Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO Federalismo fiscal: apontamentos Eugenio Lagemann Porto Alegre, setembro de 2007 2 1. Variedades de organizações do Estado Tipos Países Estado unitário com governo “devolvido”: governo central delega parte de seu poder para subgovernos autônomos (subsidiários), criando uma federação de fato, mas pode retirar unilateralmente esse poder. Espanha e Reino Unido (Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, enquanto a Inglaterra sob controle total). Estado unitário regionalizado ou união descentralizada: incorpora constitucionalmente unidades locais de governo com autonomia funcional. China, Colômbia, Itália (20 regiões, cinco com “status” de autonomia), Japão, Chile (13 regiões divididas em municípios). Federação: unidades constituintes e um governo geral, cada qual com competência legislativa, administrativa e tributária. Brasil, Argentina, Rússia, Alemanha. Federação assimétrica: algumas unidades possuem mais autonomia que outras. Canadá-Quebec Confederação: unidades pré-existentes unem-se para governo comum com propósitos limitados União Européia, BeNeLux “Federacy” é um caso extremo de federalismo assimétrico: unidade grande unida a unidade pequena com influência sobre a grande; dissolução somente com acordo mútuo. País em que alguns estados funcionam como numa federação e outros como estados num país unitário. Dinamarca-Faroes, Portugal-Açores Dinamarca (2 regiões autônomas e 5 regiões); Finlândia (1 província autônoma e 19 regiões); e Reino da Holanda (2 estados e 12 províncias). Estados associados: unidade grande unida a pequena, dissolução unilateral com base em previsão legal. França-Mônaco, Holanda-Antilhas Holandesas Condomínio: unidades políticas funcionando sob regramento de dois ou mais outros estados estranhos Andorra-França e Espanha Liga: associação de unidades independentes com propósito específico Liga Árabe, OTAN 3 2. Formas de organização de Federações País Composição Argentina 22 províncias+1 território nacional+1DF Austrália 6 estados+1 território+1 território principal+7 territórios administrados Alemanha 16 “Länder” Brasil 26 estados + DF + 5565 municípios Bélgica 3 regiões (Flemish, Walloon e Brussel) + 3 comunidades culturais (flamengo, francês e alemão). Canadá 10 províncias+3territórios+organizações aborígenes EUA 50 estados+2 territórios+DF+3 territórios “home-rule”+3 territórios não incorporados+130 nações nativas americanas “domestic dependent” Emirados Árabes Unidos 7 emirados Etiópia 9 estados + 2 áreas metropolitanas Federação dos estados da Micronésia Chuuk, Kosrae, Pohnpei and Yap Rússia 89 repúblicas e várias categorias de regiões (46 oblasts, 21 repúblicas, 6 okrugs autônomos, 8 krays, 2 cidades federais e 1 oblast autônoma). India 28 estados e 7 territórios federais Malaysia 13 estados e 3 territórios federais Saint Kitts and Nevis Saint Kitts e Nevis Suíça 26 cantões Venezuela 23 estados e 1 distrito capital 3. Conceito e características estruturais comuns às Federações: Conceito: Forma política de pulverização do poder, de controlar o poder. A divisão do poder ocorre em dois planos: a) no horizontal: legislar, administrar, arrecadar e gastar; e b) no vertical: União, estados e municípios. Características: a) Dois níveis de governo atuando diretamente com seus cidadãos. O central possui a soberania e o local a autonomia b) Distribuição formal pela constituição de competência legislativa e executiva e alocação de recursos entre os níveis de governo garantindo algumas áreas de genuína autonomia 4 c) Representação das regiões nos órgãos de representação federal, como o Senado, por exemplo d) Constituição não unilateralmente alterável (anuência dos estados) e) Ordem de solução de disputas entre as unidades-membro f) Procedimentos e instituições para facilitar a colaboração dos diversos níveis de governo onde as responsabilidades são repartidas ou se sobrepõem. 4. Avaliação Pontos positivos: a) Decisões relativas às despesas mais racionais, diante da maior coincidência entre distribuição dos custos e benefícios (esforço fiscal próprio). b) Decisões mais adaptadas às diferentes demandas. c) Mais possibilidade de fiscalização e controle na execução dos serviços públicos d) Favorece a experimentação e o pioneirismo, com possibilidades de difusão futura (Ex.: substituição tributária dos estados). e) Administração mais eficiente: menos custos de funcionamento f) Competição por fatores de produção leva a uma melhor oferta de serviços públicos g) Incrementam a democracia Pontos negativos: a) Excessiva personalização entre fisco e contribuinte reduz o potencial de arrecadação b) Limite à eficiência das políticas fiscal de estabilização e redistribuição c) Problemas na harmonização fiscal, com riscos de “guerra fiscal” d) Menor capacidade administrativa a nível local. 