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Table of Contents ESTUDOS DE CASO EM PSICOLOGIA CLÍNICA COMPORTAMENTAL INFANTIL - VOL.1 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO PARTE 1 - FUNDAMENTOS CONCEITUAIS 1. AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO CLÍNICA COMPORTAMENTAL INFANTIL 2. O ESTUDO DE CASO CLÍNICO COMPORTAMENTAL 3. A EVOLUÇÃO DAS HABILIDADES SOCIAIS E O COMPORTAMENTO EMPÁTICO 4. A PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL INFANTIL: NOVOS ASPECTOS PARTE 2 - ESTUDOS DE CASO GRUPAIS 5. A INTERVENÇÃO CLÍNICA COMPORTAMENTAL COM FAMÍLIAS 6. A INTERVENÇÃO CLÍNICA EM GRUPO DE CRIANÇAS FILHAS DE PAIS SEPARADOS 7. ORIENTAÇÃO PREVENTIVA DE UM GRUPO DE MÃES DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE INTERAÇÃO PARTE 3 - ESTUDOS DE CASO RELATIVOS A PROBLEMAS DE SAÚDE 8. CRIANÇAS COM PROBLEMAS CRÔNICOS DE SAÚDE 9. CRIANÇAS PORTADORAS DE CÂNCER 10. O TRATAMENTO DO STRESS INFANTIL NOTAS SOBRE OS AUTORES OUTROS LIVROS DOS AUTORES REDES SOCIAIS CRÉDITOS ESTUDOS DE CASO EM PSICOLOGIA CLÍNICA COMPORTAMENTAL INFANTIL – VOLUME I – FUNDAMENTOS CONCEITUAIS, ESTUDOS GRUPAIS E ESTUDOS RELATIVOS A PROBLEMAS DE SAÚDE Edwiges Ferreira de Mattos Silvares (org.) >> SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Edwiges Ferreira de Mattos Silvares PARTE 1: FUNDAMENTOS CONCEITUAIS 1.AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO CLÍNICA COMPORTAMENTAL INFANTIL Edwiges Ferreira de Mattos Silvares 2.O ESTUDO DE CASO CLÍNICO COMPORTAMENTAL Edwiges Ferreira de Mattos Silvares e Roberto Alves Banaco 3.A EVOLUÇÃO DAS HABILIDADES SOCIAIS E O COMPORTAMENTO EMPÁTICO Eliane Falcone 4.A PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL INFANTIL: NOVOS ASPECTOS Fátima Cristina de Souza Conte e Jaíde A. Gomes Regra PARTE 2: ESTUDOS DE CASO GRUPAIS 5.A INTERVENÇÃO CLÍNICA COMPORTAMENTAL COM FAMÍLIAS Maria Luiza Marinho 6.A INTERVENÇÃO CLÍNICA EM GRUPO DE CRIANÇAS FILHAS DE PAIS SEPARADOS Carmen Garcia de Almeida Moraes e Silvia Cristiane Murari 7.ORIENTAÇÃO PREVENTIVA DE UM GRUPO DE MÃES DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE INTERAÇÃO Márcia Melo, Edwiges Ferreira de Mattos Silvares e Fátima Cristina de Souza Conte PARTE 3: ESTUDOS DE CASO RELATIVOS A PROBLEMAS DE SAÚDE 8.CRIANÇAS COM PROBLEMAS CRÔNICOS DE SAÚDE Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral e Sílvia Regina Teixeira Pinto de Albuquerque 9.CRIANÇAS PORTADORAS DE CÂNCER Suzane Schmidlin Löhr 10.O TRATAMENTO DO STRESS INFANTIL Marilda Emmanuel Novaes Lipp NOTAS SOBRE OS AUTORES OUTROS LIVROS DOS AUTORES REDES SOCIAIS CRÉDITOS APRESENTAÇÃO Esta obra foi idealizada e organizada com o objetivo de integrar a teoria e a prática da psicologia clínica comportamental infantil, e vai ao encontro de uma necessidade sentida pelos profissionais de abordagem comportamental e definida especialmente em reuniões da Associação Brasileira de Psicoterapia e Modificação de Comportamento (ABPMC), qual seja, a de ter estudos de caso brasileiros discutidos à luz da teoria comportamental como uma forma de promover seu desenvolvimento. Como tal, destina-se a profissionais e professores de psicologia clínica e de psicologia da saúde (psicólogos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas etc.), bem como a estudantes dessas áreas. Este livro não poderia ter sido escrito antes, em virtude da história da abordagem comportamental que, por ser recente, não tinha, até fins da década de 1970, um conhecimento acumulado em relação ao tratamento dos distúrbios comportamentais infantis. Por outro lado, já deveria estar disponível para o público, em vista da carência de trabalhos nessa área no Brasil, que hoje já tem um contingente profissional ávido de conhecimentos científicos produzidos neste país e no exterior. O procedimento para compor os capítulos foi o mais simples possível: convite pessoal aos autores. Estes, em sua maioria, são professores universitários, considerados de expressão acadêmica, com domínio do tema do capítulo pelo qual ficaram responsáveis. Tanto a expressão acadêmica como o domínio do tema foram evidenciados pela participação acadêmico-científica e profissional deles em reuniões científicas, entre elas as da ABPMC. Foram também solicitados a participar da elaboração desses 19 capítulos psicólogos clínicos mestres ou doutores, do programa de pós-graduação em psicologia clínica da Universidade de São Paulo, cujo produto de dissertação/tese fosse relativo a transtorno de comportamento infantil considerado do ângulo da abordagem comportamental. A obra é constituída de dois volumes e pode ser lida em partes relativamente independentes, embora seja mais procedente e desejável a leitura dos dois volumes ao mesmo tempo. Este primeiro volume abrange três partes distintas, a saber: fundamentos conceituais, estudos de caso grupais e estudos de caso relativos a problemas de saúde. Na primeira parte, é apresentado um breve, mas necessário, conjunto de quatro capítulos sobre os fundamentos teóricos e históricos da disciplina, os quais dão subsídios para a compreensão do que se encontra nos demais capítulos dos dois volumes. No primeiro capítulo dessa primeira parte, são discutidos os pontos essenciais da avaliação e da intervenção clínica comportamental; no segundo, os principais aspectos de um estudo de caso clínico comportamental; no terceiro, o desenvolvimento do comportamento empático, que, se favorecido, poderia prevenir os distúrbios infantis e adultos; e no quarto, evoluções no atendimento infantil em psicoterapia. Na segunda parte deste primeiro volume, encontram-se três capítulos relativos a estudos de caso clínicos grupais, apresentados na seguinte ordem: primeiramente, o tratamento de famílias em abordagem comportamental (capítulo 5); em seguida, o tratamento de crianças filhas de pais separados (capítulo 6); finalmente, aborda-se o tema da orientação preventiva em grupo de mães de crianças com dificuldades de interação (capítulo 7). Já na terceira parte deste primeiro volume, o trabalho sobre crianças com problemas crônicos de saúde (capítulo 8), crianças com câncer (capítulo 9) e crianças com estresse (capítulo 10) compõe os três últimos capítulos. Em cada um de seus capítulos relativos a estudos de caso propriamente ditos, o autor buscou fundamentar teoricamente, de maneira sintética, o que existe até o momento na literatura da área sobre o transtorno abordado, ou seja, o que há de mais avançado no tema em questão. Em seguida, descreveu uma intervenção clínica por ele levada a efeito na forma de estudo de caso clínico. Assim, este livro, em sua segunda e terceira parte, é composto de seis estudos de caso clínicos com exemplos demonstrativos da integração teoria e prática. No segundo volume desta obra, nove outros estudos de caso clínicos são descritos com a mesma estrutura dos presentes, perfazendo um total de 15 estudos, cuja leitura esperamos venha a contribuir para alcançar os objetivos propostos quando a obra foi idealizada. Edwiges Ferreira de Mattos Silvares PARTE 1 FUNDAMENTOS CONCEITUAIS 1 AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO CLÍNICA COMPORTAMENTAL INFANTIL Edwiges Ferreira de Mattos Silvares Introdução O objetivo do presente capítulo é discutir, ainda que de forma sucinta, nossas concepções acerca de alguns conceitos fundamentais da psicologia clínica, voltando-nos para o universo infantil, para permitir a compreensão melhor dos capítulos que compõem a segunda parte do presente trabalho. Nessa medida, inicialmente discutiremos uma delimitação conceitual de termos psicológicos, para, a seguir, considerar as relações entre os conceitos abrangidos pelos termos discutidos e as etapas supostas pela prática clínica, quando tais conceitos são aplicados.Uma delimitação necessária de termos: O que se entende por terapia e por intervenção clínica comportamental? Embora nem sempre haja consenso sobre o que seja terapia comportamental e o que seja intervenção clínica comportamental, julgamos preferível identificar os dois termos, dando o nome de intervenção clínica ao processo que sucede o diagnóstico e se entremeia com ele, objetivando alterações comportamentais e/ou o bem-estar daquele que busca auxílio psicológico, seja ele um cliente adulto ou uma criança. Assim, consideramos sob o mesmo rótulo – intervenção clínica – todas as atividades incluídas nos programas de atendimento psicológico que tenham os mesmos objetivos acima, sejam elas levadas a efeito na escola, na comunidade, no lar ou no consultório, por meio de interações particulares entre terapeuta e cliente. Nossa visão se aproxima da de Sturmey (1996), uma vez que esse autor julga