Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO Teoria Geral dos Contratos AULA 1 1. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA A teoria geral dos contratos busca compreender os institutos que se aplicam a quaisquer tipos de contratos. No Código Civil, encontra-se dos arts. 421 a 480. Um contrato nada mais é do que uma categoria jurídica que serve para ligar uma norma à situação fática. Há divergência na doutrina sobre a existência, de fato, de uma teoria geral dos contratos. A verdade é que, estruturalmente, todos os contratos são iguais. Genericamente, a função que desempenham também é a mesma. 2. CONCEITO DE CONTRATO Nosso Código não se preocupou em dar o conceito de contrato. O Código italiano, por outro lado, diz que “o contrato é um acordo entre duas ou mais partes para criar, regular ou extinguir relações patrimoniais”. Na nossa lei, os contratos foram enquadrados dentro da Teoria dos Fatos Jurídicos, valendo-se de conceitos da Parte Geral, então. São necessários dois elementos para compreender o contrato. O primeiro é o conceito estrutural, e o segundo é o funcional. a) Conceito Estrutural de Contrato A fim de compreender o conceito estrutural, devemos analisar a Teoria dos Fatos Jurídicos. Ela baseia-se na crescente participação ou importância da vontade dos sujeitos envolvidos para determinar em que ponto se encaixa cada situação. • Fatos Jurídicos em Sentido Estrito São fatos naturais, inclusive decorrentes da passagem do tempo, que têm efeitos jurídicos. Independe, então, da vontade ou da ação humana. A vontade é, aqui, então, absolutamente irrelevante. É exemplo o jovem que, ao atingir à maioridade, passa de relativamente incapaz à capaz: nem sua vontade e nem sua ação foram relevantes aqui. Outro exemplo é a morte, que sempre leva às mesmas consequências jurídicas. É por isso que são chamados de fatos, pois independem de qualquer ação humana. Isso não significa, porém, que a vontade não existe (um suicida, por exemplo, teve vontade), mas ela é irrelevante. • Atos-Fatos Os atos-fatos são assim chamados porque, aqui, a ação humana é necessária, mas a vontade permanece irrelevante. Aqui, então, aquele que vai ser atingido pelas consequências do fato precisa agir, mas a razão pela qual é realizada tal ação não importa. É exemplo a PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO tomada de posse: o professor esquece o relógio e o aluno pega-o para devolver em outra oportunidade. Apesar disso, o tempo passa sem que seja realizada tal devolução, e acaba levando ao usucapião. A intenção do aluno, então, era outra, mas após realizado tal ato, ela tornou-se irrelevante. A doutrina atual entende que o ato-fato não pode configurar contrato. Por exemplo, se o filho clica no botão de pagamento na internet, com a consequência de comprar um livro, é gerada a obrigação de pagar, mesmo sem capacidade. Ele não possui, então, os mesmos requisitos de um contrato para gerar efeitos. • Atos Jurídicos em Sentido Estrito Aqui a vontade passa a ser relevante, assim como a capacidade. Deve haver uma compreensão, com noção das consequências de tal ação. Aqui os defeitos na vontade já são capazes de afetar a validade de tal ato. Apesar disso, a vontade ainda não é suficientemente forte para determinar as consequências do ato, que já estão conformadas pela lei. É exemplo o ato de reconhecimento de paternidade, que tem seus efeitos determinados por lei. Nos atos jurídicos em sentido estrito há, então, ação e vontade, com noção das consequências – mas sem capacidade de alterá-las, pois a lei já as determinou. • Negócios Jurídicos O negócio jurídico é o ponto máximo de participação da vontade: ela é vital tanto para a formação quanto para a conformação. Isso significa que, aqui, já é possível determinar, dentro dos limites da lei, quais serão as consequências daquele ato. A própria palavra “negócio” vem da ideia de negar o ócio, dizendo que as partes devem se mover para construir todas ou grande parte das consequências. Existem três tipos, basicamente, de negócios jurídicos. O primeiro é o unilateral, no qual uma única parte cria as condições e as obrigações do negócio, bastando uma única vontade para que esse negócio gere suas consequências (tendo como exemplo a promessa de recompensa ou o testamento). Já o bilateral é a categoria mais significativa, exigindo duas vontades. Duas partes precisam, então, contribuir para o conteúdo daquele negócio. Eles subdividem-se em duas categorias: não-patrimoniais, como o casamento; e patrimoniais, que visam a circulação de riqueza e correspondem aos contratos. Por fim, os plurilaterais são aqueles em que existem várias vontades que não são conflitantes, mas sim que estão justapostas. Nesse caso, os contratantes querem alguma coisa em comum, a exemplo do contrato de sociedade. Após essa análise, podemos concluir que os contratos são negócios jurídicos bilaterais patrimoniais. Isso porque, de alguma forma, possuem relevância pecuniária. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO Dentro do conceito estrutural de contrato, precisamos analisar os três planos dos contratos. São eles: a existência (vinculada aos elementos), a validade (vinculada aos requisitos) e a eficácia (vinculada aos fatores). • Elementos – plano da existência Existem alguns itens sem os quais o contrato não existe. São eles: 1) Consentimento: elemento volitivo, manifestação de vontade consensual. 2) Objeto: O consenso deve incidir sobre o mesmo objeto. 