5. Histórico Estados Unidos, em 1789 Suíça, 1848 Canadá, 1867 Brasil, 1891 Austrália, 1901 Áustria, 1920 Alemanha, 1949 Índia, 1950 Malaysia, 1963 Bélgica, 1993 Espanha (1978) Paquistão 1947 (com Bangladesh), a partir de 1971 sem Bangladesh, mas com 4 províncias. 5 6. Tendências: internacional e brasileira a) Internacional: Federalismo dualista: nos EUA. Típica do século XIX. Distribuição explícita ou implícita de poderes entre União e Estados, os quais não têm, praticamente, contatos entre si. Federalismo cooperativo. Típico da primeira metade do século XX. Há maior comunicação entre poder central e outros níveis de governo, através, por exemplo, das transferências de recursos. Federalismo assimétrico: Alemanha, 1949. Modelo da segunda metade do século XX. Há comunicação entre níveis de governo e uma distribuição de competências extremamente complexa. Aumenta o poder de legislar do governo central, mas ele partilha a competência nos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Exemplos: IVA. União legisla, mas estados administram. Julgamento: estados 1ª entrância e União 2ª entrância. Receita: repartida entre União, estados e municípios. Existem também as transferências entre os estados. Federalismo subsidiário: em formação, resultado do direito comunitário que rege os blocos econômicos. Principalmente através do Tratado de Maastrich. Princípio da subsidiaridade. Na nova constituição alemã os “Länder” aumentaram seu grau de autonomia, podendo manter relações internacionais. Acima do nível comunitário está se formando, agora, a legislação e o controle supranacional, uma fonte de direito, expressa pelos organismos internacionais como o FMI, o BIRD e a OCDE que emitem normas. Direito nacional (constitucional), direito comunitário e direito supranacional afetam a organização federativa. Início do século XX: centralização (Lei de Popitz: os orçamentos centrais tenderão a absorver os orçamentos dos níveis intermediário e local de governo) Desde a década de 1980: descentralização (após a crise de endividamento nas finanças nos anos 1970, a busca pela transparência e participação favorece a descentralização). Na União Européia, criação da Comissão das Regiões.b) Brasil: Versões da origem da federação brasileira: a) Criada de cima para baixo (ao contrário da americana), por decretos, mediante o desdobramento de um estado unitário, numa solução “ad hoc” para manter o controle pelas oligarquias regionais e provinciais. b) Criada pela ação dos liberais (contra o autoritarismo do império), anti- escravistas e republicanos. Movimentos separatistas. (Rezende e Afonso, 2003). 6 Fases: Império: centralizado 1ª República (1891-1930): descentralizado Revolução de 30 e Estado Novo: centralização Pós II Guerra (1946): descentralização (redemocratização) Revolução de 1964 (1967): centralização Constituição de 1988: descentralização (redemocratização) Propostas de reforma: centralização (necessidade do ajuste fiscal e aplicação de planos econômicos). 7. Avaliação das patologias da federação A dissolução de federações e as crises de algumas exigem uma avaliação das dificuldades por elas enfrentadas.Exemplos de fracassos: Iugoslávia (1991), União Soviética (1991), Paquistão (1971), TchecoEslováquia (1992), a expulsão de Singapura da Malaysia e a guerra civil – “guerra da Biafra” - na Nigéria (1967-70 ). Fontes de problemas: a. Distribuição e característica das divisões sociais internas Fatores de separação: - língua, religião, estrutura social, tradição cultural e raça. - “degree” de crescimento econômico e disparidades regionais de renda aumentando os ressentimentos regionais, principalmente se reforçam as diferenças regionais lingüísticas, culturais e sociais. Fatores de agregação: - necessidade de segurança externa (ex: Suíça e Canadá) - significado do comércio inter-regional e a necessidade de alavancagem conjunta de sua ação no comércio e negociações de investimento. b. Papel das instituições e estruturas das federações Fatores institucionais críticos: b.1. - extrema disparidade entre as unidades no que concerne: à população, tamanho e riqueza; b.2. - a distribuição de poder não reflete adequadamente as