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HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Professor Dr. Fábio Augusto Darius GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; DARIUS, Fábio Augusto. História das Religiões. Fábio Augusto Darius. Reimpressão Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. 224 p. “Graduação - EaD”. 1. História 2. Religião . 3. Crenças 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-8084-922-6 CDD - 22 ed. 200 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli Gerência de Produção de Conteúdos Gabriel Araújo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey Coordenador de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Design Educacional Rossana Costa Giani Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Editoração Robson Yuiti Saito Revisão Textual Keren Pardini Edson Dias Ilustração Robson Yuiti Saito Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar – assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa- zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa- tível com os desafios que surgem no mundo contem- porâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó- gica e encontram-se integrados à proposta pedagó- gica, contribuindo no processo educacional, comple- mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse- ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi- mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi- bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes- soal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cres- cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda- gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi- bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en- quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus- sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino Professor Dr. Fábio Augusto Darius Graduado em História pela Universidade Regional de Blumenau bem como graduando em Filosofia. Também sou mestre e doutor em Teologia Histórica pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo, e leciono História das Religiões e História Contemporânea pela Unicesumar. A U TO R SEJA BEM-VINDO(A)! É com grande prazer que entrego a você este pequeno trabalho. Digo pequeno, por as- sim dizer, visto que é um texto breve e sucinto. Mas não devemos nunca julgar um livro pela capa ou pela quantidade de páginas. Espero que você nunca faça isso! O que tentei fazer foi, em cinco unidades, contextualizar a história de algumas das religiões mais an- tigas do planeta de forma leve e equilibrada. Mas, mais do que isso, o que tentei fazer foi proporcionar pontos de reflexão acerca dessa temática em relação ao nosso cotidiano. Se consegui ou não chegar a este objetivo, espero saber de você para que sempre possa aperfeiçoar a escrita e o entendimento. Este livro, sendo de caráter histórico, não tem a pretensão de abordar sob nenhum as- pecto a questão da fé, especificamente. Trata-se de relacionar pessoas que em um dado momento do passado distante ou relativamente recente pensaram e fizeram algo fan- tástico para milhões de outras – dando a gerações sucessivas um caminho ético para a vida, diferente do pensamento majoritário pós-moderno que pretende encontrar al- guma possibilidade de sentido por meio de prazeres proporcionados pela matéria. Em outras palavras, estudar a história das religiões é estudar sob outra vertente a história do mundo. Sem esse importante ponto, qualquer tentativa historiográfica será certamente incompleta. Aliás, como certa vez escreveu um grande teólogo, Hans Küng (2006): “não haverá paz entre as nações, sem uma paz entre as religiões”. Tentar compreender as reli- giões é tentar compreender o mundo e suas relações. Dito isto, peço a você que se entregue à leitura sem preconceitos e se deixe penetrar neste mundo de possibilidades. Certamente esse exercício será muito importante. Um forte abraço e tudo de bom! Prof. Dr. Fábio Augusto Darius APRESENTAÇÃO HISTÓRIA DAS RELIGIÕES SUMÁRIO 09 UNIDADE I RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS 15 Introdução 16 Religiosidade, Busca e Encontro do Sentidoda Vida 27 A Antiga Religião Grega e as Relações entre os Deuses e os Seres Humanos 38 A Vida Como Preparação Para a Morte: O Transcendente Entre os Egípcios 44 Considerações Finais UNIDADE II O NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DAS GRANDES TRADIÇÕES RELIGIOSAS 55 Introdução 56 O Hinduísmo e a Busca por Elevação Pessoal 65 O Budismo: A Busca e o Encontro do “Caminho do Meio” 70 O Judaísmo e a Religião do Deus sem Forma 79 Maomé e a Impossibilidade de Compreensão de Deus 85 Considerações Finais SUMÁRIO UNIDADE III BREVE DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA IGREJA CATÓLICA 95 Introdução 97 Constantino, o Inconstante, e os Primórdios do Catolicismo Romano 109 A Igreja Católica na Idade Média 118 A Patrística e a Escolástica: O Desenvolvimento da Filosofia Católica 128 A Igreja Católica Frente à Modernidade e à Contemporaneidade 134 Considerações Finais UNIDADE IV CONTEXTO HISTÓRICO DA REFORMA E DO PROTESTANTISMO 145 Introdução 146 Sobre os Reformadores Antes de Martim Lutero: Wycliffe, Huss e Tyndale 163 Sobre Martim Lutero e Felipe Melanchton 169 Considerações Finais SUMÁRIO 11 UNIDADE V TÓPICOS DE HISTÓRIA DA IGREJA NA AMÉRICA E ÁFRICA 181 Introdução 182 A Religião Indígena como Pano de Fundo para uma “Ética do Cuidado” 185 Antecedentes Africanos da Religiosidade Brasileira 189 Mórmons e Adventistas: A Irrupção do Sonho Americano e a Contracultura 198 Os Espíritos do Espiritismo e o Nascimento da “Religião da Razão” 208 Considerações Finais 217 CONCLUSÃO 219 REFERÊNCIAS 224 GABARITO U N ID A D E I Professor Dr. Fábio Augusto Darius RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Objetivos de Aprendizagem ■ Refletir acerca da relação entre a religiosidade e a busca de sentido da vida enquanto processo histórico vivencial. ■ Entender a importância histórica da antiga religião grega na sociedade contemporânea. ■ Perceber na religiosidade egípcia, reflexões para nossos dias. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Religiosidade, busca e encontro do sentido da vida ■ A antiga religião grega e as relações entre os deuses e os seres humanos ■ A vida como preparação para a morte: o transcendente entre os egípcios INTRODUÇÃO A primeira unidade deste livro privilegiará, embora sucintamente, a história de algumas das religiões fundantes de nossa sociedade. Por questões de espaço, foi preciso fazer um grande esforço para que, nas páginas aqui elencadas, fossem captados alguns elementos exemplificares que, de forma mais ou menos gené- rica, pudessem ser visualizados em todas as outras religiões. Contudo, creio que uma pergunta faz-se absolutamente necessária antes do estudo proposto, mesmo para nós, estudantes e professores de História: o que as religiões de outrora ainda têm a ensinar para este mundo onde a tecnologia parece imperar? Ou, em outras palavras: para que serve a religião e qual a importância de estudá-la a sério? Para encetar uma resposta contemporânea para as questões, gostaria de citar com as minhas próprias palavras o pensamento de um gran- dioso filósofo e paleontólogo francês, morto na década de 1950, Pierre Teilhard de Chardin – que enfrentou toda a sorte de problemas ao fazer uma tentativa muito interessante de harmonização entre a ciência e a religião, tendo inclusive muitas dificuldades para lecionar – a partir de um capítulo de seu famoso livro “O Futuro do Homem”. Chardin (1964) escreveu que, no contexto da detona- ção da primeira bomba atômica, ainda nos Estados Unidos, em julho de 1945, na localidade do Novo México, Estados Unidos, a grande maioria dos cientistas não sabia exatamente o que os esperaria a partir daquela explosão. Muitos, na excitação do momento, de forma inconsciente, se prostraram ao chão em posi- ção fetal, como que clamando pela mãe. Devemos sempre lembrar que aqueles homens figuravam entre os maiores cientistas do século XX, até então seguros de si e muito bem remunerados pela nação que, ao fim daquela guerra, se erigiria como a maior do mundo polarizado – e ainda assim estavam atônitos diante do porvir. Diante dessa cena quase ina- creditável, que simultaneamente mostrou o poder do ser humano ante a natureza e escancarou sua grande angústia, podemos pensar em nossos dias que nunca estivemos tão poderosos, mas ao mesmo tempo nunca fomos tão fracos e expos- tos diante de nós mesmos. A partir dessa reflexão, imagino ser imprescindível a história das religi- ões antigas como possibilidade de busca de sentido existencial e histórico para Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 preenchermos algumas das lacunas que sempre existiram em nossas sociedades. O