que, entre as tarefas desenvolvidas por qualquer terapeuta, encontra-se a avaliação clínica comportamental de um problema, de modo que determine a intervenção apropriada para solucionar tal problema, seja alterando comportamentos, pensamentos ou sentimentos, a ele relativos, seja de outra forma qualquer. E mais, seja esse problema o de um cliente individual, um cliente grupo ou um cliente instituição. Temos feito essa opção por julgar que todas essas formas de atendimento psicológico comportamental têm uma meta em comum, qual seja, a promoção do bem-estar psicológico do cliente. Acrescentamos, como se pode perceber, o adjetivo comportamental ao termo intervenção, pelo fato de tais atividades serem desenvolvidas dentro desse referencial teórico, que tem como pressuposto básico que o comportamento tem valor em si mesmo (Barrios 1988), ou seja, o comportamento, dentro desse referencial, é o dado por excelência e não deve ser tomado como sinal de algo de maior valor. Por que a opção pelo termo intervenção clínica comportamental infantil? Muitos psicólogos clínicos reservam o termo terapia apenas para o último caso, isto é, para interações, em geral diádicas, feitas de forma individualizada, em consultórios particulares. Em nossa opinião, porém, independentemente do local ou da forma de atuação na intervenção, o psicólogo clínico comportamental age, pelo menos em princípio, com base no processo de análise funcional, seja implementando programas previamente delineados e estruturados de forma mais ou menos rígida, seja definindo particularmente cada etapa de seu trabalho no momento mesmo em que interage com o cliente, como ocorre quando sua atuação se dá em consultórios. Isso porque, tanto no último caso como nos anteriores, em psicologia clínica, essa análise, que faz parte de um diagnóstico prévio, é, em nossa opinião, essencial. Nossa posição parece ser similar à de Meyer (1992), embora a autora se tenha restringido em sua discussão à terapia e não se voltado para o diagnóstico comportamental, como o fazemos hoje. O que se entende por diagnóstico? E por avaliação? Por que a junção avaliação diagnóstica? O diagnóstico, muitas vezes também chamado de avaliação, implica várias atividades, levadas a efeito de modo que defina as melhores estratégias comportamentais para alcançar o bem-estar psicológico do cliente, seja ele descrito ou não em termos de mudanças de comportamentos problemáticos. De acordo com Hayes (1987), avaliação comportamental é a identificação e a medida de unidades significativas de resposta e de suas variáveis controladoras (tanto ambientais quanto organísmicas), com a finalidade de entender e alterar o comportamento humano. Para o autor, a avaliação comportamental não é simplesmente um conjunto de técnicas observacionais, é mais ampla, e supõe ações voltadas para as três facetas do comportamento (motor, cognitivo e fisiológico). O termo avaliação diagnóstica comportamental é por nós usado da mesma forma que Hayes usa o termo avaliação comportamental, qual seja, como uma maneira de avaliar o comportamento que se utiliza de pressupostos comportamentais. Temos dado preferência por juntar os dois termos (avaliação e diagnóstico) em virtude de três motivos principais: 1)Porque o termo diagnóstico dá maior especificidade de significado ao processo. De acordo com o American Heritage Dictionary of the English Language, diagnóstico é “a análise da natureza de alguma coisa e as conclusões a que se chega com base em tal análise” (Morris 1971, p. 363); 2)porque se trata de um termo com tradição na área de avaliação dos distúrbios psicológicos em geral, e não apenas na abordagem comportamental, ao passo que o termo avaliação é mais comumente usado nesta última; 3)porque, em geral, incluímos no processo de avaliação a classificação do comportamento de acordo com um manual classificatório de transtornos mentais, ou seja, de acordo com o DSM-III-R (APA 1990) e DSM-IV (APA 1994). Essa nossa posição parece receber apoio de outros profissionais da área, entre os quais, por exemplo, Torós (1997). Antes de finalizar esta seção, é mister ainda acrescentar que foi apontado por Mejias (1991) que Korchin, em 1976, ao discutir o conceito de diagnóstico, aproxima sua conceituação com a que existe no Webster’s Third New International Dictionary, culminando por definir avaliação como “um processo pelo qual os clínicos obtêm do cliente informações que possibilitam a compreensão necessária para a tomada de decisões” (Korschin 1976, p. 124, apud Mejias 1991, p. 32). A autora vai além e diz que o autor passa da expressão diagnóstico para a expressão avaliação sem nenhum preâmbulo, reservando, entretanto, o primeiro termo para “o ato particular de especificar um rótulo psiquiátrico nosológico” (ibidem). Curiosamente, nossa decisão quanto à junção dos dois termos foi feita sem conhecimento das afirmações de Mejias. Essa autora dedicou uma grande parte de seu trabalho à discussão desses conceitos, considerando-os do ponto de sua evolução histórica, com objetivo de clareá-los. O leitor interessado no aprofundamento das questões aqui discutidas em brevidade deve reportar-se a ela (Mejias 1991). Questões formuladas na avaliação diagnóstica comportamental O que é feito nas várias fases da avaliação diagnóstica, independentemente da idade do cliente, está logicamente associado às questões essenciais, que são, nessas fases, formuladas pelo psicólogo que busca auxiliar seu cliente. A seguir, apresentamos as diferentes fases da avaliação diagnóstica e as questões a elas associadas adaptadas de Barrios (1988) e apresentadas na Tabela 1. Uma breve inspeção da tabela fornecerá ao leitor uma característica essencial e particular da avaliação diagnóstica comportamental: sua inter-relação com o tratamento. A avaliação não é feita apenas antes da intervenção, mas durante toda a intervenção e mesmo após seu término, quando se deseja saber se os efeitos do tratamento ainda perduram após este haver terminado. Ela é contínua e inteiramente mesclada com o processo terapêutico, pois será ela que indicará em que medida este está ou não sendo efetivo. TABELA 1: RESUMO DAS FASES E QUESTÕES NELAS FORMULADAS DURANTE A AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA FASES DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA QUESTÕES FORMULADAS 1) Identificação do problema 1. Qual é a natureza das dificuldades do cliente? 2. As dificuldades do cliente merecem tratamento? 2) Análise funcional 1. Quais são os fatores mantenedores da condição problemática? 3) Seleção do tratamento 1. Que pré-requisitosde comportamento do cliente (entre asalternativas) estão disponíveis? 2. Que pré-requisitos ambientais do cliente (entre as alternativas)estão disponíveis? 3. Que pré-requisitos do terapeuta (entre as alternativas) estãodisponíveis? 4. Que estratégia de tratamento parece indicada para a condiçãoproblemática do cliente? 4) Avaliação do tratamento 1. O tratamento está sendo desenvolvido de forma correta? 2. Que mudanças ocorreram? 3. Há efeitos colaterais das estratégias propostas? 4. Podem as mudanças observadas ser atribuídas ao tratamento? 5. Os benefícios do tratamento estão satisfatórios? 6. O tratamento deveria ser finalizado ou alterado? Ao passar por essas fases, respondendo às questões a elas específicas, o clínico necessariamente está tentando alcançar alguns objetivos. Vejamos quais. Os objetivos da avaliação diagnóstica comportamental Os quatro objetivos da avaliação comportamental listados por Barrios (1988) podem ser transpostos para o que concebemos como avaliação diagnóstica comportamental. Assim, são objetivos dela os seguintes: a)auxiliar a identificação dos comportamentos problemáticos do cliente, bem como as condições que estão contribuindo para mantê-los (questões 1 e 2, antes definidas); b)auxiliar a definição de estratégias de tratamento apropriado para alterar esses comportamentos, constituam-se eles em deficit ou excessos comportamentais (questão 3, antes especificada); c)auxiliar a avaliação da eficácia do tratamento proposto e a revisão do tratamento, quando for constatado que o que foi anteriormente proposto não está sendo efetivo (questão 4, antes especificada). Toda e qualquer avaliação diagnóstica, independentemente da abordagem teórica que a norteia, pode se processar com esses mesmos objetivos. Há, entretanto, uma diferença entre o que é nela feito por diferentes abordagens teóricas psicológicas, em virtude dos pressupostos a elas subjacentes. São esses pressupostos, no presente caso, os da abordagem comportamental, que determinam diversos aspectos da avaliação diagnóstica, quais sejam, o que se supõe em