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Romano onde a obrigação de dar refl etia apenas um crédito e não um direito real. É importante compreender que a obrigação de dar gera apenas um direito à coisa e não exatamente um direito real. No nosso sistema jurídico, para que se aperfeiçoe a propriedade quando derivada de uma obrigação, mister se faz a transcrição do título no Registro de Imóveis (quando se tratar de bem imó- vel), ou a tradição13 da coisa (quando o bem objeto da prestação for móvel). No entanto, como lembra Silvio Venosa, as constantes reformas pelas quais passou o sistema de direito processual pátrio constituíram um verdadei- ro elenco de medidas constritivas para o adimplemento coercitivo de obriga- ções, como medidas cautelares, antecipações de tutela, multas diárias ou pe- riódicas, aproximando muito os efeitos de direito obrigacional aos efeitos de direito real.14 Em sistemas estrangeiros, como o italiano e o francês, a obrigação de dar cria por si só um direito real, isto é, importa na transferência da propriedade. Como já pode ser constatado, o verbo “dar” deve ser entendido como o ato de entregar. Dar coisa certa é, portanto, entregar uma coisa determinada, perfeitamente caracterizada e individuada, diferente de todas as demais da mesma espécie. Esse entendimento foi expressamente enunciado no art. 313 do atual Código Civil: Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Tendo em vista esse enunciado, verifi camos que o credor não é obrigado a receber prestação outra que não a que lhe é devida. O fato dessa prestação, do bem oferecido ou do ato que se intenta realizar, ser ainda mais valioso, nada 13 O vocábulo tradição aqui é usado em sentido técnico-jurídico representando o ato de entregar a coisa, ato esse que segundo nosso sistema jurídico, trans- fere a propriedade de um bem móvel. 14 Silvio Venosa. Direito Civil, v. 2. São Paulo: Atlas, 2004; p. 83. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL FGV DIREITO RIO 30 infl ui nessa faculdade do credor. Ainda que não estivesse expressamente previs- to, esse princípio, segundo regras gerais do direito, seria plenamente aplicável. A obrigação de restituir se processa de forma semelhante, diferenciando-se pelo fato de que o credor receberá aquilo que já lhe pertence. O princípio da acessoriedade é plenamente aplicável às obrigações de dar coi- sa certa (art. 233 CC) e deve ser entendido em conformidade com o artigo 237: Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no pre- ço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação. Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes. Nesse particular, a preocupação da lei abrange também os acessórios de natureza incorpórea. Trata-se do exemplo no qual o alienante de uma deter- minada coisa responde pela evicção da mesma. Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa na obrigação de dar coisa certa No estudo da responsabilidade pelas hipóteses de perda ou deterioração da coisa, de grande relevância é precisar-se o momento da tradição da mesma. Perda é o desaparecimento completo da coisa para fi ns jurídicos. É o caso da destruição por incêndio ou a ocorrência de furto. Em suma, qualquer hipótese na qual se verifi ca a indisponibilidade completa do objeto na sua acepção patrimonial. O elemento mais importante no estudo da responsabilidade é a aferição da existência ou não de culpa por parte do devedor. Em todas as hipóteses em que o mesmo agir de alguma forma que implique em culpa de sua parte surgirá a necessidade de indenização por perdas e danos. A perda da coisa antes da tradição está regulada no art. 234 do Código Civil, o qual assim dispõe: Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fi ca resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de cul- pa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos. Se o bem se perde antes do momento aprazado para a entrega, como no exemplo do cavalo que morre no pasto quando vitimado por um raio, há o fi m da obrigação sem qualquer forma de ônus para as partes. Logicamente, se DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL FGV DIREITO RIO 31 o bem destruído já tiver sido pago, ou tiver havido qualquer forma de adian- tamento de valor, o mesmo deverá ser devolvido com a atualização monetá- ria. Isso é corolário lógico do princípio que veda o enriquecimento ilícito. A parte fi nal do art. 234 menciona que resultando a perda por culpa do devedor, responderá o mesmo pelo equivalente, mais perdas e danos. Nesse caso, deve-se ressaltar o disposto no art. 402 do CC.15 Voltando ao exemplo acima suscitado, se ao invés de vitimado por um raio o cavalo viesse a perecer por culpa do devedor, surgiria a necessidade do culpado pagar o valor do animal acrescido de eventuais perdas e danos. Essas perdas e danos abarcariam o montante de prejuízo decorrente do não recebimento de bem por parte do credor. Esse prejuízo não pode enveredar pelo campo da abstração, mas, pelo contrário, deve ater-se ao prejuízo que pode efetivamente ser comprovado. Nesse sentido, poderia o credor alegar prejuízo pela impossibilidade de utilizar o animal na função de reprodutor, na apresentação em exposições, ou na revenda do mesmo. Obrigação de dar coisa incerta A obrigação de dar coisa incerta implica na entrega de quantidade de certo gênero, e não na de uma coisa individualizada. O art. 243 do Código Civil, sobre o tema, esclarece que: Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. Incerteza aqui não implica em indeterminação, mas sim, como alude o art. 243, numa determinação feita de modo genérico. Como exemplo de en- trega de coisa incerta, pode-se citar: a entrega de duzentos quilos de ouro, ou ainda de trezentos livros de direito civil, de mesmo título, do mesmo autor e da mesma edição. A obrigação de dar coisa incerta se caracteriza pela existência de um mo- mento que antecede à entrega da coisa, momento esse denominado concen- tração. Ele corresponde à escolha da coisa que vai de ser entregue, e a partir dele a obrigação será regida pelas regras da obrigação de dar coisa certa. Dessa forma podemos observar a transformação da obrigação de dar coisa incerta, de caráter marcadamente genérico, em obrigação de dar coisa certa, que é uma obrigação específi ca. A obrigação de dar coisa incerta é, em tese, mais favorável ao devedor, uma vez que a obrigação corresponde a da entrega de uma coisa ou um conjunto delas tendo em vista o seu gênero. O objeto das obrigações de dar coisa in- certa é constituído por coisas fungíveis. Por outro lado, nas obrigações de dar coisa incerta, a responsabilidade quanto ao perecimento da coisa também será maior para o devedor: Enquan- to na obrigação de dar coisa certa, a perda da coisa sem culpa do devedor de- 15 O art. 402, que trata das perdas e danos, possui a seguinte redação: Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADE CIVIL FGV DIREITO RIO 32 riva na resolução da obrigação, na obrigação de dar coisa incerta a prestação ainda será devida. A razão disso é a aplicação da regra genus nunquam perit (o gênero nunca perece antes da escolha). Essa regra é destacada no art. 246 do Código Civil: Art. 246. Antes da escolha,