que se propõe aqui é identificar o esforço civilizacional dos antigos na busca de algo que equilibrasse suas vidas diante das agruras cotidianas. Assim foi com os gregos, romanos, egípcios, astecas e tantos outros povos. Assim é hoje. Nada indica que será diferente no futuro. Boa leitura! RELIGIOSIDADE, BUSCA E ENCONTRO DO SENTIDO DA VIDA “Gott ist tot” (NIETZSCHE, 2001, p. 148). Eis, diante do mundo contemporâ- neo, o nosso mundo de incansáveis lidas, o eco daquele grito vociferado por Friedrich Nietzsche, que com sua vigorosa marreta tentou e conseguiu, com rela- tivo sucesso, desconstruir os fundamentos da sociedade ocidental. Mas quando Nietzsche gritou afirmativamente constatando (no tempo presente) que “Deus está morto”, seu clamor não era o de alguém que havia encontrado um cadá- ver sem querer, no meio de uma construção ou terreno baldio, tampouco era o de um assassino que acabara de cometer um crime passional. Ele confessa, sem a angústia de Rodion Românovitch Raskólnikov, o miserável protagonista do “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski – em busca da salvação de sua alma por meio do martírio dos campos siberianos – que não apenas ele, mas você e eu matamos Deus. Seu corpo hoje se encontra perenemente sepultado nas igre- jas frias e vazias. Friedrich Nietzsche nasceu em um vilarejo chamado Röcken, na Prússia – uma parte da Alemanha antes de sua unificação, nos anos 70 do século XIX – no dia 15 de outubro de 1844. Seu pai, Karl Ludwig era pastor protes- tante luterano e sua mãe também era oriunda de uma família de pastores, sendo desejo da família que o jovem Friedrich seguisse os passos paternos. Nietzsche, ao terminar seus estudos secundários inscreve-se na Universi- dade de Leipzig (onde o grande Johann Sebastian Bach, também protes- tante luterano, sendo a religião absolutamente importante em sua vida e obra, passou parte da vida, mais de um século antes) para cursar teologia. Foi grandemente influenciado por dois grandes expoentes de sua época: Arthur Schopenhauer, filósofo, e Richard Wagner, um grande compositor, posteriormente um dos preferidos de Adolf Hitler. É um dos precursores do niilismo, baseado na descrença absoluta de tudo e todos, representando muito bem o zeitgeist, ou espírito de sua época. Fonte: o autor Religiosidade, Busca e Encontro do Sentido da Vida Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 O fato de Nietzsche, nascido em 1844, encontrar a morte precisamente em 1900,ou seja, faltando um ano para o início daquele período que Allan Kardec havia chamado de “plenitude dos tempos”1 é emblemático. Arrisco dizer que quase intangível foi a decepção dos entusiastas do novo mundo no que diz respeito ao engrandecimento moral dos seres humanos, principalmente pelo o que viria a seguir. O século XX, que conforme o grande historiador Eric Hobsbawm começou muito tardiamente, apenas em 19142, foi testemunha de um movimento indelé- vel e extremamente significativo na história da civilização ocidental: depois de uma guerra de alcance mundial que durou quatro anos e ceifou a vida de milhões 1 Embora o termo “plenitude dos tempos” possa parecer exagero, o racionalista Hippolyte Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo Allan Kardec, assim compilou em sua Revista Espírita, de agosto de 1867: “Oh! Quanto a face do mundo será mudada para aqueles que verão o começo do século próximo!... Quantas ruínas verão atrás de si, e que horizontes esplêndidos de ruídos, aos tumultos, aos rugidos da tempestade sucederão os cantos de alegria; após as abrirão diante deles!... isso será como a aurora pisoteando as sombras da noite;... as angústias, os homens renascerão para a esperança... Sim! o vigésimo século será um século bendito, porque verá a era nova anunciada pelo Cristo” (KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos. Araras: Instituto de Difusão Espírita, 1999, p. 173). 2 O “breve século XX” foi, para este mesmo historiador, um dos mais tristes e sangrentos de toda a história da civilização, tendo se iniciado com a Primeira Guerra Mundial e terminado com a queda da União Soviética. Para muito melhor contextualização e como aconselhamento bibliográfico básico para qualquer futuro historiador, recomendo a leitura do texto completo, conforme referência a seguir: HOBSBAWM, Eric John. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 de pessoas, incluindo em sua maioria, civis inocentes, muitos passaram a ques- tionar, de forma séria, a amplitude e significado de algumas palavras que desde a mais tenra infância sabiam de cor... “O Senhor é o meu Pastor e nada me fal- tará”. Ora! Faltou o pão. Faltou o açúcar. Cortaram a água quente e finalmente não havia sequer uma gota de água para milhões de moribundos. Bombardearam cidades e acabaram com o emprego. Quantos jamais deram o derradeiro beijo em suas famílias. Deus só podia estar mesmo morto. Tão grande foi essa sensação de abandono e vazio existencial que até mesmo sacerdotes (padres e pastores, indistintamente) trocaram a Bíblia pelo relativismo inaugurado por Nietzsche. Assim fez Paul Tillich (1959, p. 47-50), um grande teólogo e professor em Princeton, ao escrever que: Lembro-me que sentava entre as árvores das florestas francesas e lia “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, como faziam muitos outros sol- dados alemães, em contínuo estado de exaltação. Tratava-se da libera- ção definitiva da heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche, ‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicio- nal de Deus estava morto mesmo. Embora essa suposta morte de Deus possa vir a ser “o diagnóstico da ausên- cia explícita de Deus no pensamento e nas práticas do ocidente moderno” (MACHADO, 1994, p. 22), essa explicação não parece ser suficiente àquelas pessoas que tentam dar sentido à vida. Assim, a busca de sentido, para muitas pessoas, oscila entre a busca da religiosidade explícita ou a tentativa de respostas sob o âmbito estritamente filosófico. Experimente observar nas livrarias a seção de Espiritualidade e Autoajuda. Provavelmente você não conseguirá acompanhar a quantidade muitíssimo grande de novos títulos que chegam praticamente a cada semana. É disso que estamos falando aqui: de um lenitivo, seja ela qual for, para superação das questões que materialmente se mostram insuperáveis. Mas não se preocupe! Esse texto tem a pretensão de manter, apesar dos recortes filosóficos pontuais e estritamente necessários, a sua dimensão iminentemente histórica, e este autor não tem, intencionalmente, por meio destas páginas, o desejo de res- taurar ou converter ninguém, embora o mundo precise ser convertido para o melhoramento de toda a sorte de relações humanas. Religiosidade, Busca e Encontro do Sentido da Vida Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 Como rápido aporte filosófico e como tentativa de mais uma vez justificar a grande importância da história da religião, principalmente para a contempo- raneidade, cito o existencialista Albert Camus (1913-1960) e sua tentativa de encontrar um sentido para a vida – o que, a rigor, é uma das atribuições básicas da fé, seja ela institucionalizada sob a potência de uma grande denominação reli- giosa ou não. Segundo Camus, o ser humano está condenado a morrer. Contudo, ele vê como um absurdo o fato de que um dia, querendo ou não, o ser humano vai morrer. Há grande absurdidade na morte em si, portanto. Para ele, diante disso, o único objetivo da vida deve ser o de buscar a felicidade, seja qual seja essa felicidade. Aqui vale um parêntese importante: desde tempos quase imemoriais, todas as civilizações, sem exceção, tinham seus mais diver- sos cultos religiosos, sendo um dos objetivos principais alcançar iluminação que favorecesse o acesso ao transcendente e respondesse à pergunta pelo sentido da vida, bem como o ultrapassar da morte fosse atingido. Os baigas, por exemplo, tribo indígena da Índia central que surgiu pelo menos há uns 3.000 anos antes de Cristo, “se consideram filhos de Dharti Mata, a Mãe Terra, acreditam que foram criados para serem os guardiões da floresta – uma missão que executam desde o início dos tempos” (AMBALU; COOGAN; FEINSTEIN, 2014, p. 32). Uma nobre tarefa, sem dúvida, que os motivava a continuar. Por sua vez, o grande Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, escreveu que uma vida justa leva à felicidade – estado de espírito que a religião geralmente promete de forma irrestrita àqueles zelosos que seguirem os ditames divinos. Para Camus, voltando à nossa linha de pensamento, tragédia total é morrer e não alcançar a dita felicidade, que como acabamos de ver, é perseguida, a seu modo, desde que o ser humano existe. Diante dessa busca, há sempre o fator “esperança”, porque você sabe muito bem que a vida é quase sempre grandemente menos suave do que gostaríamos que ela fosse. Para exemplificar de forma pala- tável esta possibilidade de esperança, Camus (1961) retoma aos mitos gregos e desenterra Sísifo, que por algum motivo bastante grave provocou a ira dos deuses, recebendo como castigo uma grande pedra que deve ser sempre, infinitamente, rolada morro acima. Contudo, assim que a pedra chega ao ápice do morro, ela rola para baixo e a tarefa recomeça. Deve-se perguntar o porquê de Sísifo não abandonar a exaustiva tarefa. A resposta não parece ser das mais complicadas: Nenhuma Providência, nenhum Deus dirige o universo; todos os fenômenos não passam de aspectos de uma cega vontade de viver; essa vontade de viver absurda, sem razão ou finalidade, releva-se como a essência do mun- do; a dor que dela nasce constitui a única realidade [...]