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Aula 1 – O Discurso Histórico no Brasil Colonial e no Brasil Império
Nessa nossa empreitada de capturar o que tenha sido os primórdios do discurso que se pretendia históricos sobre o Brasil nos períodos colonial e imperial até a criação do IHGB em 1838, devem nos ser úteis os relatos deixados por cronistas, viajantes e missionários, que falam da terra encontrada pelo Ocidente entre o final do século XV e início do XVI.
Assim sendo, as obras de Frei Vicente do Salvador, Pero de Magalhães Gândavo, Fernão Cardim, Sebastião da Rocha Pita, Gabriel Soares de Souza e em especial a de Pe. André João Antonil, entre outros que formam o corpo textual de onde partiu a historiografia brasileira para tecer suas primeiras interpretações. Procuraremos estabelecer quais foram os primeiros objetos sobre os quais os primeiros historiadores teceram considerações, em especial, sobre a dinâmica da sociedade brasileira em que se debruçaram.
Também, abordaremos no final do período colonial e durante o início do período imperial o historiador Vilhena, que, antes da criação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro ofereceu uma interpretação sobre a dinâmica da sociedade brasileira.
Podemos concordar que nossa história começa com o primeiro documento oficial de que dispomos sobre o encontro entre os índios com os marinheiros do Império português. Estamos falando da Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada para o Rei de Portugal. A carta se refere aos índios, descrevendo seus físicos, suas aparências e seus costumes. Ela também indica aspectos da riqueza natural, de fauna e de flora do território. Caminha solicita ao rei que cuide da salvação dos índios. Caminha indica aquelas que seriam as duas motivações que importariam: a expansão e a exploração territorial e econômica da Colônia pelos portugueses.
O território que Caminha descreve, logo povoaria o imaginário europeu. Os costumes nativos, em especial o de andar nu, surpreenderam aqueles europeus que viam na exposição da intimidade um tabu incontornável. Os nativos foram estigmatizados como seres dados à luxúria. Um pouco mais tarde os portugueses entraram em contato com outro aspecto que aterrorizou o europeu, os hábitos de algumas tribos de serem antropófagos. As primeiras crônicas que se seguiram à carta de Caminha, quase sempre de religiosos, expuseram que para a consciência cristã, além da luxúria havia a selvageria do canibalismo.
No século XVII, o poeta Gregório de Mattos Guerra, inaugurou outra forma de avaliar a sociedade brasileira, ele foi cronista da política da Bahia, Gregório analisou os costumes, agora tendo como foco não os costumes dos índios, mas a estupidez da escravidão e o desejo do português pelas negras.
Sem dúvida o maior historiador que produziu durante o período colonial brasileiro foi Antonil, um jesuíta italiano. Ele viveu em Salvador, na Capitania da Bahia, de 1681 até a sua morte em 1716. Antonil foi um observador com arguto senso histórico, atento em especial ao fenômeno econômico, descreveu com notável embasamento histórico a realidade econômica da Colônia, identificando com destaque a produção de açúcar e das demais atividades econômicas como a produção do tabaco, a criação de gado e até mesmo a mineração, sendo que sobre a mineração utilizou o testemunho de terceiros.
Apresentar vários dados sobre a produção, como as técnicas produtivas utilizadas, sem deixar de também analisar as condições de trabalho e os aspectos sociais e políticos envolvidos e que mobilizaram toda a sociedade brasileira de então, em especial a escravidão, como podemos perceber no trecho: “O ser Senhor de Engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino. Porque engenhos há na Bahia que dão ao senhor quatro mil pães de açúcar e outros pouco menos, com cana obrigada à moenda, de cujo rendimento logra o engenho ao menos a metade, como qualquer outra, que nele se livremente se mói; e em algumas partes, ainda mais que a metade”.
Tudo isso pode ser encontrado em sua obra de 1711, “Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas”. Essa obra é o melhor que se produziu acerca das condições sociais e econômicas do Brasil durante o período em que aqui viveu Antonil. Tanto assim que a Coroa portuguesa, ciente do perigo da divulgação de informações históricas tão acuradas sobre as drogas e as minas daquela que então havia se convertido sua principal Colônia, proibiu a circulação do livro além de confiscar os exemplares que tinham sido postos em circulação. Somente no século XIX, a obra foi reeditada e mereceu o lugar de destaque como a primeira produção historiográfica em solo brasileiro. 