relação aos instrumentos que nela são empregados, sua sequência, seu escopo e suas finalidades. Dentre os vários pressupostos subjacentes à abordagem, pode-se dizer que a determinação do comportamento pelo ambiente é o pressuposto essencial a se considerar, seja esse comportamento do cliente pessoa ou do cliente instituição. As causas dos problemas/dificuldades apresentados pelo cliente devem ser buscadas no ambiente. Passemos, então, a ilustrar com exemplos como pode o clínico proceder para alcançar esses objetivos ou passar pelas fases que o levarão a atender às necessidades de seu cliente. O que for afirmado de forma sintética aqui poderá ser ampliado pelo leitor interessado no assunto em Silvares e Gongora (1998). Identificação do problema Dois pontos essenciais precisam ser esclarecidos nessa fase da avaliação, a saber: as dificuldades que o cliente traz para o terapeuta são de natureza psicológica? Respondendo afirmativamente à pergunta anterior, deve-se formular outra: são as dificuldades de uma intensidade e frequência que mereçam intervenção? Como fazer para responder a essas duas questões? Um sólido conhecimento do desenvolvimento infantil é suposto para responder à primeira questão por diversos motivos, quais sejam: a)muitos problemas infantis decorrem da fase de desenvolvimento pela qual a criança está passando (por exemplo, não ter controle dos esfíncteres antes dos 2 anos, ter medo de tudo etc.); b)alguns pais levam seus filhos à clínica psicológica por questões passageiras, decorrentes de situações estressantes pelas quais a criança está passando (por exemplo, perda de um bichinho de estimação, entrada na escola, mudança de bairro etc.), questões que poderão ser resolvidas no decorrer do tempo; c)a literatura tem mostrado que diversos problemas infantis têm dupla natureza (orgânica e psicológica) e como tal devem receber, para um tratamento mais efetivo, um atendimento duplo com o psicólogo e com o médico. Claro está que, ao responder à primeira das questões, o psicólogo clínico usará referentes comportamentais, especificando os comportamentos problemáticos a serem alvo da atenção psicológica e os comportamentos alternativos que entrarão em lugar deles. É a ênfase no desenvolvimento da competência social que caracteriza a intervenção clínica comportamental mais atualizada (Miyazaki e Silvares 1997). Para responder à segunda questão, entretanto, além do conhecimento de desenvolvimento infantil, o psicólogo precisa de vasta experiência com o universo comportamental infantil, visto não existirem normas delimitadoras do que é aceitável no comportamento de criança. É sabido que muitas crianças com padrões de comportamento semelhantes aos de crianças clínicas não são encaminhadas para tratamento, assim como também é conhecido o fato de crianças serem encaminhadas por problemas de natureza parental e não delas. O fato de que o determinante do comportamento anormal é de caráter social fica ainda mais evidente no caso da criança do que no do adulto. Por outro lado, como não se tem um referencial neutro, a intervenção acarreta problemas para justificar, do ponto de vista ético, a seleção da melhor estratégia a ser delineada para a solução do problema (Silvares 1995). Tem sido de grande auxílio para o psicólogo, ao tentar responder à segunda questão, reportar-se aos manuais de classificação diagnóstica (como por exemplo, o DSM-IV, APA, 1984), nos quais são definidos critérios objetivos para um diagnóstico diferencial de diversos quadros clínicos, assim como são também especificados os diversos comportamentos a serem observados para se considerar um quadro clínico. Outros elementos, como a duração da queixa para ser considerada como merecedora de atenção psicológica, a faixa etária para que o problema possa ser considerado uma anomalia de comportamento, o curso do desenvolvimento esperado para diversos problemas e outros aspectos de diversos distúrbios são descritos nesses manuais, os quais auxiliam sobremaneira a formulação do caso. Embora inúmeros clínicos comportamentais tenham no passado rejeitado esses instrumentos por vários motivos que fogem ao escopo deste trabalho, hoje é cada vez maior o número dos que se apoiam consideravelmente neles em benefício do cliente. Análise funcional A descoberta dos fatores ambientais que contribuem para que os comportamentos problemáticos se mantenham é a chave principal de toda avaliação comportamental, independentemente da etiologia que os tenha gerado ou da história de seu desenvolvimento. Isso porque é com base no levantamento desses fatores que se planeja a intervenção que se processa em um contexto de aqui e agora. Em outras palavras, busca-se no ambiente os antecedentes e os consequentes dos quais o(s) comportamento(s) é(são) função(ões), isto é, que o controlam atualmente, e busca-se alterá-los para, em decorrência, modificar os comportamentos problemáticos. Este último ponto é o que dá à avaliação comportamental seu caráter distintivo, o que demonstra existir uma relação de necessidade entre avaliação e intervenção. A posição aqui defendida é a de que não é possível, sem uma análise funcional bem-elaborada, planejar uma intervenção bem-sucedida. Pode-se dizer que o sucesso na elaboração adequada de uma análise funcional será fruto tanto da experiência quantoda formação teórica do clínico, pois não há regras ou técnicas a priori a serem seguidas para levantar tais antecedentes e consequentes. Sabe-se, porém, que, na entrevista inicial, é muito mais importante, em vez de indagar os porquês do comportamento, buscar saber como, quando e onde ele ocorre. A forma usada pelo clínico para processar essa análise, isto é, a metodologia e os instrumentos por ele empregados para encontrar os determinantes do comportamento (ou seja, formular uma análise funcional, inicialmente hipotética), depende do tipo de comportamento, da idade do cliente e de suas características. Assim, o modo de o psicólogo agir se tem diante de si um adolescente com um quadro de oposição aos familiares ou uma criança em idade escolar com um quadro de ansiedade de separação será diverso, mas os objetivos (busca dos determinantes do comportamento) não. Inúmeros recursos têm sido usados para tal levantamento, seja pedir ao cliente que grave suas interações, seja pedir aos familiares que o observem, seja dar aos clientes uma agenda para que nela anotem quando, onde e como fazem o que reclamam fazer (suas queixas). Já tivemos oportunidade de nos manifestar sobre a importância e a necessidade do registro quando se procede a uma avaliação e não vamos nos alongar nesse ponto. O leitor interessado no aprofundamento dessa questão poderá se reportar a Silvares (1991a, 1991b, 1991c e 1995). Numerosos autores têm reconhecido a importância de considerar dois tipos de análise funcional: uma microscópica e outra macroscópica. Na primeira delas, a busca pelos determinantes terá seu foco restrito ao comportamento atual, que está perturbando o cliente. Na macroscópica, os comportamentos problemáticos são vistos na interação com outros comportamentos do cliente, e suas interações no ambiente referem-se tanto ao ambiente microscópico onde ele está inserido como às relações dele com outros ambientes no seu sistema macroscópico. Assim, ao se buscarem os determinantes do comportamento de uma criança com transtorno de conduta, por exemplo, não apenas se devem considerar as situações familiares em que ele pode ser visto, mas também determinar as relações desse tipo de transtorno com outros comportamentos da criança, sejam eles problemáticos ou não, além de se procurar também compreender esse sistema comportamental em relação ao sistema comunitário e familiar mais amplo. Essa junção dos dois tipos de análise funcional, necessária para uma intervenção clínica comportamental efetiva, é denominada compreensão funcional por Silvares (1991a). Sem ela, a seleção da intervenção, que é extraída dessa fase, ficaria parcial, para dizer o mínimo. Seleção do tratamento Uma vez compreendidos os fatores determinantes do comportamento alvo das queixas, pode-se esboçar uma estratégia de atuação clínica para alterá-los. No caso das crianças, existem inúmeras formas de trabalho, e elas serão objeto de análise em cada um dos capítulos da segunda parte desta obra. Cumpre, entretanto, sinalizar que, para alguns tipos de transtorno, a ação conjugada envolvendo criança, psicólogo e pais, além de outros agentes sociais julgados pertinentes, tem-se mostrado mais satisfatória. Não é demais sinalizar que a qualidade da relação terapêutica que se estabelece desde o início da intervenção é fundamental em qualquer uma das três fases vistas até