. (ARTHUR SCHOPE- NHAUER) Se por ventura você ficou curioso sobre Sísifo, saiba que ele foi um dos maio- res ofensores dos deuses gregos. Tão ofensivo, que será impossível narrar sobre ele completamente aqui! Ele tentou matar seu irmão, enganou Hades, o deus do mundo subterrâneo, duas vezes, enfureceu Zeus e, ao morrerde velho, o pai dos deuses enviou seu mensageiro Hermes para levá-lo ao tár- taro, o mundo dos mortos. Lá recebeu a tarefa que Camus tão bem explicou em seu texto, querendo dizer que os mortais simplesmente não podem ter e nunca terão a total liberdade de um deus. Assim, quando há um trabalho chatíssimo, longo e fadado inexoravelmente ao fracasso, este é um “traba- lho de Sísifo”! Fonte: o autor RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 Sísifo, agarrado à sua vida, tem esperança de que um dia sua tarefa findará e assim ele encontrará grande gozo e felicidade. Ainda outro filósofo existencialista, Jean-Paul Sartre, tentou dar sentido à vida sem elencar a presença de Deus. Retomou ao já citado Dostoiévski ao escrever que “se Deus está morto, então tudo é permitido” (DOSTOIÉVSKI, 2008, p. 108- 109). Dessa forma, a existência torna-se um grande dilema visto que, em sua concepção, o ser humano é condenando a ser livre e definir por si mesmo o sen- tido de seu ser. A religião equilibrada, que a história mostrou e tem mostrado não ser sempre o caso, sem plenamente cercear do ser humano a possibilidade de escolha entre o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto, ao contrário, Religiosidade, Busca e Encontro do Sentido da Vida Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 permite que se escolha autonomamente. Contudo, sob o prisma religioso, o fim não se encontra na vida cotidiana, que se mostra processual para obtenção futura da salvação – aí sim, eterna, imutável em seu estado glorioso e gozosa por definição. Eis assim citada a pro- messa desde os tempos bíblicos e válida ainda hoje para todos os crentes do mundo. Essa perspectiva de uma vida com propósitos, assim, genericamente exposta, pode ser chamada de teleológica, conceito muito importante tanto para a Filosofia quanto para a Teologia, disciplinas irmãs da História – princi- palmente a História das Religiões. A verdade é que muitos parecem conseguir encontrar a felicidade sem a invo- cação de um deus e são felizes vivendo da forma como vivem. Contudo, ainda que assim o façam, é preciso levar em conta que imiscuída em nossa sociedade de consumo aparentemente basilada pelo ter reside, embora muitos neguem, uma ética fortemente baseada no cristianismo e quase que invariavelmente este cristianismo sob as mais variadas formas é utilizado para subsidiar, às vezes de forma indireta, nossos anseios pela busca de significado da vida. Em outras pala- vras, a busca pelo Transcendente via religião parece ser para muitos o caminho mais fácil de obtenção de sentido em uma vida aparentemente sem nenhum. Talvez seja por isso que em nossos dias tantas igrejas “pululem” em cada esquina. Há uma percepção de “desencantamento com o mundo” (THIRY- CHERQUES, 2009), que o sociólogo Max Weber tratou tão bem ao longo de sua obra. Por desencantamento, uma das traduções mais adequadas talvez seja aquela que fala em “desmagicização” do mundo, ou seja, pela falta de encanto mágico pela vida, em virtude do descobrimento do funcionamento de quase tudo o que nos rodeia. É quase como uma volta àquela reflexão introdutória proposta por Chardin, mas talvez aqui em um outro nível, que diz respeito à necessidade de busca do intangível para que a existência tenha sentido. Assim, muitas pessoas olham para o céu e para dentro delas mesmas esperando por essas respostas. Outras assumem posição diferente e ao invés de olharem para e apenas a “parte de cima” resolvem simplesmente mudar o lugar social recuperando “a sua consciência e a sua dignidade de que são sujeitos da História” (BLANK, 2008, p. 81). Dessa forma, as pessoas começam a se compreender não mais como objetos de forças RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 anônimas e incontroláveis, mas como sujeitos e protagonistas do agir histórico. A base para esse agir, porém, não é encontrada em alguma ideologia política ou social. Ela muito mais se fundamenta naquilo que é a grande característica dos povos latino-americanos: sua fé. Com base nela e partindo de suas novas experiências em nível econômico, políti- co e social, forma-se em muitos homens e mulheres uma nova consci- ência (BLANK, 2008, p. 82). Não poderia deixar de concluir esta primeira e praticamente introdutória parte sem citar outro filósofo que muito pode contribuir para uma reflexão mais pro- funda e direta acerca do sentido da vida, com ou sem o viés das religiões, trata-se do filósofo alemão Martin Heidegger. Heidegger, outro autor que deve ser estu- dado com afinco por historiadores que buscam muito mais do que apenas o já grandemente ultrapassado método de buscar meramente informações históri- cas. Um professor de História que assim procede dificilmente faz com que seus alunos gostem de sua disciplina. Além disso, sabemos que quando o aluno por qualquer motivo deixa de gostar de determinada disciplina, ele acaba quase sempre transferindo sua indisposição para o professor. Dessa forma, podemos afirmar que, se a História não servir para nossa vida hoje – visando ou não o passado com vistas ao futuro –, então ela não serve e dificilmente servirá para coisa alguma. Pois bem: como dizia antes, Heidegger é um daqueles filósofos e escritores que não podem ser deixados de lado por quem almeja entender a his- tória do século XX de forma mais completa. Ele nasceu em 1889 e morreu em 1976 e, dentre vários alunos famosos, foi professor do já citado Jean-Paul Sartre. Para resumirmos bem seu trabalho, podemos afirmar que, para ele, o ser humano, para viver adequadamente, deve ter um projeto de vida. Ora, projeto é algo que, como diz o próprio termo, do latim projectare, é lançado sempre para frente, como um projétil de uma arma, por exemplo, ou para ser menos belicoso, projeto de pesquisa onde você escreve o que pretende fazer academicamente nos próximos dois ou quatro anos. Sem um projeto, a vida tende a ser sem sen- tido. Olhemos para o caso da maioria dos alunos em História, por exemplo: posso imaginar otimistamente que quase todos almejam terminar a graduação em História e receber o canudo que comprovará que estão aptos para lecionar a disciplina. Isso é, desde agora, uma tarefa grandemente desejável e absoluta- mente necessária! Religiosidade, Busca e Encontro do Sentido da Vida Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 Partindo desta linha de raciocínio, posso continuar imaginando que o sonho de parte dos alunos de História inclui acordar todos os dias e lecionar a disciplina que escolheu aperfeiçoar ao longo de anos durante os próximos anos. Aliás, ouso dizer que antes disso, ou seja, de você tomar a decisão de começar uma gradua- ção em História, você refletiu muito sobre isso e quem sabe até mesmo conversou um bocado com a sua família e amigos sobre aquela que ainda seria uma deci- são futura. Provavelmente alguns até mesmo fizeram uma oração nesse sentido. O que estou querendo dizer aqui é que um projeto de vida, especial e prin- cipalmente aqueles projetos que incluam em sua execução o melhoramento da vida de outras pessoas, serve como uma espécie de antídoto contra um dos gran- des males civilizacionais contemporâneos, que basicamente é viver uma vida inautêntica. Ora, vida inautêntica é simplesmente uma vidavivida sem ques- tionamentos e mudanças. Em outras palavras, vida inautêntica é uma vida sem propósitos. É simplesmente aceitar as coisas tais como elas são e finalmente ser vencido pela massificação propiciada por nossa sociedade de consumo que apenas e tão somente leva em conta os consumidores, como se os “outros” sequer fossem considerados cidadãos. É a vida daquele pobre homem profundamente