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dos espíritas pelos procedimentos da psicologia experimental, ele é levado a ver nelas, e conseqüentemente na magia, ilusões, pré-possessões, erros de percepções causados por fenômenos de expectativa. Todos esses trabalhos têm urn caráter ou um defeito comum. Não se buscou fazer uma enumeração completa das diferentes espécies de fatos mágicos e, por conseguinte, é duvidoso que se tenha conseguido constituir uma noção científica que abranja o conjunto. A única tenta- tiva feita, por Prazer e Jevons, para circunscrever a magia, peca por r parcialidade. Eles escolheram fatos pretensamente típicos; acreditaram na existência de uma magia pura e reduziram-na inteiramente aos fatos de simpatia; mas não demonstraram a legitimidade da escolha. Eles dei- xam de lado uma massa considerável de práticas, que todos os que as praticaram, ou viram praticar, sempre qualificaram de mágicas, como os encantamentos e os ritos em que intervém demônios propriamente ditos. Se velhas definições não são levadas em conta e se é constituída definitivamente uma classe tão limitada de idéias e de práticas, fora das quais não se quer reconhecer senão aparências de magia, pedimos então que se expliquem as ilusões que induziram tantas pessoas a tomar por mágicos fatos que, por si mesmos, não o eram. É o que esperamos em vão. Acaso nos dirão que os fatos de simpatia formam uma classe natural e independente de fatos que importa distinguir? É possível; ainda assim seria preciso que eles tivessem produzido expressões, imagens, atitudes sociais suficientemente distintas para que se pudesse dizer que estão cla- ramente separados do resto da magia; acreditamos, aliás, que não é isso que acontece. Em todo caso, seria necessário ficar então entendido que nos é dada dessa maneira apenas uma teoria das ações simpáticas e não da magia em geral. Em suma, ninguém nos forneceu até o presente a noção clara, completa e satisfatória da magia, da qual não poderíamos abrir mão. Somos então levados a constituí-la nós mesmos. Para chegar a isso, não podemos nos limitar ao estudo de uma ou de duas magias, precisamos considerar ao mesmo tempo o maior número possível delas. Com efeito, não esperamos deduzir da análise de uma só magia, ainda que bem escolhida, uma espécie de lei de todos os fenôme- nos mágicos, pois a incerteza em que estamos sobre os limites da magia nos faz temer não achar representada nela a totalidade dos fenômenos mágicos. Por outro lado, devemos nos propor estudar sistemas o mais heterogêneos possível. Será o meio de estabelecer que, por mais variá- veis que sejam, segundo as civilizações, suas relações com as outras classes de fenômenos sociais, a magia ainda assim contém em toda par- te os mesmos elementos essenciais, e que, em suma, ela é em toda parte idêntica. Mas, sobretudo, devemos estudar paralelamente magias de so- ciedades muito primitivas e magias de sociedades muito diferenciadas. É nas primeiras que encontraremos, em sua forma perfeita, os fatos ele- mentares, os fatos-origens dos quais os outros derivam; as segundas, com sua organização mais completa, suas instituições mais distintas, fornecerão fatos mais inteligíveis para nós, que nos permitirão compreen- der os primeiros. Preocupamo-nos em levar em conta apenas documentos muito se- guros e que nos descrevem sistemas completos de magia. É o que reduz singularmente o campo de nossas observações, por menos que queira- mos nos ater somente aos que solicitam um mínimo de crítica. Restrin- gimo-nos portanto a observar e a comparar entre si um número limita- do de magias. São estas as magias de algumas tribos australianas;1 as de um certo número de sociedades melanésias;2 as de duas das nações de origem iroquesa, Cherokee e Huron, e, entre as magias algonquinas, a dos Ojibwa.3 Levamos igualmente em consideração a magia do antigo México.4 Também demos importância à magia moderna dos malaios dos estreitos,5 e a duas das formas que a magia adquiriu na índia: forma po- pular contemporânea estudada nas províncias do noroeste; forma quase erudita, que lhe deram certos brâmanes da época literária, dita védica.6 1. Arunta: Spencer e Gillen 1898. — Pitta-Pitta e tribos vizinhas do Queensland central: W. Roth 1897. — Kurnai; Murning e tribos vizinhas do sudeste: Fison e Howitt 1880; 1883: 185- ssjj.A.l., v. 16: 32-33; J.A.I., v. 17: 30-35 — Esses documentos preciosos são muitas vezes in- completos, sobretudo no que concerne aos encantamentos. 