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MARINHA E IMPERIO NO BRASIL-O ENSINO NAVAL

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MARINHA E IMPÉRIO NO BRASIL: O ENSINO NAVAL 
Simone Vieira de Mesquita
i
 
 
O presente estudo tem como foco o ensino militar naval no Brasil do século XIX, que teve 
grande importância na formação do ensino superior, bem como relevância política, científica 
e técnica, a exemplo de sua atuação no que se refere à construção de navios que participaram, 
por exemplo, da Guerra do Paraguai. Parte de referências cronológicas e analíticas da 
historiografia consultada, junto a Liberato Barroso (1897), Fernando de Azevedo (1958), 
Gilberto Freire (1959), João Batista Magalhães (1998) e Dermeval Saviani (2007), onde o 
ensino naval é visto com notoriedade, desde 1808, com a criação da Academia Real da 
Marinha, como instituição de nível superior, quando o Rio de Janeiro se torna a capital do 
Reino de Portugal, Brasil e Algarve, em face da transferência da Corte de Portugal para o 
Brasil, em função da invasão francesa, o que explica porque era destacada a preocupação 
daquela Academia com a construção naval. Nas décadas seguintes, em diferentes períodos, 
demarcados por rupturas e rearranjos políticos, que caracterizam a construção do Brasil 
independente e imperial, o ensino naval terá apoio governamental e até simpatia de alguns 
segmentos sociais, como está detalhado mais abaixo. Evidencia que: 1) nesse período, o 
ensino naval contou com a colaboração de oficiais estrangeiros, especialmente dos ingleses, 
que ajudaram na organização da armada brasileira; 2) o ensino militar foi um dos caminhos de 
acesso ao ensino superior, especialmente, para os estratos médios da sociedade, uma vez que 
os alunos que se formavam nessas escolas, estavam capacitados, não apenas em assuntos 
tecnicamente militares, como da esfera política, social e econômica, levando-os a um preparo 
profissional que lhes permitia exercer cargos, no âmbito do poder público; 3) além da 
preocupação de formar seus oficiais, o ensino militar naval cuidava de capacitar um corpo 
docente, para fazer parte do quadro de professores da Academia da Marinha, o que para 
muitas famílias abria a perspectiva de seus filhos ascenderem, intelectual e socialmente. Esta 
descrição analítica integra a nossa tese de Doutorado, que se encontra em fase de cotejo de 
fontes para mapeamento cronológico e exame da disseminação territorial das escolas de 
ensino militar naval no País. Os resultados aqui apresentados evidenciam a importância desse 
campo de ensino para o entendimento histórico da formação da elite militar e civil, no período 
aqui assinalado, que, além disso, se mostrou uma oportunidade de inserção e ascensão 
profissional, intelectual e social para os moços de origem familiar socialmente bem situada e 
remediada, para depois compor as forças armadas do Brasil, à medida que este se organizava 
como nação independente e imperial. 
 
 
Palavras-Chave: Império – Educação - Ensino Naval. 
 
 
 
 
 
 
Introdução 
 
O ensino militar naval, no Brasil, teve grande importância na formação do ensino 
superior, bem como relevância política, científica e técnica, a exemplo de sua atuação no 
que se refere à construção de navios que participaram, por exemplo, da Guerra do 
Paraguai. Contudo, o ensino militar do Exército e da Armada apresenta indícios de 
formação não sistematizada, com aulas avulsas e pontuais, desde o período colonial. É o 
que afirma Azevedo: 
 
Nessa paisagem escolar, uniforme e sem relevo, não se encontravam fora 
do domínio espiritual dos jesuítas senão a escola de arte e edificações 
militares, criada na Bahia em 1699, - talvez a primeira instituição leiga 
de ensino no Brasil, [...]. (grifamos) (1958, p.47). 
 