pessi- mista que aos 45 anos de idade sabe que já não é mais tão jovem para recomeçar – embora sempre seja tempo! – e ao mesmo tempo percebe que naturalmente ainda terá que trabalhar muito naquilo que não lhe agrada, mal ajuda as outras pessoas e é mal remunerado. Diante desta grande desilusão e terrível perspectiva de vida, ele se convence de que os grandes prazeres da vida podem ser resumidos em poucas coisas: uma grande televisão com muitos canais, um sofá confortável e boa comida, não neces- sariamente saudável – porque geralmente alguém nesse estado se autossabota! Com o passar do tempo, se esse triste homem acima genericamente exemplificado não mudar drasticamente suas atitudes com relação a ele mesmo, inevitavel- mente vai morrer sem ter feito coisa alguma que valha a pena elencar, sob sua própria ótica. Isso é uma grande tragédia, com certeza absoluta muito maior do que a perda da vida de alguém que viveu com propósitos. Até porque, como já escreveu Viktor Frankl, um renomado psicólogo que sobreviveu ao inferno da vida em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, “quanto mais o homem busca unicamente o prazer, tanto mais ele vai perder esse prazer RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 e começar a viver progressivamente dentro de um vácuo existencial” (FRANKL, 1979, p. 101), o que provoca grandes temores em nosso mundo, exceto para quem voluntariamente desiste da busca. É óbvio que, mesmo para aqueles que têm múltiplos projetos de vida, existe sempre a tenebrosa chance de fracassar. Arrisco dizer que poucos podem afir- mar com certeza que escaparão para sempre (enquanto a vida durar), daquilo que nosso citado autor chamou de “angústia existencial”. Essa angústia se dá pelo fato de que todos aqui, sabendo que um dia iremos perecer, finalmente, ante nossos projetos, fracassaremos. Afinal, não podem existir projetos para aqueles que morrem. Em nosso mundo fugaz, falso e artificial, as pessoas têm buscado de muitas formas, no mínimo, estender a vida ou, ao menos, dar a impressão de fazê-lo, exteriormente que seja. Diante dessa reflexão, pode-se imaginar sem ressalvas o papel da religião cotidiana: a perspectiva de vida depois da vida permite dar esperança de con- tinuidade de realizações e novos projetos. Sabe-se, principalmente pelo grande número de conversões, principalmente pelo reporte fornecido pelas igrejas evan- gélicas de caráter neopentecostal, por exemplo, que milhares de projetos de vida são reestabelecidos sob a égide de Cristo. Precisamente nesse ponto, cabe aqui perguntar: por que tantas igrejas surgem em nosso tempo tão tecnológico e supos- tamente avançado? Não seria, novamente, pela tentativa de busca de sentido que as realizações materiais não proporcionam, em um mundo cheio de tristeza e opressão? Visto dessa forma, religião pode ser conceituada facilmente como um excelente professor meu certa vez falou: “é o exercício humano de transcender e transpor os limites do tempo e do espaço, através da imaginação, indo na busca de sentido, de valor, de contato, de esperança, para que a vida seja suportável e viável” (ADAM, 2012, p. 300). Nessa busca por trás dos limites do tempo e do espaço, o ser humano se encontra com Deus. Assim, é muito mais fácil para a maioria das pessoas pen- sar a própria vida concatenada com Ele e com a própria história da humanidade, como outro grande mestre que tive o privilégio de conhecer e escreveu as alen- tadoras palavras abaixo dispostas: Deus não “silencia” diante do sofrimento humano, tampouco se ausen- ta. Ele está, sempre, no meio de nós. Também na dor, também no so- Religiosidade, Busca e Encontro do Sentido da Vida Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 frimento, também na cruz. Ele estava nas câmaras de gás do holocaus- to, Ele estava em meio aos povos indígenas brutalmente assassinados pelos conquistadores, e ainda está no meio deles. Ele está em meio aos pobres do mundo inteiro. Ele estava nos porões da tortura. Afinal, Ele mesmo foi brutalmente torturado na Cruz. Como não estaria conosco sempre? (DREHER, 2014, p. 2). Dessa forma, ou seja, aproximando Deus das questões cotidianas, Ele se torna parte da história e assim, por este “novo” enfoque, estudar história das religi- ões não deixa também de ser um estudo da história da própria civilização sob o prisma religioso e suas diversas bifurcações. Para fundamentar este enfoque, bem como a nossa busca de fundamentos teórico-práticos para a tentativa de entendimento reflexivo acerca do sentido da vida e das possibilidades múltiplas que o estudo da história das religiões permite, surge um outro grande teólogo, também alemão, que não deve ser deixado de lado quando se pretende estudar tanto história das religiões quanto teologia pura e simplesmente. Trata-se de um simpático senhor chamado Wolfhart Pannenberg. Não se engane se, ao encontrar espessos volumes de sua Teologia Sistemática, você pas- sar a imaginá-lo como um intelectual fechado para o mundo. De acordo com suas teorias, “Deus se revela indiretamente mediante a proeza que ele realiza na história: revelação como auto-revelação histórica indireta; revelação como histó- ria” (GIBELLINI , 2002, p. 271). Assim, resumindo muito, diz nosso autor algo no mínimo interessante sob nossas perspectivas de estudo: [...] não se pode falar de revelação como palavra, e sim de revelação como história; Deus não se auto-revela diretamente por sua palavra endereçada ao homem, e sim indiretamente, na língua dos fatos, isto é, por meio de suas intervenções na história, entre as quais a ressur- reição de Cristo – vista em suas ligações com o passado da história de Israel e em seu caráter proléptico do fim e da consumação da história em dimensão cósmica – constitui fato histórico revelador, decisivo e definitivo, da história universal e do destino do homem (GIBELLINI , 2002, p. 271). Creio não poder encontrar definição melhor como a acima para descrever o papel revelador de Deus na história, levando em conta um fato cósmico fundante e intimamente pessoal e espiritual como a ressureição de Cristo em linha com os acontecimentos futuros. Cabe também à religião o papel de dar sentido à própria Em que sentido, podemos afirmar sem embargo que Deus não está morto? E em que sentido, é possível dizer que Ele está? RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 história que, para os judeus (os de ontem e os de hoje), é sempre uma história de progresso, visto que é história linear. Assim, saímos de um ponto específico no tempo e no espaço em direção a outro, naquele dia vindouro da irrupção mes- siânica que dará fim aos clamores com a derrota da morte. Só para levarmos em comparação, entre os gregos, a percepção de história era bem diferente, não sendo linear, mas cíclica. Talvez por isso, muito dificilmente algum ateniense se ateria aos questionamentos sobre o sentido da vida. Ora, se a vida é cíclica, o que você faz serve precisamente para o que tem que servir e se você assimnão fizer, den- tro da cósmica, uma peça estará mal encaixada, por assim dizer. Filosofia, teologia, religiosidade tradicional (sem esquecer a popular) ou sob as mais diversas formas. Em nosso mundo plural, onde as pessoas têm buscado desesperadamente um sentido, estudar a história das religiões e sua importân- cia nos mais diversos momentos da civilização faz-se ainda mais necessário hoje do que em qualquer outra época. Essa tentativa de autocompreensão é libertá- ria ao reafirmar o ser humano e sua trajetória, sempre traçada por ele. A partir desse primeiro tópico, ao mesmo tempo histórico e filosófico, estudar a civili- zação antiga sob o viés da religião parece fazer todo sentido, discordando das palavras de Nietzsche que abriram esta unidade, onde afirmou que Deus está morto. Embora ao longo da história os seres humanos tenham, nas mais diver- sas vezes, tentado matá-Lo3, Ele se faz mais do que nunca percebido, como nos mostram as religiões de ontem e de hoje. 3 A ideia da morte de Deus ou dos deuses, que Nietsche (sic) retoma [como visto na sequência], de modo certamente novo, tem uma longa e multiforme tradição: 1) o espantoso “crepúsculo dos deuses” (ragnarok), descrito pelas mitologias germânica e escandinava; 2) o grito “o grande Pã morreu!” que, segundo Pausânias, foi ouvido pelos marinheiros helênicos do barco de Tamos, na altura do nascimento de Cristo; 3) o “Deus morreu” de Hegel da “sexta-feira especulativa”, em que morre o Deus abstrato” para ressuscitar o “Deus concreto”; 4) o “Discurso do Cristo morto” (1796) do poeta alemão Jean Paul Richter, descrevendo um pesadelo no qual vê Cristo, no topo do mundo, declarar que não há Deus; 5) a “morte do velho Jahvé”, celebrada por H. Heine no poema Germânia; 6) o corpo morto e malcheiroso do “Ser primitivo eterno” e