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Três Momentos das Indústrias Ford

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Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.4, n. 3, maio 2011 | 1 
TRÊS MOMENTOS HISTÓRICOS DAS INDÚSTRIAS FORD 
 
Semi Cavalcante 
Introdução 
 
Um dos mais notáveis confrontos industriais do século XX, a espetacular batalha por 
mercado entre a Ford e a General Motors, foi, na verdade, a história de três homens 
extraordinários: Henry Ford I, Henry Ford II e Lee Iacocca. 
A genialidade de Henry Ford consistiu na percepção de uma ideia simples e ao mesmo 
tempo revolucionária. Mais precisamente, com o uso de peças e processos simples, a 
introdução da produção por linha de montagem e a venda em grande volume com pequeno 
lucro, demonstrou que era possível fabricar, com rendimento, um automóvel para as 
massas, e consolidou o conceito de Revolução Industrial nos Estados Unidos da América. 
Segundo o historiador inglês Eric Hobsbawm, a certa altura do não tão distante século 
XVIII, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder 
produtivo das sociedades humanas. A partir de então, se tornaram capazes de 
multiplicação rápida, constante, até o presente ilimitadas, de homens, mercadorias e 
serviços. (HOBSBAWM, 1979. p. 44) 
1. Henry Ford – Da genialidade às ideias preconcebidas 
 
Ao implantar a produção em linha de montagem, Henry Ford transformou a Ford 
Motor Company num dos mais ricos impérios industriais do mundo e tornou-se um 
semideus moderno. O grande problema foi ser Ford um homem estreito e com ideias 
preconcebidas, deixando-se iludir pelo próprio sucesso. 
Essencialmente, Ford não soube compreender o sentido da era que ele mesmo 
criou, relutando em modernizar seus conceitos, originalmente corretos, sobre 
administração e produção. Henry Ford era tão excêntrico que quase afundou a grande 
companhia que levava o seu nome. Se tivesse vivido mais alguns anos, provavelmente a 
teria falido. De acordo com a sua biografia, Ford dirigia sua empresa “como um armazém 
do interior”. Ele era o chefe de tudo, extremamente centralizador, não delegava nada, e 
tratava seus funcionários confidencialmente, ordenando a um uma tarefa e a outro, muitas 
vezes, o contrário. (Ford, 1967, p. 34) 
Não era raro Ray Dahlinger, administrador das fazendas Ford, dar ordens aos 
chefes da fábrica, sempre iniciando sua frase com “O Sr. Ford me disse para lhe dizer...”. 
Geralmente, era impossível confirmar as ordens, pois Ford era um homem difícil de ser 
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encontrado. Ele raramente usava o seu escritório de trabalho, preferindo andar por onde 
sua fantasia o levasse. 
Tecnicamente, a Companhia Ford não tinha departamentos de engenharia, 
pesquisa e desenho. Não havia controle de custos, pois Ford detestava os contabilistas e 
todos os “fazedores de contas”, considerando-os parasitas improdutivos. Seu interesse 
pelas contas resumia-se a um dia por ano, quando subtraía o dinheiro que saia do que 
entrava. Para seu espanto e ira, chegou um dia em que as despesas foram maiores que 
as receitas. 
A mais estranha manifestação da falta de critério de Ford foi a sua aproximação 
com Harry Bennett, ex-marinheiro e pugilista amador, que o servia como guarda-costas. 
Com o passar dos anos, Bennett tornou-se confidente e, finalmente, uma espécie de 
supervisor da Companhia, com atribuições não definidas e só limitadas por ordens do 
próprio Ford. Por entendimento tácito, Bennett dirigia a empresa, contratando, demitindo e 
controlando altas decisões com a simples declaração “O Sr. Ford quer...” ou “ O Sr. Ford 
disse-me para lhe dizer...”. Havia uma atmosfera de terror na Ford Motor Company. 
Em grande parte dessa fase, que se estendeu de 1919 a 1943, o título de 
Presidente da Companhia era ostentado por Edsel, filho de Henry Ford. Contudo, Edsel 
levava uma vida frustrada e humilhada, pois suas decisões eram constantemente 
modificadas pelo pai ou por intermédio de Bennett. Henry Ford II, filho de Edsel, 
consequentemente neto de Henry Ford, cresceu com o sentimento de que alguma coisa 
errada estava acontecendo e que algum dia a responsabilidade de pôr tudo nos eixos 
seria dele. Quando deixou a Universidade de Yale, em 1940, entrou para a companhia a 
fim de se preparar para a grande tarefa de sua vida. 
2. Henry Ford II – Da consolidação de um Império à síndrome de Deus 
 