o momento, pois, sem que esta seja positiva, não se consegue evoluir nem da primeira fase, que dizer da fase em que os agentes sociais deverão partilhar com o psicólogo da compreensão dos determinantes do problema para alcançar sua solução. Seja uma mãe ou um pai de criança enurética que auxilia seu filho a superar a dificuldade de controle de esfíncteres, seja pai ou mãe da criança com dificuldades escolares, o trabalho de intervenção deve ser discutido de forma clara e acessível, visto que sua colaboração será essencial para o futuro desse trabalho. Esse ponto é muito bem sinalizado por Sanders e Dadds (1996) e discutido por Silvares (1998). Os autores propõem etapas claras para a sessão de feedback com os pais, com o objetivo de definir estratégias interventivas favoráveis à solução da problemática infantil. Com a sessão de feedback, passa-se, então, à fase mediana do trabalho de intervenção infantil, na qual são implantadas e avaliadas as estratégias delineadas na fase anterior. Uma discussão levantada com alguma frequência ultimamente tem sido a de se a seleção de tais estratégias pode prescindir da análise funcional, e, pelo que já foi exposto até o momento, o leitor pode depreender que nossa posição tem sido a de que o sucesso na implantação de técnicas comportamentais sem a prévia análise do caso não contradiz a necessidade desta, apenas sinaliza a regularidade do comportamento humano. Avaliação do tratamento As seis questões apontadas por Barrios (1988) para esta fase não podem deixar de ser analisadas rapidamente aqui. São elas: 1)O tratamento está sendo desenvolvido de forma correta? 2)Que mudanças ocorreram? 3)Há efeitos colaterais das estratégias propostas? 4)Os benefícios do tratamento estão satisfatórios? 5)O tratamento deveria ser finalizado ou alterado? 6)Podem as mudanças observadas ser atribuídas ao tratamento? Todas essas seis perguntas têm ligação entre si, mas as duas primeiras estão mais intensamente interligadas, e são muito importantes no direcionamento da intervenção, pois, se não houver alterações comportamentais, algo terá de ser alterado na intervenção. Se o tratamento estiver sendo seguido de forma correta, o direcionamento será totalmente diverso do que o que deverá ser dado se as respostas a ambas as questões forem negativas, ou se apenas a primeira delas tiver resposta afirmativa. Se não ocorreram mudanças, a despeito de o tratamento estar sendo desenvolvido de forma correta, este deverá ser repensado. Em outras palavras, se a resposta para a primeira e a segunda perguntas for sim, então, o tratamento levado a efeito de forma correta não está trazendo os benefícios esperados. Assim, dever-se-ia verificar em que ponto da análise funcional realizada houve falhas ou se estas residiram no estabelecimento das relações entre as estratégias propostas e os determinantes do comportamento. Essas duas possibilidades não seriam levadas em consideração no caso de o tratamento não estar sendo feito corretamente, sem mudanças decorrentes, pois a ação deveria ser a de encontrar as razões pelas quais o tratamento proposto não está sendo seguido. As duas primeiras questões têm vínculo tanto com a terceira como com a quarta e a quinta questões; vejamos por quê. Toda intervenção clínica só é satisfatória se soluciona os problemas que levaram à intervenção. Assim, para respondermos às duas penúltimas questões (se o tratamento está sendo satisfatório e se pode ser finalizado ou deve ser alterado), é preciso que as mudanças obtidas estejam em acordo com as expectativas de mudanças para as quais as estratégias de intervenção foram planejadas. E, mais, que tais alterações não tenham trazido outras tantas mudanças inesperadas e consideradas efeitos colaterais. Por exemplo: uma criança opositora poderá ter seu comportamento de oposição alterado pelo processo de extinção e passar a mostrar outros comportamentos desajustados como, por exemplo, passar a fazer xixi na cama. O comportamento novo, que poderia ser visto como “uma substituiçãode sintomas”, pode também ser considerado o resultado de uma análise funcional incompleta ou mal- elaborada. O psicólogo percebeu que a oposição vinha sendo reforçada pelos responsáveis, mas não percebeu que estes vinham, de uma maneira geral, dando pouca atenção à criança. Assim, uma vez que a criança deixou de receber atenção pela oposição, para garantir um nível de atenção de seus responsáveis, passa a exibir um novo comportamento desajustado. O tratamento só pode ser considerado finalizado se atinge os objetivos iniciais definidos na avaliação e não acarreta outros problemas para a criança. São esses pontos que têm obrigado os terapeutas comportamentais infantis a aceitarem a premissa de que a criança que apresenta um transtorno de comportamento está tentando, ainda que de forma tosca, resolver um problema. Nessa medida, na busca dos determinantes do comportamento dela, procuram abranger não só a análise funcional microscópica, mas também a macroscópica. É também para garantir que os efeitos da intervenção alcancem o maior número possível de ambientes e pessoas, bem como tenham repercussão não só imediata, mas também a longo prazo, que essas duas análises vêm sendo desenvolvidas. A preocupação com a generalização está presente na questão sobre os efeitos colaterais, da mesma forma que o está na questão sobre a duração dos efeitos da intervenção. O psicólogo só poderá estar inteiramente satisfeito com os resultados de sua ação se puder responder negativamente aos efeitos colaterais e positivamente à garantia das mudanças. Para essa garantia, é sabido que as ações que antecedem a alta devem ser programadas para permitir que não haja retrocesso nos ganhos evidenciados depois da intervenção. Quanto à última das questões, isto é, se as mudanças observadas podem ser atribuídas à intervenção, é uma pergunta cuja resposta terá de ser inferida e cuja validade vai depender de vários cuidados quanto aos procedimentos seguidos pelo clínico, cuidados esses dos quais o leitor interessado poderá se inteirar no capítulo relativo ao estudo de caso clínico comportamental neste livro ou, de forma mais detalhada, em Kazdin (1982). Referências bibliográficas APA (American Psychological Association) (1990). “Diagnostic and statistic”, Manual of Mental Disorder. 3ª ed. Washington, D.C.: Author. ________ (1994). “Diagnostic and statistic”, Manual of Mental Disorder. 4ª ed. Washington, D.C.: Author. BARRIOS, B.A. (1988). “On the changing nature of behavioral assessment”. In: BELLACK, A.S. e HERSEN, M. (orgs.). Behavioral assessment – A practical handbook. 3ª ed. Nova York: Pergamon Press. HAYES, S. (1987). “Delineamento e avaliação em situações de educação e psicologia”. Texto apostilado e impresso com tiragem reduzida para curso com o mesmo nome, proferido pelo autor na Universidade Federal de São Carlos. KAZDIN, A.E. (1982). Single-case research designs: Methods for clinical and applied settings. Cambridge: Oxford University Press. KORSCHIN, S.J. (1976). Modern clinical psychology: Principles of intervention in the clinic and community. Nova York: Basic Books. MEJIAS, N.P. (1991). “Estudos sobre estratégias de avaliação – Intervenção em instituições de atendimento à criança”. Tese de livre-docência defendida no Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. MEYER, S.B. (1992). “Quais os requisitos para que uma terapia seja considerada comportamental? Tópicos avançados em terapia comportamental”, Anais do IV Encontro Paranaense de Psicologia (22 a 25 de agosto), pp. 195-200. Londrina: Conselho Regional de Psicologia da 8ª região, Paraná. MIYASAKI, M.C.O. e SILVARES, E.F.M. (1997). “Diagnóstico e intervenção clínica comportamental infantil: Uma breve revisão”, Estudos de Psicologia, v. 14, n. 1 (janeiro-abril), pp. 15-29. MORRIS, William (org.) (1971). The American Heritage Dictionary of the English Language. The American Heritage Dictionary of the English Language & Houghton Mifflin Company. SANDERS, M.R. e DADDS, M.R. (1996). Behavioral family intervention. Boston: Allyn Bacon. SILVARES, E.F.M. 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Psicologia clínica comportamental: A inserção da entrevista com adultos e crianças. São Paulo: Edicon. STURMEY, P. (1996). Functional analysis in clinical psychology. Chichester, Inglaterra: John Willey & Sons. TORÓS, D. (s.d.). “O que é diagnóstico comportamental”. In: DELITTI, M. (org.). Sobre o comportamento e cognição. Santo André: ArBytes, pp. 98-104. 