 
Durante a formação do Império, a educação brasileira passou por reformas na 
tentativa de atender às mudanças do novo contexto político e social que se estabelecia. O 
ensino, dividido em ensino elementar, secundário, superior, profissionalizante, especiais e 
oficiais, fomentou a busca de uma unidade nacional, especialmente, depois do hiato havido 
no ordenamento da educação, após a expulsão dos Jesuítas em 1759, pelo Marques de 
Pombal, e a criação das chamadas aulas régias. Nesse contexto, o ensino militar, do 
Exército e da Marinha, estava caracterizado como ensino especial como enfatizou Barroso 
(1867) e Azevedo (1959). 
Durante sua instalação no Brasil, D. João VI teve a preocupação de reorganizar os 
arsenais de Guerra e da Marinha, além dos hospitais militares, investindo na formação dos 
oficiais, na construção da biblioteca da Academia Naval do Rio de Janeiro, na construção 
de navios, bem como na criação, em 1808, da Academia Real da Marinha. Essa ganharia 
notoriedade, como instituição de nível superior, quando o Rio de Janeiro se tornou a capital 
do Reino de Portugal, Brasil e Algarve, em face da invasão francesa e da transferência da 
Corte de Portugal para o Brasil, o que explica porque era destacada a preocupação daquela 
Academia com a construção naval. Como enfatiza Magalhães
ii
 
 
[...] a vinda de Dom João VI, transplantaram-se para aqui os órgãos 
principais constitutivos da Marinha portuguesa, com os quais se lançaram 
os fundamentos de nossa força naval própria. Sendo criadas “a Academia 
de Marinha de Guarda-Marinha e uma Brigada Real”, voltada para 
guarnição de navios [...] (1998, p.238), 
 
A Academia de Marinha foi instalada nas proximidades do Convento de São Bento 
e, para ingressar, os pretendentes deveriam ter domínio das quatro operações matemáticas, 
saber latim, grego, línguas vivas, como inglês e francês, e ter idade igual ou superior a 18 
anos. Nesse novo cenário político, o ensino naval lança suas bases no ensino superior. 
Almeida ressalta que a “Academia de Ensino da Marinha” era equipada com 
“instrumentos, livros, modelos, máquinas, mapas e plantas.” no modelo da “Academia de 
Lisboa”. (1989, p.46), trazendo em sua base a formação acadêmica européia para os 
trópicos. 
Nas décadas seguintes, em diferentes períodos, demarcados por rupturas e 
rearranjos políticos, que caracterizam a construção do Brasil independente e imperial, o 
ensino militar foi se estruturando em um sistema de ensino específico que permitia uma 
formação profissional e acadêmica de seus integrantes. 
 
