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Aula 7

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Aula 7 - Mestiçagem Como Saída?
Um Pouco Sobre Manoel Bomfim
Médico e educador, em 1905, Bomfim publicou um estudo no qual desvinculava o atraso do Brasil (e do restante da América Latina) à ideia de inferioridade racial. Embora fizesse uso de termos médicos e científicos, o autor propôs uma leitura sociológica da pretensa inferioridade do Brasil em relação aos países desenvolvidos da Europa. Era a primeira vez que a "incivilidade" brasileira não passava por questões relacionadas à diversidade racial que compunha o país.
De tal forma, Bomfim não só defendia a miscigenação brasileira, como desacreditava na inferioridade das raças e assegurava que o Brasil só conseguiria mudar os rumos de sua história caso fizesse uma revolução baseada na universalização da educação. Apesar de ser um homem respeitado no quadro intelectual brasileiro (tendo ocupado cargos importantes no Rio de Janeiro), sobretudo no que diz respeito à educação nacional, as ideias de Bomfim se depararam com um forte critico: Silvio Romero.
Ainda em 1905, Silvio Romero publicou um livro com o mesmo título do estudo de Manoel Bomfim, no qual refutava todos os argumentos apresentados pelo médico. A notoriedade e a forte influência de Silvio Romero acabaram encerrando um debate no mínimo interessante sobre as interpretações da história brasileira, deixando a perspectiva de Manoel Bomfim esquecida por muitos anos (AGUIAR, 2000). Seus argumentos e sua perspectiva só foram retomados por outros cientistas sociais décadas depois.
Ainda nos anos de 1920 e 1930, despontou no cenário intelectual brasileiro um médico baiano que se dedicou, entre outros assuntos, a estudar a questão racial ou cultural do Brasil. Arthur Ramos de Pereira Araújo nasceu em Alagoas no ano de 1903, estudou medicina na Bahia e, com 23 anos, se fez médico ao defender a tese intitulada Primitivo e Loucura — obra que recebeu elogios de importantes especialistas no assunto, como Sigmund Freud e Levi-Brhul. Desde cedo Arthur Ramos estreitou suas relações com a intelectualidade internacional e, durante a década de 1920, lecionou em diferentes universidades estadunidenses.
Defensor ferrenho da Antropologia Participativa e utilizando inúmeros recursos metodológicos da psicologia e psiquiatria, Ramos atuou em diferentes áreas das ciências humanas, consagrando-se como um grande estudioso da cultura brasileira. No que diz respeito à questão do negro no Brasil, Arthur Ramos não só trouxe importantes contribuições, como também chamou atenção para a desigualdade socioeconômica vivida por este setor da população brasileira. Segundo Luitgarde Barros, ao repudiar qualquer tipo de explicação biologizante (Em que predomina a visão biológica ou que se refere a aspectos biológicos.) dos comportamentos sociais, Arthur Ramos fez uma análise crítica da obra de Nina Rodrigues, ao mesmo tempo em que foi seu principal divulgador.
Em 1934, um ano após Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, Ramos publicou O Negro no Brasil (1940). Nele, o autor demonstrou a grande importância do negro na formação da sociedade brasileira, dando especial relevo à mestiçagem e ao sincretismo religioso.
Gilberto Freyre
Ainda na década de 1930, contemporâneo de Arthur Ramos, despontou no cenário intelectual brasileiro o pernambucano Gilberto Freyre, com uma abordagem diferenciada sobre a história do Brasil, sobretudo no que diz respeito às relações raciais. Falar sobre Gilberto Freyre e Casa Grande e Senzala é uma tarefa no mínimo polêmica. Sua obra teve um impacto tremendo nas ciências sociais brasileiras e durante muitos anos foi tomada como a interpretação mais completa sobre as relações raciais no país. Por isso, seguindo a estrutura que permeia esse estudo, é fundamental compreender ao menos dois lados de Gilberto Freyre:
O lado inovador ou, nas palavras de Antônio Candido, o radicalismo da obra freyriano. Ou seja, tentar compreender o autor em seu tempo.
Se pautará no exame das premissas levantas por Freyre frente à problemática das questões raciais no Brasil, destacando como sua análise e as leituras feitas sobre ela acabaram por conformar a ideia mítica de que o Brasil seria uma sociedade desprovida de racismo, uma democracia racial.
Filho de importante família da aristocracia rural pernambucana, o escritor concluiu seus estudos na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Lá entrou em contato com novas perspectivas analíticas das ciências sociais, principalmente com os estudos da Antropologia Cultural de Franz Boas, que defendia a ideia da igualdade racial. À forma menos determinista de compreender os processos sociais, Freyre adicionou as histórias que ouvira quando menino e uma dose cavalar de fontes documentais pouco exploradas até então. O resultado disso foi uma análise da sociedade e da história brasileira feita pelo e para o Brasil.
