e as 
nações que não tinham no seu território os metais necessários tinham de obtê-los por 
tráfico ou pirataria. A pirataria era expediente temporário, e onde as condições políticas 
e sociais eram estáveis o comércio tinha mais vantagens. No comércio a ilha de Creta 
parece ter sido o pioneiro. Cerca de
(1) Diana é o equivalente latino de Ártemis. Ártemis vem mencionada no 
Testamento grego, onde a nona tradução fala de Diana.
50 HISTORIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
onze séculos, de 2500 a. C. a 1400 a. C. existiu em Creta uma civilização artisticamente 
adiantada, a minoana. O que resta da arte cretense dá uma impressão de alegria e luxo 
quase decadente, muito diverso da tristeza aterradora dos templos egípcios.
De esta importante civilização quase nada se sabia até as escavações de Sir Arthur 
Evans e outros. Foi uma civilização marítima, em estreita relação com o Egipto 
(excepto durante o tempo dos hicws). Pinturas egípcias mostram que o comércio entre o 
Egipto e Creta era feito por marinheiros cretenses; esse comércio atingiu o máximo 
cerca de 1500 a. Q. A religião cretense parece ter tido alguma afinidade com as da Síria 
e Ásia Menor, mas em arte há maior afinidade com o Egipto, embora a arte cretense seja 
original e de assombrosa vivacidade. O centro da civilização cretense era o chamado 
«palácio de Minos», em Cnossos, que ficou na tradição da Grécia clássica. Os palácios 
de Creta eram magnificentes mas foram destruídos cerca dos fins do século XIV a. C., 
provavelmente por invasores gregos. A cronologia da história de Creta deriva de 
objectos egípcios ali encontrados e de objectos cretenses achados no Egipto; assim o 
nosso conhecimento depende de documentos arqueológicos.
Os cretenses adoravam uma deusa ou talvez várias. A mais indubitável era uma «Dona 
dos Animais», caçadora, provavelmente origem da Ártemis clássica (1). Naturalmente 
era também mãe; a única divindade masculina, exceptuado o «Dono dos Animais», é o 
seu jovem filho. Há sinais de crença na vida futura, como da crença egípcia no prémio 
ou castigo pelas acções na Terra. Mas em conjunto e pela sua arte os cretenses parece 
terem sido um povo alegre, não muito opresso por superstições aterradoras. Gostavam 
de corridas de touros e tanto homens como mulheres praticavam nelas feitos 
acrobáticos. Sir Arthur Evans pensa que as corridas eram celebrações religiosas e os 
intervenientes pertenciam à mais alta nobreza, mas neste ponto não há concordância 
geral. As pinturas existentes são cheias de movimento e realismo.
Os cretenses tinhamuma escrita linear mas não foi decifrada. Pacíficos, as suas cidades 
não eram fortificadas. A sua defesa era certamente marítima.
Antes de destruída a cultura minoana, ela desenvolveu-se, cerca de
1600 a. C., no território grego, onde sobreviveu, através de fases de modi-
(’) Tinha um gêmeo ou consorte, o «Dono dos Animais>, mas era menos eminente. 
Mais tarde, Ártemis foi identificada com a Mãe Suprema da Asia Menor.
FILOSOFIA ANTIGA 31
ficação, até cerca de 900 a.C.. Esta civilização continental chama-se miceniana; é 
conhecida pelos túmulos de reis e por fortalezas em colinas, o que mostra maior medo 
de guerra do que havia em Creta. Túmulos e fortalezas impressionaram a imaginação da 
Grécia clássica. Os mais antigos produtos artísticos nos palácios são ou de facto 
cretenses ou aparentados com os de Creta. A civilização miceniana, vista através de uma 
neblina lendária, é a descrita em Homero.
Sobre os micenianos há uma grande incerteza. Deveram a sua civilização a terem sido 
conquistados pelos cretenses? Falavam grego ou eram uma raça indígena anterior? Não 
há resposta certa, mas há indícios da probabilidade de serem conquistadores que 
falavam grego, e pelo menos a aristocracia era constituída por invasores louros do Norte 
que trouxeram consigo a sua linguagem (1). Os gregos vieram. à Grécia, em três vagas 
sucessivas: primeiro os jónios, depois os aqueus, e por fim os dórios. Os jónios, apesar 
de conquistadores, parece terem adoptado inteiramente a civilização cretense, como os 
romanos mais tarde adoptaram a grega. Mas os jónios foram maltratados e largamente 
desapossados pelos aqueus, que lhes sucederam. Sabe-se pelas inscrições hititas achadas 
em Bughaz-Keui, que os aqueus tiveram um grande império organizado no século XIV 
a. C.. A civilização miceniana, já enfraquecida pela guerra entre jónios e aqueus, foi 
praticamente destruída pelos dórios, últimos invasores gregos. Ao passo que os 
invasores precedentes tinham adoptado amplamente a religião minoana, os dórios 
conservaram a religião original indo-europeia dos seus antepassados. A religião da 
época miceniana permaneceu no entanto, especialmente nas classes mais baixas, e a 
religião dos gregos clássicos era um misto das duas. De facto, algumas deusas clássicas 
eram de origem miceniana.
Embora o que fica dito seja provável, deve notar-se que não sabemos se os micenianos 
eram ou não gregos. O que sabemos é que a sua civilização decaiu, que cerca do tempo 
em que ela findou o ferro substituiu o bronze, e que por algum tempo a supremacia 
marítima passou para os fenícios.