Primórdios do ensino naval 
 
Magalhães traz relatos da existência de escolas navais antes da Corte portuguesa 
chegar ao Brasil. No Pará, segundo o citado autor, foi instalada em “4 de fevereiro de 
1803, uma escola de pilotos práticos”, composta por “[...] 1 diretor, 1 ajudante, 12 
discípulos e dispunha de 2 embarcações armadas à escuna.” (1998, p. 207), mostrando 
que a escola poderia cumprir dois papeis específicos: formar seus alunos e atender as 
necessidades da instituição de vistoriar a costa brasileira. 
Além disso, a Marinha investiu na construção de navios. Ainda de acordo com 
Magalhães, o grande centro de construção naval estava na Bahia. Entre 1810 a 1822, na 
Bahia e no Rio de Janeiro, foram construídos sete navios de guerra: “fragatas Dom Pedro 
I, Real Leopoldina, União, corveta Dez de fevereiro e lugre Maria Teresa” (1998, p.245). 
Esses barcos estiveram envolvidos em diversos acontecimentos históricos, entre eles, a 
defesa do Recôncavo e da Cisplatina, a Independência do Brasil, a revolta dos “Cabanos” 
no Pará e a Guerra do Paraguai. 
Com o processo de Independência, as instituições militares foram reformadas e a 
Marinha recebeu um aumento considerável de oficiais e marinheiros ingleses que vieram 
substituir os oficiais portugueses. 
A nova organização da Marinha e a formação dos oficiais sofreram influencia de 
ingleses, estadunidenses, franceses, holandeses, que estavam radicados e serviam no 
Brasil. De acordo com a Marinha,a primeira esquadra nacional
iii
, composta por alguns 
desses navios, recebeu influencia do inglês Lord Cocharne, e dos oficiais Grenfell e 
Taylor. 
José Bonifácio, então Conselheiro do Império, convidou Thomas Cochrane para 
administrar e organizar a frota brasileira. Segundo Lopez & Mota, Cochrane inspecionou e 
constatou que os navios estavam em péssimo estado e que “a tripulação era formada por 
portugueses da “pior espécie”, descartados do serviço mercante[...] e por brasileiros que 
tinham [...]horror aos tripulantes portugueses” (2008, p.339). Nos levando a refletir sobre 
a formação do corpo de marinheiros e dos oficiais na instituição. 
Além da dificuldade com o corpo de marinheiros, o Almirante Cochrane teria 
também problemas com os capitães de navios, que, apresentavam resistência em receber 
ordens de oficiais que não fossem seus superiores compatriotas, dificultando a organização 
e o comando da frota. 
Lopez & Mota (2008) afirmam que para garantir a operacionalidade e a disciplina 
desejada, o Almirante Cochrane precisou investir em um quadro de marinheiros e militares 
contratados entre ingleses e norte-americanos. Estrangeiros que trabalharam também como 
instrutores e professores em suas áreas de domínio, nos próprios navios onde estavam em 
serviço. 
Além dos conflitos acima citados, Cochrane também enfrentou problemas com os 
militares e os marinheiros mais velhos, para isso ele propôs a contratação de “meninos de 
14 a 20 anos para aprender o ofício”. Jovens que seriam formadas pela própria instituição, 
dando abertura a um novo campo de ensino e formação. 
De acordo com Lopez & Mota, minimizados os problemas práticos, Chochrane teve 
como missão inicial, “recapturar a Bahia”, expulsando os ingleses e restaurando o 
monopólio comercial. Em sua empreitada, ele comandou a nau capitã, fragata Pedro I, 
única embarcação apta para o combate, conquistando a retirada de “13 navios de guerra e 
mais de 60 navios mercantes do porto de Salvador.” Cochrane interveio também no 
Maranhão, libertando seus portos, o que lhe valeu o título de Marquês do Maranhão (idem, 
p.p 338-342) e o reconhecimento pela organização da frota naval da época, bem como 
levou os oficiais a repensarem a formação do corpo de oficiais da Marinha. 
Com a Independência, a Constituição do Império de 1824 lançou os fundamentos 
das forças militares brasileiras, cuja finalidade, estava “[...] definida pelo art. 145: 
“sustentar a independência e integridade do Império” [...]”(MAGALHÃES, 1998, p.249). 
Durante a afirmação do Brasil como Nação, as instituições militares tiveram que se 
reorganizar e reestruturar, ao ver seus oficiais regressarem a Lisboa. Assim, a Marinha 
buscou, na formação de seus oficiais, o caminho para reestruturar a instituição, tendo como 
preocupação a nomeação de “lentes” para a Academia da Marinha. 
Após a renúncia de D. Pedro I, em 1831, houve uma nova organização nas forças 
militares. Elas diminuíram o número de estrangeiros em suas fileiras, dando início ao 
caráter nacionalista das forças armadas – Exército e Marinha. 
Em 1932, as Academias Militar e de Marinha se fundiram e passaram a ser 
denominadas Academia Militar e de Marinha da Corte do Império do Brasil, com ensino 
voltado para atender os assuntos militares, a construção de pontes e calçadas e a construção 
de navios. 
Essa fusão, segundo Magalhães, não durou: 
 
