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A BOA-FÉ NO DIREITO OBRIGACIONAL
Juliana Evangelista de Almeida
1. INTRODUÇÃO
Tem-se afirmado que o direito civil está em crise e essa, em uma de suas perspectivas, pode ser avaliada em conformidade com as instituições que dão substrato a esse ramo do direito, quais sejam: a propriedade, a família e o contrato.
No auge do Estado de Direito a vontade criadora do contrato deveria ser respeita, não havia espaço para a interferência estatal. Primava-se pela segurança jurídica. Não se tolerava a interferência estatal no âmbito da vontade dos particulares. Ao Estado cabia garantir a liberdade e a igualdade perante a lei. Na economia o Estado também não poderia intervir, o que prevalecia eram as leis do mercado.
Contudo, com a revolução industrial e com a necessidade de se contratar cada vez mais rápido, ou seja, com a massificação dos contratos, o Estado passou a ter que intervir na vontade dos particulares. Isso ocorre porque a vontade já não é mais tão livre, não há mais a efetiva discussão das cláusulas contratuais.
Com as guerras mundiais, o mundo se vê sob um novo paradigma, o Estado Social. O Estado, nesse momento, deve garantir aos indivíduos não só a igualdade perante a lei, mas sim a igualdade substancial. Nos Contratos passa-se a permitir uma interferência maior do Estado, objetivando a justiça contratual. Isso ocorre porque no Estado Liberal, com a primazia da liberdade contratual, o contrato tinha se tornado um instrumento de exploração e opressão da parte que era economicamente mais fraca.
Com o Estado democrático de Direito vê-se que a intervenção estatal não deve se realizar de maneira a podar o desenvolvimento econômico e social, mas não deve ser mínima a ponto de voltarmos a um Estado Liberal. Hoje, a autonomia da vontade deve ser conformada por princípios, tais quais, função social e boa-fé objetiva. Assim passa a receber uma nova roupagem, a autonomia privada.
A boa-fé é um princípio que tem por escopo conformar a autonomia privada, cria deveres anexos às partes de determinada relação jurídica, limita direitos subjetivos destas e exerce função hemenêutico-integrativa.
2. ESCORÇO HISTÓRICO
No direito romano a idéia de boa-fé estava relacionada ao termo fides. Inicialmente entendido como o culto a deusa Fides. Depois passou a designar a relação entre o cidadão romano e o cliens (relações de clientela). Ocliens devia obediência e lealdade ao cidadão e este por sua vez proteção àquele.
Nas relações contratuais a fides se desenvolveu nos contratos internacionais (publica fides). Expressava que cada parte contratante se obrigava na sua própria fé, como relata Judith Martins Costa[1].
Com o tempo, passou a ser agregado a idéia de fides, a bona fides, que representa o cumprimento do que foi assumido, devendo ser cumprido não somente o que está expresso, mas também aquilo que representa o assumido pelas partes contratantes.
No período romano clássico a idéia de bona fides foi tranformada em uma actio, a bonae fidei iudicium. Era apresentada uma fórmula baseada na fides e o juiz deveria sentenciar conforme a boa-fé.
Já no período do Império a fides passou a ter caráter subjetivo conotando um sentido moral associado ao instituto da usucapião, passando a denominar-se fides bona.
No direito canônico a boa-fé se contrapunha à má-fé, representava a ausência de pecado, entendia-se que a boa-fé era “respeitar fielmente o pactuado, cumprir punctualmente a palavra dada, sob pena de agir em má-fé,rectius, em pecado”.[2]
No direito germânico conforme apresenta Martins-Costa:
“A fórmula Treu und glauben demarca o universo da boa-fé obrigacional proveniente da cultura germânica, traduzindo conotações totalmente diversas daquelas que a marcaram no direito romano: ao invés de denotar fidelidade ao pactuado, como numa das acepções da fides romana, a cultura germânica inseriu, na fórmula, as idéias de lealdade (treu ou treue) e crença (glauben ou glaube), as quais se reportam a qualidades ou estados humanos objetivados.”[3]
No direito germânico a boa-fé liga-se, como explicitado acima, as idéias de lealdade e crença, determinando o comportamento conforme estas. Portanto, o dever de agir com lealdade e crença corresponde ao cumprimento exato dos deveres assumidos.
Apesar disso, durante todo o período medieval, o conteúdo da boa-fé objetiva se esvaziou, existindo somente no aspecto subjetivo. Também nas glosas e aos períodos que se seguem a esse, nos quais se busca uma releitura do direito romano, a boa-fé permaneceu com seu aspecto subjetivo.