Mas na última fase da idade miceniana, e depois do seu fim, alguns dos invasores 
fixaram-se e fizeram-se agricultores, enquanto outros, impelidos primeiro para as ilhas 
da Ásia Menor, depois para a Sicília e Sul da Itália, fundaram cidades marítimas 
comerciais, Foi nelas que os gregos
(1) V. The Minoan-Mycenaean Religion and its Survival in Greek Religion, for 
Martín P. Nfisson, pp. 11 e seg.
32 HISTORIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
deram as primeiras contribuições qualitativamente novas à civilização; a supremacia de 
Atenas veio mais tarde, e também se ligou a um poderio naval.
O continente grego é montanhoso e pouco fértil. Há no entanto vales férteis com fácil 
acesso ao mar, mas separados por montanhas que impedem a comunicação entre eles. 
Nesses vales foram crescendo pequenas comunidades agrícolas, tendo por centro uma 
cidade, em geral sem comunicação com o mar. Assim foi natural que apenas a 
população excedeu os recursos internos, os que não podiam ali viver tentassem a 
navegação. As cidades do continente fundaram colónias muitas vezes em lugares onde 
era mais fácil achar subsistência do que na pátria. Por isso no primeiro período histórico 
os gregos da Ásia Menor, Sicília e Itália eram muito mais ricos do que os do continente.
O sistema social era muito diferente em diversas partes da Grécia. Em Esparta, uma 
aristocracia pouco numerosa vivia do trabalho de servos oprimidos de raça diferente; 
nas regiões agrícolas mais pobres a população consistia principalmente em cultivadoras 
de terra própria, com o auxílio das famílias. Mas onde floresciam a indústria e o 
comércio, os cidadãos livres enriqueceram com o emprego de escravos - homens nas 
minas, mulheres na indústria têxtil. Na Jónica esses escravos eram de populações 
bárbaras circundantes, em regra adquiridos na guerra. Com o aumento da riqueza 
aumentou o isolamento de mulheres respeitáveis, que tiveram pequena parte nos 
aspectos civilizados da vida grega, excepto em Esparta e em Lesbos.
Houve um desenvolvimento geral, primeiro da monarquia para a aristocracia, depois 
para uma alternativa de tirania e democracia. Os reis não eram absolutos, como os do 
Egipto e Babilónia; eram assistidos por um Conselho de Anciãos, e não podiam 
impunemente transgredir o costume. «Tirania» não significava necessariamente governo 
mau, mas apenas o de um homem que não o tinha hereditário. «Democracia» 
significava governo de todos os cidadãos, não inclusos escravos e mulheres. Os tiranos 
primitivos adquiriram o poder, como os Médicis, por serem os mais ricos membros das 
plutocracias respectivas. Muitas vezes a fonte da riqueza foi a posse de minas de ouro e 
prata, mais lucrativa pela instituição da cunhagem, vinda do reino da Lidia, adjacente à 
Jónica A cunhagem parece ter sido inventada pouco antes de 700 a. C..
(1) V.P.N. Ure, The Origin of Tyratiny.
FILOSOFIA ANTIGA 33
Um dos mais importantes resultados para os gregos, do comércio ou da pirataria a 
principio mal distintos foi a aquisição da escrita. Embora existente havia milénios no 
Egipto e em Babilónia e apesar de haver uma escrita minoana cretense (ainda por 
decifrar) não há prova de que os gregos conhecessem o alfabeto antes do século x a. C.. 
Aprenderam-no com os fenícios, que como outros habitantes da Síria estiveram 
expostos à influência egípcia e babilónica e conservaram a supremacia comercial 
marítima até o surto das cidades gregas da Jónica, Itália e Sicília. No século XIV, 
escrevendo a Ikhnaton. (rei herege do Egipto) os sírios ainda usam o cuneiforme 
babilónico; mas Hirão de Tiro (969-936) usou o alfabeto fenício, provavelmente 
derivado da escrita egípcia. Os egípcios usaram a principio uma simples pictografia; 
gradualmente, por convencionalização, esses desenhos vieram a representar sílabas (as 
primeiras dos nomes das coisas representadas) e por fim simples letras, segundo o 
principio de «A era um archeiro que atirou a uma rã» (1). Este último passo que não foi 
completado pelos mesmos egípcios mas
pelos fenícios trouxe o alfabeto com todas as suas vantagens. Os gregos, aprendendo 
com os fenícios, alteraram o alfabeto de acordo com a sua linguagem e introduziram a 
inovação das vogais em vez de só ter consoantes. Indubitavelmente a aquisição de este 
método apressou a marcha da civilização grega.
O primeiro fruto notável de esta civilização foi Homero. A seu
respeito é tudo conjectural, mas uma grande corrente de opinião considera-o uma série 
de poetas e não um indivíduo. Para os que adoptam esta opinião, a Ilíada e a Odisseia 
levaram duzentos anos a completar-se, isto é, de 750 a 550 a. C. (2), aproximadamente, 
ao passo que outros mantêm que «Homero» estava aproximadamente completo no fim 
do século VIII (3). Os poemas homéricos na forma actual foram trazidos a Atenas por 
Pisístrato, que reinou (com intermissões) de 560 a 527 a. C.. Desde então a juventude 
ateniense aprendeu Homero de cor e essa era a parte mais importante da sua educação. 
Em algumas partes da Grécia, especialmente em Esparta, Homero não teve o mesmo 
prestigio até data mais recente.
(1) Por IX, «Gimel», 3., letra do alfabeto hebreu, significa «camelo» e o sinal
é o desenho convencional de um camelo.
