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Ilicitude

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ESTADO DE NECESSIDADE
1. Introdução e Conceito:
Como já analisamos na AULA 01, o estado de necessidade consiste em causa de exclusão de ilicitude legal, prevista no inciso I, do Artigo 23 e no Artigo 24, do CP.
O Artigo 24, do CP define o estado de necessidade como sendo:
Artigo 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se.
É causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir-se.
No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos posto em perigo de modo que a preservação de um deles depende do sacrifício do outro. Como o agente não criou a situação de ameaça, pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo.
 
2. Teorias 
A definição legal do estado de necessidade disposta na Parte Geral do Código Penal de 1984 não sofreu nenhuma alteração, inclusive, manteve a redação original do art. 20 do Código Penal de 1940. Dessa forma, manteve-se o ordenamento penal atado à teoria unitária.
Para melhor explicar, cumpre assinalar que a doutrina reconhece a existência de duas teorias (ou critérios) que podem ser utilizados pelo legislador para reconhecer a caracterização do estado de necessidade. As teorias são: a) teoria unitária e b) teoria diferenciadora.
 
a) Teoria Unitária – Para esta teoria a caracterização do estado de necessidade esta condicionada a razoabilidade do sacrifício do bem. Assim, considerando a existência de uma situação de perigo, bem como, diante da necessidade de sacrifico de um dos bens, para ser reconhecido o estado de necessidade, avalia-se se o sacrifício é razoável.
 
Para teoria unitária, não existe comparação de valores, pois ninguém é obrigado a ficar calculando o valor de cada interesse em conflito, bastando que atue de acordo com o senso comum daquilo que é razoável.
 
Importante frisar, ainda, que para a teoria unitária o estado de necessidade é sempre uma excludente de ilicitude.
 
b) Teoria Diferenciadora – Para os ordenamentos jurídicos que adotam a teoria diferenciadora, o reconhecimento do estado de necessidade deve ser realizado mediante a ponderação de valores entre os bens e deveres em conflito, de maneira que a ilicitude será excluída somente quando o bem sacrificado for reputado de menor valor.
 
Na teoria diferenciadora prevalece o critério objetivo de diferença de valor entre os interesses.
 
Ou seja, quando o bem destruído for de valor igual ou maior que o preservado, o estado de necessidade continuará existindo, mas como excludente de culpabilidade, enquanto modalidade supralegal de exigibilidade de conduta diversa. Somente ocorre, para teoria diferenciadora, a exclusão da ilicitude quando o bem salvo for de maior valor.
 
No caso do naufrago, por exemplo, que sacrifica a vida do companheiro para salvar a própria. Analisando dentro do raciocínio adotado pela teoria diferenciadora, há estado de necessidade, mas não há excludente da ilicitude e, sim da culpabilidade, como modalidade supralegal de exigibilidade de conduta diversa.
 
O Código Penal vigente adota a teoria unitária e não a teoria diferenciadora, porém, sabe-se que esta última foi adotada nos artigos 39 e 43, do Código Penal Militar.
 
Observações Interessantes!!!
 
Analise os fragmentos jurisprudenciais abaixo:
 
“Para configuração do estado de necessidade faz-se imperioso o requisito da proporcionalidade entre gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agente ou alheio e a gravidade da lesão causada pelo fato necessitado.”( TACRIM-SP – Ap. – Rel. Feiez Gattaz – RT 724/686)
 
“Reconhece-se o estado de necessidade na conduta do agente que, sem possuir habilitação para dirigir veículo, toma a direção de automotor para levar o filho que estava acometido de febre ao hospital, pois estão evidentes os pressupostos legais da ocorrência da descriminante, isto é, proporcionalidade entre o bem que quis preservar e o que sacrificou.” (TACRIM – Ap. – Voto Vencido Eduardo Pereira – RJD 21/127)
 
Cabe ao juiz analisar se estavam presentes as circunstancias fáticas ensejadora do estado de necessidade. “Uma vida humana vale mais do que qualquer objeto, mesmo obras de arte ou históricas, e do que a vida de um animal irracional.” Por outro lado, não é razoável exigir atos de heroísmo ou abdicação sobre humana, por exemplo, sacrificar a própria a vida para salvar de terceiro. Nosso ordenamento jurídico não nos exige que sejamos heróis.
 