de que fala Schopenhauer (+1852); 7) o provocador “matar Deus” de Max Stirner; 8) o “Deus morreu” de Gérard de Nerval em seu poema “Amélia”. Fonte: BOFF, Clodovis. O Livro do Sentido: Crise e Busca de sentido hoje (Parte Crítico-Analítica). São Paulo: Paulus, 2014, Volume I, p. 274. A Antiga Religião Grega e as Relações entre os Deuses e os Seres Humanos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 A ANTIGA RELIGIÃO GREGA E AS RELAÇÕES ENTRE OS DEUSES E OS SERES HUMANOS Gostaria de partilhar com você uma experiência muito bonita que tive enquanto professor de Ensino Médio em uma excelente escola na Serra Gaúcha, durante cinco anos. Somente agora, pensando sobre ela para escrever estas palavras, con- sigo claramente perceber que a experiência se repetiu também em outras escolas onde anteriormente trabalhei e mesmo com alunos da graduação e também da pós-graduação, quase sempre com o mesmo entusiasmo. Não sei até que ponto você já teve contato com alunos exercendo a nobre função de professor ou se mesmo agora trabalhando na área da educação. Mas certamente aqueles que desde já são professores de crianças e adolescentes sabem o quão difícil é mantê-los absortos em uma determinada explicação por mais de cinco ou seis minutos que seja. Aliás, segundo estudos recentes, não muito do que isso os adolescentes conectados de nossos dias conseguem se concentrar em determinado assunto, mesmo aqueles de interesse. Assim, eu demandava um grande esforço para produzir aulas que fossem dinâmicas e ao mesmo tempo atingissem os objetivos necessários, quase sempre deixando a sala de aula, ao final do turno, um tanto frustrado e cansado. Mas quando falava sobre mitolo- gia, a postura dos alunos mudava totalmente: os quarenta e cinco minutos do período passavam “voando” e mesmo diante de quatro dezenas de adolescentes, às vezes até mais, e mesmo alunos estrangeiros, as aulas eram ministradas com a porta aberta, sem percepção de ruídos oriundos da sala de aula. Assim, muito feliz, concluí que os alunos simplesmente (independentemente da classe social) gostam de mitos, principalmente os gregos, que não perdem sua atualidade mesmo mais de dois mil e quinhentos anos depois. Por que será que isso acontece e por que tantos livros e filmes atualmente são lançados com essa temática? Em uma dessas aulas, eu resolvi fazer esta pergunta. Por incrível que pareça, recebi respostas muito parecidas entre si. Basicamente elas diziam o seguinte, que aqui resumirei genericamente com minhas próprias palavras: “os mitos fazem com que nós saiamos de nossa realidade e com eles podemos vis- lumbrar a partir de lindas histórias de deuses e homens, sentimentos que não perecem, apesar de tudo”. Também pudera: estudando da manhã à noite, as RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 aulas sobre mitologia serviam como uma espécie de descanso da racionalidade extrema imposta por nosso mundo que não sossega um segundo que seja. Mas ainda mais intrigante para mim, a partir da resposta acima, foi a similaridade do entendimento conceitual deles em relação ao conceito de religião que traba- lhamos em algumas páginas acima. Você está lembrado(a) que, para um antigo (embora jovem) e brilhante pro- fessor que tive, religião, segundo as palavras de Adam (2012, p. 300), é o exercício humano de transcender e transpor os limites do tempo e do espaço, através da imaginação, indo na busca de sentido, de valor, de contato, de esperança, para que a vida seja suportável e viável? E então, meus inesquecíveis alunos disseram, sem aparentemente conhecer o conceito de religião que expus e sem tratar especificamente de religião naquelas aulas, que os mitos servem para que saiamos de nossa realidade [...]! Pude concluir rapidamente que eles fizeram uma conexão natural entre a mitologia grega, ou seja, a religião da antiga Grécia, e a atual religião ocidental, sob as mais diversas formas. Nessas aulas, devo dizer a você que nunca traba- lhei diretamente o conceito de mitologia como de religião específica. Aliás, de acordo com um perspicaz escritor do século XVIII, cujo livro ainda continua sendo editado e alcança grande sucesso de vendas: As religiões da Grécia e da Roma antigas desapareceram. As chamadas divindades do Olimpo não têm mais um só homem que as cultue, entre os vivos. Já não pertencem à teologia, mas à literatura e ao bom gosto. Ainda persistem, e persistirão, pois estão demasiadamente vinculadas às mais notáveis produções da poesia e das belas artes, antigas e moder- nas, para caírem no esquecimento (BULFINCH, 2006, p. 13). Era sob este aspecto que eu tratava dos mitos naquelas aulas: literatura e bom gosto! Mas “conectando os cabos”, eles acabaram concluindo que ainda que a antiga religião grega hoje nos sirva também como espécie de lustre cultural, ela mantém as características básicas da religião e estudá-la sob a perspectiva his- tórica se faz necessário como disciplina fundante para entendimento de nossa própria era. Brilhantemente, mas sem a mesma erudição, esses alunos mal sabem que chegaram extremamente próximos da resposta de um grande mitólogo (sim, a profissão existe!) morto em 1987, Joseph Campbell, que teve uma vida duplamente A Antiga Religião Grega e as Relações entre os Deuses e os Seres Humanos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 feliz tanto por trabalhar com mitos e religião comparada quanto por viver em Honolulu, no Havaí, e deslumbrar de um pôr do sol paradisíaco. Aliás, muitas pessoas de todas as partes do mundo, desde tempos imemoriais até hoje, con- seguemenxergar certos deslumbres espirituais ao observar a natureza em sua plenitude e isso se aproxima, de alguma forma, de certas manifestações da antiga religião grega e mesmo outras, de caráter panteísta. Por panteísmo, podemos dizer que deus é tudo e tudo é deus, incluindo nesse “tudo”, homens, animais e natureza. Há, portanto, sob esta ótica, uma ligação intrínseca entre o ser humano e a natureza, ligação essa inclusive de caráter espiritual. Por favor, tente não con- fundir este conceito com o de animismo, ou seja, espécies de espíritos que vivem em todas as partes protegendo tudo e todos. Nos dias de hoje, a teologia tradi- cional tenta, por meio do estudo da própria doutrina, seja ela bíblica ou não, manter essas tendências o mais longe possível, principalmente no caso do cris- tianismo e do judaísmo. Além de todas essas pequenas e grandes felicidades, Joseph Campbell teve o privilégio de ser amigo de George Lucas, que (e isso provavelmente quase todos os garotos e homens na faixa dos 30, 35 anos sabem) produziu a milionária série de filmes chamada de Star Wars (ou Guerra nas Estrelas). Lucas, devedor da análise de Campbell acerca da construção de sua história – que não coinci- dentemente é recheada de mitologias –, certa vez convidou-o para assistir a um desses filmes da série em seu rancho. Campbell, impressionado com os feitos heroicos de Luke Skywalker, então afirmou: É o que Goethe disse no Fausto, mas que Lucas expressou em lingua- gem moderna – a mensagem de que a tecnologia não vai nos salvar. Nossos computadores, nossas ferramentas, nossas máquinas não são suficientes. Temos que confiar em nossa intuição, em nosso verdadeiro ser (CAMPBELL, 1990, p. 8). Para isso servem os mitos! Servem para que sejamos frequentemente lembrados de que precisamos confiar em nossa essência, em “nosso verdadeiro ser”, sem tanta dependência das múltiplas tecnologias que nos assaltam cotidianamente. Os mitos servem para lembrar que nós temos um caudaloso rio de sentimentos e desejos que não podem ser destruídos mesmo diante da iminência da morte ou das dificuldades da vida. Servem para reencantar o mundo (você lembra que RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 acabamos de falar sobre isso algumas páginas acima?) com histórias inspirado- ras, mas também para lembrar que homens e mulheres são passionais e podem cometer as maiores e mais impensadas barbaridades, com consequências eter- nas, como foi precisamente o caso de Sísifo. Sem mais delongas, eis, segundo o jornalista Bill Moyers (apud CAMPBELL, 1990, p. 10), o que é mitologia Eu tinha dito que a mitologia é um mapa interior da experiência, traça- do por alguém que empreendeu a viagem. Creio que ele não endossaria a prosaica definição do jornalista. Para ele, mitologia era “a canção do universo”, “a música das esferas” – música que nós dançamos mesmo quando não somos capazes de reconhecer a melodia. Ouvimos seus refrãos, “quer quando escutamos, com altivo enfado, a ladainha ritu- al de algum curandeiro do Congo, quer quando lemos, com refinado enlevo, traduções de poemas de Lao Tsé, ou rompemos a casca de um argumento de S. Tomás de Aquino, ou apreendemos, num relance, o sentido radiante ou bizarro de uma lenda esquimó”. Você consegue perceber, a partir da citação acima, a grande possível assimila- ção do mito com a religião, seja ela de matriz europeia ou africana, ocidental ou oriental? Eis aqui, ainda que “estranhamente”, porque é universal, um dos moti- vos porque os mitos, principalmente os gregos, mas também os nórdicos, são ainda hoje festejados no mundo inteiro. Dito isso, talvez aqui seja precisamente a hora de falarmos sobre um perso- nagem fabuloso que em suas obras, hoje clássicas, escreveu sobre os múltiplos deuses do Olimpo e suas relações com os seres humanos, mas não resistirei à tentação de, antes, apresentar a você uma teoria importantíssima de um escritor fantástico, embora não tão famoso quanto Homero, que fez com muito sucesso uma tentativa de explicação de fatos históricos religiosos do passado com o desenvolvimento de princípios que ainda hoje cultuamos. Não quero aqui levan- tar polêmicas que os historiadores geralmente pouco levam a sério, como a obra do suíço Erich von Däniken, que ainda nos anos sessenta escreveu um texto muito comentado mesmo nos dias de hoje chamado “Eram os deuses astronau- tas?”