Beloch, Griechische Geschichte, Cap. XII. Rostovtseff,History of the Ancient World, 
Vol. 1, p. 399,
34 17ISTõRIA DA FILOSOPIA OCIDENTAL
Os poemas homéricos, como os romances de corte da Baixa Idade Média, representam o 
ponto de vista de uma aristocracia civilizada que ignora as várias superstições plebeias 
ainda vivas entre a populaça. Muito mais tarde, muitas de essas superstições voltaram à 
luz do dia. Guiados pela antropologia, muitos escritores modernos concluíram que 
Homero, longe de ser primitivo, foi um expurgador, uma espécie de expurgador 
oitocentísta, racionalizador de mitos antigos, com o ideal de ilustração urbana de uma 
classe superior. Os deuses olímpicos da religião em Homero não eram os únicos 
objectos de culto no seu tempo ou depois de ele. Havia outros elementos mais obscuros 
e selvagens na religião popular, postos de lado pela inteligência grega mais elevada, mas 
prontos a reaparecer em momentos de fraqueza ou terror. Na fase da decadência, 
crenças que Homero desprezara mostraram ter persistido meio sepultas através do 
período clássico. Este facto explica muitas coisas que de outro modo parecem 
inconsistentes ou singulares.
Em toda a parte a primitiva religião foi tribal e não pessoal. Cumpriam-se ritos dirigidos 
por simpatia mágica a favorecer o interesse da tribo, especialmente para a fertilidade 
animal, vegetal e humana. No solstício de Inverno, o Sol tinha de ser animado a não 
diminuir de força; a Primavera e o Outono também tinham cerimónias adequadas. 
Muitas vezes elas produziam grande exaltação colectiva, em que os indivíduos se 
fundiam no conjunto da tribo. Por todo o mundo em certa fase da evolução religiosa, 
animais sagrados e seres human@4 eram ritualmente mortos e comidos. Esta fase 
variou em data nas diferentes regiões, Normalmente o sacrifício humano durou mais do 
que o rito de comer as vítimas; na Grécia ainda não estava extinto no começo da era 
histórica. Ritos da fertilidade sem esse aspecto cruel eram comuns em toda a Grécia; os 
mistérios de Elêusis, em especial, eram essencialmente de simbolismo agrícola.
Deve admitir-se que a religião em Homero não é verdadeiramente religiosa. Os deuses 
são completamente humanos, diferentes dos homens apenas pela imortalidade e pelo 
poder. Moralmente nada pode dizer-se a seu favor, e é difícil ver como puderam inspirar 
temeroso respeito. Em alguns passos, mas tarde, foram tratados com irreverência 
voltaireana. Tal sentimento religioso genuíno de Homero respeita menos aos deuses do 
Olimpo do que a seres mais sombrios, como o Fado, ou Necessidade ou Destino, a que 
até Zeus está sujeito. O Fado exerceu grande influência em todo o pensamento grego e 
foi talvez uma das fontes de que derivou na ciência a crença em lei natural.
FILOSOFIA ANTIGA Í
Os deuses homéricos eram os deuses de uma aristocracia conquistadora, não os da 
fertilidade útil de aqueles que realmente lavravam terra. Como diz Gilbert Murray: (1)
«Os deuses da maior parte das nações dizem ter criado o mundo Os Olímpicos não. O 
máximo que fizeram foi conquistá-lo... E depois de conquistar os seus reinos, que 
fazem? Tratam do governo? Promove: a agricultura? Praticam comércio e indústria? 
Nada de isso. Por que haviam de fazer trabalho honesto? ]@ mais fácil viver dos 
rendimentos e destruir com raios aqueles que não pagam. São chefes conquistadores 
piratas reais. Combatem, divertem-se, jogam e tocam música; bebe forte e atroam com 
gargalhadas o ferreiro coxo que os visita. Nunca têm medo, excepto do próprio rei. 
Nunca mentem, excepto no amor e 1 guerra.»
Os heróis humanos de Homero não se portam melhor. A família -padrão é a Casa de 
Pelops, mas não tem êxito como modelo de família feliz.
«Tantalos, o fundador asiático da dinastia, começou a carreira p ofensa directa aos 
deuses; diz-se que tentou enganá-los dando-lhes comer carne humana, a de seu próprio 
filho Pelops. Pelops, miraculosamente restituído à vida, pecou. Ganhou a famosa 
corrida de carros cont Enomeu, rei de Pisa, por conivência com Myrtilos, cocheiro do 
rei, depois livrou-se do seu aliado a quem prometera prémio, atirando-o mar. O castigo 
caiu sobre os filhos, Atreu e Tiestes, na forma chama pelos gregos ate, o impulso forte, 
senão irresistível para o crime. Ties1 corrompeu a mulher do irmão e depois tratou de 
roubar o «talismã» família, o famoso velo de ouro, Atreu por seu lado, baniu o irmão, e 
tornando a chamá-lo a pretexto de reconciliação serviu-lhe à mesa a cai dos próprios 
filhos. O castigo ficou em herança a Agaméninon, filho Atreu, que ofendeu Ártemis 
matando um veado sagrado, sacrificou própria filha Ifigénia para acalmar a deusa e 
obter viagem **tranqu para Tróia à sua armada; por sua vez foi assassinado por sua 
infiel mulher Clitemnestra, e pelo seu amante Egisto, filho sobrevivente de Tiest 
Orestes, filho de Agamémnon, vingou seu pai, matando a mãe e Egisto (
Homero, como realização acabada, foi um produto da Jónia, isto de uma parte da Ásia 
Menor helénica e ilhas adjacentes. Durante século vi o mais tardar, os poemas 
homéricos fixaram-se na forma actual
Five Stages of Greck Religion, p. 67. Primitive Culture in Greece, H. J. Rose, 1925, p. 
193.