3) Forma: modo de externalização da vontade. Em geral, a forma é livre, mas é essencial que exista alguma forma (podendo ser informal ou formal). • Requisitos – plano da validade Os requisitos são qualidades dos elementos, sendo capazes de afetar a validade do contrato. São requisitos: 1) Capacidade: a capacidade transforma a mera manifestação de vontade em uma declaração, sendo vinculativa. 2) Liberdade: o consentimento deve ser limpo e espontâneo, não podendo incidir qualquer defeito sobre a vontade. 3) Objeto Lícito: a ilicitude é uma proibição absoluta e insuperável, uma vez que a lei vale para todos pelo mesmo período. 4) Objeto Possível: a impossibilidade pode ser fática ou jurídica. Apesar disso, ela é circunstancial, relativa – ou seja, superável. Isso porque tudo que é impossível pode tornar-se possível caso supere-se o obstáculo. 5) Objeto determinado ou determinável: deve ser possível identificar o objeto, nem que seja através de um critério fixo. 6) Forma prescrita ou não defesa: a forma é livre, salvo disposição em contrário. • Fatores – plano da eficácia Os fatores determinam a eficácia do contrato. Eles não retiram sua eficácia, apenas a condicionam ou modulam. São, em geral, acidentais: 1) Condição: condiciona a evento futuro e incerto. A suspensiva é aquela em que a eficácia depende da ocorrência do evento, enquanto a resolutiva dá fim aos efeitos caso ocorra o evento. 2) Termo: é o espaço de tempo entre os prazos. Termo é, então, um evento futuro e certo, com data determinada para a eficácia. 3) Modo ou encargo: estabelece uma circunstância para a eficácia. É exemplo uma doação que condiciona o uso do carro a levar a avó na missa. O termo ônus é mais abrangente que o encargo, mas todo encargo não deixa de ser um ônus. b) Conceito Funcional de Contrato PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO O elemento funcional está vinculado a sua capacidade de gerar obrigações. É, então, a finalidade do contrato. Essa função é atribuída ao objeto do contrato, sendo a razão determinante comum, a causa do contrato (que não pode ser ilícita). Vale, aqui, então, analisar as funções do contrato. • Jurídica Todo contratocumpre o fim de criar obrigações, sejam elas de dar, fazer ou de não fazer. • Econômica É, talvez, a principal função do contrato. Isso porque ele gera circulação patrimonial. Hoje, devido à ampliação do conceito de patrimônio, a ideia não é mais vinculada estritamente à posse, podendo ser objeto do contrato bem intangível. • Função Social Todo contrato é um elo de construção da sociedade econômica. Isso porque o contrato permite a circulação de riqueza, vinculando-se à cadeia social e à evolução da sociedade e agregando valor à estrutura social. O conceito de contrato é, então, negócio jurídico bilateral patrimonial, que cria obrigações para circulação patrimonial e de riqueza. AULA 2 3. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS Anteriormente, não se discutia que os princípios, como a liberdade contratual, eram base do contrato. Algumas divergências sobre esse assunto – decorrentes das mudanças econômicas e sociais - fizeram, porém, com que houvesse a regulamentação desses princípios, que agora encontram-se no Código Civil. Os princípios passaram, então, a orientar a leitura dos demais dispositivos, possuindo um conteúdo jurídico próprio. Cria-se, então, a dogmática dos princípios a fim de otimizar a aplicação do direito. a) Liberdade Contratual “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” O primeiro princípio dos contratos é a liberdade contratual. Muitos tratam dela como autonomia privada, já que a liberdade contratual surge a partir dela. A fonte original, porém, é a autodeterminação, princípio constitucional vinculado às liberdades individuais. Esse princípio é, então, marcado pela liberdade de determinar as próprias regras. Quanto mais interesse público, menor é a autonomia privada e vice versa. No Direito Privado, a autonomia é mais forte, e no campo das obrigações ela é tão fundamental que cria o princípio específico da liberdade contratual. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO “A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam, estabelecendo-lhes conteúdo e a disciplina jurídica.” “Esse princípio faz presumir que, em matéria de direito patrimonial, as normas jurídicas são de natureza dispositiva ou supletiva”. Com a liberdade contratual há, então, “reconhecimento de uma esfera de soberania individual que tem suas manifestações no princípio da liberdade, vinculada à pessoa, na propriedade, com referência aos bens, e no contrato, com referência a atividade econômica das pessoas”. AUTODETERMINAÇÃO AUTONOMIA PRIVADA LIBERDADE CONTRATUAL Constitucional Vinculativa Dogmática A ideia básica da liberdade contratual é o mútuo acordo, o consentimento. Desse modo, o acordo é um pressuposto. Todas essas ideias, porém, são relativamente novas no direito. No Direito Romano nem se pensava nessa liberdade, sendo marcado pela forma e pela ritualidade: o contrato real exigia a tradição; o verbis exigia que se proferissem palavras exatas; o literis exigia a forma escrita; e os contratos consensuais também serviam apenas para certos tipos especiais. Foi só com o crescimento do Império que surgiram os contratos inominados. Foi o Direito Canônico que permitiu a flexibilização do direito. Criou-se, aqui, a ideia de que o acordo gerava a vinculatividade, bastando