2. Ilhas Banks, Ilhas Salomão, Novas Hébridas: M. Codrington 1890; em torno desse estudo capital, reunimos um certo número de indicações etnográficas, entre outras as de Gray (1892) sobre Tanna; cf. Sidney H. Ray 1894: 227-55. Esses trabalhos, interessantes sobretudo pelo que nos ensinam da idéia de mana, são incompletos no que concerne ao detalhe dos ritos, aos encantamentos, ao regi- me geral da magia e do mágico. 3. Entre os Cherokee, estamos em presença de verdadeiros textos, de manuscritos rituais propriamente ditos, escritos por mágicos, em caracteres se- quoya; Mooney (1887; iS"h Reporí) recolheu cerca de 500 fórmulas e rituais; ele conseguiu várias vezes obter os melhores comentários sobre elas. — Em relação aos Huron, servimo- nos apenas das excelentes indicações de Hewitt sobre o orenda, do qual se fará um relato adiante. — Os pictogramas ojibwa (Algonquinos), descrevendo as iniciações nas diversas sociedades mágicas, nos foram também de grande utilidade. Eles possuem ao mesmo tempo, nos trabalhos de Hoffmann (1887), o valor de textos escritos e de monumentos figurados. 4. Sobre a magia mexicana, ver o manuscrito ilustrado, em nahuatl e espanhol, redigido por Sahagun, publicado, traduzido e comentado por Seler (s/d.: vn: 2.2/4), cujas informações são excelentes mas sumárias. 5. O livro de W. W. Skeat, Malay Magic (1899), contém um excelente repertório de fatos, bem analisados, muito completos, observados pelo autor, ou recolhidos numa notável série de opúsculos mágicos manuscritos. 6. Os hindus nos forne- ceram um corpus incomparável de documentos mágicos: hinos e fórmulas mágicas do Atharva Veda (cf. bibliografia); textos rituais do Kauçika-Sutra (cf. bibliografia). Mas não esqueçamos que esses textos mal datados representam apenas uma das tradições, por assim dizer, literárias, de uma das escolas bramánicas ligadas ao Atharva Veda, e não toda a magia bramânica nem, menos ainda, toda a magia da índia antiga. — Quanto à índia moderna, > Magia 53 Servimo-nos muito pouco de documentos de língua semítica, sem no entanto negligenciá-los.7 O estudo das magias gregas e latinas8 nos foi particularmente útil para o estudo das representações mágicas e do fun- cionamento real de uma magia claramente diferenciada. Servimo-nos, enfim, dos fatos bem atestados que nos fornecem a história da magia na Idade Média9 e o folclore francês, germânico, celta e finlandês. n. Definição da magia > servimo-nos sobretudo da coletânea de Crooke (1897). Ela contém um certo número de lacunas, principalmente em relação às nuances dos ritos e aos textos das fórmulas. 7. Não conhecemos da magia assíria senão rituais de exorcismo: Fossey 1903. Sobre a magia judaica, temos apenas dados fragmentários: Witton-Davies 1898; L. Blau 1898. - Deixamos de lado a magia dos árabes. 8. Sobre o valor das fontes gregas e latinas, um de nós já se explicou (H. Hubert, "Magia", no Dictionnaire dês antíquités grecques et romaines s/d., fase. 31: 9-55). Uti- lizamos de preferência os papiros mágicos, que nos apresentam, se não rituais inteiros, ao menos indicações completas sobre um certo número de ritos. Recorremos de bom grado aos textos dos alquimistas (Berthelot 1887). Utilizamos apenas com prudência textos romanos e contos mágicos. 9. Nosso estudo da magia da Idade Média foi grandemente facilitado pelas duas excelentes obras de Hansen, cuja resenha já fizemos (Mauss A.S., v. 5: 228-35). Admitamos provisoriamente, em princípio, que a magia foi