36 História DA FILOSOFIA OCIDENTAL
Também começaram nesse século a ciência, a matemática e a filosofia gregas. Ao 
mesmo tempo acontecimentos de capital importância ocorriam em outras partes do 
mundo. Confúcio, Buda e Zoroastro, se existiram, pertencem provavelmente ao mesmo 
século (1). No meado do mesmo século estabeleceu Ciro o império persa; perto do fim, 
as cidades da Jónia a que os persas tinham concedido autonomia limitada, revoltaram-se 
sem êxito, e vencidas por Dario, os seus melhores homens foram exilados. Muitos dos 
filósofos de este período vaguearam de cidade em cidade na parte do mundo helénico 
ainda não escravizada, difundindo a civilização até então confinada na Jónia. Foram 
bem tratados nas suas viagens. Xenófanes, que viveu na última parte do século vi e foi 
refugiado, diz: «Isto é, o que diríamos ao pé do lume no Inverno, estendidos em leito 
macio, depois de uma boa refeição, bebendo doce vinho e mastigando grãos de bico: 
«De que pais sois e que idade tendes, caro senhor? E que idade tínheis quando os Medos 
apareceram?» O resto da Grécia conseguiu manter a independência nas batalhas de 
Salamina e Plateias, ficando a Jónia libertada por algum tempo(2).
A Grécia estava dividida em grande número de pequenos estados, cada um de eles 
constituído por uma cidade e território agrícola circunjacente. O nível de civilização era 
muito diferente nas várias partes do mundo grego e só uma minoria de cidades 
contribuiu para a realização helénica total. Esparta, de que tenho de falar adiante, foi 
militarmente importante mas não culturalmente. Corinto era rica e próspera, grande 
centro comercial mas não prolífica de grandes homens.
Havia ainda comunidades agrícolas rurais, como a proverbial Arcádia, que os homens 
da cidade imaginaram idílica, mas que na realidade estava cheia de antigos horrores 
bárbaros.
Os habitantes adoravam Hermes e Pan e tinham muitos cultos da fertilidade, em que 
muitas vezes uma simples coluna substituía a estátua de um deus. O bode era símbolo 
da fertilidade, porque os camponeses eram pobres de mais para possuírem bois. Se o 
alimento escasseava era açoitada a estátua de Pan. (O mesmo sucede ainda em remotas 
aldeias chinesas). Havia um clã de supostos lobisomens, provavelmente associado a 
actos de canibalismo e sacrifícios humanos. Pensava-se que quem
(’) A data de Zoroastro é conjectural. Alguns colocam-na antes de 1000 a. C.. V. 
Cambridge Ancient History, Vol. IV, p. 207. (’) Vencida Atenas por Esparta, a Paz de 
Antálcidas reconheceu aos persas o direito sobre toda a costa da Ásia Menor. Cinquenta 
anos depois eram Incorporados no Império de Alexandre.
PILOSOFIA ANTIGA 3
comer a carneda vitima sacrificada se tornaria lobisomem. Em uma caverna consagrada 
a Zeus-Lykaios (o lobo-Zeus) ninguém tinha protecção e quem lá entrasse morreria 
dentro de um ano. Esta superstição era ainda viva na época clássica (1).
Pan, cujo nome original (dizem alguns) era Paon, isto é, nutridor ou pastor, adquiriu o 
nome mais conhecido, com o significado de Deu., universal, quando Atenas lhe adoptou 
o culto, no século v, depois da guerra pérsica (2) .
Houve contudo na Grécia antiga muito do que na nossa compreensão do termo 
chamamos religião. Ligava-se não com os Olímpicos, mas com Diónisos, ou Baco, 
pensado vulgarmente por nós como deus desacreditado do vinho e da embriaguez. 112 
verdadeiramente notável o caminho de este culto de onde surgiu um misticismo 
profundo, com grande influência em muitos filósofos e que até teve parte na formação 
da teologia cristã, e deve ser tido em conta por quem deseje estudar o desenvolvi. mento 
do pensamento grego.
Diónisos, ou Baco, era na origem um deus trácio; os trácios eram. muito menos 
civilizados que os gregos, que lhes chamavam bárbaros Como todos os agricultores 
primitivos, tinham cultos de fertilidade ( um deus que a promovia. Chamava-se Baco. 
Nunca se esclareceu s@ Baco tinha forma humana ou bovina. Quando descobriram 
como fazei cerveja pensaram em uma intoxicação divina e honraram a Baco. Quando 
mais tarde conheceram a vinha e aprenderam a beber vinho, ainda pensaram melhor de 
ele. A sua função de promover a fertilidade em, geral foi-se subordinando à relativa às 
uvas e à divina demência produzida pelo vinho.
Ignora-se a data em que este culto emigrou da Trágica para a Grécia, mas parece ter sido 
antes do começo dos tempos históricos. O culto de Baco defrontou a hostilidade do 
ortodoxo, mas no entanto estabeleceu-se. Continha muitos elementos bárbaros, como 
despedaçar animais ferozes e comê-los crus. Teve um curioso elemento de feminismo. 
Matronas respeitáveis e raparigas em grandes grupos gastavam noites inteiras nas 
colinas rasas em danças que estimulavam o êxtase e em uma intoxicação talvez em parte 
alcoólica, mas principalmente mística. Os maridos achavam a prática aborrecida mas 
não ousavam opor-se à religião. Tanto a beleza como a selvajaria do culto vêem-se nas 
Bacantes, de Eurípides.