o mero consentimento para gerar obrigação. Faltar com a palavra dada era pecado de perjúrio. Faltava, porém, amplitude no mercado para gerar a eficácia do consentimento. Isso só muda efetivamente na Revolução Francesa, pois acaba o estamento e há igualdade pra o exercício da liberdade contratual. A liberdade contratual nasce com três itens. Ela engloba, então, a liberdade de contratar propriamente, liberdade de com quem contratar e liberdade de conteúdo (que é a mais importante, a escolha das cláusulas). Já os efeitos dessa liberdade são dois: o primeiro é o obrigatório ou vinculativo, baseado no “pacta sunt servanda”: pactos são feitos para serem cumpridos, de forma que as partes ficam vinculadas às obrigações que assumiram. O segundo é o efeito relativo: o contrato é obrigatório para aqueles que consentiram, produzindo efeitos somente entre eles (as partes). A liberdade contratual passou a ser mais discutida recentemente. Isso porque houve uma massificação das relações, que alterou a própria noção de consentimento. Por exemplo, quando contratamos uma empresa de telefonia, não há uma escolha verdadeiramente livre, pois temos poucas opções com contratos já estabelecidos. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO b) Função Social do Contrato Com o tempo, percebeu-se que a liberdade contratual por si só não basta. Isso porque os contratos afetam relações econômicas em toda a sociedade, e o direito precisa se preocupar em estabelecer limites. A função social do contrato é um princípio ainda mais novo do que o da liberdade contratual. O nosso Código, inclusive, não define o que é essa função, cabendo a nós relacioná- la com a teoria funcionalista do direito. A ideia de funcionalização busca atender interesses públicos, normalmente limitando algum direito. “A função social se configura como princípio superior ordenador da disciplina da propriedade e do contrato, legitimando a intervenção do estado por meio de formas excepcionais e operando, ainda, como critério de interpretação jurídica. Ela é, por tudo isso, um princípio geral, verdadeiro standart jurídico.” A teoria funcionalista determina que, quando o ordenamento reconhece direitos às pessoas, ele pode fazer de duas formas: reconhecer o direito como um fim em si mesmo, para ser utilizado como queira; ou reconhecer o direito como instrumento para realização de um fim. Esse último é o que nos interessa. Os primeiros limites estabelecidos pela legislação eram negativos, como não influir em propriedade alheia. Já com a funcionalização, foram criados limites positivos, criando uma obrigação de exercer o direito de maneira determinada. É exemplo a propriedade privada: ela deve ser utilizada respeitando sua função social de produtividade, bem como respeitando legislações trabalhistas e ambientais. A funcionalização do direito exige três etapas. A primeira é o reconhecimento do direito, ou seja, declarar que o direito existe. A segunda é o estabelecimento da função que será cumprida naquele direito. A terceira e última é a previsão da sanção caso não seja cumprida a função. Aplicando isso aos contratos, podemos dizer que a verdadeira função deles é que sejam adimplidos. É só assim que será possível a circulação de riquezas, que acaba influindo em relações espalhadas por toda a sociedade – e não só na relação dos contratantes. O contrato, então, é capaz de criar uma situação econômica vantajosa para todos. Apesar disso, existem duas circunstâncias que justificam o inadimplemento. A primeira ocorre quando o contrato torna-se inútil para uma das partes: é exemplo a lei de locações, que estabelece multa para o inquilino que abandonar o imóvel antes do prazo contratado – mas permite que não pague a multa quando a necessidade de mudança decorrer do fato de transferência pelo seu empregador. A segunda é aquela em que o contrato fica excessivamente oneroso para uma das partes, ou seja, há desequilibrio. É exemplo o caso de contratos de compra e venda que basearam-se, inicialmente, na cotação do dólar; mas, com o tempo, a cotação variou de tal forma que o PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO contratante não conseguia arcar com as prestações assumidas. Não havia, então, proporcionalidade. É, então, a partirdessas circunstâncias que podemos perceber a função social do contrato. A função social ocorre quando, ao exercer a liberdade contratual, fixam-se contratos úteis e equitativos (proporcionais), permitindo o adimplemento. • Efeitos da Função Social no Contrato Aqui cabe, brevemente, tratar da questão da vinculatividade, que pode perder seu efeito em contratos desproporcionais. Isso porque o desequilíbrio pode levar a uma revisão do contrato, minorando o efeito vinculativo. A revisão contratual permite que o juiz reescreva cláusulas a fim de evitar que a parte “mais forte” esteja sempre privilegiada. (exemplo da gangorra: o mais forte pode escolher deixar o outro lá em cima, o que tira a graça da brincadeira). Então, o fundamento jurídico da revisão contratual é a incidência do princípio da função social. Além disso, precisamos percebe que os contratos fazem parte da nossa realidade, e acabam afetando terceiros, mesmo com a regra da vinculatividade. Terceiros podem ser atingidos pelos efeitos reflexos, ou ainda por contratos de estipulação em favor de terceiros, por exemplo. Esses efeitos, porém, não geram, como regra, obrigações, mas sim ônus e bônus (que são deveres consigo mesmo). A