[...] evidentemente adotada por medida de economia orçamentária e por 
causa talvez da dificuldade de reunir um corpo docente suficiente para 
servir as duas academias. Havia, aliás, a vantagem de dar uma formação 
mental homogênea aos quadros das Forças Armadas. Não obstante, em 
1838, foram novamente separados os cursos para a formação de oficiais 
de terra e mar, dando surto à Escola Naval [...](1998, p.271) 
 
Embora as duas instituições estivessem ligadas pela unidade militar, cada uma 
apresentava sua especificidade, uma voltada para domínio da terra e outra do mar, a partir 
de 1838 conquistaram sua identidade, autonomia e espaço no novo cenário nacional. 
 
O ensino militar naval no Império 
 
Ao longo do Império, o ensino militar constituiu-se em oportunidade de ascensão 
intelectual e social, principalmente, para a população situada entre a classe superior e a 
inferior. Gilberto Freire enfatizou, nesse sentido, que o ensino militar foi: 
 
[...] para os brasileiros de origem modesta e de condições étnica tida, em 
certos meios, por inferior, de se instruírem em escolas militares e a 
expensas do Estado; e se instruírem nessas escolas não apenas em 
assuntos tecnicamente militares como os políticos, sociológicos, 
econômicos, tornando-se rivais dos bacharéis em Direito, dos médicos, 
dos engenheiros, dos sacerdotes, em aptidões para o exercício de cargos 
públicos. [...] uma rivalidade entre esses subgrupos – os formados nas 
escolas militares, por um lado, e o educando nas escolas de Direito, de 
Medicina, de Engenharia e nos Seminários de Teologia, por outro – que 
veio se esboçando desde a ascendência dos militares, favorecidos pela 
campanha paraguaia, [...] (1959, p.318) 
 
Podemos perceber que o ensino militar foi assumindo espaço na sociedade, 
equiparando-se ao ensino oficial, bem como criando oportunidade de ascensão 
profissional, política, social e intelectual, especialmente, nos cargos públicos, levando as 
organizações militares a desenvolverem um sistema de ensino próprio, que foi sendo 
ampliados ao longo dos anos. 
O Ensino Militar – do Exército e da Armada – constituiu-se em uma formação 
especifica, que permitiu acesso aos títulos de doutores, como ressaltou Gilberto Freire: 
 
[...] que das escolas militares de ensino gratuito e até remuneração, no 
sentido de se dar acesso ao ensino superior e, através do ensino superior, 
aos cargos políticos de importância, a numerosos brasileiros cujas 
famílias não podiam custear, para seus filhos, estudos caros. Não os 
podendo manter nos cursos jurídicos, médicos, politécnicos, nem por isto 
deixaram de vê-los doutores sob outro aspecto: como capitães-doutôres, 
majores-doutôres, coronéis-doutôres. Duplamente prestigiosos, portanto, 
numa época, como foi, no Brasil, a que se seguiu à campanha 
Paraguai,[...] (1959, p.318) 
 
 
Durante o Império, a formação superior e seus títulos constituíam-se em objeto de 
desejo não somente da elite. Embora a beca e a batina não tenham vingado, no Brasil, o 
traje de doutores, como “sobrecasaca, cartola, botinas caras e bengala, de preferencia de 
castão de ouro, definido entre outros aspectos o ensino superior como aristocrático ou 
altamente burguês” (Freire, 1959, p. 325) era motivo de cobiça, para afirmação social, 
intelectual e política, especialmente, de pessoas oriundas dos setores médios, dentre eles, 
os militares que vinha ganhando espaço desde a Guerra do Paraguai. 
Gilberto Freire ressaltou também que para os militares existia “a farda”, que eles 
consideravam como “equivalente da batina universitária: trajo igualitário ou democrático 
de escolares, fosse qual fosse sua origem social ou sua situação econômica.” (1959, p.325) 
O ensino militar ganhou respaldo perante a sociedade, igualando ou se equiparando 
à formação oficial, permitindo aos estudantes militares acesso a um patamar de elite, como 
ressaltou Fernando Azevedo, ao colocar que: 
 