(1) Ros% ob. elt, pp. 65 e seg. (1) J.E. Harrison, Prolegomena to the Study of Greck 
Religion, p. 651-
38 HISTORIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
O êxito de Diónisos na Grécia não surpreende. Como todas as colectividades civilizadas 
rapidamente, os gregos, ou pelo menos em certa proporção, desenvolveram um amor do 
primitivo e um desejo de vida mais instintiva e apaixonada do que a sancionada pela 
moral corrente. Para homens ou mulheres que por compulsão ficam mais civilizados em 
proceder do que em sentir, a racionalidade é penosa e a virtude parece um fardo ou uma 
escravidão. Isto leva a reacções no pensar, no sentir e no agir. Interessa-nos 
especialmente a do pensar mas deve dizer-se alguma coisa relativa à do sentimento e da 
acção.
O homem civilizado distingue-se do selvagem principalmente pela prudência, ou, 
usando um termo mais amplo, prevWncia. Aceita penas presentes por causa de prazeres 
futuros, ainda quando afastados. Este hábito começou a ser importante com a ascensão 
da agricultura. Nenhum animal e nenhum selvagem trabalharia na Primavera para ter 
alimento no Inverno seguinte, excepto era formas de acção puramente instintivas, como 
a das abelhas fabricando o mel ou os esquilos enterrando nozes. Mas aqui não há 
previdência; há directo impulso para um acto que ao espectador humano se revela útil 
mais tarde. A previdência verdadeira começa apenas quando o homem faz alguma coisa 
a que o impulso o não obriga, porque a razão lhe diz que de isso tirará proveito em data 
futura. A caça não exige previdência porque dá prazer; lavrar o solo é trabalho e não se 
executa por impulso espontâneo.
A civilização colide com o impulso, não só pela previdência, que é colisão auto-
aplicada, mas também através da lei, costume e religião. Essa forma herdou-a do 
barbarismo, mas tornou-a menos instintiva e mais sistemática. Certos actos são 
rotulados de criminosos e punidos; outros, embora não punidos por lei, são 
considerados perversos e expõem os seus autores à desaprovação social. A instituição da 
propriedade privada traz consigo a sujeição de mulheres e usualmente a criação de uma 
classe escrava. Por outro lado os objectivos da comunidade são impostos ao indivíduo, e 
este, adquirido o hábito de considerar a sua vida como um todo, cada vez mais sacrifica 
o presente ao futuro.
P, evidente que este processo pode ir longe de mais, como, por exemplo, pela avareza. 
Mas sem ir tão longe, a prudência pode Meilmente fazer perder algumas das melhores 
coisas da vida. O adorador de Diónisos reage contra a prudência. No arrebatamento 
físico ou espiritual reconquista uma intensidade de sentimento que a prudência tinha 
destruído; acha o mundo cheio de prazer e beleza e a sua imaginação liberta-se 
subitamente da prisão de preocupações diárias. O ritual báquico produzia o chamado 
«entusiasmo», que significa etimologicamente a
filosofia ANTIGA 3Ç
entrada de deus no adorador, que acreditava ter-se unido com o deus Muito do que é 
maior na realização humana envolve algum elemento d( intoxicação (1), alguma paixão 
desprezadora, da prudência. Sem o ele, mento báquico a vida perderia interesse; com ele 
é perigosa. prudência e paixão conflituam ao longo da história. Não é conflito em que 
deva, mos apoiar inteiramente uma das partes.
Na esfera do pensamento, a civilização sóbria é na generalidade sinónima de ciência. 
Mas a ciência pura e simples não satisfaz; os homens precisam da paixão, da religião, da 
arte. A ciência pode limitar o conhecimento mas não a imaginação. Entre os filósofos 
gregos como entre os dos últimos tempos houve os principalmente científicos e os 
principal mente religiosos; os últimos deveram muito, directa ou indirectamente à 
religião de Baco. Isto aplica-se especialmente a Platão, e através dele, aos tardios 
desenvolvimentos incorporados ultimamente na teologia cristã.
O culto de Diónisos na forma original em selvagem e em muitos modos repulsivo. Não 
foi nessa forma que impressionou os filósofos ma., na espiritualizada atribuída a Orfeu, 
que era ascética e substituiu i arrebatamento físico pelo mental.
Orfeu é uma figura. obscura mas interessante. Há quem o julgue um homem real, e 
quem o suponha deus ou herói imaginário. Tradicionalmente, velo da Trágica, como 
Baco, mas é mais provável ter vindo (o] o movimento associado com o seu nome) de 
Cy-eta. ]@ certo que as dou trinas órficas contêm muito que parece de fonte egípcia, e 
através d Creta é que principalmente o Egipto influenciou a Grécia. De Orfeu diz-se ter 
sido um reformador, despedaçado pelos ménades enfurecidos, estimulados pela 
ortodoxia báquica. A sua dedicação à música não tão acentuada nas velhas formas da 
lenda como mais tarde Primeiro, era sacerdote e filósofo.
Fosse como fosse a doutrina de Orfeu, a dos 6rficos é bem conhecida. Acreditavam na 
transmigração das almas; ensinavam que a alma deve conseguir glória eterna ou sofrer 
tormento eterno ou temporário conforme a sua vida na Terra. Pretendiam ser «puros», 
em parte por cerimónias de purificação, em parte evitando certas formas de contam! 
nação. Os mais ortodoxos abstinham-se de alimento animal, excepto em ocasiões rituais 
quando o comiam sacramentalmente. O homem, diziam é em parte de terra e céu; por 
uma vida pura, aumenta a parte celest
(’) Falo de Intoxicação mental, não pelo ãlcool.
40 HISTõRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
e diminui a terrestre. No fim o homem pode unir-se com Baco e chama-se «um. Baco». 
Formou-se uma elaborada teologia, que afirmava ter Baco nascido duas vezes, uma de 
sua mãe, Semele, outra da coxa de seupai, Zeus.