Assim, existe liberdade tanto para o julgador interpretar a situação concreta bem como consciência coletiva reinante à época dos fatos. Nos fragmentos acima transcritos, observamos que o julgador procura reconhecer o estado de necessidade de acordo com critérios de proporcionalidade. Por exemplo, no segundo fragmento, o agente, ao conduzir o veículo sem habilitação, coloca a coletividade em risco, em situação de perigo, em contrapartida, salva vida de pessoa humana. A proteção à coletividade é sacrificada de modo razoável diante da preservação da vida humana. Não se preocupa em verificar qual o bem que possui mais valor, mas simplesmente se foi razoável o sacrifício diante do perigo.
 
3. Requisitos:
 
São apenas dois, dos quais decorrem características: 1º) situação de perigo (o perigo deve ser atual e iminente, o perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio, o perigo não pode ter sido causado voluntariamente pelo agente, deve inexistir dever legal de enfrentar o perigo) e 2º) Conduta Lesiva (inevitabilidade do comportamento, razoabilidade do sacrifício, conhecimento da situação justificante)
 
1º) Situação de Perigo
 
a) Perigo atual e iminente – É mister, antes de tudo, para caracterização do estado de necessidade, que o agente esteja diante de uma situação de perigo real e efetivo.
 
Tratar-se de perigo atual significa verificar ameaça no exato momento em que o agente sacrifica o bem jurídico.
 
A lei não apresenta a terminologia “perigo atual e iminente”, mas isto se deve ao fato de a situação de perigo já configurar, em sim mesma, uma iminência.
 
Analise o fragmento jurisprudencial abaixo transcrito:
 
“Estado de necessidade comprovado. Se alguns anos depois de constituída, a empresa encontra dificuldades financeiras, provocada pela crise econômica por que passa o país, para se manter, o que é demonstrado com a venda de seus bens patrimoniais e de seus sócios para fazer face aos seus débitos, preferindo pagar o salário dos empregados a deixar de recolher a contribuição previdenciária, há de se reconhecer o estado de necessidade, por ela não provocado. Exclusão da Ilicitude.”(TRF 1ª Região – Ap. Rel. Tourinho Neto – j. 17.02.1998 – RTJE 166/341)
 
O fragmento jurisprudencial é nítido quanto à necessidade atual de pagar os funcionários em detrimento do recolhimento de contribuições previdenciárias. Tanto o salário como a contribuição previdenciária estavam ameaçados pela crise econômica e, diante dos critérios da razoabilidade, a empresa entendeu que o salário, em razão de seu caráter alimentar (subsistência) deveria prevalecer em relação ao adimplemento diante do fisco e, dessa forma, optou-se pelo pagamento de salário.
 
A tese é bastante interessante, já que retira a ilicitude do não recolhimento das contribuições previdenciárias, no caso, até mesmo, impossibilitando a aplicação de multa.
 
O fragmento não se reporta a esfera penal, mas nos dá sólida noção do perigo atual que deve caracterizar o estado de necessidade.
 
 
Continuando a análise jurisprudencial para fins de exemplificação, observe o fragmento abaixo:
 
 
“Falta de habilitação para dirigir veículo em via pública – réu que toma veículo emprestado para dirigir-se
a hospital onde sua esposa estava em processo de parto – paciente de organismo fraco e que não pode tomar determinados remédios – Informações de ser passadas aos responsáveis pelo parto – estado de necessidade caracterizado – absolvição mantida pela ocorrência desta hipótese” (TACRIM –SP – Ap. – Rel. René Ricupero – RT 725/593)
 
 
Temos caracterizada situação de perigo atual: pessoa de organismo frágil em processo de parto e conflito de bens: saúde humana e segurança social.
 
 
Outrossim, não estaria caracterizado o estado de necessidade, caso o perigo não fosse atual, como é o caso do sujeito que porta indevidamente arma de fogo há muito tempo, sob alegação de garantia da segurança. Não é estado de necessidade, pois o perigo, no caso é futuro. Observe os fragmentos jurisprudenciais transcritos:
 
 
“Porte de arma – Contravenção caracterizada – Estado de necessidade – O estado de necessidade socorre aquele que, em determinadas circunstancias pratica um ilícito penal ou contravencional. Não pode, entretanto alegar estado de necessidade pessoa que viola norma contravencional há muito tempo e não se preocupa em regularizar sua situação perante as autoridades constituídas” (TACRIM – SP – AC. – Rel. Almeidas Braga – RTJE 99/259)
 
 
Portanto, o reconhecimento do estado de necessidade requer a ocorrência de perigo atual, que legitima a conduta do agente, e não um perigo em abstrato.
 
b) o perigo deve ameaçar direito próprio ou alheio – O estado de necessidade pressupõe sempre um conflito de interesses de bens lícitos, ou seja, conflito de interesse de qualquer bem que não contrarie o ordenamento legal, como a vida, a liberdade, o patrimônio etc. “É imprescindível que o bem esteja sob a tutela do ordenamento jurídico, do contrário não haverá direito a ser protegido. Exemplo: o condenado à morte não poderá alegar estado de necessidade contra o carrasco no momento da execução”.
 