“Esta noção, com traços da boa-fé objetiva da doutrina hodierna, foi bastante diluída no Corpus Iuris Civilis. Some-se a isto a difusão, ainda antes da compilação justinianéia, da idéia de bona fides como um estado psicológico de ignorância que tornara-se um requisito para o usucapião; e ainda a influência do direito canônico, que via a boa-fé como “ausência de pecado”, ligada principalmente ao fenômeno da prescrição. Estes fatores se sobrepõem durante o medievo, proporcionando um quadro de progressivo abandono do olhar objetivista sobre a boa-fé, cada vez mais identificada com a visão subjetivista.
Este entendimento predominou durante todo o período de recepção do Direito Romano. Só passou a ser questionado, e ainda timidamente, pelo jusracionalismo que influenciaria Domat e Pothier. O reflexo desta reação corporifica-se no Code Civil francês de 1804, diploma que marca uma ruptura decisiva na evolução gradual do direito”.[4]
O Código de Napoleão trouxe em seu texto o princípio da boa-fé objetiva no art. 1.134, que dispunha que “as convenções legalmente constituídas têm o mesmo valor que a lei relativamente às partes que a fizeram. Só podem ser elas revogadas pelo seu mútuo consentimento, ou pelas causas que a lei admite. Devem ser executadas de boa-fé”. Apesar disso, o princípio da boa-fé objetiva não foi desenvolvido, já que, naquele momento histórico havia o apego a lei (escola da exegese), primava-se pela interpretação literal, diminuindo a discricionariedade do aplicador da lei.
Somente com o Código Civil Alemão (BGB) que o princípio da boa-fé passou a ter maior amplitude, segundo o § 242 “o devedor está adstrito a realizar a prestação tal como o exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”. Contudo essa efetivação e ampliação só se deram após a primeira guerra mundial e com as mudanças de paradigmáticas daquele país.
“A jurisprudência comercial alemã já vinha reconhecendo a importância da boa-fé como regra de conduta; contudo, a índole mais aberta tão ansiada por Menger ainda não encontrara o terreno adequado para frutificar. Nem a entrada em vigor, em 1900, do BGB, monumental codificação que fazia referência à boa-fé em diversas disposições, foi capaz de alterar este quadro, a princípio.
Se os primeiros anos do século não trouxeram mudanças substanciais, em contrapartida o cenário resultante da Primeira Guerra Mundial era tão avassalador que Eric Hobsbawn o identifica como “o colapso da civilização burguesa do século XX [...]sentido pelo menos em todos os lugares que homens e mulheres se envolviam ou faziam uso de transações impessoais de mercado”. Por óbvio, na Alemanha (não só derrotada na guerra como humilhada pelo Tratado de Versalhes) o terreno foi mais intenso, ocasionando uma grande instabilidade social. Este, o pano de fundo para o surgimento da constituição de Weimar, em 1919, pedra fundamental das cartas do estado Social.
É a partir deste quadro de transformações que a jurisprudência alemã viria a revolucionar a interpretação da boa-fé objetiva, principalmente através de uma compreensão mais aberta do §242 do BGB, que dispunha que “o devedor está adstrito a realizar a prestação tal como o exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”.[5]
A doutrina tem atribuído a evolução do princípio da boa-fé objetiva ao direito germânico, pela criação jurisprudencial que sucedeu à criação da constituição de Weimar.
3. DA DIFERENÇA ENTRE BOA-FÉ OBJETIVA E BOA-FÉ SUBJETIVA
Pode-se se dizer, em linhas gerais, quea boa-fé subjetiva é aquela que analisa a intenção do agente, se contrapondo à má-fé, já a boa-fé objetiva a um comportamento, ao respeito à intenção do pactuado ou da promessa, ao agir com lealdade jurídica.
“A expressão ‘boa-fé subjetiva’ denota ‘estado de consciência’, ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar outrem
Já por ‘boa-fé objetiva’ se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law –modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar sua própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subjuntivo.”[6]
Conforme preceitua César Fiuza:
“A boa-fé subjetiva consiste em crenças internas, conhecimentos e desconhecimentos, convicções internas. Consiste, basicamente, no desconhecimento de situação adversa. Quem compra de quem não é dono, sem saber, age de boa-fé, no sentido subjetivo.