[...] os engenheiros militares [...], adquiriam no país de doutores o melhor 
direito de incluir-se na elite da cultura oficial. A turquesa de seus anéis 
simbólicos valia bem ou mais do que o rubi, a esmeralda e a safira dos 
juristas, dos médicos e dos engenheiros. (1958, p. 122) 
 
Nesse sentido, as escolas militares, tornaram-se caminho para ascensão aoensino 
superior pelos estratos médios, que vinham se constituindo e buscando espaço nos cenários 
político e social, assim como no âmbito intelectual, como ressaltou Gilberto Freire: 
 
[...] era de numerosos jovens brasileiros de origem modesta e alguns 
mestiços, a quem as escolas – ou colégios – militares facilitaram a 
formação intelectual, secundária e superior. E com essa formação, 
oportunidade de ascensão social, completada pelo desejo de direção 
política do País. (1959, p. 325) 
 
 
Durante o Segundo Reinado, o ensino militar despontou no cenário nacional com a 
criação do ensino secundário militar com o Colégio Naval, em 1871. 
 
Assim é que, pelo Decreto nº 4679, de 17 de janeiro de 1871, foi 
estabelecido no Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro, um 
Externato, que consistia de um curso de um ano, para o ensino das 
matérias preparatórias do curso da Escola de Marinha. Em seguida, pela 
Lei nº 2670, de 20 de outubro, foi autorizado à criação do Colégio Naval, 
efetivada pelo Decreto nº 6440, de 28 de dezembro de 1876, assinado 
pela Princesa Isabel, então ocupando a Regência do Trono. 
(<http://www.mar.mil.br/cn/colegio/historico.htm> consultado em 
07/09/2012, 15:30) 
 
 
E com Colégio Militar, em 1889. 
 
Artigo 1° (...) sob a denominação de Imperial Collegio Militar, um 
instituto de instrução e educação militar, destinado a receber 
gratuitamente, os filhos dos officieas effectivos, reformados e honorários 
do Exército e da Armada; e, mediante contribuição pecuniária, alumnos 
procedentes de outras classes sociaes. (grifo nosso) (DECRETO N° 
10.202, 9 de março de 1889.) 
(<http://www2.camara.gov.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao8.html> consultado 
em 07/09/2012, 16:00h) 
 
 
Percebemos a expansão do ensino militar, ampliado que fora ao nível secundário, 
com os colégios preparatórios, passando a integrar o sistema de ensino militar do Exército 
e Marinha, bem como permitindo o ingresso de jovens que teriam as escolas preparatórias, 
como mais uma opção de formação. Na tabela
iv
 abaixo verificamos a expansão do ensino 
naval de forma sistemática durante os anos de 1840 a 1875. 
 
 
 
Uma expansão que perpassou por todas as regiões do Brasil, permitindo que as 
escolas navais ganhassem espaço e notoriedade. Por elas, passaram inúmeros estudantes 
que, segundo Gilberto Freire, foram “bons administradores, homens de governo e 
parlamentares que pela sua formação militar [...] prestaram ao País serviços notáveis, 
[...]” (1959, p. 316). 
Liberato Barroso, Conselheiro do Império, na pasta de Instrução Pública, 
identificou o ensino naval como um campo de ensino voltado para a formação profissional 
de uma elite, com estudos pautados nas ciências matemáticas e na filosofia positivista. 
Em 1867, segundo Liberato Barroso, o ensino naval contava com: 
 