Como já foi analisado nos fragmentos jurisprudenciais anteriores, a lei prevê o estado de necessidade para salvar bem de terceiro. Contudo, para tanto, o agente não precisa permitir a permissão do terceiro prejudicado. Suponha que um médico, sem autorização do paciente, realiza cirurgia para salvar a vida do mesmo. É hipótese de estado de necessidade, já que o médico lesionou a integridade física do sujeito para salvar sua vida, diante de uma situação de perigo atual. Lembrar que, em se tratando de exercício regular de direito, seria imprescindível o consentimento da vítima, como será visto adiante.
 
c) o perigo não pode ter sido causado voluntariamente pelo agente – Ou seja, supondo que “A” provoque incêndio em estabelecimento, colocando em perigo atual a vida das pessoas nele presentes, estas estarão amparadas pelo estado de necessidade, caso venham a se agredir para salvar a própria vida, por exemplo. No entanto, em principio, entende-se que “A” não esta amparado pela excludente da ilicitude, já que provocou a situação de perigo.
 
“Não caracteriza a excludente de criminalidade do estado de necessidade a coduta de acampados “sem terra” que subtraem carga de caminhão contendo gêneros alimentícios e produtos de limpeza e higiene pois os próprios agentes, voluntariamente criara a situação de necessidade eis que cientes de que faltariam alimentos para o sustento do grupo.”(TJMS – Ap. – j. 22.09.1999 – Rel Rubens Bergonzi Bossay – RT 773/637)
 
José Frederico Marques in Tratado de Direito Penal, Bookseller, 1997, exemplifica: “O motorista imprudente que conduz seu carro em velocidade excessiva não poderá invocar estado de necessidade se, ao surgir à sua frente, num cruzamento, outro veículo, manobrar o carro para lado oposto e apanhar um pedestre. O perigo criado pela marcha que imprimia ao carro, resultou de sua vontade ...”
 
No entanto, a doutrina não é pacifica quanto ao assunto, isto porque o Professor Damásio de Jesus entende que somente o perigo causado de forma dolosa não pode ser beneficiado pelo estado de necessidade. Para elucidar esta segunda posição utilizaremos do exemplo acima exposto. “A” joga fora o cigarro que fumava e, por um descuido, falta de dever de cuidado (culpa), o fogo do cigarro provoca um incêndio. Para o Professor Damásio de Jesus, a ilicitude de “A” esta excluída, não respondendo seja pelo crime de incêndio, seja por qualquer outro dano causado em razão de sua imprudência.
 
Resumindo, a respeito da impossibilidade de alegação de estado de necessidade quando o perigo é causado pelo próprio agente, concluímos que há duas posições a respeito do assunto:
 
1ª posição – se o perigo foi causado pelo próprio agente, não se reconhece a excludente da ilicitude de estado de necessidade, seja doloso ou culposo. (Prof. Damásio de Jeus)
 
2ª posição – se o perigo foi causado pelo próprio agente de forma culposa, o estado de necessidade poderá ser reconhecido como excludente de ilicitude. (Assis de Toledo, Nelson Hungria, José Frederico Marques)
 
d) Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo – Não pode invocar o estado de necessidade aquele que tem o dever legal de arrostar o perigo. A expressão dever legal é controvertida para os doutrinadores, uns entendem que se refere somente às hipóteses legais, outros interpretam com amplitude maior.
 
De qualquer sorte, quando a lei impuser dever legal, estará obrigado a salvar o bem ameaçado sem destruir qualquer outro, mesmo que para isso tenha que correr risco inerentes à sua função.
 
Mesmo assim, quando for nítida a inutilidade do salvamento, o que inutilizaria o risco, a pessoa detentora do dever legal poderá recusar a cumpri-lo ... “ ... de nada adianta o bombeiro atirar-se nas correntezas de uma enchente para tentar salvar uma pessoa quando é evidente que, ao fazê-lo, morrerá sem atingir seu intento ...”
 