O mito de Diónisos teve muitas formas. Em uma é filho de Zeus e Perséfone; quando 
ainda rapaz foi despedaçado pelos Titãs, que lhe comeram a carne, menos o coração. 
Uns dizem que o coração fora dado a Zeus por Semele, outros que Zeus o engolira; de 
qualquer modo originou o segundo nascimento de Diónisos. O dilaceramento, de um 
animal bravio, devorada a carne crua pelas Bacantes, era a repetição do acto dos Titãs e 
em certo sentido o animal era encarnação do deus. Os Titãs eram terrenos, mas depois 
de comer o deus tinham uma centelha de divindade. Assim o homem é em parte 
terrestre, em parte divino e os ritos báquicos, procuram fazê-lo completamente divino.
Eurípedes põe na boca de um sacerdote órfico uma confissão instrutiva: (1).
õ Descendente da linha fenícia de Europ2 de Tiro e filho do grande Zeus, tu que reinas 
em Creta, a das cem cidadelas; eu te procuro depois de ter deixado o teu divino templo, 
cujo telhado é sustido pela trave cortada da madeira desta região, que, por meio do 
machado de aço e da cola de boi, foi reforçada com firmes cavilhas de ciprestes. A 
minha vida tem decorrido pura desde que me t~ iniciado do Zeus do Ida e, no meio dos 
trovões de Zagreu, que vagueia de noite, tomo parte nos festins em que se devora a 
carne crua, seguro nos archotes resinosos da mãe das montanhas e, tendo sido 
purificados chamam-me báquico, entre os sacerdotes dionisíacos. Envergando as vestes 
brancas, fujo da geração dos mortais e da urna funerária e não me aproximando, evito 
comer a,& carnes em que já esteve a vida.
Inscrições órficas encontradas em túmulos dão instruções à alma dos mortos sobre o 
caminho para o outro mundo e sobre o que devem dizer para merecer a salvação. Estão 
quebradas e incompletas; a mais completa (a Petélia) diz:
(1) As tradições em verso de este capitulo são do Dr. Rosado Fernandes, a quem o 
anotador deixa aqui expressos os seus agradecimentos.
FILOSOFIA ANTIGA 41
Encontrarda uma fonte à esquerda das mansões do Hades e, junto dela, um cipreste, que, 
branco., se ergue. Dessa fonte não te aproximes demasiado. Encontrards uma outra ~o 
ao lago de Mnemósine (M~ria), correndo, daí água fria, e há guardas em frente dela. 
Diz: «Sou, filha de Gaia (Terra) o de Crano, (Céu) estrelado@, mas a minha raça é de 1!
7rano (somente). Ficai, também vós, sabendo isto. Quanto a mim estou morta de sede e 
pereço. Mas dai-me rapidamente a água fria que corre do lago de Mnemósine!> E eles 
próprios te darão a beber a água do lago sagrado e, logo a seguir, reinarás entre os 
outros h~.
Outra inscrição diz:
«Salvé, tu que sofreste o sofrimento... De homem te tornaste em deus.»
E ainda outra:
« õ feliz e bem-aventurado, tu serás deus em vez de mortal. »
A fonte de que a alma não deve beber é o Letes, que produz esquecimento; a outra fonte 
é Mnem6sine, recordação. A alma no outro mundo, se vai salvar-se não é para esquecer, 
mas, pelo contrário, para adquirir memória ultranatural.
Os órficos eram uma seita ascética. O vinho para eles era apenas um símbolo, como 
mais tarde no sacramento cristão. O arrebatamento que buscavam era o «entusiasmo» da 
união com deus. Acreditavam adquirir de esta forma conhecimento místico inacessível 
por outros meios. Este elemento místico entrou na filosofia com Pitágoras, que foi 
reformador do orfismo, como Orfeu foi reformador da religião de Diónisos. De 
Pitágoras, os elementos órficos penetraram na filosofia de Platão, e de Platão na 
filosofia muito ulterior, que foi em qualquer grau religiosa.
Alguns elementos nitidamente báquicos sobreviveram onde o orfismo teve influência. 
Um de eles foi o feminismo, já bem visível em Protágoras, e que em Platão, foi ao 
ponto de reclamar igualdade política para as mulheres. «As mulheres como sexo», diz 
Pitágoras, «são mais naturalmente inclinadas à piedade». Outro elemento báquico foi o 
respeito pela emoção violenta. A tragédia grega nasceu dos ritos de Diónisos. Eurípides, 
em especial, honrou os dois principais deuses do
42 História DA filosofia OCIDENTAL
orfismo, Diónisos e Eros. Não respeitou os homens friamente justos e bem 
comportados, que nas suas tragédias enlouquecem ou são levados ao desastre pelos 
deuses em castigo da sua blasfémia.
A tradição convencional relativa aos gregos é a de que a sua admirável serenidade lhes 
permitiu contemplar a paixão de fora, admirando-lhe a beleza mas permanecendo eles 
calmos e olímpicos. uma visão unilateral. Talvez seja verdade de Homero, Sófocles e 
Aristóteles, mas é inteiramente falso de aqueles gregos que receberam influência directa 
ou indirecta báquica ou órfica. Em Elêusis, onde os mistérios eleusinos formavam a 
parte mais sagrada da religião de estado ateniense, cantava-se um hino que dizia:
Agindo ao alto a tua taça de vinho, com o teu entusiasmo que enlouquece, vieste tu para 
os lugares recônditos e floridos de E7~evoé, ó Baco, salvé, ó Péan.