função social permite, porém, que o efeito da relatividade seja amenizado. Em casos extremamente excepcionais, terceiros podem adquirir obrigações. Isso ocorre devido a dois fenômenos: 1) Oponibilidade: é possível opor ao contrato contra terceiros, que adquirem obrigações negativas frente a ele. É também chamada de “teoria do terceiro cúmplice”, pois aborda casos em que terceiro tenta auxiliar um dos contratantes a descumprir o contrato. É exemplo o Caso Ipiranga: havia uma portaria determinando que postos só poderiam vender produtos da bandeira que usavam. Quando essa portaria foi revogada, novas empresas foram aos postos vender seus produtos, informando os contratantes dessa alteração. A ipiranga entrou, então, com ação contra essas empresas, terceiros, que foram imputadas com a obrigação de não violar contrato alheio. Outro exemplo é o caso Zeca Pagodinho, com as propagandas de cerveja. Existem, porém, três requisitos para a oponibilidade. São eles: que o terceiro conheça ou tenha o dever de conhecer o contrato; que o terceiro tenha praticado ato que fere direito do contratante; e que o terceiro cause dano ao contratante. 2) Extensibilidade: há uma obrigação de fazer positiva por um terceiro. É exemplo o Caso Encol: a construtora pedia empréstimos ao banco, dando como garantia hipoteca do terreno. A encol quebrou, e os valores de quitação de alguns apartamentos não foram repassados ao banco. O banco, porém, sabia dessa prática e PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO assumiu os riscos, motivo pelo qual a hipoteca não era oponível. O banco ficou, então, obrigado a dar a quitação. Outro exemplo é o de seguro contra terceiros. Quando batemos o carro, o certo seria convocar a seguradora através de uma denunciação da lide, mas isso leva a uma execução longa e custosa. Por isso, é comum que a seguradora pague espontaneamente. Houve caso, porém, em que a empresa segurada faliu, e a outra parte no acidente convocou diretamente a seguradora – que alegou não ser sua obrigação. Ela foi, porém, obrigada a pagar os valores. AULA 3 c) Boa-fé Objetiva “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” É imporante, inicialmente, não confundi-la com a boa-fé subjetiva. A boa-fé subjetiva é o modo como o sujeito se comporta na relação, contrapondo-se a ideia de má-fé. É vinculada à consciência do indivíduo. É exemplo ele vender um carro, sabendo que existe defeito: estará agindo de má-fé, devendo perdas e danos e restituição. Já a boa-fé objetiva, que é o princípio, busca parâmetro objetivo. O objetivo é não frustar a expectativa da outra parte, baseando-se na ideia de “comportamento médio, padrão”, a fim de otimizar o contrato. É a ideia de “onde eu chorei, qualquer um choraria”. O princípio da boa-fé tem origem no Direito Comercial, pois as pessoas vinham dos mais diversos lugares para negociar, sendo a confiança a base dessas relações. O comportamento de boa-fé é, então, um comportamento de confiança. O princípio da boa-fé serve ao direito como uma grande cláusula geral, padronizando comporamentos, garantindo previsibilidade e segurança. São três as funções da boa-fé objetiva: enriquecedora do vínculo contratual; mitigadora de direitos; e interpretativa ou hermenêutica. Vamos analisá-las individualmente: 1) Enriquecedora do Vínculo Contratual Os contratos, como fonte de direito, baseiam-se em dois tipos de obrigação: primárias e secundárias. As primárias, também chamadas de principais, são os motivos que levam as partes a contratar (ex: comprador quer o produto, vendedor quer o dinheiro). Já as secundárias ou acessórias são aquelas junto às principais, que podem derivar da lei ou do contrato. Elas se subdividem em preparatórias, que garantem o cumprimento da principal (ex: frete); substitutivas, que substituem a principal se não for possível cumpri-la (perdas e danos); e autônomas, que são independentes, como pagar condomínio. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO Tendo essas obrigações como base, a boa-fé surge para enriquecê-las, criando as obrigações laterais ou anexas. Elas não nascem do contrato nem da lei, mas sim do comportamento das partes. Essas obrigações se dividem em três: de cooperação ou auxílio (fazer mais do que o previsto para garantir o adimplemento); de proteção e cuidado (evitar que seja causado dano durante o adimplemento); e de informação ou esclarecimento (quando há despproporção no conhecimento dos fatos). Cada um dos tipos de obrigação possui diferentes consequências. As principais, por serem essenciais, levam ou à exigência do adimplemento ou a resolução do contrato. Já as secundárias levam a mora, multa ou reembolso, sendo claramente indenizatórias. Em algumas exceções é possível a resolução, mas somente quando as secundárias forem essenciais ao adimplemento. Nesses casos, só há consequência quando há inadimplemento. Já nas obrigações anexas, decorrentes da boa-fé, a situação é outra: não há inadimplemento, e as consequências surgem ao longo da execução. É o adimplemento ruim que leva a uma consequência. Na prática, a solução para as obrigações anexas é o abatimento do valor do contrato – o que aparenta caráter indenizatório, mas não é. Isso porque entende-se que o adimplemento ruim é uma violação a regra da mora, que abrande forma, devendo o devedor responder pelos prejuízos que causar. 