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Leopoldo, 2001. p. 21-23. Disponível em: <http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Revista-Eletronica/2007/Dissertacao-de-Mestrado-sobre- direitos-indigenas>. Acesso em: 15 jul. 2009. 78 O artigo 6° do Código Civil de 1916 dispõe: São in capazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à maneira de os exercer: I - os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a 156); II - os pródigos; III - os silvícolas. Parágrafo único: Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em: 14 set. 2009; BECKHAUSEN, Marcelo. O reconhecimento constitucional da cultura indígena – os limites de uma hermenêutica constitucional. 2001. Dissertação. (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2001. p. 21-23. Disponível em: <http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Revista-Eletronica/2007/Dissertacao-de-Mestrado-sobre- direitos-indigenas>. Acesso em: 15 jul. 2009. 79 Em relação à visão sobre os indígenas, destacamos o interessante trecho de Eduardo Viveiros de Castro: “A impressão que tenho é que o ‘Brasil’ até bem pouco não queria saber de índio, e sempre morreu de medo de ser associado, ‘lá fora’, a esse personagem, que deveria ter sumido do mapa há muito tempo e virado uma pitoresca e inofensiva figura do folclore nacional. Mas os índios continuam aí, e vão continuar. E, como vemos, eles começam devagarzinho a ser admitidos no Brasil oficial-midiático, agora que foram legitimados na metrópole. A Amazônia precisou passar pela Europa para se tornar visível do litoral do Brasil. Antes assim”. (SZTUTMAN, Renato. Encontros Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008, p. 85). 18 recusar trabalho. Ao chamá-los de cruéis, justificam a crueldade que usam para com eles. Não raro se ouve dizer que o índio deve ser tratado a bala.80 A presente passagem demonstra como o grupo do “eu” constrói uma imagem distorcida do “outro”. Ao considerarmos como critério a nossa sociedade (desenvolvida, com elevado acúmulo de reservas), concebemos as comunidades indígenas como atrasadas, projetando, por exemplo, seu tipo de economia (de subsistência) como sinônimo de miséria e pobreza. Dito de outro modo, esquecemos o contexto no qual tais comunidades estão inseridas.81 Portanto, diante dos exemplos citados, percebe-se a necessidade de superação do pensamento etnocêntrico, caso não queiramos cair erros teóricos. Muito embora seja uma tarefa difícil, ao tentar analisar e compreender o “outro”, é importante exercitarmos o desprendimento das concepções da nossa própria cultura, atividade que é possível através da relativização. 1.3 RELATIVISMO CULTURAL O relativismo cultural é um tema extremamente polêmico e, por essa razão, não é surpreendente que sobre ele suscitem inúmeras discussões.82 Conforme afirma Denys Cuche, o relativismo cultural é compreendido de três maneiras distintas: (a) como uma teoria, na qual é sustentado que cada cultura forma uma entidade separada das demais, cujas conseqüências mais radicais seriam a impossibilidade de comparação e de diálogo entre as outras culturas; (b) como um princípio ético, que exige uma absoluta neutralidade e respeito em relação à diversidade das culturas; (c) como um princípio metodológico, que privilegia uma abordagem compreensiva da diversidade, tendo-se em vista a análise completa do sistema simbólico das culturas.83 Embora existam essas três concepções sobre o relativismo cultural, para Denys Cuche, apenas a última é válida. Isso, porque a primeira noção não pode ser comprovada cientificamente, ou seja, não é razoável pensar que as diferentes culturas não podem ser comparadas entre si; e a segunda – da neutralidade ética –, porque serve, muitas vezes, como uma “máscara do desprezo”.84 Portanto, segundo o autor, o relativismo cultural deve ser considerado como um princípio metodológico. Nesse sentido: Recorrer ao relativismo cultural é postular que todo o conjunto cultural tem uma tendência para a coerência e certa autonomia simbólica que lhe 80 MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2007, p. 255-256. Neste capítulo da obra, Melatti expõe também outras visões de como os índios são julgados: do ponto de vista romântico, da mentalidade estatística, burocrática ou empresarial. (Ibidem, p. 256-261). 81 SAHLINS, apud ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 79-80. 82 Cumpre destacar que foi Franz Boas (1858-1942) o responsável pela concepção antropológica do relativismo cultural. Apesar de não ter cunhado a expressão, em seus textos é notável a idéia de que as culturas devem ser analisadas em suas particularidades. A primeira pessoa a utilizar a expressão “relativismo cultural” foi Melville Herskovits nos anos 1930. (CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 44 e 240). 83 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 239-241. 84 Ibidem, p. 239-240. 19 confere seu caráter original singular; e que não se pode analisar um traço cultural independentemente do sistema cultural ao qual ele pertence e que lhe dá sentido. Isto quer dizer estudar todas as culturas, quaisquer que sejam a priori, sem compará-las e ou “medi-las” prematuramente em relação a outras culturas.85 Assim, o relativismo cultural não pode estar associado à trivial idéia de que “tudo é variável” ou “tudo deve ser aceito”, mas a de que os fatores de uma cultura necessitam ser primeiramente compreendidos em seus próprios termos, ou seja, a partir da lógica do sistema simbólico dessa mesma cultura e, vale dizer, não a partir da lógica do sistema do observador.86 Na mesma linha, Everardo Rocha destaca que relativizar é “não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na dimensão de riqueza por ser diferença”.87 Dessa forma, ao observar o “outro”, as concepções do grupo do “eu” não podem ser colocadas como o centro de tudo, ou seja, não podem ser absolutizadas ou universalizadas. Ao contrário, é importante que o “outro” seja analisado de acordo com os seus elementos, as suas características e os seus próprios problemas.88 Ademais, ressalta o autor que o relativismo é um processo complicado, uma vez que devemos perder de vista nossas “certezas” etnocêntricas. Todavia, a postura relativizadora permite a reflexão sobre o “outro” e, até mesmo, a transformação da própria sociedade do “eu”.89 Em relação à postura de reflexão sobre o “outro”, Roberto DaMatta refere que essa atividade consiste basicamente no movimento de “transformar o exótico no familiar e/ou transformar o familiar em exótico”.90 Eis o processo relativizador. Na transformação do exótico em familiar, pode-se afirmar que o pesquisador busca entender o universo de significação do sistema do “outro”, familiarizando-se, ou seja, conhecendo melhor os aspectos culturais que outrora pareciam exóticos, incompreensíveis e obscuros. O movimento inverso, a transformação do familiar em exótico, refere-se ao fato de o pesquisador descobrir o “outro” na sua própria cultura. Em outras palavras, trata-se de identificar e estranhar os elementos familiares que estão “petrificados” em nós, ou seja, de realizar um movimento de reflexão sobre nós mesmos a partir dessa diferença.91 É justamente essa mútua relação entre o familiar e o exótico que proporciona a reflexão e, por conseguinte, o diálogo.92 85 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 241. 86 Sobre esse aspecto, Roque de Barros Laraia ressalta que cada cultura tem a sua