Nas Bacantes, de Eurípedes, o coro de Ménades desenvolve uma combinação de poesia 
e selvajaria, verdadeiro reverso da serenidade, Celebram o prazer de despedaçar um 
animal bravio, membro a membro e comê-lo cru imediatamente:
R doce, quando, nas montanhas ao sair da ~d% báquica, se cai sobre o solo com a 
sagrada ~to de pele, se perwgue o bode que vai ser degolado, pois é delícia devorar a 
carne crua, quando se vai para as montanhas da Prigia ou da Lídia, sendo Baco o nosso 
condutor, evoé!
A dança dos Ménades na montanha não era apenas feroz; era uma fuga aos fardos e 
cuidados da civilização para o mundo da beleza não-humana e para a liberdade do vento 
e das estrelas. Menos freneticamente cantavam:
Será que ainda porei meus pés nus nas danças nocturnas de Baco, deitando **ystra trás 
a cabeça envolvida no ar húmido de orvalho, como a corça que brinca nos verdes 
prazeres dos prados, quando fugiu ao implacável caçador e ao obstáculo das redes bem 
tecidas. Quando, porém, o caçador incita, com seus gritos, a corrida dos cães, ela, igual 
às rápidas procelas, com esforço, se lança na
FILOSOFIA ANTIGA 43
planos, ao longo do rio, procurando solitárias paragens, longe dos homem, entre os 
verdes rebentos de ensombrada floresta.
Antes de repetir que os gregos eram «serenos», imaginemos as matronas de Filadélfia 
portando-se de este modo até em uma peça de Eugênio O’Neill.
O órfico não é mais «sereno» do que o adorador não reformado de Díónisos. Para o 
órfico a vida no mundo é pena e fadiga. Ligados a uma roda que gira sem fim em ciclos 
de nascimento e morte, a nossa verdadeira vida são os astros, mas estamos ligados à 
Terra. Só pela renúncia e purificação e uma vida ascética podemos sair da roda e atingir 
o êxtase da união com Deus. Não é esta a visão do homem para quem a vida é fácil e 
agradável; é mais semelhante ao espiritual negro:
Pm going to tell God a71 my troubles
When I get home.
Nem todos os gregos mas grande parte de eles eram apaixonados; infelizmente, 
desavindos consigo mesmos, seguiram um caminho pela inteligência e outro pelas 
paixões, com imaginação para conceber o céu e auto-asserção voluntariosa que cria o 
Inferno. Tinham como máxima «Nada, de mais», mas eram de facto excessivos em tudo 
no pensa. mento puro, na poesia, na religião, e no pecado. Foi a combinação do paixão e 
da inteligência que os fez grandes enquanto o foram. Também. não teriam transformado 
o mundo futuro como o transformaram. O sei protótipo mitológico não é o Zeus 
olímpico, mas Prometeu, que trouxe o fogo do céu e foi pago com tormento eterno.
Mas se tomado em conjunto como característica dos gregos, o que fica dito seria visão 
unilateral, como a da « serenidade». Houve de facto duas tendências na Grécia, uma 
apaixonada, religiosa, mística, supraterrestre, outra alegre, empírica, racionalista e 
interessada em adquirir conhecimento da diversidade dos factos. Heródoto, como os 
primeiros filósofosda Jónia e até certo ponto Aristóteles, representam a última 
tendência. Beloch (ob. cit. I, i, p. 434) diz, depois de descrever o Orfismo
«Mas a nação grega era demasiado vigorosa e jovem para poder aceitar em geral uma 
crença que negava este mundo e transferia para o além a vida real. Por isso a doutrina 
órfica se confinou a um circulo relativamente estreito de iniciados sem a menor 
influência na religião d@ Estado, sequer nas comunidades como Atenas, que tinham 
acolhido a mistérios no ritual do Estado, dando-lhes. protecção legal. Um milénio
44 HISTóRIA DA FILOSOFIA OCIDENTAL
tinha de passar antes que tais ideias é certo que em muito diferente vestuário teológico - 
conseguissem vitória no mundo grego.»
Isto pareceria exagero, especialmente quanto aos mistérios de Musis, impregnados de 
orfismo. Em geral os de temperamento religioso voltaram-se para o orfismo, ao passo 
que os racionalistas se afastaram, Pode comparar-se a situação com a do metodismo na 
Inglaterra no fim do século XVIII e começo do XIX.
Sabemos mais ou menos o que um grego educado aprendia com o pai, mas ignoramos o 
que nos primeiros anos aprendia com a mãe, que era em grande parte impedida de entrar 
na civilização em que os homens se compraziam. 2 provável que os atenienses 
educados, mesmo no melhor período, por mais racionalistas que fossem nos processos 
mentais explicitamente conscientes, conservassem da tradição e da infância modos mais 
primitivos de pensar e sentir, prontos a reaparecer em tempo de pressão. Por isso parece 
adequada uma análise simples da perspectiva grega.
A influência da religião, em particular da não-olímpica, só recentemente foi bem 
reconhecida. Um livro revolucionário, Prolegomena to the Study of Greck Religion, de 
Jane Harrison, acentuou o primitivo e dionisíaco elemento na religião do grego vulgar; 
F. M. Cornford, em From Religion to Philosophy, tentou mostrar aos estudiosos da 
filosofia grega a influência da religião nos filósofos, mas não podem aceitar-se 
inteiramente muitas de suas interpretações, ou neste assunto as da sua antropologia (11). 
A opinião mais equilibrada parece-me ser a de John Burnet em Early ~k Phil~hy, 
especialmente no capítulo li «Seience and Religion». «Surgiu, diz ele, um conflito entre 
ciência e a religião do renascimento religioso que correu sobre a Hélade no século vi a. 