2) Mitigadora Conforme o art. 187, “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” A função mitigadora busca, então, evitar o abuso de direitos. Há um ilícito objetivo nos casos de abuso. Existem, aqui, basicamente quatro figuras a serem analisadas. a) Supressio: Inércia durante lapso temporal considerável que leva à protetividade. Ou seja, há a perda de um direito devido ao comportamento reiterado de não exercitá-lo. É exemplo locador que parou de pagar aluguel pois não sabia quem era o dono do imóvel. Após ganhar ação de usucapião, locatário tentou despejá-lo, mas não pode, pois ele ficou meses sem pagar e nem havia sido constituido em mora. b) Surrectio: inércia durante lapso considerável de tempo que cria a expectativa do surgimento de um direito. É exemplo caso de separação sem condenação de alimentos, mas o marido todo mês, por anos, prestou auxílio. Ele teve quepedir para o tribunal reconhecer essa relação para que pudesse abater o valor no imposto de renda. Conseguiu o reconhecimento, pois, se parasse de pagar, sua mulher poderia reclamar o direito. c) Venire contra factum proprium: ambas as partes passam a agir de forma diversa da determinada no contrato, criando a expectativa de que é assim o modo correto de exercer. Há, então, alteração bilateral no comportamento. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO É exemplo empresário que vende sua empresa, mas permite que o novo utilize seu CNPJ para comprar dos fornecedores. Isso é feito assim, até que um dia ele liga para os fornecedores e diz que não é mais dono da empresa, e por isso não pode garantir nada. A empresa quebra por falta de fornecedores. O empresário teve de pagar indenização, pois voltou-se “contra seus próprios atos”. d) Tu quoque: o inadimplemento de uma das partes é perdoado, e depois há um inadimplemento semelhante. Esse último deverá ser perdoado também. Proibição de “2 pesos, 2 medidas”. É exemplo o consumidor que emite cheque sem fundo como prática comercial mas não quer que o banco compense os titulos de crédito. Podemos falar, ainda na função mitigadora, de uma outra figura: o adimplemento substancial. Ele ocorre quando o que não foi adimplido é substancialmente menor do que o que foi. O credor está, então, satisfeito até certo ponto. São fatores essenciais para essa figura que: a parcela adimplida seja maior do que a devida; exista causa inimputável para o inadimplemento; tenha a resolução como última opção, mas não a impeça. 3) Função interpretativa O art. 113 diz que “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” A boa-fé dá, então, meios para que o juiz e os advogados estabeleçam critérios para redigir e analisar cláusulas, respeitando as expectativas legítimas. AULA 4 4. CONTRATO COMO PROCESSO A formação dos contratos ocorre com a proposta e a aceitação. A boa-fé permite, porém, que seja analisada a existência de uma fase pré-contratual - onde há apenas contato entre as partes -, e uma fase pós-contratual. Existem, então, relações jurídicas antes e depois do contrato. A boa-fé permite essa visão, além do contrato em si, transformando-o em um processo (procedimento) com obrigações ao longo de toda a sua existência. 5. FASE PRÉ-CONTRATUAL A fase pré-contratual é anterior ao momento da proposta, sendo conhecida como fase das tratativas. É, então, uma fase em que há um contato social qualificado pela vontade de contratar. Na fase das tratativas as partes buscam mensurar até que ponto estão dispostas a ceder e aceitar, servindo como amadurecimento do consentimento. A regra, então, é a liberdade de desistência, sem motivo e a qualquer momento. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO Pode, porém, haver uma responsabilidade pré-contratual decorrente da boa fé, e esta deve ser analisada. Essa responsabilidade surge quando o direito de desistência é exercido de maneira abusiva. O que surge, então, é uma responsabilidade anterior ao contrato e, portanto, extracontratual. A responsabilidade extracontratual diferencia-se da contratual por alguns pontos importantes. Primeiramente, o ônus da prova é daquele que alega o exercício abusivo do direito (do autor). Em segundo lugar, há presunção de solidariedade quando há mais de um contratante que desiste de modo abusivo. Por fim, o prazo de prescrição para ilícito extracontratual, conforme a jurisprudência, é de 3 anos, enquanto o contratual é de 10. Há exercício abusivo do direito de desistência quando foi gerada expectativa legítima na outra parte de que seria realizado o contrato e ele deixa de ser concretizado sem justificativas. Esse “rompimento” extracontratual deve ser indenizado, não sendo possível a exigência de execução específica – pois as partes não podem ser obrigadas a contratar, e porque nas tratativas ainda existem lacunas. O direito indenizatório é vinculado à perda da fase extrancontratual, que nada mais é do que a perda da chance de contratar. Há, então, prejuízo por aquele contrato não ter ocorrido. Diz-se, então, que a indenização é de acordo com o interesse negativo (tudo aquilo que deixei de receber). Esse interesse negativo abrange danos emergentes (o que gastei) e lucros cessantes (o que posso ter deixado de ganhar), na medida da razoabilidade. Importante dizer que o valor dos lucros cessantes nessa fase é menor do que na contratual, pois é difícil avaliar o que realmente decorreria do contrato. As tratavis, então, representam todo o período de discussão. Elas se transformam em proposta - que é o primeiro ato da fase contratual e, portanto, vincula - de modo muito tênue. Enquanto, porém, houver questões não consolidadas, não há proposta. É exemplo clássico o caso Pão de Açúcar X Supermercado Disso. Após longas tratativas, o supermercado desiste sem razão expressa. A empresa Pão de Açúcar queria forçar o cumprimento do contrato, mas isso não foi possível, pois havia questões ainda não discutidas. Não havia, então, proposta. Cabe aqui, ainda, analisar o valor das tratativas caso seja realizado o contrato. Elas possuem, nesse caso, um valor hermenêutico, servindo para analisar cláusulas ou assuntos do contrato com dificuldade interpretativa. AULA 5 6. FASE CONTRATUAL: FORMAÇÃO A) Proposta A formação do contrato inicia-se com a proposta. Ela é uma declaração unilateral de vontade, pois produzida por alguém capaz. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO São três as características básicas da proposta, a fim de diferenciação das demais declarações de vontade: deve ser receptícia, ou seja, feita para ser recebida, direcionada a um destinatário; completa, com todos os elementos necessários para descrever as condições do contrato; e séria, crível e formal, tanto em relação ao conteúdo quanto às circunstâncias nas quais é feita. Caso a proposta tenha todas essas características, ela vinculará e obrigará o proponente. Isso é determinado confome o art. 427, que diz que “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.” Conforme o próprio artigo existem, então, casos em que a proposta não obriga. O primeiro caso é quando os termos da proposta indicam ressalva, a exemplo de venda de produto “sujeita à confirmação”, ou até quando levam indiretamente a essa conclusão (aviso que estou propondo para outras pessoas também). O segundo caso é devido à natureza do negócio, pois existem contratos que impedem que se crie a expectativa, como o leilão e a licitação. O terceiro e último caso é relacionado às circunstâncias negociais, relativo ao modo como é feita proposta, a exemplo do aluguel de casa na praia (que normalmente envolve diversas imobiliárias e, portanto, sabemos que pode já ter sido alugada). De modo geral, então, a proposta vincula quando gera uma expectativa legítima. A obrigatoriedade da proposta se dá em relação a seus termos e, uma vez aceita, à execução do contrato. É importante definir, porém, por quanto tempo vale a proposta. Algumas propostas possuem prazos estabelecidos, facilitando a análise. Quando, porém, não houver prazo, a lei definirá. No prazo indeterminado, a lei utiliza o conceito de ausente e presente para definir o prazo. A presença está vinculada a capacidade de aceitação imediatada, e não à presença física. Desse modo, telefone e Skype também são presença. Entre presentes, a proposta deixa de ser vinculante se não for aceita imediatamente. Apesar disso, pode ser estabelecido prazo no momento da proposta, o que é comum (ex: oblato pedeum dia para decidir). Já entre ausentes, o prazo deve corresponder ao tempo razoável para a resposta. A razoabilidade, aqui, é objetiva, vinculada ao meio de comunicação utilizado (ex: e-mail X dias, carta Y dias). Existe, na proposta entre ausentes, a possibilidade de retratação. Ela só é possível entre ausentes porque deve vir antes ou junto da proposta – o que é impossível entre presentes. Tudo isso está no art. 428 do CC. Há, ainda, a possibilidade de proposta a pessoa incerta – ou seja, não receptícia. É a que conhecemos como oferta pública, e ela obriga da mesma maneira, admitindo retratação, conforme o art. 429. É diferente, porém, da oferta pública do CDC, que não comporta retratação, mas apenas retificação. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO B) Aceitação Após a proposta, para que haja a efetiva formação do contrato, deve ocorrer a aceitação. Essa aceitação é, também, uma declaração unilateral de vontade receptícia – mas no sentido oposto. A aceitação, porém, diferencia-se da proposta por suas características básicas, que são duas. A primeira é que ela é sempre adesiva: isso significa que na aceitação da proposta basta o “sim”. Se o oblato quiser alguma alteração, será contraproposta, e não aceitação. Nada tem a ver, porém, com contrato de adesão (que é aquele em que não há a fase das tratativas). A segunda característica é que ela deve ser tempestiva. Ela deve, então, ser feita no prazo estipulado, caso contrário também será contraproposta. Caso chegue aceitação intempestiva por motivo inimputável, o proponente não precisa manter sua proposta, mas deve avisar imediatamente aquele que aceitou. Se não o fizer, pode ser responsabilizado. C) Formas de Proposta e Aceitação A proposta e a aceitação se dão, basicamente, de duas formas. A primeira é a forma expressa, com externalização perceptível, sendo onde a proposta normalmente se encaixa. Já a forma tática é aquela indireta, onde as circunstâncias levam a um entendimento implícito. A proposta, aqui, é mais rara, mas é exemplo as latas de refrigerante à venda na máquina. Já a aceitação enquadra-se, aqui, mais facilmente. As aceitações tácitas ocorrem de dois modos. O primeiro é pelo comportamento concludente, ou seja, o oblato comporta-se de tal maneira que passa a executar o contrato. É exemplo a parte que recebe um cartão por correspondência e passa a utilizá-lo. O segundo modo é aceitação pelo silêncio – mas esse silêncio deve ser qualificado pela lei (ex: contrato de locação por prazo determinado vira indeterminado se ao fim dele ninguém se manifestar), pelo contrato (ex: cláusula