Henry II entrou para a Marinha em 1941, contudo, com a morte de seu pai, em 
1943, voltou para casa em Dearborn, Michigan, devido à importância da companhia para 
a economia de guerra – enquanto o mundo assistia ao grande conflito denominado 
Segunda Guerra. Henry Ford assumiu oficialmente a presidência da empresa, entretanto, 
a decrepitude o fazia depender cada vez mais de Bennett para satisfazer seus caprichos. 
Como percebeu que não tinha nenhum título, responsabilidade e função aparente, 
passou vários meses vagando pela fábrica, procurando familiarizar-se com o cotidiano. 
Em 1944, assumiu a vice-presidência executiva, mas, como continuava sem função 
específica, foi montando uma equipe “quase secreta”, que o auxiliava a entender o 
processo e o mantinha informado sobre as operações vitais da companhia. 
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Quando Henry I adoeceu e entrou definitivamente na senilidade, Henry II buscou 
apoio na família, principalmente em sua mãe, pois, como curadora das ações dos filhos 
mais novos, ela controlava grande parte dos interesses da minoria dos acionistas da 
corporação. Como Henry I não aceitava a possibilidade de que pessoas estranhas 
viessem a ter algum interesse na empresa, 49% das ações foram distribuídas entre os 
membros da família. 
Além da mãe, Henry II contou com o apoio da avó, Clara Ford, a única pessoa a 
quem Henry Ford atendia. Em 1945, Henry II assumiu a autoridade que lhe faltava, desta 
vez com o apoio do mito Henry Ford, dando início à grande revolução da Ford Motor 
Company. Sua primeira medida foi afastar Bennett. 
Henry Ford II tinha apenas 28 anos de idade quando assumiu a tarefa de reabilitar 
um dos maiores impérios industriais do mundo. O modelo que ele tinha em mente para a 
nova Ford era o da General Motors. A aproximação com Ernest R. Breech, presidente da 
Bendix Aviation, empresa que a GM possuía grande interesse financeiro foi o ponto de 
partida. E. R. Breech iniciou sua carreira como perito-contador. Para ele, “da contabilidade 
de custos dependia o fracasso ou sucesso de uma empresa”. (Ford, 1967, p. 82-84). 
Antes de assumir a Bendix, Breech havia sido vice-presidente da General Motors, o 
que tornava esta aproximação muito interessante para os planos da Ford. Em 1945/1946, 
considerados os anos da revolução da Ford, Breech já era o responsável pela 
administração da empresa, com a função de reorganizá-la segundo o modelo GM. 
Quando Breech assumiu a gestão, a Ford estava perdendo aproximadamente dez 
milhões de dólares por mês. Na verdade, não se sabia quanto custava a produção de um 
carro Ford. Havia até mesmo dúvidas se a atividade fundamental da companhia era a 
produção de automóveis, uma vez que, devido às manias e teorias de Henry I, houve 
enorme diversificação de atividades como a plantação de soja e borracha no Brasil, 
fazendas e outros empreendimentos, na maioria antieconômicos. Havia uma espantosa 
falta de coordenação entre os departamentos, chegando inclusive a parar a produção, em 
alguns momentos, por falta de matéria-prima. Com novas chefias dos departamentos, 
Breech foi buscar na GM o modelo administrativo. 
O modelo da General Motors consistia em fábricas trabalhando como empresas 
independentes, cada uma responsabilizando-se por suas compras, manufaturas e 
vendas, devendo mostrar lucros em seus balanços. A partir daquele momento, a FordMotor Company foi dividida em partes semi-autônomas, com objetivos claros e 
trabalhando com lucro, assim como na GM. 
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Não houve falso orgulho, o modelo GM tornou-se o estribilho entre os dirigentes 
Ford. Todos, a começar pelo chefe de setor, tornaram-se amantes da contabilidade de 
custos. Lewis Crusoé, que foi nomeado chefe da divisão de carros Ford e assumiu também 
a vice-presidência executiva, encarregado de todas as divisões de carros, dizia “este 
negócio vive de níqueis e pratinhas, um milhão de pratinhas de dez centavos são cem mil 
dólares, aqui nós brigamos e discutimos por causa de um níquel”. (Sales, 2005. p. 28) 
Durante os primeiros anos do pós-guerra, quando havia escassez, os fabricantes 
de automóveis encontravam mercado fácil para qualquer carro que produzissem. Até 
mesmo a Ford, com seu modelo 1941 de antes da guerra. Mas Ford II e Breech 
perceberam que quando a situação do mercado se invertesse em favor do comprador, a 
Ford teria dificuldades e seria necessário um novo modelo. 
Geralmente, são necessários três anos para projetar um novo carro, aparelhar a 
fábrica e iniciar a produção. Breech e Ford II resolveram fazer isso em 18 meses e o 
fizeram. O novo modelo foi um sucesso em toda a linha, invertendo os gráficos de 
vendas, que vinham caindo desde 1935. Esse momento consolidou a luta contra a 
Chevrolet, e Henry Ford II acreditava que havia vencido. 
Porém, a batalha estava apenas começando e a vitória demoraria ou nunca se 
evidenciaria. O momento mais próximo de vitória por mercado que a Ford Motor Company 
esteve da concorrente General Motors foi durante a passagem do lendário Lee Iacocca, o 
homem que transformou a Ford numa companhia realmente competitiva e depois de ser 
sumariamente demitido pelo “rei” Henry Ford II, tornou-se presidente da Chrysler e a 
salvou do desastre eminente. 
O executivo Lee Iacocca presidiu a Ford de 1970 a 1978. Antes de se tornar o 
presidente e, consequentemente, o segundo na sua hierarquia, Iacocca contribuiu de 
forma significativa para a sua grandeza. Na década de 1960, se tornou vice-presidente e 
diretor da Divisão Ford, sob a presidência de Robert S. McNamara, que viria a ser 
secretário da Defesa dos Estados Unidos no governo de John F. Kennedy. Nesse 
período, Iacocca conseguiu enorme sucesso com o lançamento dos carros “felinos”, ou 
seja, carros velozes e com designs diferenciados, como o Bronco, Cheetah, Colt, Cougar, 
Puma e o lendário Mustang. 
Quando assumiu a presidência, Iacocca enfrentou uma concorrência mais acirrada 
com a General Motors e a Chrysler num outro segmento, o de carros compactos e mais 
econômicos, exigidos pelo momento histórico e econômico, quando o mundo vivia as 
consequências do primeiro choque do petróleo. 
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Todavia, todas as tentativas de Lee Iacocca em adaptar a companhia Ford à nova 
realidade e acompanhar as tendências do mercado, a fim de continuar na briga com seus 
concorrentes, foram podadas de forma arbitrária por Henry Ford II. Essas diferenças entre 
Iacocca e Ford II se exacerbaram a ponto de culminar na demissão do primeiro em 1978. 
3. Considerações Finais 
 