[...] Eschola de Marinha e eschola pratica de artilharia da marinha, 
estabelecimentos subordinados ao Ministerio da Marinha. 
ESCHOLA DE MARINHA. – A Eschola de marinha comprehende em 
um mesmo estabelecimento composto de internato e externato um curso 
theorico e pratico das materiais náuticas e accessorias, cujo conhecimento 
é indispensável aos que se dedução á vida marítima. (BARROSO, 1867, 
p.20) 
 
 
Mas de acordo com Barroso, as escolas navais nesse período não eram acessíveis a 
toda a população, somente os “aspirantes ao posto de guarda-marinha” e os que 
conseguissem “licença especial do governo” (Idem, idem, p. 21). Os professores, por sua 
vez, prestavam concurso e tinha formação “cathedratica”, nas diversas áreas de 
conhecimento náutico militar. As escolas, acima citadas, tinham como objetivo específico 
aperfeiçoar a profissão militar da Marinha, que vinha se defrontando com a modernização 
da indústria náutica e sua aparelhagem de guerra. 
Saviani ressalta que, no final do Império, quando Liberato Barroso ocupou a pasta 
de Ministro da Instrução Pública, a educação era vista como “elemento de conservação do 
status quo e fator de integridade nacional”. (2007, p.135) Havia, portanto, a preocupação 
em disseminar a educação em todo o território nacional, momento em que o ensino militar 
percebeu e aproveitou a oportunidade para criar várias escolas e melhorar o quadro de 
oficiais de suas instituições. 
Nos depoimentos colhidos por Gilberto Freire, o ensino militar, dava ênfase ao 
esforço particular de cada aluno. Nesse depoimento, o ex-aluno da Escola Militar do Ceará, 
Raimundo, afirma que: 
 
Aos dezesseis anos, matriculou-se, a conselho de outro parente, na Escola 
Militar do Ceará. Por êsse parente, Tenente do Exército, soube que “a 
Escola Militar era um instituto nacional de ensino onde os moços pobres, 
por esforço, se fazer na vida, [...]” Raimundo foi beneficiado, na Escola 
do Ceará, pela “disciplina militar” que lhe pareceu “positiva e real”. E 
que corrigiu nêle o suposto “menino incorrigível”. Explica-se assim ter 
envelhecido considerando admirável esse tipo de ensino e dignos do 
máximo respeito seus principais orientadores [...](1959, p.172) 
 
 
O que parecia não ocorrer nas Escolas e Colégios oficiais, uma vez que o princípio 
da meritocracia não era respeitado, como cita um aluno em depoimento colhido por 
Gilberto Freire, 
 
No Ginásio, Claúdio ele próprio se tornou entusiasta de Martins Júnior de 
quem recorda que “prestava concurso para a Academia de Direito, 
classificado em 1° lugar e não era nomeado”. Daí Claúdio não gostar de 
Pedro II: o Imperador não respeitava a classificação dos concursos. 
(1959, p. 173) 
 
 
Não somente o Imperador, mas seus Ministros também não respeitavam os critérios 
de aprovação nos colégios, como citou outro aluno do Colégio Pedro II, em depoimento 
colhido por Gilberto Freire 
 
[...] Carlos Luís guardou a lembrança até a velhice, sem nunca o ter 
divulgado: “Tinha Benjamim Constant um filho, seu homônimo, no 6° 
ano do Colégio Pedro II (Externato). Por êle fui procurado quase no 
encerramento do ano letivo de 1889, creio que a 26 de novembro, para 
que, como setianista, encabeçasse as assinaturas de uma petição coletiva 
por êle trazida de casa, na qual os alunos de todos os anos solicitavam 
que o [novo] Ministro da Instrução [Benjamim Constant] lhes concedesse 
dispensa do ato de exame. Tratando-se de rapaz folgadão tomei o pedido 
como pilhéria, certo de que o pai não acederia ao pedido, mas depois de 
pequeno diálogo fiquei sabendo que entre pai e filo tudo tinha sido 
prèviamente concertado [....] cheio de surprêsa do que ouvia, prometi 
assinar não no início, mas no meio, e assim o fiz, para minha recusa não 
fosse mal interpretada. Recebida a petição, foi logo deferida. Um dos 
beneficiados seia Benjamim Filho, com notas baixas em História Geral.” 
(GILBERTO FREIRE, 1959, p. 109) 
 