A boa-fé objetiva baseia-se em fatos de ordem objetiva. Baseia-se na conduta das partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na outra.”[7]
Segundo Francisco Amaral:
“A boa-fé é um princípio geral do direito que oferece duas perspectivas de análise e consideração. Para a primeira, de natureza subjetiva ou psicológica, a boa-fé é a crença de que se procede com lealdade, com certeza da existência do próprio direito, donde a convicção da licitude do ato ou da situação jurídica. É estado de consciência, uma crença de agir conforme o direito; é o respeito consciente ao direito de outrem. Para a segunda perspectiva, de natureza objetiva, a boa-fé significa a consideração, pelo agente, dos interesses alheios, ou da imposição de consideração pelos interesses legítimos da contraparte, o que é próprio de um comportamento leal, probo, honesto, que traduza um dever de lisura, correção e lealdade, a que o direito italiano chama de correttezza.”[8]
Para Joaquim Ribeiro de Sousa[9], não é possível estabelecer, previamente o conteúdo do princípio da boa-fé objetiva. Diante do fato, verificando as posturas assumidas pela partes, é que se poderá estabelecer o seu conteúdo. Isso se dá porque só da análise da relação estabelecida entre as partes é que se pode verificar a confiança despertada e a conduta desleal que a boa-fé tenta impedir. É esse aspecto particular que faz a boa-fé se distinguir dos bons costumes, ou seja, os bons costumes fixam exigências de condutas gerais para qualquer caso, contudo a boa-fé fixa deveres de condutas que só poderão ser verificadas, ou estabelecidas, ante o enlace das partes, seja para formar um contrato, seja durante um contrato, seja após um contrato.
A boa-fé subjetiva, conforme preceitua Francisco Amaral[10] tem aplicabilidade no direito possessório, no direito de família, como no caso do casamento putativo, nos casos de usucapião, revogação de mandato, cessão de crédito, pagamento indevido, no direito sucessório, como no caso do herdeiro aparente, entre outros. Já a boa-fé objetiva, ou simplesmente boa-fé, na maioria das vezes, ocorre nos casos de formação, interpretação e execução dos negócios jurídicos.
É a concepção objetiva da boa-fé que merece destaque neste artigo.
4. DA BOA-FÉ OBJETIVA
4.1 Da boa-fé no Código Civil de 1916
A construção do Código Civil de 1916 esteve ligada aos ideais liberais, assim, queria-se um código sistêmico, completo e coeso, que não desse margem a interferência estatal. Primava-se pela segurança e certeza jurídica. Não havia espaço para cláusulas gerais, tais como a boa-fé objetiva.
O CC de 1916 tratou da boa-fé subjetiva em matéria de proteção possessória e no direito de família. Não dispôs, no direito obrigacional, da boa-fé objetiva como cânone interpretatico, a tratando, de modo genérico, quando regula o contrato de seguro.
“Art.1.443. O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.”
Cabe ressaltar que, antes da promulgação do Código Civil de 1916, o Código comercial de 1850, já previa a boa-fé, mas esta não era aplicada pela jurisprudência ou desenvolvida pela doutrina.
“Antes mesmo da promulgação do Código Civil, o nosso direito já possuía uma norma que, ainda em vigor, contempla em termos explícitos a boa-fé incidente no campo da ação contratual, mas limita àquela função cânone interpretativo. Estamos, aqui, nos referindo ao art. 131 do Código comercial, datado de 1850, o qual, segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “permaneceu letra morta por falta de inspiração da doutrina e nenhuma aplicação dos tribunais”.[11]
O direito brasileiro, durante boa parte da vigência do Código Civil de 1916, não desenvolveu o princípio da boa-fé. Isso porque, este se baseou em um modelo liberal, apesar de, a doutrina internacional, àquela época, já estar sob o paradigma do Estado Social. Ressalta-se que o BGB, que data de 1900, já dispunha sobre a boa-fé e a doutrina alemã, após a constituição de Weimar, já desenvolvia o princípio, o que só ocorreu no Brasil com a Constituição da República de 1988 e com o Código de Defesa do Consumidor.
4.2 Da boa-fé no Código Civil de 2002
Antes da promulgação do Código Civil de 2002 o Código de Defesa do Consumidor já previa o princípio da boa-fé, porém sua aplicação só se deu nas relações de consumo. Assim prevêem o art. 4º inciso III e o art. 51 inciso IV:
“Art. 4º. A Política Nacional das Relações de consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesse econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:(...)
III. Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilizarão da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio na relações entre consumidores e fornecedores
Art. 51. são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV. estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.”
O Código Civil de 2002, como já dito, positiva o princípio da boa-fé objetiva, como se pode depreender dos arts. 113, 187 e 422:
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
A doutrina impõe críticas ao artigo 422 porque, segundo esta, o artigo limita a aplicação da boa-fé na conclusão e execução dos contratos. A boa-fé deve ser resguardadaantes e após a relação obrigacional. Ora, tal colocação é indiscutível; a boa-fé deve ser respeitada durante toda a relação contratual e, mesmo, antes ou após esta. Mas não se deve fazer uma interpretação literal do dispositivo de lei. Assim, mesmo sendo esta a redação do artigo 422, segundo uma interpretação sistêmica, o entendimento acima deve prevalecer, haja vista o artigo 113, que estipula que os negócios jurídicos devem ser interpretados segundo a boa-fé.
4.3 Da função hermenêutica-integrativa da boa-fé
A boa-fé na função interpretativa poderá suprir eventuais lacunas não previstas pelos contratantes.
“Atua aí a boa-fé como kanon hábil ao preenchimento de lacunas, uma vez que a relação contratual consta de eventos e situações, fenomênicos e jurídicos, nem sempre previstos ou previsíveis pelos contratantes.”[12]
A boa-fé, como função integradora, tem por objetivo assegurar a finalidade da obrigação, incrementando princípios como a eqüidade, a função social, a auto-responsabilidade, entre outros. Martins Costa citando Giovanni Maria Uda diz que:
“Para que possa ocorrer uma coerente produção de efeitos do contrato, tornam-se exigíveis às partes, em certas ocasiões, comportamentos que não resultam nem de expressa e cogente disposição legal nem de cláusulas pactuadas. A boa-fé atua, como cânone hermenêutico, integrativo frente à necessidade de qualificar esses comportamentos, não previstos, mas essenciais à própria salvaguarda da fattispecie contratual e à plena produção dos efeitos correspondentes ao programa contratual objetivamente posto.”[13]
A função hermenêutica-integrativa da boa-fé, portanto, será verificada na solução de possíveis controvérsias. É um parâmetro interpretativo, busca completar a relação obrigacional no que não foi previsto pelas partes, com o objetivo de se garantir a finalidade do que foi pactuado. 
4.4 Da função criadora de deveres da boa-fé
A boa-fé cria deveres anexos para as partes contratantes independente de manifestação de vontade destas. São deveres de cuidado, deveres de informação, deveres de colaboração e cooperação, deveres de sigilo, entre outros. Esses deveres se violados geram o dever de indenizar. Isso porque a boa-fé determina que as partes ajam com lealdade umas com as outras, respeitando os objetivos da relação obrigacional.
Ao se pensar na boa-fé como criadora de deveres, remonta-se à obrigação como processo. A relação obrigacional passa a ser um processo complexo, no qual, é simplório remeter ao simples adimplemento da obrigação, quer se atender à finalidade global da obrigação, exigindo das partes o dever de atuar entre si com cooperação, até mesmo após o adimplemento da obrigação.
“Quer-se com isso afirmar que pode a relação de obrigação, no transcorrer de sua existência, muitas vezes em razão das vicissitudes que sofre, gerar outros direitos e deveres que não os expressados na relação de subsunção entre a situação fática e a hipótese legal, ou não indicados no título, ou ainda poderes formativos geradores, modificativos ou extintivos, e os correlatos de sujeição; pode, por igual, importar na criação de ônus jurídicos e deveres laterais, anexos ou secundários ao dever principal, ao qual corresponderão, por sua vez, outros direitos subjetivos, mesmo que não expressamente previstos nem na lei, nem no título. Uma vez ocorridas, todas estas “vicissitudes” e os efeitos jurídicos delas resultantes devem ser reconduzidos ao conceito, completando-o ou formando-o para que torne concretamente geral, isto é, para que seja verdadeiramente dotado de uma unidade – vale repetir -, a “unidade do todo articulado que contém em si a diferença” e ,por isso, seja unitário do ponto de vista estrutural e funcional, bem como total em relação ao seu conteúdo”.[14]
A função criadora de deveres da boa-fé estabelece responsabilidades na fase pré-negocial. São requisitos da responsabilidade pré contratual: a criação de uma legítima expectativa de que o negócio irá se realizar, a ciência da outra parte dessa legítima expectativa, o rompimento dessa negociação e a geração de dano. Segundo Judith Martins Costa, para haver responsabilidade pré-contratual deve haver:
“A existência de negociações, qualquer que seja a sua forma, antecedentes a um contrato; a prática de atos tendentes a despertar, na contraparte, a confiança legítima que o contrato seria concluído; a efetiva confiança, da contraparte; a existência de dano decorrente da quebra desta confiança, por terem sido infringidos deveres jurídicos que a tutelam; e, no caso da ruptura das negociações, que esta tenha sido injusta ou injustificada.”[15]
Quando se infringem deveres pré-negociais, não se está infringindo deveres principais, já que o contrato ainda não se formou, mas sim deveres anexos ou secundários.