Henry Ford I, o fundador da Ford Motor Company sempre dizia que ”o dinheiro é a 
coisa mais inútil do mundo, contudo não estou interessado nele, estou interessando no 
que posso fazer com ele pelo mundo.” E, ao seu modo particular e peculiar, seguiu este 
mandamento durante toda a sua longa vida. 
O Fordismo foi um sistema revolucionário para a época em que foi implantado, uma 
vez que, pela primeira vez, alguém pensou o Capitalismo do Bem-Estar Social, como 
forma de ganhar muito dinheiro e se consolidar no mercado. Seu método era simples e 
revolucionário, pois, para ganhar mais dinheiro, Ford remunerava melhor os empregados 
e procurava vender também seus produtos, principalmente o automóvel, a preços mais 
acessíveis. Esse sistema ficou conhecido como produção em escala industrial e, a partir 
de então, foi a base da administração de empresas e da indústria moderna. 
A saga da família e as contribuições das indústrias Ford foram inegáveis, 
contribuindo, de maneira relevante, para a realização o “sonho americano” e mundial. 
Tanto Henry Ford I quanto Henry Ford II tinham consciência desse fato e, talvez por isso, 
acreditavam estarem isentos do julgamento do mercado e da história. 
Referências 
CARDOSO, Raimundo Felipe. Ford: Uma história de sucesso e decadência. 1. ed. Porto 
Alegre, ACCD, 1998. 
FORD, Henry. O Princípio da Prosperidade – Minha Vida e Minha Obra Hoje e 
Amanhã. 3. ed. São Paulo, LFB, 1967. 
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. 2. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. 
SALES, Alessandra Simoni Ferraz. Logística na cadeia de suprimento da indústria 
automobilística. 1. ed. São Paulo, Com Arte, 2005.

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