. Nesse livro, o autor intenta a possibilidade de relação entre a construção das pirâmides do Egito, as grandes linhas de Nazca, os moais misteriosos da Ilha de Páscoa, dentre outras grandes obras. Diz mais: para ele, tudo isso foi arquite- tado muito tempo atrás por antigas e avançadas civilizações extraterrestres, que aqui chegaram e convenceram as nossas antigas civilizações de que eles mesmos Exemplo da riquíssima cultura grega Fonte: arquivo pessoal A Antiga Religião Grega e as Relações entre os Deuses e os Seres Humanos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 eram divindades. Você pode imaginar o alcance de um livro assim, escrito um ano antes de Neil Armstrong pisar na Lua e dizer a famosa frase: “um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade”? Refiro-me, a sério, a um autor que, ao contrário de Däniken, teve sua obra publicada pela editora da universidade de Yale, uma das mais famosas do mundo, situada nos Estados Unidos e referência nos estudos de religião, dentre muitas outras áreas. Trata-se do (adivinhe a nacionalidade dele!) alemão Karl Jaspers, que também foi médico, psiquiatra e filósofo. Em suas pesquisas e refle- xões, ele escreveu que em um momento propício da história da humanidade, que ele chamou de Era Axial, grandes e maravilhosas obras (não apenas materiais, mas morais e espirituais) se deram tanto no que chamamos de mundo ociden- tal quanto no oriental. Você duvida? Posso entendê-lo(a) perfeitamente! Afinal, segundo o próprio Jaspers, isso nunca mais aconteceu em nenhum momento de nossa história, nem mesmo palidamente. Para ele, nesse ponto específico da história se deu, inclusive de forma total- mente evidente, o desenvolvimento pleno da espiritualidade. Diz Jaspers (1965, p.1) que “o processo espiritual aconteceu entre 800 e 200 antes de Cristo, demar- cando uma profunda divisão na história da humanidade”. Se você gosta de filmes, principalmente os clássicos, talvez aqui possamos fazer uma boa analogia com aquele – também dos anos sessenta – que retrata o futuro, que ironicamente, embora já tenha passado, ainda não chegou, de acordo com a proposta de Stanley Kubrick, seu diretor, trata-se de “2001: uma odisseia no espaço”. Aqui cabe uma RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 de suas cenas mais fenomenais e talvez mais significativas, mesmo dentre a fil- mografia contemporânea, falo da cena em que aquele macaco bate fortemente com seu osso em um crânio e de seus estilhaços voando pelo ar há um recorte temporal de milênios, levando o ser humano até o tempo das viagens espaciais. O que chama a atenção é que essa transição de um passado remoto para um futuro distante se dá a partir de um monólito fincado por alguma força alie- nígena na Terra. A música de fundo daquela cena é de Richard Strauss, “Assim Falou Zaratustra”, nome emprestado da obra de Friedrich Nietzsche. Nesse livro, o autor fala sobre certo profeta do zoroastrismo, antiga religião da Pérsia, hoje Iraque, que, de formaficcional, passa boa parte do livro zombando do Novo Testamento. Sob a perspectiva de Jaspers, o ser humano atual é uma forma inter- mediária entre os macacos (que segundo o naturalista inglês Charles Darwin, em sua teoria da evolução, apontou que deles surgimos, contrariando muitas cren- ças religiosas) e uma espécie de super-homem (mas não aquele dos quadrinhos e filmes), um ser “acima do bem e do mal”, ou seja, daquilo que hoje entendemos como valores que fazem que sejamos o que somos. Pois bem, você está achando que ao falar sobre tudo isso estou aqui simplesmente divagando e fugindo do assunto para abordar questões pouco pertinentes? Então tente de alguma forma ligar tudo isso que escrevi imediatamente acima ao que nosso querido Jaspers imaginou em sua teoria. Para não enfadar você, ao invés de usar o texto em inglês, por mim traduzido, citarei outro, bem mais poético, que captou a essência do que quero dizer de forma leve, mas profunda. Tenho ciência de que a citação é longa. Contudo, é extremamente importante porque sintetiza o que escrevi acerca do período axial em toda a sua essência. A Era Axial estava terminada. Havia durado trezentos anos – do fim do século sétimo a.C. ao fim do século quarto –, um período muito longo. Na China confucionista, havia testemunhado o desabrochar da racio- nalidade e da moderação elegante, assim como as profundezas místicas reveladas pelo Tao de Lao-Tsé. Na Índia, a grande era produziu o exem- plo inefável do Buda Gautama, regenerando o caos de sistemas mais antigos e desvelando os passos para a paz pessoal. No Irã, o sacerdote Zaratustra havia falado aos persas, que transmitiram a cerimônia do fogo e a visão do zoroastrismo de uma batalha cósmica entre o bem e o mal, além das fronteiras da Mesopotâmia, situada entre os legendários Tigre e Eufrates no fértil delta em que a civilização se mostrou pela A Antiga Religião Grega e as Relações entre os Deuses e os Seres Humanos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 primeira vez. Bem a oeste da Mesopotâmia, nos minúsculos e instáveis reinos de Israel e Judá, os profetas hebreus surgiram, dando ao bizarro monoteísmo de seu povo singular um fundamento ético tão profun- do que os judeus nunca conseguiram abandonar completamente. Nas ilhas e penínsulas da Grécia, a Era Axial viu o florescimento do que viria a ser chamado de “filosofia” – o amor pela sabedoria por si mesma – e de uma nobre “política” (outro termo grego) que assumiu o nome de “democracia”. Esse mesmo período e lugar testemunharam a inven- ção do drama, e sua divisão em “tragédia” e “comédia”, em um teatro que nunca foi igualado, assim como as primeiras tentativas de escrever o que os gregos chamaram de “história”4 (CAHILL, 2000, p. 23-24). Desse texto, reparei duas coisas: que a data da Era Axial muda de Jaspers em rela- ção a Cahill, mostrando mais uma vez que a História não é uma ciência exata, para nossa alegria! A segunda coisa que reparei é que, tentando aqui fazer um paralelo com o monólito de Kubrick, a Era Axial em si foi quase que, metafori- camente, uma rocha tal como produzida naquela ficção. Ora, o mundo inteiro, estruturalmente, foi afetado de forma profunda, inegável e insubstituível durante este período. Você pode imaginar o mundo antes e depois desse período? Por esse exemplo, podemos além de exaltar a grande inteligência do citado diretor de cinema, perceber como a religião, historicamente constituída, é fundamen- tal para a construção do mundo, seja o antigo, seja o nosso. Falando ainda mais diretamente sobre essa Era para então adequarmos os mitos e aportes da filosofia e da religião grega, não necessariamente abordados pelas histórias de deuses e heróis, é preciso levar em conta outra grande carac- terística do mundo antes e depois desse período, que Jaspers também pontua em sua obra. O ser humano, da forma como conhecemos hoje, se formou pri- mordialmente neste período. Tornou-se, sem embargo, no pensamento de Ernst Cassirer (1994), pensador polonês, “um animal simbólico”. Mais precisamente, 4 Sobre o teatro – ou mais especificamente as tragédias gregas – é muito importante aqui falarmos sobre Sófocles, que escreveu, dentre muitas outras, a mais famosa, “Édipo Rei”, embora provavelmente este não fosse seu nome original. A história fala sobre o pequeno Édipo, que segundo o oráculo de Delfos, onde mensagens de Apolo eram proferidas, deveria matar o pai e se casar com a própria mãe. A profecia, em meio a tantos meandros, acaba por se cumprir sem que Édipo se desse conta. Isso deixa claro que os antigos gregos acreditavam na inexorável força do destino, o que é grandemente refutado por muitas