2 O ESTUDO DE CASO CLÍNICO COMPORTAMENTAL Edwiges Ferreira de Mattos Silvares Roberto Alves Banaco Introdução Um dos livros considerados mais significativos na história da terapia comportamental, escrito em 1965, composto por 50 estudos de caso, é o livro de Ulmann e Krasner, Case studies in behavior modification. Seu valor se deve tanto a seu pioneirismo na abordagem comportamental, considerada nascente nos anos 50 (Franks 1996; Kazdin 1996), quanto à forma de apresentação: estudos de caso clínicos. Para Barcelos e Haydu (1998), o lançamento desse livro, além de marco histórico, pode ser considerado um evento que influenciou o desenvolvimento da terapia comportamental tanto de orientação operante como respondente. As afirmações anteriores não são surpreendentes, visto que o estudo de caso é considerado uma das peças fundamentais do psicólogo clínico no entender de diferentes autores, sejam eles comportamentais ou não (por exemplo Barlow, Hayes e Nelson 1986; Bolgar 1965; Guilhardi 1988a; Hayes 1986; Kazdin 1982; Kratochwill e Mace 1986). De fato, Skinner (1989) introduz e justifica a tese de que o estudo de caso é de extrema importância para o desenvolvimento do estudo do comportamento. Diz ele: A suposição de que há no comportamento a ordem do dado científico se defronta algumas vezes com outra objeção. A ciência se ocupa do geral, mas o comportamento do indivíduo é necessariamente único. A “história de caso” tem riquezas e características que estão em nítido contraste com os princípios gerais. É fácil a gente se convencer de que há dois mundos distintos e que um está além do alcance da ciência. (p. 30, grifos nossos) Não é de estranhar, portanto, que a grande maioria dos profissionais envolvidos com análise comportamental aplicada conceba o estudo de caso como a peça central para a solução de um velho problema da psicologia clínica, qual seja, o hiato entre a pesquisa e a prática (Barlow, Hayes e Nelson 1986; Hayes 1986; Kazdin 1982). Nessa medida, para os estudiosos dessa área, o estudode caso não é apenas útil, mas necessário (Hayes 1986). Vejamos primeiramente em que se constitui o estudo de caso, para, depois, avaliar em que medida ele pode, de fato, resolver esse hiato. Em que se constitui o estudo de caso Quando se fala em estudo de caso ou “no registro contínuo de observações cuidadosas”, nas palavras de Bolgar (1965), clássicos da história da psicologia como “Anna O.”, “pequeno Hans”, “pequeno Albert”, são quase sempre lembrados, pois é inegável o quanto esses registros das observações, feitos pelos clínicos responsáveis por esses estudos, tiveram impacto marcante sobre o desenvolvimento de várias teorias psicológicas (Bolgar 1965; Kratochwill e Mace 1986). Embora não haja consenso sobre como proceder no estudo de caso, em geral, ele se constitui, em psicologia clínica, no relato fiel e sistemático do que foi feito com o cliente durante o processo terapêutico, abrangendo também a história de vida do paciente e outras informações que possam levar a uma compreensão completa do caso atendido. O estudo de caso, portanto, é, como os exemplos antes lembrados testemunham, um dos métodos à disposição do clínico-pesquisador para a produção de conhecimento em psicologia. Para Bolgar (1965), com o qual concordam Kratochwill e Mace (1986), a metodologia do estudo de caso na produção de conhecimento em psicologia clínica é mais antiga do que na experimental, o que, no entanto, não demonstra a precedência ou superioridade deste tipo de método sobre o outro. Por outro lado, Campbell e Stanley (1963) consideram que só o método experimental tem valor científico, mas essa afirmação é contestada pela grande maioria dos psicólogos clínicos. Em que termos se dá a distinção entre os dois principais métodos de investigação científica em psicologia clínica? É ainda de Bolgar (1965) que nos lembramos primeiramente, para dar início à discussão dessa questão. Para essa autora, o estudo de caso, cuja natureza é eminentemente exploratória, representa a abordagem tradicional de pesquisa em psicologia clínica, visto permitir alcançar como objetivo primário a descoberta e a formulação de hipóteses. Nas palavras da própria autora, o estudo de caso: É o método preferido do psicólogo clínico, por estar este interessado nas complexas inter-relações de muitas variáveis e cujo objeto de estudo, isto é, a situação clínica que envolve seres humanos, tornar difícil, senão impossível, a manipulação experimental. (p. 28, grifo nosso) A defesa do emprego do estudo de caso como método de construção de conhecimento em psicologia clínica independe da abordagem teórica assumida pelo estudioso, e é feita de longa data, haja vista a opinião antiga de Bolgar (1965), autora freudiana, cuja posição se assemelha à defendida por Evans (1995), autor comportamental. Este, recentemente, defendeu o método de forma idêntica à feita pela autora, isto é, associando-o ao caráter ideográfico da disciplina. Outro ponto partilhado pelos dois autores, distanciados no tempo e na teoria, é o relativo ao caráter nomotético a ser garantido pela psicologia. As duas orientações possíveis em psicologia e suas relações com o estudo de caso Parece caber no momento um esclarecimento acerca das duas possíveis orientações (ideográfica e nomotética) em psicologia, cujos pontos de discriminação são sinteticamente apresentados na Tabela 1, extraída de Silvares (1997), baseada em Evans (1995). TABELA 1: PONTOS DISCRIMINANTES DAS ORIENTAÇÕES IDEOGRÁFICA E NOMOTÉTICA EM PSICOLOGIA PONTOS DE COMPARAÇÃO ORIENTAÇÃO IDEOGRÁFICA NOMOTÉTICA Observador do comportamento Clínico Pesquisador Delineamento Sujeito único De grupo Ação Clínica Acadêmico-científica Objetivo principal Singularidade do cliente Regularidade do grupo Avaliação Análise funcional Diagnóstico Tratamento Personalizado Padronizado Baseando-nos nas posições de Bolgar (1965), vamos procurar esclarecer os pontos essenciais que discriminam as duas posturas, ao mesmo tempo que tentar mostrar as relações das duas com os dois métodos mais significativos de nossa ciência. Para a autora, o método experimental (em geral, identificado com estudos que utilizam delineamento de grupo, para usar a terminologia empregada na Tabela 1) é o único que pode assegurar o reconhecimento da psicologia como uma ciência nomotética (por alcançar o objetivo de demonstrar a regularidade do grupo estudado, deve-se acrescentar, seguindo a Tabela 1). Além disso, para ela, o teste das hipóteses levantadas pelo estudo de caso deve ser feito pelo método experimental (que dita normas metodológicas, tais como a padronização do tratamento, perseguidas pelo pesquisador em sua ação acadêmico- científica, ainda como apontado na Tabela 1). É fácil entender a restrição da autora, visto que esse teste, para ela, não pode ser realizado pelo primeiro método (cujo objetivo primário é o atendimento personalizado ao cliente, voltado para sua singularidade, cliente esse cujas necessidades são atendidas com base na análise funcional e testadas pelo delineamento do tipo sujeito único, como pode ser visto também na Tabela 1). No entanto, Skinner, ao propor uma ciência do comportamento humano, já criticava os conceitos nomotéticos e o uso da estatística em psicologia: A previsão do que um indivíduo médio fará é, freqüentemente, de pouco ou nenhum valor ao se tratar com um indivíduo particular. Os quadros estatísticos das companhias de seguro de vida não são de nenhum valor para um médico ao prever a morte ou a sobrevivência de um paciente. (1989, p. 31) Decorrente dessa visão, a tradição da análise aplicada do comportamento tem feito pesquisa com delineamento experimental de sujeito único, com o propósito de demonstrar, numa mesma história de vida, as alterações provocadas por algumas variáveis mensuráveis e manipuláveis. O delineamento de sujeito único, algumas vezes denominado N=1, caracteriza-se por tomar medidas repetidas de uma variável quantificável de um caso único (Barker, Pistrang e Elliott 1994). O valor do estudo de caso como a ponte que liga a prática e a pesquisa em psicologia clínica Muitos analistas do comportamento, embora reconheçam o valor do estudo de caso para a ciência psicológica, não concordam inteiramente com Bolgar sobre o fato de o estudo de caso ser apenas um estágio para a comprovação de hipóteses levantadas por aquele método ou, nas palavras de Hayes (1986), “muito mais do que ser a frágil irmã do empreendimento de pesquisa clínica, as análises de caso são o seu cerne” (p. 181, grifo nosso). Autores como Hayes certamente discordam de Bolgar também quanto à posição sobre como proceder para comprovar hipóteses, visto ser o delineamento de grupo o único método científico de comprovação de hipóteses para ela. A posição de Hayes, identificada como a da grande maioria dos analistas de comportamento, decorre do