Dito de outra forma, Freyre introduziu uma ideia de civilização genuinamente nacional, na qual as ascendências indígena e africana compartilhavam com a europeia o protagonismo na trajetória brasileira. Publicado em 1933, Casa Grande e Senzala não só rompeu com o discurso racialista reinante nas ciências sociais brasileiras, como também apontou um novo olhar sobre o país. Uma das premissas básicas de Freyre dizia que a formação brasileira era um processo resultante do equilíbrio de antagonismos, fossem eles econômicos, sociais, políticos e até mesmo geográficos.
Todavia, Freyre frisou que o maior e mais profundo antagonismo do Brasil era o existente entre escravos e senhores. Vê-se logo, que a escolha do título Casa Grande e Senzala não foi aleatória. É possível afirmar também que a grande inovação de Gilberto Freyre residiu, justamente, no exame equilibrado dos dois extremos da sociedade brasileira. Era a primeira vez que um estudo analisava as contribuições dos escravos negros e, consequentemente, das heranças africanas no Brasil - na mesma chave utilizada para falar de brancos e indígenas. Junto com essa nova abordagem, a forma por meio da qual Freyre construiu sua análise também o distanciava dos cientistas sociais da época. Escrito de forma ensaística, com uma narrativa que muitas vezes se confunde com romances do século XIX, Casa Grande e Senzala é um verdadeiro inventário da vida íntima brasileira.
Segundo o autor, o Brasil nascera da tecnologia indígena empregada na produção da mandioca, do leite das amas negras que alimentaram os meninos das famílias patriarcais, das experiências sexuais desses mesmos meninos com as mulatas do país. A intimidade brasileira estava impregnada pela mestiçagem e isso não fazia o Brasil menos civilizado do que os países europeus. Na realidade, a mestiçagem era a brasilidade. Longe de esgotar as possibilidades de interpretação da polêmica obra clássica de Gilberto Freyre - o que seria uma tarefa hercúlea -, é importante pontuar o impacto que Casa Grande e Senzala trouxe para o cenário intelectual brasileiro.
Se por um lado Nina Rodrigues foi o primeiro intelectual a fazer um estudo sistêmico da presença africana no Brasil, Freyre foi o primeiro que apresentou essa herança africana de forma positiva e em profundo diálogo com as demais esferas formativas do país. Ainda que a análise de Freyre guarde um tanto de ineditismo e inovação para o período em que foi publicada, por todas as razões levantadas a pouco, é preciso salientar que, mesmo recuperando de forma positiva a herança africana e o elemento negro, Gilberto Freyre determina muito bem os locais sociais e políticos dos atores da história brasileira. Uma vez mais, é forçoso lembrar que a escolha pelo título não foi aleatória: aos senhores, cabia a casa grande; aos escravos, a senzala. A harmonia residia, justamente, nesta dicotomia.
Ao privilegiar a noção de harmonia, a narrativa freyriana acabou suavizando a violência inerente das relações de gênero e sociais características da história brasileira que pautaram a vida de grande parte das mulheres negras e/ou escravas. Na realidade, as críticas ao modelo
de análise freyriana são inúmeras. É possível reler toda a obra do autor e rediscutir os pontos por ele levantados. Todavia, o cerne da crítica reside, justamente, na noção de que o Brasil seria composto por um equilíbrio de antagonismos que pende para a harmonia. Como bem apontado por Renato Ortiz, a ideologia do sincretismo de Freyre, bem como a ideia do Brasil como um "cadinho das três raças", retira todas as contradições e toda a violência que marcaram a trajetória social brasileira desde os tempos coloniais (ORTIZ, 1989, p.94-95).
A construção de uma interpretação na qual a sociedade brasileira não apresenta muitos conflitos, e que as relações dos diferentes sujeitos históricos estavam pautadas em uma harmonia fundante das relações sociais, permitiu a leitura de que o Brasil estava desprovido de racismo. A maior prova disso seria a mestiçagem: característica maior da sociedade brasileira. Intencionalmente ou não, o exame de Freyre ofereceu os dados necessários para a construção da ideologia da Democracia Racial (Esta ideologia serviu muito bem aos interesses políticos do governo getulista (marcado pelo nacionalismo e pelo populismo), que, embora difundisse a ideia do Brasil como um país desprovido de discriminação racial, deixava muito claro que cada raça tinha um lugar determinado a ocupar na sociedade brasileira. Só assim, a harmonia defendida por Freyre continuaria "reinando".). O modelo de análise de Gilberto Freyre foi bem recebido em grande parte do círculo intelectual brasileiro e internacional. Muitos cientistas sociais estrangeiros, sobretudo estadunidenses, passaram a usar o Brasil como padrão positivo de relações raciais, e realizaram estudos de caso a fim de comprovar a existência do que seria um "paraíso racial".