 
Embora esse fato tenha ocorrido na transição do Império para a República, 
podemos perceber que a prática de intervir pelo outro, especialmente pelos filhos ou filhos 
de amigos, fazia com que as escolas oficiais perdessem credibilidade. 
Na busca de atender às inclinações e vocações dos filhos, sem esquecer o prestígio 
intelectual, social e político, muitas famílias da elite intelectual e social desse período 
encaminharam seus filhos para o ensino militar, especialmente por estar se destacando no 
cenário educacional. 
Gilberto Freire ressaltou essa procura pelo ensino militar, ao afirmar “[...] haver, 
nas escolas militares, certo número de jovens de famílias aristocráticas com decidida 
vocação para a pura e crua vida de soldado; nem que freqüentassem os cursos jurídicos, 
médicos, politécnicos, teológicos [...]” (1959, p.318). Além disso, sabemos quea elite 
tinha, como nos indica Aranha, o Colégio Pedro II, que foi criado em 1837, no Rio de 
Janeiro, e destinava-se [...]a educar a elite intelectual e a servir de padrão de ensino para 
os demais liceus do país, [...] (2006, p.224). 
Paralelo ao ensino oficial, o ensino militar – do Exército e da Armada - foi se 
estruturando, constituindo um campo de educação pautado em regras e normas que 
atendessem suas especificidades e melhor desenvolvessem o trabalho pedagógico com seus 
alunos. 
Nas escolas navais haviam regras disciplinares muito rigorosas. Entretanto, apesar 
dos critérios de aprovação serem rígidos, os alunos que apresentassem dificuldades tinham 
oportunidade de reverterem essa situação e permanecer nas escolas, como cita o artigo 
abaixo: 
 
Art. 7º Os Aspirantes, que forem reprovados em qualquer das materias do 
curso da Escola de Marinha, e os que perderem algum dos annos do 
mesmo curso, em virtude do disposto no paragrapho primeiro do artigo 
quarenta e um do Regulamento, que baixou com o Decreto numero dous 
mil cento sessenta e tres, do primeiro de Maio de mil oitocentos cincoenta 
e oito, poderão repetir as ditas materias ou annos, como alumnos 
externos, e ser de novo admittidos ao internato, se obtiverem approvação 
plena e forem menores de dezoito annos. 
 
Art. 8º Os alumnos externos, que forem approvados dos plenamente nos 
tres annos do curso, os que tiverem feito os respectivos exercicios 
praticos, e houverem dado provas de bim comportamento, poderão ser 
admittidos ao serviço da Armada como Guardas Marinhas, uma vez que 
satisfação as condições estabelecidas para a admissão dos alumnos 
internos, e não tenhão de idade mais de vinte e um annos. (Presidência 
da Republica – Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 
1.250, de 8 de julho de 1865. Consultado em 20 de janeiro de 2013 ,9:00 
h) 
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/LIM/LIM1250.htm> 
 
 
Percebemos, assim, que o ensino nas escolas navais levava os alunos a se 
esforçarem ao máximo para permanecer e concluir sua formação, principalmente, porque 
depois poderiam ser admitidos no quadro de profissionais da Marinha. 
 