diz que haverá renovação a cada 12 meses, caso não haja manifestação em contrário), ou pelas circunstâncias (ex: fruteira sempre fornecia para o restaurante, por anos). Silêncio qualificado é aquele em que a situação trazia o dever de a parte dizer não, sob pena de estar aceitando. D) Momento de Formação O momento de formação é importante, pois define a aplicação do lei no tempo. A verdadeira divergência nessa questão ocorre no contrato entre ausentes, uma vez que entre presentes a proposta e a aceitação são imediatas – formando o contrato também imediatamente. São duas as teorias usadas nos casos de divergência. A regra geral é a da expedição, em que o contrato é formado no momento de envio da aceitação. Baseia-se, então, na ideia de que o oblato visa contratar conforme as leis daquele momento, do momento em que aceitou. PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO Existem, porém, três exceções que fazem com que valha a chamada teoria da recepção. O primeiro caso é quando há retratação: vale o que for recebido primeiro. O segundo caso é aquele em que a proposta estabelece prazo para aceitação e determina que aguardará, só sendo formado o contrato no recebimento. A terceira hipótese é a de aceitação intempestiva inimputável, na qual, caso o proponente inicial queira, pode contratar – o que será, na verdade, nova aceitação. E) Local da Formação A questão do local determina a aplicação da lei no espaço. Nacionalmente, não é tão relevante, pois o Código Civil e Comercial é aplicado em todo o território nacional. A regra geral é que há liberdade para escolha da lei aplicada. Para aplicação de lei estrangeira, porém, deve haver elemento de estraneidade (parte estrangeira, produto importado). Alguns ainda entendem que é necessária a conexidade, dizendo que a lei estrangeira aplicada deve ter relação com o elemento de estraneidade. A questão do local é, então, importante nos contratos internacionais. A lei brasileira determina que, se não houver cláusula determiando, pressupõe-se que a lei aplicada é a de residência do preponente. AULA 6 7. ENTRE A FORMAÇÃO E A EXECUÇÃO Após a formação, é comum que se inicie a fase da execução. Apesar disso, entre esses dois momentos, existem circunstâncias que podem alterar o contrato. São, então, algumas as figuras que surgem entre a formação e a execução: A) Arras As arras são uma cláusula, e não um contrato, que surgem no lapso temporal entre formação e execução. Ela possue dupla-função, sendo ou de garantia ou de direito de arrependimento. As arras confirmatórias são as que buscam garantir o cumprimento do contrato. Elas possuem três funções básicas: garantia da execução (normalmente com o pagamento de um valor), antecipação do pagamento (função eventual, caso seja cumprido o contrato há compensação) e efeito indenizatório caso não seja cumprido o contrato (o que foi dado em arras fica para a parte prejudicada). Sobre a função indenizatória, cabe salientar que as arras são sempre bilaterais, mesmo que inicialmente só uma das partes dê a garantia. Então, se aquele que descumpre foi o que recebeu as arras, ele deve devolver o que foi ganho e ainda pagar o equivalente como indenização (paga em dobro). Cabe dizer, ainda, que o valor das arras confirmatórias funciona como indenização mínima, cabendo pedir maiores valores caso o prejuízo seja maior. Já as arras penitenciais são aquelas em que o contratante determina que é provável o arrependimento, e que ele terá direito a isso. Determina-se, então, que, em caso de desistência, aquele valor fica para a outra parte. É um meio, então, de “comprar” o arrependimento. Aqui, se há prejuízo PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO maior, não cabe indenização além das arras. Importante, ainda, dizer que as arras penitenciais podem ser exercidas até o momento da execução e, caso não utilizadas, podem ser convertidas em pagamento. A regra são as arras confirmatórias, por esse motivo quando busca-se utilizar arras penitenciais deve estar expresso na cláusula o seu tipo. Toda essa matéria está regrada no CC nos arts. 417 a 420. B) Contrato com Pessoa a Declarar É relativamente novo no Brasil. É também uma cláusula, que determina que certa parte está ai temporariamente, até indicar outra pessoa para integrar o contrato em seu lugar. Na formação do contrato, então, as partes eram X e Y. Com essa cláusula, até a execução, as partes podem ser X e Z, pois Y indicou alguém para assumir sua função. A finalidade dessa cláusula é, então, a intermediação. Essa pessoa que entra, assumindo a função da outra parte, sofre os efeitos que foram determinados desde sua formação. São, então, efeitos retroativos. Há o risco de que seja indicada pessoa desconhecida, e por isso é necessário que possua capacidade e patrimônio suficiente para solvência. Caso, antes da execução, essa nova parte não possa cumprir, o que a indicou é responsável. O prazo estabelecido pela lei para indicação é de 5 dias, mas essa regra é disponível, podendo as partes determinar outra coisa. Se terminar o prazo determinadoe não for indicada outra pessoa, o contrato se consolida com aquele que deveria indicar outro e não o fez. É muito comum a utilização dessa cláusula nas concessionárias que vendem carros para terceiros. Ela está regrada no CC nos arts. 467 a 471. C) Estipulação em Favor de Terceiro É, também, uma cláusula. Não se confunde com a flexibilização do efeito relativo e nada tem a ver com a