“Na responsabilidade pré-negocial,os deveres que se violam, portanto, não são deveres (obrigações) principais, que só se concretizam com o contrato formado, mas os deveres instrumentais (anexos), que em algumas hipóteses se concretizam previamente à formação do vínculo negocial, deveres de cooperação, de não-contradição, de lealdade, de sigilo, de correção, de informação e esclarecimento -  em suma, deveres que decorrem da boa-fé objetiva como mandamento de atenção à legítima confiança despertada no futuro contratante e de tutela de seus interesses.”[16]
As partes devem guardar a boa-fé, antes, durante e após o cumprimento da relação obrigacional para que seja respeitado o objetivo do pactuado, bem como a legítima expectativa das partes.
4.5 Da boa-fé como limitadora de direito subjetivo
A boa-fé imprime às partes o dever de agir com lealdade, com cooperação, desta feita, impede o abuso de direito, o ato ilícito, o enriquecimento sem causa, sustenta a teoria da imprevisão, dá força obrigatória às convenções e mitiga o princípio da autonomia da vontade.
“Sendo certo que o domínio da boa-fé objetiva é o direito das obrigações, e em especial o dos contratos, importa insistir numa outra constatação: diferentemente do que ocorria no passado, o contrato, instrumento por excelência da relação obrigacional e veículo jurídico de operações econômicas de circulação da riqueza, não é mais perspectivado desde uma ótica informada unicamente pelo dogma da autonomia da vontade. Justamente porque traduz relação obrigacional – relação de cooperação entre as partes, processualmente polarizada por sua finalidade -  e porque se caracteriza como o principal instrumento jurídico de relações econômicas, considera-se que o contrato, qualquer que seja, de direito público ou privado, é informado pela função social que lhe é atribuída pelo ordenamento jurídico, função esta, ensina Miguel Reale, que “é mero corolário os imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e à justiça que deve presidir à ordem econômica”.
Sob esta ótica, apresenta-se a boa-fé como norma que não admite condutas que contrariem o mandamento de agir com lealdade e correção, pois só assim se estará a atingir a função social que lhe é cometida.”[17]
A boa-fé em sua função limitadora de direitos subjetivos impede o exercício desleal de direitos que pode ser visto nos seguinte aspectos:
É vedado exigir o que se deve restituir: veda-se que aquele que tiver o direito de receber algo não possa exigir esse direito se já o tiver recebido, mesmo que por algum motivo ou falha, aparentemente, lhe seja permitido exigir o seu direito como se este não tivesse sido efetivado.
É proibido desviar direitos: Fiuza[18] exemplifica que o locador que for sócio da sociedade empresária não pode exigir a retomada do imóvel com o fim de desfazer a sociedade.
Não é conforme a boa-fé exercer direitos de modo desequilibrado: O direito subjetivo não é absoluto, o seu exercício não pode se dar em desconformidade com o ordenamento jurídico, de modo a violar a dignidade humana, atentando contra a legítima expectativa da outra parte. O Código de Defesa do consumidor, por exemplo, veda que o credor possa exigir a sua prestação de modo que exponha o devedor ao ridículo.E por fim, no contexto do exercício desleal de direitos, não se pode atentar contra a legítima confiança da outra parte. Fiuza[19] cita o exemplo do banco que executa a hipoteca do promitente-comprador, quando o devedor é a empresa construtora. Nesse caso o banco deveria informar ao promitente-comprador dos riscos, devendo considerar os valores pagos pela construtora e exigir somente o restante.
O direito contratual vem sofrendo grandes mudanças ao longo dos anos e a teoria clássica contratual não conseguem mais dar respostas aos novos anseios da sociedade. É preciso rever os paradigmas que dão suporte a esse ramo do direito privado.