Vale relembrar que o Código Penal no parágrafo 2º do artigo 13, apresenta hipóteses relacionadas ao dever legal de agir, cujo descumprimento enseja a responsabilidade pelo resultado.
 
2ª) Conduta Lesiva 
 
a) Inevitabilidade do comportamento – é requisito indispensável, pois diferentemente da legítima defesa, o estado de necessidade não consiste na repulsa a uma agressão, mas sacrifício de um dos bens que estão em perigo.  Comenta o professor Fernando Capez “se a fuga for possível, será preferível ao sacrifício do bem, pois aqui, ao contrário da legítima defesa, o agente não esta sofrendo uma agressão injusta, mas tentando afastar uma ameaça de bem jurídico”.
 
Do mesmo modo, para evitar o excesso na conduta de estado de necessidade é essencial que a prática de delito menos grave prevaleça em relação à prática de delito mais grave.
 
Observe o fragmento jurisprudencial para fins de exemplificação do item:
 
“Motorista de ambulância que dispondo de outras opções, com culpa em grau acima da média, em momento crepuscular, sob chuva, adentra em contramão, em velocidade, provocando a colisão do veículo contra carro, de forma a destroçá-lo e a produzir a morte de pessoas – o estado de necessidade emana do conceito jurídico que não pode atingir elastério tal para encobrir condutas iníquas de indivíduos carentes de desequilíbrio, auto-controle emocional e precipitados a tal ponto que perpetrem desatinos exculpação, de todo descabida. Somente verte aceitável o estado de necessidade na existência de alternativa razoável capaz de evitar infortúnio maior. Apenas se materializa quando for o único meio presente no momento apto a conjurar o inesperado, dotado este de ingrediente lesivo imediato.” (TARS – Rel. Luiz Gonzaga Pila Hofmeister – JRARS 73/32)
 
 
O estado de necessidade para justificar uma ação típica deve ser da mais alta gravidade, sendo imperioso, ainda, a necessidade imprescindível do agente para salvar o bem. A jurisprudência também nos apresenta hipótese do sujeito que passa a desenvolver atividade criminosa alegando dificuldades financeiras. Contudo, a ação criminosa deve ser a última saída para salvaguardar o bem “subsistência” a que o exemplo se refere. Entende-se que existem vários outros modos
de garantir a subsistência diferentes do crime e, portanto, a hipótese não se trataria de estado de necessidade.
 
 
Para aqueles que a lei impõe o dever legal a inevitabilidade possui significado mais abrangente, já que considera que o sacrifício só será inevitável na medida em que, mesmo correndo risco pessoal, será impossível a preservação do bem.
 
b) Razoabilidade do sacrifício – Adota-se a teoria unitária, já que a lei dispõe que o sacrifício deverá ser razoável, isto é, verifica-se se era ou não razoável exigir o sacrifício do direito ameaçado que foi preservado pela conduta típica. Essa razoabilidade deve ser verificada nas circunstancias de fato, sendo relevante a confrontação entre o bem jurídico em perigo e o bem jurídico lesado.
 
A respeito da razoabilidade do sacrifício, analisamos com maiores detalhes no item “Teorias”.
 
c) Conhecimento da situação justificante – A excludente do estado de necessidade não pode ser analisada somente sob enfoque objetivo. Isto significa que, além da verificação dos pressupostos objetivos, é mister, para sua caracterização, que se analise o elemento objetivo da justificação, ou melhor, a opinião ou crença do agente no momento em que atua em situação de necessidade.
 
O agente DEVE atuar PARA SALVAR O BEM AMEAÇADO, ou seja, deve ter consciência da situação de perigo e agir para evitar lesão. A inexistência desse requisito faz desaparecer o estado de necessidade, sendo a ação antijurídica.
 
Assim, não age em estado de necessidade quem furta um medicamento raro e valioso para fins puramente lucrativos e, ao chegar em casa, o subministra a seu cônjuge que, nesse intervalo, havia contraído uma enfermidade delicada, só suscetível de regressão por esse meio ao qual o delinqüente não poderia recorrer em outras circunstancias, dada a exigibilidade de seus recursos.
 
Se na mente do agente cometia um crime, ou seja, se a sua vontade não era salvar alguém mas provocar um mal, inexiste estado de necessidade, mesmo que, por uma incrível coincidência, a ação danosa acabe por salvar um bem jurídico.
 