C.», juntamente com a mudança de cena da Jónia para Ocidente. «A religião da Hélade 
continental», diz, «desenvolvera-se por via muito diferente da da Jónia. Em especial o 
culto de Diónisos vindo da Trácia e apenas mencionado em Homero, continha em germe 
um caminho inteiramente novo de considerar a relação do homem com o mundo. Seria 
certamente errado atribuir aos trácios mesmos visão muito exaltada; mas não há dúvida 
de que para os gregos o fenómeno do êxtase sugeriu que a alma era algo mais do que 
um duplo enfraquecido do ser e só «fora do corpo» revelava a sua verdadeira natureza...
(’) Por outro lado os livros de Cornford sobre vários diálogos de Platão parecem-me 
verdadeiramente admiráveis.
FILOSOFIA ANTIGA 45
«A religião grega parecia prestes a atingir a mesma fase já atingida pelas religiões do 
Oriente; e a não ser a ciência é difícil ver o que podia contrapor-se a esta tendência. ]É 
costume dizer que os gregos foram salvos de uma religião de tipo oriental por não terem 
tido sacerdócio. ]@ o erro de tomar o efeito pela causa. O sacerdócio não faz dogmas, 
embora preserve os que estavam feitos; nas primeiras fases do desenvolvimento os 
povos orientais não tinham sacerdócio neste sentido. Não foi tanto a ausência de 
sacerdócio, como a existência de escolas científicas, que salvou a Grécia.
«A nova religião - nova em um sentido, embora em outro velha como a humanidade - 
atingiu o máximo desenvolvimento com a fundação das comunidades órficas. Tanto 
quanto sabemos o seu lar foi a Âtie-a; mas difundiram-se rapidamente em especial no 
Sul da Itália e na Sicília. Eram principalmente associações para o culto de Diónisos; 
mas distinguiam-se por duas feições novas entre os helenos. Defendiam a revelação 
como fonte de autoridade religiosa e organizavam-se em comunidades. Os poemas que 
contêm a sua teologia foram atribuídos ao Orfeu trácio, que descera ao Hades e era 
portanto guia seguro através dos perigos que a alma desencarnada corre no outro 
mundo.»
Burnet prossegue afirmando a similaridade entre as crenças órficas e as da Índia, 
aproximadamente da mesma época, embora afirme que não pode ter havido contacto. 
Depois fala do significado original da palavra « orgia», usada pelos órficos para 
significar «sacramento», entendido como purificação da alma do crente, que lhe 
permitia escapar da roda do nascimento. Os órficos, diferentemente dos sacerdotes do 
culto olímpico, fundaram o que podemos chamar «igrejas», isto é, comunidades 
religiosas a que todos sem distinção de raça ou sexo podiam ser admitidos por iniciação, 
e da sua influência proveio a concepção da filosofia como linha de vida.
CAPITULO II
ESCOLA DE MILETO
Em todos os compêndios de história da filosofia o que primeiro se diz é que ela, 
começou com Tales, que dizia ser tudo feito de água. Isto desanima o principiante, que 
se esforça talvez sem grande energia por sentir pela filosofia aquele respeito que o 
curriculum parece esperar. Há no entanto ampla razão de respeitar Tales, embora talvez 
mais como homem de ciência do que como filósofo, no sentido moderno da palavra.
Tales nasceu em Mileto, na Ásia Menor, florescente cidade comercial com grande 
população escrava e unia dura luta de classes entre pobres e ricos da população livre. 
«Em Mileto o povo, primeiro vitorioso, matou as mulheres e os filhos dos aristocratas; 
depois os aristocratas venceram e queimaram vivos os - adversários, iluminando 
espaços livres da cidade com tochas vivas» (1). Assim era na maior parte das cidades da 
Ásia Menor no tempo de Tales.
Mileto, como outras cidades comerciais da Jónia, desenvolveu-se muito 
económica e politicamente nos séculos e IA vII De começo o poder politico 
pertencia a uma aristocracia terratenente, gradualmente substituida por uma oligarquia 
de mercadores. Estes, por sua vez, foram substituídos por um tirano, elevado ao poder 
(como é costume) pelo apoio do partido democrático. O reino, da Lídia ficava a 
leste das cidades costeiras gregas, com quem manteve relações de amizade até a queda 
de Ninive (606 a. C.). Isto deu liberdade à Lidia para voltar as atenções
(’) Rostovtsev, History of lhe Ancient WorZd, Vol. I, p. 284.
PILOSOFIA ANTIGA 47
para oeste mas Mileto, conseguiu manter as boas relações com Creso, último rei da 
Lidia, conquistada por Ciro em 546 a. C.. Houve também importantes relações com o 
Egipto, onde o rei dependia de mercenários gregos e abrira algumas cidades ao tráfico 
grego. A primeira instalação grega no Egipto foi a guarnição milésia de um forte; mas a 
mais importante foi Daphnae. Ali se refugiaram Nebuchadrezzar Jeremias e muitos 
outros judeus fugitivos (Jeremias, xLin 5 e seg.) ; mas ao passo que o Egipto 
indubitavelmente influenciou os gregos, os judeus não, nem podemos supor que 
Jeremias sentisse senão horror perante os cépticos jónios.
Quanto à data de Tales, o melhor testemunho, como vimos, é ele ter sido famoso por 
anunciar um eclipse que segundo os astrónomos deve ter-se dado em 585 a. Q. Outros 
testemunhos concordam com este. A predição não é prova de génio extraordinário. 
Mileto era aliada da Lídia, que tinha relações culturais com Babilónia, e os astrónomos 
babilónios tinham descoberto a volta dos eclipses em um ciclo de cerca de dezanove 
anos. Podiam predizer eclipses da Lua com êxito completo mas quanto aos do Sol havia 
a dificuldade de um eclipse poder ser visível em um lugar e não em outro. Portanto 
podiam apenas dizer que em

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