Tem-se que a vontade das partes já não é tão absoluta como queriam os jusnaturalistas. Hoje, sabemos que a vontade é influenciada por diversos fatores, tais como, as propagandas e a falta de conhecimento. Não se deve acreditar que a vontade das partes é livre o bastante para a regulação dos contratos.
Os agentes econômicos interferem nas escolhas contratuais e até mesmo no contratar ou não contratar. Sabe-se que as partes ao contratarem buscam satisfazerem seus interesses, mas as contratações devem se dar de modo que se garanta o desenvolvimento de toda a sociedade. Os contratos devem realizar uma função social. Aliada a esta está a boa-fé que impõe ás as partes o dever de agir com lealdade e cumprir o objetivo do que foi pactuado, limitando o abuso de direitos subjetivos, corroborando, também, com a função social dos contratos.
Ainda, nessa função, a boa-fé impede o exercício da exceção do contrato não cumprido (expetio non adimpleti contratus) quando presente a teoria dos atos próprios (o tu quoque – ocorre quando uma parte que tenha violado dever, quer o cumprimento da obrigação - ou o venire contra factum proprium – proibição do comportamento contraditório). Assim:
“A ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta interpretada objetivamente segundo a lei, segundo os bons costumes e a boa-fé, ou quando o exercício posterior se choque com a lei, os bons costumes e a boa-fé. O seu efeito primordial é impedir que a parte que tenha violado deveres contratuais exija o cumprimento pela outra parte,ou valha-se do seu próprio incumprimento para beneficiar-se de disposição contratual ou legal.”[20]
Nesse contexto a boa-fé limita direitos subjetivos impondo às partes deveres decorrentes da boa-fé até depois da realização e cumprimento do contrato. Se violada a boa-fé após o cumprimento contratual vindo a prejudicar ou inviabilizar o fim objetivado pelo contrato é possível a responsabilidade pós-contratual (culpa post pactum finitum).
A boa-fé como limitadora de direitos subjetivos, também, impede que as partes tenham comportamento contraditório. Aquele que tem um direito subjetivo e não o exerce, criando na outra parte a legítima expectativa que não será mais exercido, perde o direito de exercê-lo, mesmo que ainda não tenha operado a prescrição, e a outra parte adquire o direito subjetivo de que o mesmo não seja mais exercido. No primeiro caso, opera-se a Suppressio e no segundo a Surrectio. É comum nesse caso citar o exemplo do locador que tem o direito de receber os aluguéis em seu domicílio, mas sempre dirige ao domicílio do locatário para receber, criando, nesse último, a legítima expectativa que possa sempre pagar os aluguéis em seu domicílio. O locador perderá o direito de exigir os aluguéis em seu domicílio (Suppressio) e o locador adquirirá o direito de pagar os aluguéis em seu domicílio (Surrectio).
A boa-fé impede, também, que haja a constituição desleal de direito. Não se pode constituir direito ocultando certos fatos para posteriormente poder opô-los. É o caso do menor que oculta a sua idade no momento da contratação e depois a argüi para tentar resolver o contrato.
5. CONCLUSÃO
Até o Código Civil de 2002 o princípio da boa-fé não era positivado, mas foi aos poucos passando a ser aplicado pela jurisprudência, conforme permissivo da Lei de Introdução ao Código Civil. Então, na análise do caso concreto, verifica-se a observância da boa-fé objetiva. Esta passou a ser usada para suprir lacunas contratuais não previstas pelos contratantes. Como afirma Ester Lopes Peixoto “a boa-fé atua na relação obrigacional, através da atividade jurisdicional, preenchendo lacunas indicando o comportamento devido, por forma a apanhar o fim objetivado pelo contrato”[21].
Apesar disso, antes que passasse a ser expresso, havia resistência por parte da jurisprudência em se decidir consubstanciado apenas no princípio da boa-fé objetiva, buscava-se apoio a outros princípios já expressos.
Marco Aurélio Risolía[22], citado por Jorge Bustamante Alsina, afirma que pouco importa se a boa-fé é princípio expresso em um ordenamento jurídico ou não, já que esse pode ser subtraído de diversas outras regras expressas. Diz que o conceito de boa-fé está consubstanciado no próprio conceito de direito.
A boa-fé, portanto, deve ser resguardada para que seja garantida às partes a legítima expectativa da relação obrigacional, bem como, a finalidade para qual se destina, impedindo que as partes exerçam, abusivamente, seus direitos subjetivos, mantendo o equilíbrio da relação obrigacional.

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