aspirações de união e de autonomia regional; b.3 - a habilidade da instituição do governo federal em gerar um senso de consenso positivo: 7 - forma de representação dos grupos regionais no legislativo, executivo, serviço civil, partidos políticos e a vida na cidade da capital; - forma de os partidos políticos operando a nível nacional servirem de ponte inter-regional (maior problema na Bélgica, Iugoslávia, TchecoEslováquia). b.4. – discriminar uma língua de grupo minoritário não reconhecendo-o como língua federal (ex: Paquistão, Nigéria, Índia e Malaysia). c. Estratégias adotadas para combater a desintegração c.1. Reforçar a força e o poder do governo federal e resistir à desintegração e manter a federação. c.2. Tentar acomodar as pressões regionais enfatizando a “devolução”. c.3. Mista: esforço de reforçar a lealdade federal, concomitante à acomodação dos principais problemas. d. Polarização dos processos políticos Crises resultantes de uma cumulativa combinação de fatores, podendo um simples fato político desencadear a secessão ou a guerra civil. 8. Teorias econômicas da descentralização fiscal 6.1. “Teorema da descentralização fiscal” (Oates) Argumentos: a) nem todos os bens públicos têm características espaciais semelhantes. b) os governos locais têm uma vantagem comparativa superior em supri-los em relação ao governo central. 6.2. Vantagem da concorrência entre governos locais (Tiebout) Argumentos: a) governos locais mais bem dotados para identificar preferências da população (logo, maiores benefícios). b) concorrências entre governos locais detona processo virtuoso de eficiência. 8 9. Alocação de competências - Despesas Competência Forma Nível de governo Central Intermediário Local Legislativa a) Concorrente b) Exclusiva por atividade c) Competência residual d) Concorrência legislativa, mas exigir uniformidade: d.1. Preponderância de um nível de governo em caso de conflito d.2. estrutura legislativa (“frame-work” ) básica d.3. legislação mínima central d.4. negociação de acordos e) concorrência legislativa com uniformidade apenas regional: e.1. regiões autônomas f) interferência do nível intermediário na legislação federal (partilhada) Administrativa a) Exclusiva b) Exclusiva, com coordenação entre unidades do mesmo nível de governo c) Ação cooperativa (ação simultânea, coordenada, de vários níveis de governo). Ex.: planejamento regional Orçamentária (financeira) a) Exclusiva b) Cooperativa. Institucionalizado ou informal. Transferências constitucionais (legais) ou voluntárias (negociadas) Receitas Competência Forma Nível de governo Central Intermediário Local Legislativa a) Concorrente (paralela) b) Exclusiva por tipo de tributo c) Interferência do nível intermediário na legislação federal (partilhada) Administrativa a) Exclusiva b) Concorrente (paralela) Orçamentária (financeira) a) Distribuição original (relações intergovernamentais passivas): Imposto direto: residência Imp indireto: origem do $ b) Distribuição derivada (relações intergovernamentiais ativas): Transferências: - condicionadas ou livres - com ou sem contrapartida - vertical (entre níveis diferentes de governo), com sentido único (centro para local) ou duplo (de todos para todos) - horizontal (entre mesmo nível de governo) Fonte: KRAUSE-JUNK, Gerold & MÜLLER, Regina. Fiscal decentralization in selected industrial countries. Série Política Fiscal 48. Regional Project on Fiscal Decentralization. ECLAC/GTZ, Santiago, 1993. 9 Formas de distribuição das competências: Simétrica: um único nível de governo responsável por todos os níveis de competência de determinada despesa ou receita (ex: governo federal legisla, administra e gerencia recursos do imposto sobre a renda pessoa física). Assimétrica: diversos níveis de governo responsáveis por diversos níveis de competência de determinada despesa ou receita (ex.: governo federal legisla, mas governo estadual administra e gerencia recursos). Exclusividade: determinada competência exercida por um único nível de governo (ex: imposto sobre a renda: apenas o governo federal legisla sobre este imposto; ICMS: apenas os estados legislam sobre ele: IPTU: apenas os municípios legislam sobre ele) Compartilhada: determinada competência exercida por diversos níveis de governo (ex: governo federal legisla com interveniência do governo estadual). Casos extremos: a) Distribuição simétrica e todas competências exclusivas. b) Distribuição assimétrica e todas competências compartilhadas. Forma de avaliação do grau de descentralização: - competência sobre a receita? Ex.: Canadá. - competência sobre a despesa? Ex.: Alemanha. 