Sobre a análise de Antonil acerca dos escravos, podemos apresentar alguns trechos: “Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. E do modo como se há com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço. Por isso, é necessário comprar cada ano algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças, serrarias e barcas. E porque comumente são de nações diversas, e uns mais boçais que outros e de forças muito diferentes, se há de fazer a repartição com reparo e escolha, e não às cegas. Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de Angola, de Cabo Verde e alguns de Moçambique, que vêm nas naus das Índia. Os ardas e os minas são robustos. Os de Cabo Verde e de São Tomé são mais fracos. Os de Angola, criados em Luanda, são mais capazes de aprender ofícios mecânicos que os das outras partes já nomeadas. Entre os congos, há também alguns bastantes industriosos e bons não somente para o serviço da cana, mas para as oficinas e para o meneio da casa. Uns chegam ao Brasil muito rudes e muito fechados e assim continuam por toda a vida. Outros, em poucos anos saem ladinos e espertos, assim para aprenderem a doutrina cristã, como para buscar modo de passar a vida e para se lhes encomendar um barco, para levarem recados e fazerem qualquer diligência das que costumam ordinariamente ocorrer. As mulheres usam de fouce e de enxada, como os homens; porém, nos matos, somente os escravos usam de machado. Dos ladinos, se faz escolha para caldeireiros, carapinas, calafates, tacheiros, barqueiros e marinheiros, porque estas ocupações querem maior advertência. Os que desde novatos se meteram em alguma fazenda, não é bem que se tirem dela contra sua vontade, porque facilmente se amofinam e morrem. Os que nasceram no Brasil, ou se criaram desde pequenos em casa dos brancos, afeiçoando-se a seus senhores, dão boa conta de si; e levando bom cativeiro, qualquer deles vale por quatro boçais. Melhores ainda são, para qualquer ofício, os mulatos; porém, muitos deles, usando mal do favor dos senhores, são soberbos e viciosos, e prezam-se de valentes, aparelhados para qualquer desaforo. E, contudo, eles e elas da mesma cor, ordinariamente levam no Brasil a melhor sorte; porque, com aquela parte de sangue de brancos que têm nas veias e, talvez, dos seus mesmos senhores, os enfeitiçam de tal maneira, que alguns tudo lhes sofrem, tudo lhes perdoam; e parece que se não atrevem a repreendê-los: antes, todos os mimos são seus. E não é fácil cousa decidir se nesta parte são mais remissos os senhores ou as senhoras, pois não falta entre eles e elas quem se deixe governar de mulatos, que não são os melhores, para que se verifique o provérbio que diz: que o Brasil é o inferno dos negros, purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos e das mulatas; salvo quando, por alguma desconfiança ou ciúme o amor se muda em ódio e sai armado de todo o gênero de crueldade e rigor. Bom é valer-se de suas habilidades quando quiserem usar bem delas, como assim o fazem alguns; porém não se lhes há de dar tanto a mão que peguem no braço, e de escravos se façam senhores. Forrarmulatas desinquietas é perdição manifesta, porque o dinheiro que dão para se livrarem, raras vezes sai de outras minas que dos seus mesmos corpos, com repetidos pecados; e, depois de forras, continuam a ser ruína de muitos”.
Após Antonil, precursor da historiografia brasileira, nós podemos assinalar também a importância de Vilhena, português que viveu em Salvador entre 1787 até falecer em 1814. Vilhena analisou metodicamente a sociedade brasileira na qual estava inserido, apontou suas contradições básicas, seus paradoxos visíveis entre a opulência e a miséria, a existência de uma burocracia corrupta e pensadores idealistas que povoavam a Salvador de sua época. Identificou a ordem social e política estabelecida, o funcionamento administrativo utilizado pela Coroa portuguesa, isso sem deixar de considerar os impulsos por transformações radicais que visavam o rompimento com a ordem que então se apresentava.
Vilhena constatou a superpopulação de Salvador. Relacionou essa constatação demográfica a estendendo e a considerando como uma característica comum das cidades portuárias coloniais. Classificou Salvador como uma metrópole colonial, possuidora de excessiva concentração de funções, acompanhada de centralização também excessiva no que tange à comparação com as vilas, bem menos povoadas e bem menos importantes. A análise da superpopulação permitiu categorização, por parte de Vilhena, dos extratos sociais, composto por grande contingente populacional branco, pobre e português, uma espécie de excedente populacional da metrópole europeia, além da população brasileira, já percebida por ele como diversificada pela cor e pela situação econômica, isso sem deixar de se referir ao grande número de escravos africanos, número que se renovava, por meio do substancial tráfico que era feito na cidade de Salvador.
Vilhena identificou Salvador como uma metrópole colonial do império português, como tal repleta de aventureiros, que vinham de Portugal e aqui buscavam fazer a sua riqueza para mudar de condição social, no mais das vezes se valendo somente do fato de serem brancos portugueses, os reinóis, considerados superiores racialmente aos nascidos na Bahia. A brancura da pele se tornava o trunfo principal para em uma sociedade escravista serem considerados superiores e por isso terem acesso aos melhores cargos e aos melhores negócios. Vilhena identificou que tanto o sangue como o trabalho manual separavam as pessoas, quem trabalhava com as mãos ou que tinham sangue mestiço já estavam desfavorecidos e impedidos de ascensão social na cidade de Salvador, aquilo que Vilhena chamou das duas máculas, do sangue e do trabalho.
Os reinóis estavam constantemente na busca de um emprego público ou de ter facilitado a posse da propriedade da terra, por meio de uma sesmaria, além de reivindicar a entrada privilegiada no comércio da cidade. Por sua origem nacional e racial, os reinóis esperavam receber favores, comissões ou concessões por parte da coroa portuguesa. Com o aumento da população de reinóis houve o aumento da competição entre a população livre, o que ocasionou o antagonismo dos brancos europeus aos brancos nascidos na terra brasileira. Vilhena retrata esse confronto por ele identificado: “Os brancos naturais do país (Bahia) hão de ser soldados, negociantes, escrivães, oficiais em alguns tribunais ou juízos da Justiça ou da Fazenda, e alguma outra ocupação que não possa ser da repartição dos negros, como cirurgiões, boticários, pilotos, mestres ou capitães de embarcações, caixeiros de Trapiches etc. Alguns outros, se bem que poucos ou raros se empregam em escultores, pintores, ourives etc.”
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