Considerações Parciais 
 
Durante o Império, a educação apresentou-se muito fortemente voltada para a 
formação de uma elite, capaz de ordenar a sociedade nacional. Os governantes acreditavam 
que, através dela, poderia manter e consolidar o status quo, visão também perseguida pelos 
estratos médios, que no caso buscava ascender socialmente, numa sociedade dividida em 
nobres e escravos. 
Sendo oriundos de tais setores médios emergentes, os militares perceberam o 
momento de investir em seus estabelecimentos de ensino, ampliando um sistema de ensino 
que, na época, contava com escolas regimentais, preparatórias, militares, de marinheiros, 
estando sujeitos à disciplina militar, cujo objetivo maior estava centrado na formação 
especifica de seus profissionais. Vale ressaltar que o ensino militar, ainda em formação, 
recebeu influência de diversos estrangeiros que transitavam pelo País. Muitos deles 
exerceram o ofício de professor nas escolas militares, enquanto estavam em missão no 
país. 
O ensino militar tem como foco o ensino profissionalizante e superior, embora 
tenha investido no ensino secundário, que era um ensino preparatório para o ingresso nas 
escolas militares, mas que também viabilizava o ingresso nas demais escolas de ensino 
superior pertencentes ao ensino oficial do governo. 
Seguindo paralelo ao ensino oficial, o ensino militar manteve um caráter próprio, 
voltado para atender às suas especificidades, desde a Constituição de 1824, ganhando 
respaldo perante a sociedade brasileira. Respaldado pelo o Estado, o ensino militar investiu 
em um sistema próprio de ensino, de acordo com a especificidade do Exército e da 
Marinha. 
Os resultados aqui apresentados evidenciam a importância de tais instituições de 
ensino para o entendimento histórico da formação das elites militar e civil, no período aqui 
assinalado, que, além disso, abriram oportunidades de inserção e ascensão profissional, 
intelectual e social para os moços de origem familiar socialmente bem situada e remediada, 
para depois compor as forças armadas do Brasil, à medida que este se organizava como 
nação independente e imperial. 
 
Referências 
 
ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil, 1500 a 1889. 
São Paulo: EDUC; Brasília, DF: INEP/MEC, 1989. 
 
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia: geral e 
Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. 
 
AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 
São Paulo: Edições Melhoramento, 1958. 
 
BARROSO, José Liberato. A Instrução Pública no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier. 
1867. 
 
CASTRO, Rozenilda. Companhia de aprendizes marinheiros do Piauí (1874 a 1915: 
história de uma instituição educativa. Teresina: EDUFPI, 2008. 
 
FREIRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: José Olímpio Editora, 1959. 
 
LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação. São 
Paulo: Editora Senac São Paulo. 2008. 
 
MAGALHÃES, João Batista. A evolução militar do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do 
Exército, 1998. 
 
SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas-SP: Autores 
Associados, 2007. 
 
NOTAS 
 
i
 Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação Brasileira, pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde 
é atualmente Doutoranda, da Linha de História da Educação Comparada (LHEC), no Programa de Pós-
Graduação em Educação Brasileira, sob a orientação da Professora Doutora Maria Juraci Maia Cavalcante. 
E-mail: simonevmesquita@yahoo.com.br 
ii
 João Batista Magalhães foi Coronel do Exército, Professor da Escola de Comando do Exército e da Escola 
de Estado-Maior, além de sócio do Instituto de História e Geografia Brasileiro e do Instituto de Geografia e 
 
História Militar do Brasil. Durante a pesquisa de mestrado, encontramos um exemplar do seu livro “Evolução 
Militar do Brasil”, no CMF – Colégio Militar de Fortaleza, que traz um panorama da História Militar, desde 
o período do Brasil Colônia, apontando marcos históricos relevantes para a pesquisa. A pesquisa encontra-se 
em fase de cotejo, na buscar de fontes bibliográficas, junto as bibliotecas nessas instituições, para melhor 
compreender a participação do ensino militar no cenário educacional brasileiro. 
iii
 História dos navios brasileiros. http://www.naviosbrasileiros.com.br/ngb/P/P088/P088.htm> consultado dia 
01/09/2012, 17h e 27min. 
iv
 Foto retirado do livro Companhia de Aprendizes Marinheiro do Piauí de Rozenilda Castro, 2008, p.40.

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