fato de muitos de seus colegas estarem preocupados com o hiato existente entre a prática e a pesquisa em psicologia clínica. Esse hiato tem sido atribuído ao pouco consumo, pelos clínicos, do que é produzido em pesquisa (Barlow, Hayes e Nelson 1986). Tal afirmação, entretanto, não foi confirmada por um estudo mais recente de Beutler, Williams, Wakefield e Entwistle (1995). Esses autores, num levantamento realizado com 325 psicólogos americanos, chegaram à conclusão de que os clínicos não só leem o que é produzido pelos acadêmicos, por valorizarem a pesquisa científica, como também levam em consideração os dados deseus estudos na prática clínica. A distância entre as duas áreas parece se dar de outra maneira: de fato, os práticos se aproximam mais dos cientistas do que estes dos primeiros, pois os clínicos leem mais o que é produzido pelos pesquisadores do que estes se interessam pelas preocupações dos clínicos, segundo Beutler et al. (1995). A despeito de terem encontrado esse dado empírico, Beutler e seus colaboradores reconhecem que ainda são limitados os meios de comunicação entre esses dois tipos de profissionais, o que não é desejável. Por isso mesmo, reafirmam a necessidade de todos os esforços serem envidados para o aumento de intercâmbio entre cientista e clínico, e para criação de novos meios de comunicação entre eles, para facilitar esse intercâmbio. Nesse mesmo sentido, já em 1979, Ferster apontava que se a análise comportamental é um complemento para a prática clínica, então, ela precisará contribuir para a observação e a descrição dos fenômenos clínicos como eles ocorrem na completa complexidade do ambiente natural. Keehn e Webster (1969) fazem a mesma distinção quando diferenciam terapia comportamental e modificação do comportamento. Eles definem que a tarefa da análise do comportamento (modificação) é um meio de entender como o comportamento é adquirido e alterado, e, por essa razão, aplicável aos objetivos das terapias tanto psicodinâmicas quanto comportamentais. (p. 288) No Brasil, Guilhardi tem sido um dos maiores defensores do uso do caso clínico como forma de pesquisa em clínica, chamando os clínicos à responsabilidade de demonstrar ser a ação terapêutica a responsável pelas mudanças operadas no cliente, bem como sobre a necessidade de divulgar os ganhos conseguidos por meio de estratégias determinadas pela análise funcional por eles processada. Em razão do hiato entre a pesquisa e a prática em psicologia clínica, diversos autores (entre eles, Guilhardi) têm proposto o estudo de caso, com certas restrições metodológicas, como uma forma de aproximação da pesquisa e da prática. Vejamos a seguir que restrições são essas e por que elas são impostas pelos analistas comportamentais. Que forma o estudo de caso deve assumir para poder ser visto como a ponte que liga a prática e a pesquisa em psicologia clínica Em seu trabalho “O terapeuta é um cientista?”, Luna (1997) aponta várias diferenças entre a prestação de serviços e a realização de uma pesquisa. Nessa oportunidade, afirmava que De fato, se, no caso particular da clínica psicológica, tiverem de ser mantidos critérios da pesquisa experimental, tais como as análises que permitem identificar operantes, os critérios de estabilidade e os procedimentos para identificação da mudança comportamental, então, a clínica deve ser reduzida a um laboratório em que o problema de pesquisa assume primazia sobre a “queixa” do cliente. Em outras palavras, devemos abrir mão da possibilidade de que a AEC venha a permitir a pesquisa durante a intervenção clínica. (p. 309) Por essa razão, o estudo de caso pode ser a forma ideal de aumentar o corpo de conhecimento em terapia comportamental. O conhecimento e a descrição de uma história de vida, acrescidos de identificação e destaque de variáveis relevantes que expliquem as mudanças dos comportamentos observados (e talvez mensurados), são o caminho ideal para que se faça um bom estudo de caso. Segundo Barker, Pistrang e Elliott (1994), existem pelo menos duas formas principais de fazer um relato de caso: a que se vale de um delineamento experimental e a que se vale do estudo de caso naturalístico. O estudo de caso com delineamento experimental O estudo de caso com delineamento experimental é aquele no qual um tratamento ou uma intervenção são testados num único sujeito, para averiguar se são efetivos. O comportamento do sujeito serve como seu próprio controle. Para fazer esse tipo de estudo, o profissional deve selecionar a medida ou as medidas de comportamento que serão utilizadas na avaliação. Essas medidas devem ser capazes de ser coletadas repetidamente, breves e minimamente reativas à manipulação (tratamento ou intervenção) selecionada para o estudo. Tendo escolhido a(s) medida(s), o próximo passo é selecionar a frequência de tomada da medida. Essa frequência pode ser diária, semanal ou, ainda, ser tomada hora a hora etc. O delineamento começa com a coleta de dados de linha de base, sendo desejável que o comportamento não varie muito em frequência durante esta fase. Depois da coleta, a intervenção começa a ser feita ou o tratamento começa a ser implementado. Os dados continuam a ser coletados com as mesmas medidas, na mesma frequência de coleta. Os estudos de caso com delineamento experimental também podem variar segundo as possibilidades de introdução e remoção de variáveis de intervenção e/ou tratamento. Alguns estudos possibilitam o delineamento denominado ABAB, no qual a uma linha de base (fase A) se segue a introdução do tratamento (fase B), seguida de um retorno às condições de linha de base (fase A) e, em seguida, da reintrodução do tratamento (fase B). Esses estudos têm enfrentado críticas severas na história da pesquisa em clínica, em virtude, principalmente, do retorno das condições de linha de base A, que seria, sabidamente, a fonte de queixa dos clientes. Também enfrentam uma outra dificuldade, que pode ser a irreversibilidade do comportamento a ser estudado, em razão de outras variáveis não controladas. Por esse motivo, alguns estudos se utilizam apenas do delineamento AB (linha de base A, seguida por fase de tratamento B). Esses estudos sofrem críticas metodológicas, por resultar em evidências fracas do controle experimental. Como ter certeza de que as mudanças observadas na fase B não ocorreriam apenas com a passagem do tempo? Para evitar os problemas até agora apresentados, vários estudos se utilizam da técnica de linha de base múltipla. Para realizar um estudo de caso desse tipo, é necessário ter vários comportamentos-problema, sensíveis à mesma variável, ou o mesmo comportamento-problema exibido em vários locais diferentes e independentes. Toma-se a medida de cada um dos problemas (ou do mesmo problema em vários ambientes) e faz-se a intervenção gradativamente em cada um deles, observando se as mudanças ocorrem apenas no comportamento sobre o qual a intervenção foi aplicada. O delineamento de estudo de caso naturalístico Quando não se pode (ou não se consegue) fazer uma manipulação do tipo da apresentada nos delineamentos de estudos experimentais de caso (definição da medida ou das medidas de comportamento que serão utilizadas na avaliação, ou quando essas medidas não são passíveis de ser coletadas repetidamente, o delineamento de estudo de caso naturalístico pode ser utilizado. Ainda que sofram a crítica de produzir dados mais dificilmente comparáveis e generalizáveis, esses costumam ser estudos que ampliam o conhecimento sobre alguns problemas dos quais não conhecemos ainda as variáveis relevantes a serem manipuladas em algum experimento, ou podem fornecer indícios sobre as intervenções que supostamente provocam mudanças nos comportamentos observados. Classificados por Barker, Pistrang e Elliott (1994), sob essa égide, encontram-se os estudos de caso narrativos (os estudos de caso baseados na memória e nas anotações do clínico), os estudos de caso sistemáticos (que reúnem, organizam e encontram regularidade em dados similares de várias experiências clínicas)e os delineamentos de passagem de tempo (mais correlacionais, que descrevem, por exemplo, o efeito de um processo terapêutico sobre uma doença dita “somática”). Conceitos de validade interna, externa e de constructo A legitimidade e, em última análise, a utilidade de um estudo dependem da confiabilidade que esse estudo alcança em suas afirmações a respeito do problema sobre o qual se tentou aumentar o conhecimento. Essa confiabilidade dependerá das validades interna e externa que o estudo alcançar. Segundo Johnston e Pennypacker (1993), a validade interna refere-se à apropriação da atribuição causal das variáveis independentes