religiões modernas. Contemporaneamente, Sigmund Freud, o inventor da Psicanálise, se utilizou de Sófocles ao descrever o que chamou de “complexo de Édipo”, que é quando o filho pequeno quer, sem perceber, separar a mãe do pai para ficar com ela! Não é incomum muitos divórcios acontecerem por causa deste fenômeno. RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 é inegável que o pensamento simbólico e o comportamento simbólico tenham traços mais característicos da vida humana e que todo processo da cultura humana está baseado nessas condições (CASSIRER, 1994, p. 3). Ou seja, nesse período, tão conhecido como a era de Zeus e dos deuses do Olimpo, nasceu o homem, com certas características muito distintas, visto que se tornou absolutamente consciente de suas próprias limitações, ansiando, desde aqueles tempos, por uma espécie de salvação pessoal, denotada diferentemente por cada uma das múltiplas manifestações religiosas e filosóficas do período. Além disso, essa salvação se dá de forma privilegiada também pelo meio racional, e nesse momento surgem os filósofos, que nada mais foram que os pri- meiros teólogos da história, poeticamente escrevendo sobre nossa relação com o mundo natural e o mundo dos deuses, que para eles também era mundo natu- ral, embora em outro plano. O mais fascinante disso tudo, ao menos para mim, é que esses grandes homens do passado, fossem eles filósofos ou gurus das gran- des religiões, tentaram arregimentar em torno de si uma multidão de pessoas com o intuito de convencê-las à verdade. Desse embate filosófico-religioso, um verdadeiro caos, surgiram muitas das grandes linhas de pensamento que ainda hoje temos. Isso parece fantástico, pois o salto foi maravilhoso e nos é perceptí- vel, porque ainda hoje procuramos por algumas dessas filosofias e religiões para podermos nos livrar dos mesmos anseios que tínhamos há milênios. As lições desses homens do passado ainda não foram e provavelmente nunca serão supe- radas. Embora aqui eu dificilmente tenha mudado a sua opinião relativa ou não ao fato de termos sido visitados por alienígenas do passado, historicamente está claro que nesse período “fomos formados”. Como especificamente na Grécia houve o florescimento de uma religião pujante que foi pelos próprios atenien- ses questionada ainda naquele período, como acontece hoje, creio que falarmos sobre eles, como já foi encetado, parece uma boa ideia. Por Era Axial, “em uma tacada só”, falamos de forma simples e direta, embora sem grandes detalhes, de características específicas de todas as grandes religi- ões do passado. Por isso, agora falar sobre os gregos será por meio de exemplos. Para início de conversa, eles não tinham um livro sagrado. Sim, eles simples- mente não tinham nada parecido com uma Bíblia, Corão, Torá ou mesmo o livro sagrados dos hindus. Grande parte da formação dos gregos, principalmente dosA Antiga Religião Grega e as Relações entre os Deuses e os Seres Humanos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 atenienses, lembrando que é complicadíssimo falar em Grécia como um todo naquele período, já que ela era formada por Cidades-Estado, se dava de forma oral, tendo como fundamento as duas obras de Homero. Este provavelmente simpático senhor levemente rechonchudo e de longas barbas brancas – pronun- cia-se Homer, como o pai do Bart Simpson – escreveu duas obras até hoje lidas e estudadas, seja em sua versão grega ou traduções e facilitações, falo da Ilíada e da Odisseia. No primeiro livro, ele abordou a Guerra de Troia, evento real acon- tecido provavelmente entre 1300 e 1200 a.C. (ou seja, no final da Era de Bronze) de forma poética e muitas vezes ficcional. Ao longo dos dez anos de guerra entre gregos e troianos que ele retratou no livro aparecerem grandes personagens mitológicos, como Aquiles, semideus com um ponto fraco e potencialmente mortal em seu calcanhar, bem como o cavalo de Troia, “presente de grego”, que estes ofereceram aos troianos em uma tentativa bem-sucedida de fazê-los fal- samente entender que os gregos estavam abandonando a luta. O final a história você certamente sabe: o cavalo, que os troianos cultuavam religiosamente, foi levado para dentro das posses troianas, e na calada da noite, de dentro dele saí- ram gregos que abriram os portões da cidade e foi um massacre! Dos poucos remanescentes, sobrou um certo Enéas, que foi um precursor da ainda distante Roma, que viveria dias apoteóticos em seu império. Mas aí estamos nos anteci- pando em mais ou menos um milênio! No outro livro, “A Odisseia”, Homero retrata a volta para a casa de um dos heróis da Guerra de Troia, Ulisses ou Odisseus. Ao longo de outros 10 anos, ele enfrenta as piores provações para, finalmente, ao chegar à sua casa, não ser reconhecido por ninguém, exceto por seu cão, que de tão feliz e agitado com o reencontro cai morto. Em ambos os livros, é bom que se frise isso, todos os mitos gregos que até hoje conhecemos estão dispostos. E assim, visto que esses mitos falam de seus deuses e de suas relações de amor e ódio com os humanos, pode-se dizer, embora sem comparações, que os livros de Homero constituíram para os antigos gregos o livro fundante de sua civilização e, certamente, de sua religião. Homero foi um dos grandes e mais conhecidos poetas épicos da antiga Gré- cia. Embora os gregos de outrora o atribuíssem como um personagem his- tórico real, os atuais pesquisadores ainda têm muitas dúvidas acerca de sua historicidade. Na verdade, o mesmo se deu com Sócrates que passou cen- tenas de anos tido como um personagem de Platão, sendo que apenas no século XIX foi reconhecido como alguém que realmente viveu em Atenas, mudando o mundo. Seja como for, Homero deve ter vivido uns oitocentos séculos antes de Cristo. Escreveu suas obras principais, a Ilíada e a Odisseia, em grego clássico, que em muito se difere do grego koiné (comum), bem mais simples, utilizado pelos escritores bíblicos do Novo Testamento bem como pelos exércitos de Alexandre, o Grande, sendo ancestral direta do atu- al grego. Assim, a leitura de suas obras pelo original ou mesmo traduzida configura-se em uma árdua e longa tarefa – que vale muito a pena! Fonte: o autor RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 O livro era, como hoje, pessoal, simples, direto e totalmente presente em todas as múltiplas áreas da vida. Cada deus tinha seus adoradores e seus templos, que eram diariamente visitados e adornados. Vez por outra, festas eram oferecidas em prol de uma ou outra divindade, como Dioniso (os romanos o chamavam de Baco), por exemplo, o deus do vinho. Tamanho era o “porre” ocasionado por aquela bebida, que convencionou-se até hoje chamar orgias sexuais em estado de consciência alterada de bacanal, mas é melhor não enveredarmos por esses caminhos. Enfim, embora não se saiba ao certo sobre sacrifícios humanos aos deuses gregos (o que era bem comum em outras sociedades contemporâneas ou poste- riores aos gregos), estes costumavam sacrificar animais e posteriormente comiam a sua carne. Aliás, toda carne que os gregos comiam era sacrificada (o que dará origem a uma interessante discussão do apóstolo Paulo, no Novo Testamento, expressa em sua Primeira Carta aos Coríntios, no capítulo 8). Sacrifícios humanos terríveis aconteceram ao longo de toda a História, in- cluindo a morte de primogênitos pelo fogo, ao serem depositados na es- tátua de bronze de um certo deus Moloch, dos amonitas, no contexto do Antigo Testamento. Para outros exemplos, acesse este site (mas não antes de dormir!), disponível em:<http://www.ciencia-online.net/2014/02/10- descobertas-sacrificios-humanos.html>. Acesso em: 15 ago. 2014. Templo de Hefesto, o deus do fogo Fonte: arquivo pessoal A Antiga Religião Grega e as Relações entre os Deuses e os Seres Humanos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 Eram politeístas, ou seja, acreditavam em muitos e distintos deuses e estes eram bem-vindos e influenciavam de forma irrestrita a sociedade, por isso deviam receber honras e glórias. É importantíssimo que saibamos sobre os deuses que cada um representava uma certa faceta da condição humana e ideias abstratas, mesmo como a justiça e a sabedoria poderia ter a sua própria personificação. Os deuses mais importantes, porém, foram os deuses olímpicos liderados por Zeus. Estes foram Athena, Apolo, Poseidon, Hermes, Hera, Afrodite, Deméter, Ares, Artemis, Hades, Hefesto, e Dionísio. Esses deuses viviam no Monte Olimpo e teriam sido reconhe- cidos por toda a Grécia, ainda que, com algumas variações locais, atri- butos e associações talvez particulares5 (CARTWRIGHT, 2002, p. 2). Como grande diferença entre a religião cristã, judaica ou muçulmana, que são monoteístas, os gregos visualizavam cada deus com um corpo e, em muitos casos, interesses intrin- secamente