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Teoria da História Aula 10 Os direitos desta obra foram cedidos à Universidade Nove de Julho Este material é parte integrante da disciplina, oferecida pela UNINOVE. O acesso às atividades, conteúdos multimídia e interativo, encontros virtuais, fóruns de discussão e a comunicação com o professor devem ser feitos diretamente no ambiente virtual de aprendizagem UNINOVE. Uso consciente do papel. Cause boa impressão, imprima menos. Aula 10: Os iluministas e a história Objetivo: Examinar o pensamento dos iluministas britânicos e franceses sobre a história, estudando-os no contexto dos respectivos quadros econômicos e políticos dos séculos XVII e XVIII. A situação de Inglaterra e França nos séculos XVII e XVIII O iluminismo foi um acontecimento intelectual de repercussões políticas que irrompeu na Europa do século XVIII e que foi deixando suas marcas históricas na Europa e no mundo ao longo dos séculos seguintes. O pensamento iluminista vinha carregado de novas ideias sobre o mundo e a sociedade, apresentando-se como uma crítica aos sistemas econômicos e políticos vigentes ligados então ao absolutismo1 monárquico. O iluminismo, porém, não vinha inocente. Na verdade, marcava-se claramente pelo pensamento burguês, constituindo-se como uma plataforma de conceitos e reivindicações da classe burguesa emergente europeia. Tal burguesia estava pronta a tomar as rédeas políticas de um continente que já vinha apresentando os resultados de uma mudança significativa nas relações de produção, certamente favorável aos seus interesses. Portanto, ao mesmo tempo, o iluminismo era causa e efeito. Vinha para trazer, por meio dos debates filosóficos dos pensadores europeus dos dois lados do Canal da Mancha2, uma teoria para a nova sociedade que surgia. Ao mesmo tempo, era fruto da classe burguesa, pois esses filósofos e pensadores, em sua maioria, faziam parte dessa classe social e naturalmente defendiam seus interesses imediatos. Os quadros materiais de Inglaterra e França nesses dois séculos iluministas eram, porém, bem diferentes. No caso inglês, temos um processo muito adiantado de transformação capitalista da economia, ocorrido desde o século XV, que havia sido propiciado por transformações econômicas e sociais no campo e na cidade. O surgimento das manufaturas enriquecera seus proprietários. A existência de uma religião reformada, a partir do século XVI, que propunha a fé individualizada, com base na leitura da Bíblia e na crítica do mundo a partir dessa leitura, transformara espiritualmente, de maneira indelével, essa realidade cultural e social. O absolutismo monárquico inglês aprendia às duras penas com o diálogo parlamentar obrigatório, que se não fazia com que o rei se curvasse aos interesses burgueses face à forte presença dos Lordes, obrigava-o a compor com os mesmos interesses burgueses, também fortemente representados no Parlamento3. No século XVII, ocorre o inevitável desencontro entre os interesses burgueses de expansão dos seus negócios capitalistas. Os burgueses desejavam a transformação da terra em espaços de produção de matérias-primas de transformação, contrariando assim os velhos interesses e as concepções feudais de riqueza baseada na posse consuetudinária4 da terra. O questionamento desses valores desaguou na guerra civil, que arrastou a população às armas a colocando ao lado dos burgueses. Estes últimos, liderados pelo presbiteriano Oliver Cromwell, prometiam uma nova ordem de inclusão e a distribuição de justiça para todos. O rei foi derrotado e deposto em 1649 após quase uma década de enfrentamentos; a república se constitui sob a liderança burguesa. Essa mesma liderança traz de volta a monarquia, em 1660, encerrando a fase republicana e iniciando outra, com um rei fraco em função do domínio quase que total que a burguesia exerce. Assim, os burgueses submetem a Inglaterra aos arranjos para o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, que desaguaria na revolução industrial ao longo do século XVIII. Uma população que acreditara na liberdade como fruto da inspiração religiosa, via-se agora diante das exigências do trabalho a serviço do capital. Uma nova mentalidade de submissão era portanto necessária. No caso da França, outro quadro se constituiu. A monarquia francesa se tornara absolutista dentro