destacadas no estudo. Kazdin (1994) sugere a resposta à seguinte questão a respeito da validade interna de um estudo: “Em que extensão pode a intervenção [realizada] ser considerada como a razão para os resultados, as mudanças ou as diferenças do grupo, em vez de influências não consideradas?” Johnston e Pennypacker (1993) levantam algumas dessas influências, que devem ser consideradas na validação interna do estudo: história do indivíduo, especialmente eventos não controlados, que ocorrem enquanto o estudo está sendo desenvolvido; mudanças maturacionais, ligadas ao processo de maturação biológica do indivíduo; testes que interferem na medida obtida; funcionamento do instrumento de registro, que pode sofrer danos no decorrer da coleta dos dados; vieses de seleção de sujeitos, ou seja, a própria seleção dos sujeitos poderia indicar um resultado ou outro; difusão do tratamento entre as situações controle e experimental, passando uma a interferir na outra. Kazdin (1982) sugere alguns cuidados para superar a validade interna que merecem ser lembrados. Os estudos de caso variam nas inferências válidas que permitem. A variabilidade está associada a tipos de dados, ocasiões de avaliação, curso do problema, tipo de efeito, número e heterogeneidade dos sujeitos abrangidos pelos estudos. Assim, se sobre um problema cujo curso é conhecido, de modo que permita uma previsão sobre sua continuidade, incidir uma intervenção clínica na qual são obtidos dados objetivos, avaliados de forma contínua, com vários clientes com efeitos marcantes, haverá maior segurança quanto à validade das inferências por ele permitidas. A validação externa refere-se à extensão que os resultados alcançam em outras circunstâncias do estudo, ou seja, o quanto podem ser generalizados. Johnston e Pennypacker levantam mais questões sobre a validade externa de um estudo: generalidade entre sujeitos, settings e classes de respostas; generalidade através do tempo; reatividade aos arranjos experimentais; reatividade às medidas de avaliação inicial; e, finalmente, interferência de tratamentos múltiplos durante a coleta de dados. Ou seja, segundo Kazdin (1994), as principais ameaças à validade externa seriam possíveis limitações à generalidade dos resultados em virtude das características da amostra selecionada, das características do próprio terapeuta ou das condições do estudo. Já a validade de constructo diz respeito às bases conceituais sobre as quais foram eleitos os recortes comportamentais e as definições das classes de respostas que serão refletidas nas categorias de observação, mensuração e registro. As ameaças a esse tipo de validade estão ligadas ao viés teórico possivelmente imposto pela teoria em detrimento do dado, e afetariam a atenção ao sujeito e o contato com ele. Ainda seriam ameaças a esse tipo de validade as expectativas do sujeito e do experimentador, e, ainda, “dicas” inadvertidas que afetariam as respostas esperadas (Kazdin 1994). Portanto, o estudo de caso, para permitir inferências sólidas e válidas, deve ser feito de modo que elimine, ou pelo menos minimize e denuncie em sua discussão, as ameaças que sofreu quanto às validades interna, externa e de constructo. Conclusões Para Evans (1995), o hiato pesquisa/prática clínica se traduz no conflito entre as duas possíveis orientações (ideográfica e nomotética) da disciplina, as quais têm, cada uma de per se, pontos fortes e fracos. As fraquezas da primeira, para esse autor, residem em sua dependência do julgamento clínico e da avaliação do cliente, ambos feitos de forma subjetiva e que não permite a possibilidade de replicação. Já as limitações da abordagem nomotética se encontram, entre outras, em sua dependência da designação correta dos clientes a uma mesma categoria diagnóstica, do encorajamento do desenvolvimento da terapia como tecnologia e da contradição entre os pressupostos básicos de uma disciplina voltada para a aplicação de princípios do comportamento de acordo com uma análise funcional e não a aplicação fixa de estratégias. O autor tem como proposta para resolver o impasse desse conflito a junção das duas orientações, isto é, Evans defende que a psicologia clínica tenha uma orientação nomotética, mas que, ao mesmo tempo, não contradiga os princípios básicos da abordagem comportamental. Em outras palavras, deseja que os norteadores da ação clínica comportamental sejam os princípios comportamentais e não as técnicas, tal como se tem visto com muita frequência na literatura. A esse respeito, Banaco (1998) tem defendido que a técnica é um procedimento, um modo de proceder; ela é, segundo o Aurélio eletrônico, “o conjunto de processos de uma arte”. Se sua descrição for precisa o suficiente, ela pode ser treinável e aplicável por qualquer pessoa. É muito comum que psiquiatras e terapeutas comportamentais treinem desde estudantes de psicologia a parentes de clientes como acompanhantes terapêuticos. A função desse treino é ensinar-lhes a aplicação de técnicas comportamentais. Depois de apresentada ao público ou publicada, uma técnica qualquer supostamente pode ser aplicada por qualquer um que tenha acesso a ela. No entanto, o grande equívoco está na decisão da aplicação de uma técnica. Quando a aplicação de uma técnica deriva de uma análise funcional, exercida por um analista do comportamento ou terapeuta comportamental, certamente ela será bem aplicada e os resultados, benéficos para a pessoa que sofreu sua aplicação. Mas, partindo de um modelo médico ou quase-médico, e tendo um diagnóstico de uma patologia ligada ao comportamento de uma pessoa, bastará um relato de aplicação de técnica que tenha funcionado para que a tentação de aplicá-la no caso presente seja imperiosa. (p. 6) Pode-se dizer que essa seja uma proposta próxima da defendida por Guilhardi (1988a). Apesar de esse autor brasileiro não se ter voltado explicitamente para a análise dos delineamentos de grupo como forma de fazer pesquisa em psicologia, fica implícita sua rejeição por essa forma de ação, se a identificarmos como a ação que promove a separação ou o distanciamento entre a pesquisa e a prática clínica. Pode- se ainda aproximar esse autor de Evans por sua rejeição do uso cego de técnicas (Guilhardi 1988b), uma das fraquezas da orientação nomotética no ver de Evans (1995). Por fim, o estudo de caso em terapia comportamental, seja ele experimental ou naturalístico, deve ser conduzido tomando-se os cuidados necessários para que sejam úteis (tenham validade interna, externa e de constructo) e possam contribuir para uma massa de conhecimentos a respeito do comportamento humano. A esse respeito, Luna (1998) afirma: Independentemente das razões pelas quais se opte pelo estudo de caso, o pesquisador – como ocorre em qualquer outra situação de pesquisa – deve estar ciente do alcance e dos limites de suas conclusões. Diante dos resultadosobtidos por um estudo de caso, o pesquisador defronta-se com as seguintes possibilidades (não necessariamente excludentes): 1. O estudo tem um valor restrito ao âmbito da pesquisa, configurando uma prestação de serviços (...). 2. O estudo tem um caráter exploratório e os resultados – ainda que não generalizáveis – são analisados de modo a abrir perspectivas para estudos subseqüentes. 3. Dependendo da compatibilidade (teórica e metodológica) entre as informações obtidas na pesquisa e outras disponíveis na literatura, o pesquisador pode estar em situação de extrapolar o âmbito de seus resultados e indicar graus de generalidade. 4. O pesquisador conta com uma (sólida) teoria, cujo poder explicativo é suficiente para tornar os resultados do estudo de um caso um exemplo das relações previstas por ela. (p. 311) Referências bibliográficas BANACO, R.A. (1998). “Técnicas cognitivo-comportamentais e análise funcional”. Palestra proferida no simpósio “Contribuições atuais em terapia comportamental”, durante o VII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, em Campinas, 13 de setembro de 1998. Mimeo, inédito. BARCELOS, A.B. e HAYDU, V.B. (1998). “História da psicoterapia comportamental”. 