humanos. É só você pesquisar um pouco sobre as muitas peripécias extra- conjugais de Zeus e seus tantos filhos que saberá detalhadamente do que estou falando. Ou pesquise a obra Teogonia, de Hesíodo, que basicamente é uma espécie de árvore genealógica dos deuses. Contudo, como semelhança, é fácil percebermos na histó- ria grega um momento em que os próprios 5 Devo frisar que o Monte Olimpo, ao contrário do que muitos pensaram, não está situado em Atenas, a capital grega, mas em uma cidade distante umas 3 horas dali, chamada de Melissa. A sétima arte bem como a atual literatura contribuem ou atrapalham ao re- tratar as religiões e histórias da antiguidade? RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 filósofos passaram a duvidar da existência dos deuses tais como eram cultua- dos, como acontece muito hoje em dia.6 Além disso, hoje, conforme as religiões ensinam, para um encontro pessoal com o Transcendente, basta que você medite, ore, reze ou procure um templo de sua preferência. Para os gregos, e também para os egípcios, os oráculos tinham a função de revelar a explícita vontade dos deuses. Em Delfos, foi estabelecido o mais famoso deles, provavelmente em torno de uns 800 anos antes de Cristo, precisamente quando do início da Era Axial! Muito suspeito, não é mesmo? A VIDACOMO PREPARAÇÃO PARA A MORTE: O TRANSCENDENTE ENTRE OS EGÍPCIOS Faz-se necessário aqui falar um pouquinho também sobre a religião egípcia e devido a tudo o que ela grandemente representou nos primórdios de nossa história. É tão importante alguns tópicos dela, que até hoje, por estar intima- mente ligada a certas partes iniciais da história dos judeus descritas no Antigo Testamento, é comum ouvirmos falar – no âmbito religioso – sobre o Egito, de forma pejorativa. Afinal, nesse sentido, o Egito representou o cativeiro judeu ao longo de mais de quatro séculos, fazendo com que esses perdessem seus costu- mes religiosos e cotidianos. Foi contra o Egito que Deus (ou o Deus dos judeus) mandou as 10 terríveis pragas e matou, na última delas, todos os primogênitos, 6 Xenófanes, por exemplo, foi um incansável zombador dos deuses e suas formas ao mesmo tempo animais e humanas. Platão discordava do caráter politeísta da religião grega, embora falasse em uma “Ideia do Bem”. Seu discípulo Aristóteles escreveu sobre um certo “Primeiro Motor”, que alguns erroneamente relacionam ao Deus cristão. Dessa forma, podemos pensar que mesmo entre aqueles, a religião não era um ponto totalmente pacífico. A Vida Como Preparação Para a Morte: O Transcendente Entre os Egípcios Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 e até hoje costuma-se falar sobre maldições advindas daquela época. Também, é óbvio, fala-se muito das pirâmides, desta vez positivamente, mas o fato é que a antiga civilização do Egito durou aproximadamente três mil anos e tem muito mais a nos ensinar do que apenas os fatos acima elencados. Sua história foi dividida, basicamente, em dois distintos períodos: o pré-dinás- tico (entre 5000 e 3200 a.C.) e o dinástico (entre 3200 e 1085 a.C.). Durante o período dinástico, em algum momento por volta de 3220 a.C., um certo Menés juntou ou unificou os dois distintos reinos, do Baixo e Alto Egito, e acabou se tornando o primeiro faraó, que ao longo das gerações foi ganhando sucessiva- mente mais poder e reconhecimento. Foi no período dinástico que conhecemos o Egito rico das nossas fantasias extravagantes, livros e filmes, como aquele em que Elizabeth Taylor interpretou Cleópatra, fazendo com que muitas gerações passassem a ver os egípcios como sendo de etnia caucasiana, ou seja, de pele branca, da mesma forma e pelo mesmo motivo que muitas vezes enxergamos aquele estranho Jesus hollywoodiano. O que, dessa infinidade temporal que foi o antigo Egito, podemos e devemos saber sobre sua religião? Antes, em breves linhas, vimos um pouco da vida cotidiana do Egito, para que seja possível visualizar o contexto em que sua religião se desenvolveu, sem- pre lembrando que essa construção histórica se deu processualmente, ou seja, aos poucos, em meio à riquíssima e duradoura história do Egito Antigo, que ainda hoje desperta a curiosidade e profundo interesse de milhares de pessoas, com a publicação de um sem-número de revistas especializadas. Os egípcios nunca se descuidavam da educação das crianças, embora, como perceptível também em muitas outras culturas antigas (e mesmo atualmente, para nossa grande consternação), os garotos tivessem a preferência. Logo cedo, estes iam para o que podemos chamar de colégios. Chamemos sim de colégio, afinal, um colégio é centro de ensino confessional, enquanto uma escola não tem esse atributo. Pois bem, ali eles aprendiam junto aos sacerdotes o que eles deve- riam aprender para a vida. Desde cedo aprendiam tópicos de religião e a língua, escrevendo em pequenas tábuas ou tabletes de gesso que, ao menos em dimen- são, lembram muito os atuais tablets, que coincidentemente (ou não) são assim chamados. As meninas, por sua vez, precisavam esperar bastante, até os doze anos, para que tivessem o privilégio de poder frequentar as aulas. RELIGIÕES E A BUSCA PELO SENTIDO DA VIDA: EXEMPLOS DE GRÉCIA, EGITO, ROMA E ASTECAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 Durante este período anterior à escola, ficavam a maior parte do tempo em casa com suas mães trabalhando em atividades domésticas. Meninos e meni- nas, igualmente, podiam sofrer rigorosos castigos físicos caso não se portassem adequadamente diante dos professores-sacerdotes, mas, exceto esses dissabores juvenis, a vida não parecia ser assim tão ruim para um jovem egípcio. Arqueólogos acharam muitos brinquedos e constataram que eles deviam ser bem alimentados. Muitas padarias foram escavadas e há indícios de uma variedade interessante de pães. Obviamente, esta vida mansa apenas podia ser fruída pelos egípcios genu- ínos. A grande massa de escravos penava a miserável vida que escravos de todas as épocas, infelizmente, viviam ou vivem, o que nos lembra novamente Albert Camus e sua terrível indagação: “é possível viver e não ser feliz?”. Os mais pobres, que também não podiam gozar do privilégio de frequentar uma escola, seguiam a profissão paterna, que aprendiam em casa. Por mais incrível que possa parecer, a sociedade egípcia tolerava o divórcio. Tanto assim que em caso de fim de relacionamento, a mulher podia ficar com os filhos e tinha direito, inclusive, à boa parte do que o casal havia conseguido junto. Algo que provavelmente você já deve saber, mas que aqui vale escrever, é que os egípcios eram extremamente supersticiosos e levavam muito a sério qualquer sonho ou pesadelo. Esse é mais um motivo que ainda hoje leva muitas pessoas a imaginar que sua religião, que fazia parte do cotidiano, era inferior. Agora sim, devidamente contextualizados (egípcios), creio que podemos falar sobre a religião egípcia. Em primeiro lugar, elencaria que eles, já desde os primórdios pré-dinásticos, de alguma forma, pareciam se preocupar com a pre- servação dos corpos de seus mortos, sendo conservados contra a desidratação. Isso pode ser um indicativo, já naquela época, de tentativa de mumificação. Mas por que alguém tentaria preservar o corpo morto de seu ente querido? Quando isso acontece hoje, certamente é visto como uma doença ou obsessão pela morte, e se é doença e obsessão, então é, sem dúvida, um problema. A primeira coisa que devemos fazer é, tanto para esse caso quanto para muitos outros, nos livrar de nosso etnocentrismo, ou seja, de vermos civilizações outras do presente e do passado sob as vestes de nossa própria cultura. Se não fizermos um esforço nesse sentido, consideraremos os egípcios antigos desequilibrados pela obsessão pela morte, os gregos e todos os outros povos antigos como inferiores porque Exemplo de hieróglifo, a famosa escrita egípcia Fonte: arquivo pessoal A Vida Como Preparação Para a Morte: O Transcendente Entre os Egípcios Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 cultuavam vários deuses e os astecas potenciais assassinos por causa dos sacri- fícios humanos, apenas para citar o mínimo. Os egípcios que, como todas as antigas civilizações com suas religiões, eram polite- ístas, exceto os judeus, viam a vida em sua plenitude como uma necessária preparação para a morte, ou melhor colocado, para outra vida. Exatamente como pensam hoje os cris- tãos, judeus e muçulmanos, excluindo aqui os fanáticos religiosos de cada um desses grupos, que pensam não na vida, mas no espalhar a morte como parte final da preparação para as suas próprias. Com esse pensamento, poderí- amos facilmente voltar para as primeiras páginas desta unidade sobre o sentido da vida, mas embora não tenhamos ali esgotado o conteúdo, não parece
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