10. Atribuição de responsabilidades (critérios: correspondência entre pagador/beneficiário) Funções: alocação, redistribuição e estabilização (Musgrave) Governo central: políticas macroeconômicas, políticas redistributivas de renda pessoal, políticas redistributivas de recursos fiscais entre governos subnacionais e fornecimento de bens e serviços públicos consumidos a nível nacional. Governo local: oferta debens e serviços de consumo local. 11. Atribuição de competências tributárias Teoricamente: economicamente liberais (descentralização) e demais (centralização) Critérios: a) mobilidade dos fatores (móveis = federal; imóveis = local). b) correspondência entre pagador/beneficiário (para financiar serviços nacionais = federal; para financiar serviços locais = locais). c) critério de cobrança do imposto (com base na origem – IR pessoa jurídica e de valor adicionado do tipo renda = federal; com base na residência ou destino – IR pessoa física, de vendas a varejo, de valor adicionado do tipo consumo = subnacionais). 10 Distribuição teórica das competências tributárias Tipo de tributo Determinação da base Determinação da alíquota Arrecadação e administração Observações 1. Aduaneiro F F F Tributação do comércio internacional 2. Renda: - das empresas - das pessoas F F F F,E,L F F Mobilidade Redistribuição, mobilidade e estabilização 3. Patrimônio (capital, transmissão, heranças e doações) F F,E F Redistribuição 4. Folha salarial F, E F, E F, E Programas sociais 5. Valor adicionado F F F Custos administrativos, estabilização 6. Vendas unifásicas: - opção A - opção B E F E, L E E, L F Maiores custos de cumprimento Harmonização 7. Vícios: - bebidas alcoólicas, fumo - jogos e apostas - loterias - corridas F, E E, L E, L E, L F, E E, L E, L E, L F, E E, L E, L E, L Serviços de saúde com responsabilidade compartilhada Resp estadual e local Resp estadual e local Resp estadual e local 8. Prejudiciais a 3ºs: - carvão - “BTU” - combustíveis - emissões - congestionamento - estacionamento F F, E, L F, E, L F, E, L F, E, L L F F, E, L F, E, L F, E, L F, E, L L F F, E, L F, E, L F, E, L F, E, L L Poluição nacional/global Poluição por volume Pedágios uso de rodovias Poluição por volume Pedágios uso de rodovias Congestionamento local 9. Veículos: - registro - emissão de carteiras de motorista E E E E E E Fonte de receita estadual Fonte de receita estadual 10. Ativ econômica E E E Princípio do benefício 11. Vendas específicas E E E Base sem mobilidade 12. Imóveis E L L Princípio do benefício, sem mobilidade 13. Terra (terrenos) E L L Princípio do benefício, sem mobilidade 14. Contribuições de melhoria E, L L L Cobertura de custos 15. Imposto per capita E, L E, L E, L Sem distorções 16. Taxas de uso F, E, L F, E, L F, E, L Pagamento por serviços 17. Imposto s/recursos: - renda (lucros) - direitos de extração; produção - contrib p/conservação F E, L E, L F E, L E, L F E, L E, L Distribuição regional Princípio do benefício Preservação meio ambiente Fonte: Adaptado de: Robin Boadway; Sandra Roberts e Anwar Shah: Fiscal Federalism Dimensions of Tax Reform in Developing Countries. Policy Research Working Paper 1385. World Bank, Nov 1994, p. 27, Tab 1. 11 12. Sistema de transferências intergovernamentais 9.1. Causa: Desequilíbrios fiscais frente à exigência de equalização da quantidade e qualidade dos bens e serviços públicos. Verticais : governo central com recursos e governos locais sem base tributária. Horizontais: diferenças entre a renda e as operações produtivas, diferenças na capacidade de arrecadação. 9.2. Justificativas econômicas: a) internalização de externalidades a outras jurisdições (“spillovers”). b) melhoria do sistema tributário como um todo (capacidade de melhor administrar) c) correção de ineficiências na oferta de bens públicos locais (padrão nacional) d) equalização fiscal entre jurisdições (critérios: população, receita per capita e renda per capita) e) estabilização da economia 9.3. Tipos de transferências a) segundo origem dos recursos: a. originárias de repartição de receitas b. não originárias de repartição de receitas b) segundo sua destinação: a) incondicionais ou não vinculadas (“general grants”) b) condicionais ou vinculadas (“categorical grants”) – sujeitas a regras, como contrapartida ou padronização. c) segundo a legislação: c) constitucionais d) legais e) conveniadas ou voluntárias (mas previstas na lei do orçamento)
Compartilhar