boa-fé. Em alguns casos é essencial ao contrato, mas normalmente é incidental. O contrato é, nesses casos, feito com uma cláusula especialmente direcionada a afetar terceiros. É exemplo o seguro de vida, no qual essa estipulação é essencial. As obrigações, então, são das partes contratantes, mas os benefícios do contrato são de terceiros. Vale dizer que é possível alteração unitaleral pelo contratante, bem como é possível que este perdoe o devedor. Só não são possíveis essas medidas quando a própria execução da cláusula é cedida ao terceiro, fazendo com que ele possua o ônus de cobrar aqueles valores. Essa cláusula sempre é um benefício, não podendo, então, criar ônus para o terceiro. Essa figura está regrada nos arts. 436 a 438. D) Promessa de Fato de Terceiro Aqui, o contratante assume a obrigação de que um terceiro realizará a execução. Se não ocorrer, há inadimplemento. Normalmente essa execução nada mais é do que uma PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO concordância. É exemplo a negociação que necessita de assinatura do sócio B, mas o sócio A garante que o outro assinará. Caso o terceiro se recuse há cumprir, há inadimplemento. Esse descumprimento, porém, é daquele que se responsabilizou pelo fato do terceiro – e não do terceiro em si. A única exceção é quando o terceiro concorda e depois muda de ideia. Em nada influencia, então, na formação do contrato. A alteração ocorre na execução. Está nos arts. 439 e 440 do CC. E) Contrato Preliminar O contrato preliminar, também chamado de contrato-promessa ou pré-contrato, tem sua origem no comprimisso de compra e venda. Ele, diferentemente dos demais, é um contrato – e não uma cláusula. Ele surgiu pois, muitas vezes, os contratos de compra e venda se arrastavam de tal forma que uma das partes havia falecido. Esse contrato é executado através da formação de outro contrato. Ele é utilizado quando as partes querem contratar, mas falta algum elemento para que possam realizar o contrato definitivo. Ele nada mais é, então, do que uma promessa de fazer o contrato principal. Ele possui todos os elementos daquele, menos a forma. A execução do contrato preliminar ocorre com a realização do principal. É necessária, então, declaração de vontade para que o preliminar se converta em definitivo. Apesar disso, quando todos os elementos necessários ao contrato estiverem definidos e quando não houver cláusula de arrependimento, apode ser exigida a execução específica do contrato. Há, então, uma fungibilidade jurídica que leva ao suprimento judicial da vontade. Se por algum motivo específico - como nas obrigações de cunho personalíssimo, quando faltar elemento ou quando houver terceiro de boa-fé envolvido - não for possível a realização do contrato definitivo, converte-se em perdas e danos. Nesses casos, o juiz não pode suprir a vontade jucialmente. A cláusula de arrependimento não exclui esse direito a indenização. A regra no contrato preliminar é a liberdade de formas, pois esta é justamente a característica que o diferencia do definitivo. Ele, então, pode ter qualquer forma para ser válido (plano da validade). Apesar disso, ele precisa estar devidamente registrado para que possa surtir efeitos em relação a terceiros (plano da eficácia). Em geral, o contrato preliminar é bilateral, fazendo com que a obrigação de realizar o contrato definitivo pertença às duas partes. Excepcionalmente, porém, há a “opção” ou contrato preliminar unilateral, em que só uma das partes fica obrigada a realizar o contrato definitivo, caso a outra queira. É exemplo a tentativa de venda de ações para um sócio: posso me obrigar a vender para ele por tal valor, mas ele tem a opção de comprar ou não. Praticamente todos os contratos definitivos podem ser o alvo do preliminar. A discussão gira, porém, em tono da doação. Isso porque a doação, como um ato de liberalidade, não poderia ser forçada. A maioria da doutrina crê, então, que não é possível contrato preliminar com promessa de doação. Há uma exceção, porém, que é a promessa de doação feita em PROF. LUIS RENATO 2017/1 HELENA FABRICIO juízo. É exemplo casal se separando que decide doar a casa para os filhos, mas não pode efetivar no momento pois não há escritura pública. É permitido porque já há, aqui, manifestação da liberalidade. Em resumo, o contrato preliminar é a obrigação de realizar um contrato definitivo. Está regrado no CC nos arts. 462 a 466. TEXTO JUDITH: Elementos objetivos do acordo contratual: a) contrato como atividade, ou seja, ações humanas direcionadas; b) atividade comunicativa finalisticamente orientada; c) destina-se a pôr em um contato juridicamente vinculante; d) convergência dos sujeitos quanto ao propósito da atividade. A função dos contratos é operar a circulação de riquezas. Eles são realizados, teleológica e vinculativamente, para produzir a vinculação intersubjetiva, alterando a situação jurídica que deles decorre. “Contrato como uma atividade, comunicativa voluntária e lícita entre sujeitos qualificados como suas partes, expressada em u acordo determinado ou determinável temporalmente, voltado, teleológica e vinculativamente, para a produção de efeitos jurídicos primordialmente entre suas partes, cuja função é a de fazer circular a riqueza entre patrimônios, transformando a situação jurídico-patrimonial dos envolvidos e gerando-lhes uma expectativa ao cmprimento garantida pelo Ordenamento, segundo seus critérios técnicos e valorativos.”
Compartilhar