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Nova York: Holt, Rinehart and Winston, Inc. 3 A EVOLUÇÃO DAS HABILIDADES SOCIAIS E O COMPORTAMENTO EMPÁTICO Eliane Falcone Introdução A habilidade de interagir socialmente parece promover efeitos positivos na qualidade das relações interpessoais, com consequentes benefícios profissionais e pessoais. Por outro lado, estudos mostram que os comportamentos sociais inadequados estão relacionados a uma variedade de problemas clínicos (McFall 1982; Trower, O’Mahony e Dryden 1982), atingindo de 25 a 30% dos pacientes neuróticos (Argyle 1984). Essas constatações incentivaram a criação de programas de treinamento em habilidades sociais (TSH), tanto na forma individual quanto em grupo (para uma revisão mais detalhada do assunto, ver Argyle 1974 e 1984; Caballo 1991, 1993 e 1995; Collins e Collins 1992; Hazel, Sherman, Schumaker e Seldon 1985; Rose e Le Croy 1985). O conceito de habilidades sociais tem sido considerado, por alguns autores, sinônimo de assertividade (Caballo 1991, 1993 e 1995). O comportamento assertivo refere-se à habilidade de expressar sentimentos e desejos de forma honesta, direta e apropriada, sem violar os direitos dos outros (Alberti e Emmons 1983; Lange e Jakuboski 1976). Estudos que avaliaram os efeitos do treinamento assertivo apontam a ocorrência de aumento da autoconfiança e da realização pessoal (Delamater e McNamara 1986), redução da depressão (Rimm 1967) e da ansiedade social (Falcone 1989; Robach, Franyn, Gunby e Twters 1972). Entretanto, uma revisão de estudos feita por Delamater e McNamara (1986) sugere que a expressão assertiva dos próprios direitos costuma ser percebida como mais competente e efetiva, porém menos agradável, amigável, satisfatória ou apropriada, do que a expressãonão assertiva. Além disso, expressar-se de maneira empática (demonstrando consideração especial para com as necessidades da outra pessoa), antes de usar a assertividade direta, pode minimizar qualquer avaliação negativa potencial da assertividade. Hargie, Saunders e Dickson (1987) chamam a atenção para os riscos da assertividade, especialmente na interação profissional com superiores ou no confronto com uma pessoa muito agressiva. Argyle (1984) afirma que “a habilidade social efetiva nem sempre consiste em comunicar os verdadeiros sentimentos aos outros” (p. 406). Em determinados contextos sociais, especialmente quando há conflito, torna-se necessário controlar as próprias emoções e fazer um esforço para compreender e validar os sentimentos, desejos e perspectiva da outra pessoa, antes da manifestação dos próprios sentimentos, desejos e perspectiva (Goleman 1995; Guerney 1987; Nichols 1995). As evidências citadas acima mostram que o treinamento assertivo pode facilitar resultados positivos de interações nas quais o indivíduo está expressando os próprios sentimentos, desejos e direitos. Entretanto, nem sempre a conduta assertiva é a mais apropriada para uma comunicação satisfatória, o que sugere ser a assertividade apenas um tipo de habilidade entre outras necessárias a uma boa interação social. MacKay (1988) sustenta que a habilidade social compreende um repertório mais amplo de respostas, entre as quais o treinamento assertivo é mais restrito e está inserido no programa de desenvolvimento de habilidades interpessoais. Matos (1997) propõe que a assertividade “não esgota a noção de competência social” (p. 75). Outra habilidade social apontada como importante para as relações interpessoais bem-sucedidas se refere à empatia. O comportamento empático inclui: a) um componente cognitivo, caracterizado por uma capacidade de compreender acuradamente a perspectiva e os sentimentos dos outros; b) um componente afetivo, caracterizado por sentimentos de compaixão/preocupação com a outra pessoa; e c) um componente comportamental, entendido como manifestações verbal e não verbal de compreensão dos estados internos da outra pessoa (para uma compreensão mais detalhada do assunto, ver Davis 1980, 1983a e 1983b; Egan 1994; Feschbach 1992 e 1997; Greenberg e Elliott 1997). Estudos sobre os efeitos sociais da empatia mostram que ela desempenha um papel importante na qualidade das relações interpessoais, reduzindo conflitos e aumentando o vínculo. Em uma revisão feita por Brems, Fromme e Johnson (1992), esses autores encontraram que a empatia mostra uma tendência para provocar efeitos interpessoais mais positivos do que a autorrevelação. Outra revisão de estudos realizada por Burleson (1985) sugere que as pessoas empáticas despertam afeto e simpatia, são mais populares e ajudam a desenvolver habilidades de enfrentamento, bem como reduzem problemas emocionais e psicossomáticos em amigos e familiares. Burleson também verificou que, entre seis medidas diferentes de habilidade de comunicação, a habilidade de confortar é mais bem diferenciada entre grupos de crianças populares e que crianças não aceitas sofrem mais riscos de problemas de ajustamento no futuro. Em um estudo realizado por Long e Andrews (1990), foi constatado que a adoção de perspectiva, definida como uma tendência cognitiva de se colocar no lugar de outra pessoa, é preditiva de ajustamento marital. Essa pesquisa fortalece o modelo de satisfação no relacionamento conjugal apresentado por Davis e Oathout (1987), que se baseia na noção de que a personalidade em geral e a empatia em particular afetam a satisfação da relação por meio de suas influências sobre comportamentos específicos de mediação. Tal modelo foi testado em 264 casais heterossexuais e foi fortemente apoiado. Em uma revisão de Ickes e Simpson (1997), foi encontrado que a acuidade empática, definida como a habilidade de inferir acuradamente o conteúdo específico dos pensamentos e sentimentos de uma pessoa, é positiva para o ajustamento marital. O interesse crescente da literatura pelo tema empatia pode ser identificado durante os anos 80, quando ela é apontada como uma habilidade importante para o ajustamento pessoal e profissional (ver Eisenberg e Strayer 1992b; Feshbach 1997; Goleman 1995; Nichols 1995). Se, durante muito tempo, essa habilidade foi considerada um atributo dos psicoterapeutas e dos profissionais de ajuda, atualmente ela tem sido reconhecida como necessária a todas as pessoas. Como consequência, começou a surgir um número significativo de programas de treinamento de empatia em crianças em idade escolar (ver Cotton s.d.; Feschbach 1997). O treinamento da empatia também tem sido aplicado em médicos, com o objetivo de melhorar a relação médico- paciente (Amack 1995); em presidiários criminosos, para reduzir o índice de reincidência às prisões (ver Goleman 1995); em casais, para reduzir conflitos conjugais (Guerney 1987), e na área educacional (Smith e Montelo 1992). Com o objetivo de aumentar a comunicação empática em estudantes universitários, Falcone (1998) avaliou um programa de treinamento de empatia que mostrou ser eficaz ao aumentar a capacidade dos estudantes em ouvir, compreender e demonstrar compreensão empaticamente, tanto em situações de ajuda quanto em situações de conflito. Assim, parece haver um consenso de que a empatia exerce grande influência sobre o bem-estar individual e social, constituindo, portanto, um tema importante a ser explorado. Essa importância, tanto teórica quanto praticamente, faz com que ela mereça se tornar um foco especial de pesquisa psicológica (Ickes 1997). Este capítulo pretende apresentar uma revisão da literatura sobre os componentes do comportamento empático e os fatores que podem contribuir para o desenvolvimento da empatia. Os componentes da empatia O termo empatia originou-se do vocábulo alemão einfühlung, utilizado pela primeira vez por Robert Vicher, em 1873, em seu tratado de psicologia da estética e da percepção formal. A psicologia da estética de Vicher incluía uma autoprojeção no objeto artístico (apud Wispé 1992). Mais tarde, Titchener (1909) criou o termo empatia como uma versão de einfühlung, pensando que seria possível conhecer a consciência de outra pessoa pela imitação interior ou pelo esforço da mente. Em outras palavras, a seriedade, a modéstia, a arrogância, a cortesia e a dignidade podiam ser não somente percebidas, como também sentidas, pelo esforço da mente (apud Wispé 1992). Desde então, a empatia tem sido objeto de estudo na psicologia nas áreas evolutiva, social, clínica e da personalidade (Eisenberg e Strayer 1992b). No campo da psicoterapia, a obra mais relevante sobre a empatia foi a de Carl Rogers (1951, 1957 e 1975). As primeiras definições de empatia seguiam uma perspectiva cognitiva ou uma perspectiva afetiva. A primeira enfatizava a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa e de entender e predizer precisamente os seus sentimentos e pensamentos, podendo ou não experimentar os mesmos sentimentos daquela pessoa, sem fazer julgamentos (Rogers 1959). A segunda considerava que a empatia é um processo primordialmente afetivo, com alguns componentes cognitivos. Nesse caso, o indivíduo que empatiza experimenta vicariamente uma emoção que é congruente, porém não necessariamente idêntica, à emoção da outra pessoa (Mehabian e Epstein 1972; Hoffman 1977 apud Thompson 1992). Mais recentemente,
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