de padrões extremos, adotados desde o século XVII. O rei se fizera um monarca que concentrava todo o poder em sua figura, a ponto de Luís XIV identificar sua pessoa ao próprio Estado. No aspecto social, o absolutismo se mostrara cruel para com os pequenos proprietários, camponeses e excluídos, cobrando altos impostos e não distribuindo benefícios na mesma medida. Uma modalidade de capitalismo burguês importante, produtor de mercadorias de alto valor, atendia a demanda da nobreza. Um capitalismo semelhante ao da Inglaterra, porém, via-se impossibilitado de florescer, em particular pela ausência de uma monarquia flexível diante de tais interesses. A exploração monárquica tornou-se crescente ao longo do século XVIII, a ponto de beirar o insuportável, provocando a revolta das massas e a insatisfação dos burgueses. Explodiu a revolução, marcada pelo episódio da queda da Bastilha em 1789. Digladiaram-se defensores da monarquia, burgueses moderados e jacobinos5 exaltados. Prevaleceu, ao final, a ala moderada da revolução que, entre a manutenção da monarquia e a instalação definitiva da república, abriu caminho para Napoleão Bonaparte e seu projeto de conquista da Europa, desenvolvido nas primeiras duas décadas do século XIX. A França chegara ao ponto mais alto das contradições e enfrentamentos entre o velho e o novo, e o que resultou ao final foi o surgimento de um general – Napoleão Bonaparte, representante da alta burguesia – com arroubos de rei absolutista, em meio ao derramamento de sangue do povo que se oferecia para a luta pela liberdade. O projeto burguês, portanto, concluía-se, independentemente a partir daí de estar a França sob uma monarquia ou em regime republicano. Os pensadores britânicos e o empirismo de David Hume Os filósofos e os pensadores do iluminismo britânico eram da Escócia. Esse fato se explica pela presença da cultura e do pensamento protestante presbiteriano6, de origem calvinista, comprometido com o individualismo religioso e os efeitos do mesmo no cotidiano social. Os filósofos iluministas britânicos, porém, foram muito além da religião, propuseram uma nova base teórica para as questões da sua sociedade, livrando-a da ênfase religiosa que sustentara a primeira fase das transformações burguesas na Inglaterra. Forneceram, portanto, como novo fundamento, o empirismo e o utilitarismo filosófico, aplicados à política, à economia e à cultura. Os mais importantes pensadores da chamada “escola escocesa” foram David Hume, John Locke, Thomas Hobbes e Adam Smith. Veremos a seguir alguns aspectos do pensamento de David Hume, aplicados à história e à sociedade. Hume (1711-1776) é considerado o primeiro filósofo da escola escocesa. Amigo dos pensadores Adam Smith e Jean-Jacques Rousseau. Escreveu a obra História da Inglaterra, muito contestada pela Igreja Anglicana. David Hume, que era um crítico da religião, viu-se muitas vezes combatido na Escócia sob a acusação de ateísmo. Hume elaborou uma análise histórica baseada em uma linha evolutiva da existência humana, que segundo ele caminhava paralela e dependente do desenvolvimento econômico. Depois defases preliminares, a civilização chegara, com o progresso econômico do século XVIII, ao seu auge. O filósofo Hume valorizava os sentidos e a experiência. A isso Hume denominou empirismo. Na verdade, Hume propunha uma mudança de paradigma, com o abandono da submissão à religiosidade protestante e a negação de um código de conduta respaldado pela ética religiosa. Portanto, deveria ser considerado bom aquilo que tem na experiência a sua fundamentação e que efetivamente promove os interesses do homem. A utilidade das coisas e dos procedimentos deve determinar as decisões pessoais e o rumo da própria sociedade. Nada mais adequado ao projeto capitalista e à revolução industrial que se daria na Inglaterra do século XVIII. Os pensadores franceses: Voltaire e a liberdade burguesa O pensamento iluminista francês caracterizou-se pelas críticas ao absolutismo e à nobreza, bem como à parceria da Igreja Católica com tal esquema de poder. Para os pensadores iluministas, a França era vítima de “parasitas” que sugavam todas as suas energias, gastando-as irresponsavelmente em festas e luxos. Esse quadro de filósofos, críticos do chamado Antigo Regime, teve como suas principais expressões Voltaire, Montesquieu, Rousseau e os