4. Formas de Estado de Necessidade 
 
A doutrina nos apresenta três critérios quanto a forma pela qual o estado de necessidade é demonstrado:
 
a) quanto à titularidade do bem protegido:
 
a.1 – próprio – quando o bem jurídico próprio é defendido. Ex: “tabua da salvação – naufragos”
a.2 – de terceiro – quando o bem jurídico pertencente a terceiro é protegido. Ex: o marido para salvar a esposa, dirige veículo, mesmo sem habilitação, para levá-la ao hospital.
 
b) quanto ao aspecto subjetivo do agente:
 
b.1 – real – a situação de perigo existe
b.2 – putativa – a situação de perigo é imaginária (nesse caso, é necessário nos reportar à aula de “erro de tipo” , a existência ou não do crime estará condicionada na inevitabilidade do erro)
 
c) quanto ao terceiro que sofre a ofensa: 
 
c.1- defensivo – a agressão dirigi-se contra o provocador dos fatos. Ex: náufragos – tabua da salvação, onde um tenta matar o outro para sobreviver.
c.2 -  agressivo – o agente destrói bem pertencente a terceiro inocente. Observe abaixo situação prática e real interessantíssima em que se verifica a existência do estado de necessidade agressivo:
 
“Se o agente, ferido a faca no peito e com sangramento preocupante – sem ter ninguém a lhe prestar socorro – utiliza-se do próprio veículo em busca de assistência médica, age, justificadamente, sob estado de necessidade, não lhe sendo de imputar culpa por atropelamento, devido à imprudência (excesso de velocidade) ou imperícia (desgoverno do conduzido), máxime em virtude de sofrer perda dos sentidos no momento do acidente. E, se sacrificar o próprio semelhante pode não ser moral, certamente é jurídico, pois o Direito não pode desconhecer o instinto da conservação.” (TACRIM – SP – AC – Rel. Gonçalves Nogueira – JUTACRIM 96/156)
 
No exemplo prático contido na jurisprudência transcrita temos que a integridade física de terceiro foi sacrificada para salvar a vida do agente. Houve agressão a bem de terceiro para salvar outro, seguindo os critérios da razoabilidade.
 
 
Observações Finais:
 
Para fins de complementação é interessante realizar a abordagem de três outras situações bastante comentadas no estudo do “estado de necessidade”, senão vejamos:
 
a) Crimes Habituais e permanentes -  Em regra, não se admite, em razão da ausência de atualidade no perigo. Observe os julgados abaixo:
 
“Jogo do bicho – Alegado estado de necessidade – a alegação consistente em ter o agente agido em estado de necessidade não encontra amparo no direito, posto não ser esta justificativa compatível com as infrações de caráter permanente.” (TACRIM – SP – AC – Rel. Jacobina Rabello – JUTACRIM 82/467)
 
Contudo, analise o julgado abaixo:
 
“O reconhecimento do estado de necessidade para quem exercita ilegalmente a arte dentária na zona rural é admissível quando não há profissional habilitado em região afastada dos grandes centros.” (TAMG – HC – Rel. Gudesteu Bíber – RTAMG 26-27/526  e RT 623/348)
 
Note-se que a jurisprudência e, acrescente-se que, também a doutrina admitem o estado de necessidade mesmo em crimes habituais e permanentes em casos extremos, como o de um particular que exerce ilegalmente a medicina em uma ilha onde não há profissional habilitado tampouco ligação com mundo externo.
 
b) estado de necessidade e dificuldades econômicas – a maior parte da jurisprudência não admite a mera alegação de miserabilidade do agente como causas excludentes da ilicitude. Somente, em se tratando de furto famélico, se comprovada a necessidade emergencial do furto de alimento para saciar, urgentemente, a fome do agente, é, em regra, aceita a excludente da ilicitude consistente no estado de necessidade.
 
“O fato do autor do delito estar passando por dificuldades, situação da maioria dos brasileiros, não permite o reconhecimento do estado de necessidade, pois, para sua caracterização, não basta invocar os problemas dos dias em que vivemos, caso contrário, estar-se-ia legalizando a conduta dos marginais que, por não exercerem profissão que lhes garanta a subsistência, atacam o patrimônio alheio.” (TACRIM – SP – Ap. – Rel. Eduardo Goulart – j. 28.05.1998 – RJTAcrim 39/130)

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