Projeto UNESCO
Os horrores da Segunda Guerra também chamaram a atenção para a problemática do racismo em escala mundial. Na década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil. Conforme sugerido antes, a origem deste projeto estava associada à agenda antirracista formulada pela UNESCO no final dos anos 1940, sob o impacto do Holocausto.
A aparente harmonia racial no Brasil fazia do país uma espécie de "laboratório vivo". De tal modo, os objetivos do Projeto UNESCO era determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos que favoreciam ou não a existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos. Para tanto, jovens cientistas sociais brasileiros e estrangeiros se incumbiram de analisar a significativa mobilidade e integração do negro na sociedade brasileira. Antônio Sérgio Guimarães pontuou duas grandes contribuições deste Projeto para os estudos das questões raciais no Brasil:
Fazendo uso das conclusões produzidas por Thales de Azevedo, foi a constatação da discriminação racial no Brasil. Assim como ocorria com os Estados Unidos e a África do Sul, o Brasil também era uma sociedade racistas.
Desconstrução do monopólio analítico de Gilberto Freyre e Arthur Ramos, cuja autoridade analítica passou a ser dividida com outras correntes das ciências sociais, representados por nomes como Roger Bastide, Florestan Fernandes e Donald Pierson. O fim deste “monopólio” permitiu ainda o estudo das relações sociais em campos até então pouco estudados, como o mundo urbano e a região Centro-Sul do país, além da importante vinculação entre discriminação racial e discriminação econômica.
Parte dos estudos patrocinados pelo Projeto UNESCO comprovou a inexistência da Democracia Racial no Brasil. No entanto, os trabalhos feitos na década de 1970 realizaram importante critica a tais estudos, ao mostrar que os fatores econômicos que protagonizavam as análises não eram suficientes para responder as razões que levariam à discriminação racial no Brasil. Dito de outra forma, os estudos que se iniciaram na década de 1970 afirmavam que a raça (como construção social) era, sim, um fator de distinção na sociedade brasileira; o pertencimento a determinada classe não dava conta de explicar o racismo no Brasil.
Florestan Fernandes
Inúmeros trabalhos ligados ao Projeto UNESCO apontaram que o Mito da Democracia Racial era infundado. Um dos estudos mais importantes neste período foi feito por Florestan Fernandes. Em A integração do Negro na sociedade de Classes (1964), Florestan analisou os meios pelos quais parte da população negra da cidade de São Paulo integrou-se à sociedade capitalista. Ao trabalhar com inúmeros estudos de caso, o sociólogo mostrou que a maior parte dos homens e mulheres egressos do cativeiro teve uma modesta inserção na sociedade capitalista graças à cor da sua pele e à evidente preferência dos patrões por funcionários brancos.
Oracy Nogueira
No campo da antropologia culturalista, destacou-se o trabalho pioneiro e inovador de Oracy Nogueira grande seguidor dos ensinamentos de Pierson. Em certa medida é possível afirmar que Nogueira ampliou os estudos de seu professor, ao questionar as conclusões de Pierson sobre a inexistência do racismo tatu senso, no Brasil. Se o professor norte-americano negou a discriminação racial em detrimento da discriminação socioeconômica, é possível afirmar que Oracy Nogueira demonstrou que os dois sistemas discriminatórios conviviam no Brasil.
Grosso modo, as conclusões de Oracy Nogueira apontavam que negros e mestiços compunham a grande maioria da população que exercia atividades subalternas, enquanto os brancos ocupavam lugar de destaque. De acordo com o próprio autor: "cor branca facilita a ascensão social, porém, não a garante, por si mesma; de outro lado, a cor escura implica antes numa preterição social que numa exclusão incondicional de seu portador”. 
Observa-se, então, que, segundo as pesquisas de Oracy Nogueira, a cor da pele tinha forte influência no desempenho socioeconômico dos indivíduos. Ao se desvencilhar da comparação com o modelo de relações raciais dos Estados Unidos, Oracy conseguiu desenvolver dois conceitos-chave das relações raciais no Brasil: o preconceito racial de marca e o preconceito racial de origem. Ainda que os dois trabalhos apontados tenham seguido métodos analíticos distintos, ambos foram eficazes em apontar que a harmonia das três raças brasileiras era uma farsa. Embora o negro tenha sido o principal objeto de análise dos trabalhos citados (é necessário frisar que Florestan Fernandes fez importantes trabalhos sobre povos indígenas do Brasil, como os Tupinambás), a desconstrução do mito da democracia racial, ou do "cadinho das três raças", permitiu que novas questões fossem colocadas na agenda de debates da sociedade brasileira.Os movimentos sociais incorporaram parte do debate acadêmico e passaram a fazer novas exigências para o estado de um país que, sabidamente, estava longe de ser um paraíso racial.
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