enciclopedistas D’Alembert e Diderot. Voltaire (1694-1778) é provavelmente o mais conhecido pensador iluminista francês. Seu discurso ácido, crítico, de burguês empenhado em desestabilizar a monarquia e seus pilares, foi duramente criticado em território francês, fazendo com que Voltaire se refugiasse por várias vezes na Suíça protestante. Embora tenha morrido antes de inaugurada a Revolução, em 1789, certamente Voltaire deixou um legado importante para compor o espírito e o conteúdo do discurso revolucionário. Como escritor, no Dicionário Filosófico (publicado em 1784), Voltaire deixou claro seus conceitos de liberdade e de igualdade. Referindo-se à liberdade, Voltaire (2003) afirmou: “Vossa vontade não é livre mas vossas ações o são. Tendes a liberdade de fazer quando tendes o poder de fazer” (VOLTAIRE, 2003, p. 350). Aqui vemos o pensamento profundo daquele que foi um dos sustentáculos do lema “liberdade, igualdade, fraternidade”. Para Voltaire, a liberdade não se dá da mesma forma para todos e em absoluto não se concretiza como uma bênção geral. Ela tem limites, que estão impostos pela ausência de poder. Tanto mais “poder de fazer”, mais “liberdade de fazer”. A ausência de poder elimina a possibilidade de liberdade. Isso pode soar como crítica à concentração do poder. É no entanto, uma constatação filosófica de que a liberdade está no contexto do que é possível, muito mais do que no contexto do que é desejável. Voltaire, semelhantemente a Hume, vê a história como algo evolutivo, em progresso. Para ele, a “história do espírito humano” (como ele preferia dizer), consagraria os tempos da sociedade burguesa como o período marcado pela primazia da razão humana, finalizando a evolução da humanidade em termos culturais. Vê-se que o brado pela igualdade dos homens e pela defesa de direitos iguais para todos, que partiu da Revolução Francesa para ganhar o mundo e que teve em Voltaire e nos outros filósofos franceses os seus porta-vozes intelectuais, soa ambíguo. Seu entusiasmo com a liberdade esbarra em seu conceito de liberdade. Seu desejo de justiça se compromete na instalação de um liberalismo político voltado para manter privilégios de classe. Sua interpretação da história, enfim, define-se em vê-la concretizada no projeto político e cultural burguês. Conclusão O que é a história? Temos visto que para os iluministas era o tempo da caminhada humana rumo à sociedade definitiva, mesmo que tal termo não compareça na literatura desses filósofos. Mas está implícito, certamente. Nesse sentido, caberia a todas as forças sociais e instituições políticas respaldar os interesses burgueses, pois tal cultura haveria de ser responsável por concretizar a felicidade geral da humanidade. Pela razão e pelo capital, o iluminismo propôs eliminar as trevas. O que conseguiu, em parte, pelo incentivo à ciência. O que negou de outra parte, ocultando com seu discurso a real possibilidade de um mundo de liberdade e justiça aos explorados e oprimidos. Saiba mais Absolutismo, absolutista1: Refere-se ao modelo político adotado por monarcas europeus nos séculos XVI, XVII e XVIII, no qual a figura do rei concentrava todos os poderes em suas mãos. Canal da Mancha2: Faixa de mar que separa o continente europeu das ilhas britânicas. Parlamento3: Casa legislativa e uma das sedes do poder político nas sociedades do Ocidente. A história dos parlamentos está ligada ao surgimento do parlamento inglês, no começo do século XIII. Consuetudinária4: Palavra que se refere a direitos adquiridos por herança de sangue. Jacobinos5: Ala mais radical dos revolucionários franceses, que desejava aprofundar as transformações da Revolução Francesa em favor dos pobres e excluídos. Presbiteriano6: A palavra se refere a um ramo da Reforma protestante do século XVI que surgiu na Escócia e se espalhou pela Europa e também, posteriormente pela América. Chegamos ao fim desta aula. Agora, acesse o Fórum para dividir a opinião com seus colegas. Se as dúvidas persistirem, não deixe de esclarecê-las com o seu professor. REFERÊNCIAS FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: EDUSC, 1998. LAMBERT, P.; SCHOFIELD, P. (Org.). História: introdução ao ensino e à prática. Porto Alegre: Penso, 2011. VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martin Claret, 2003.
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